quarta-feira, 22 de junho de 2016

GUERRAS 1846/05/00-1848/01/20


1846/05/00
«Foi em maio de 1846 que o Governador de Cacheu, Crato, se ausentou para Cabo Verde, por doença, entregando o Governo a Honorio Barreto, que era official de 2. ª linha, estando ali ô 2.º tenente de arlilharia Francisco de Paula e Mello, a quem competia substitui-lo.
Em 19 de novembro de 1846 communicando o governador ao ministro a sahida precipitada do governador de Cacheu, por doença, e por ter ficado Honorio Pereira Barreto, que era um paisano, com o governo, havendo ali officiaes militares, lhe affirmou que se ia cumprir a lei, assumindo esse governo o official de maior patente que estivesse naquella Praça.
Que esse seu procedimento não agradára ao referido Honorio que já tinha feito promessas, em 14 de julho, de fazer serviços na guerra contra os levantados de Farim: que em 2 de agosto lhe officiara Honorio. Deixando transpirar o despeito por não ter approvado o facto d'elle ter assumido a posse d'aquelle Governo.
Nessa mesma data recebeu tambem o Governador Geral uma representação de tres indivíduos estabelecidos em Cacheu, pedindo-lhe para que Honorio continuasse a ficar encarregado d'aquelle governo e para o governo, em Lisboa, se mandou outra identica representação.
Não houve motivo para deferir o pedido dos negociantes de Cacheu por o governador d'essa Praça foi para lá assumir o seu cargo em 5 de janeiro de 1847.
Devia tomar conta do governo o 2.º tenente Francisco de Paula Mello que se recusou a obedecer á ordem allegando que lhe faltavam os dotes que Ilonorio reunia para fazer face aos acontecimentos.
O Governador Geral, convicto de que o procedimento d'este official fôra resultado de um accordo com Honorio, e que representava uma desobediencia, mandou-o recolher a Cabo Verde para responder em Junta de Justiça.
Vejamos agora os o.fficios de Honorio t para o Governador Geral e outras correspondencias sobre o governo de Cacheu.
Tenho o desgosto de participar a V. Ex.ª que os grumetes de Farim se acham inteiramente sublevados; esta noticia não deve surprehender a V. Ex.ª pois desde o ann9 do 1843 que elles preparam esta revolta, sendo talvez animados agora pela impunidade da sedição de Geba com cujos habitantes se communicam pelo interior .
Um dos grumetes acutilou um caixeiro, Antonio dos Reis Silva, e sendo perguntado pelo encarregado do commando daquelle presidio, acêrca de tal facto, disse que estava arrependido de o não ter matado. Ultimamente, todos juntos, tendo á testa seu juís, intimaram ao encarregado do commando, que não qμeriam que continuasse a haver barracas feitorias em terra dos Mandingas; e por causa disto teem elles ido, em assuada, descarregar as canôas de diversos commerciantes que queriam levar generos para suas feitorias.
Havendo um negociante, Manuel da Luz Ferreira, mandado por terra algumas fazendas para sua feitoria, os grumetes foram atacar sua gente no caminho e lhe tomaram 50 àrrateis de polvora e regressando para o presidio foram investir o dito Ferreira, em sua casa, de noite, e o quizeram matar atirando-lhe tres cutiladas, que felizmente acertaram no chapeu; por influencias do encarregado commando e do juíz do povo, Gregorio Correia, que apesar disso é o chefe ostensivo da revolta, deixaram-lhe a vida, contentando-se em multa-lo no valor de tres garrafões de aguardente.
O cammandante de Farim, o 2.º tenente Francisco de Paula e Mello, acha-se n'este presidio com licença desde os princípios de maio, tempo este em que estava o Governador, e conhecendo eu que a sua presença ali seria inutil ou antes deshonrosa ao Governo por não poder sustentar a dignidade que devem manter todas as auctoridades, ordenei-lhe que não regressasse para aquelle presidio, continuando a ficar encarregado ao meu agente José da Silva Santos Costa, a quem o governador, e não eu, havia incumbido tal cargo.
Tencionei logo reunir uma força de grumetes de Zeguichor e de escravos deste presidio (pois esta bateria apenas tem praças) para ir submetter os revoltosos, e pedindo a meus parentes de Zeguichor gente, elles me responderam que não m'a podiam agora fornecer, porque se achavam todos ocupados na cultura do arroz, mas que no mez de setembro me dariam a força que eu quizesse.
Reuni os principaes negciantes d'este presidio, com cuja ajuda em gente e munições eu conto, ·e da copia junta da acta que mandei lavrar V. Ex.ª melhor verá qual foi o resultado dessa reunião.
Sendo os grumetes apoiados pelos gentios, não se trata de os bater mas só de prender os cabeças do motim para evitar que unindo-se com os gentios venham depois da minha retirada acommetter aquelle Presidio.
Ê certo que até setembro deve aqui estar o governador, ou outra pessoa deste governo; porem como julgo que essa pessoa ou mesmo o governador não terão os· mesmos meios de combater a revolta, como eu possuo pelas minhas relações, eu peço a V. Ex.", como uma graça que me incumba d'esta operação. Não quero que se repitam neste governo as scenas de Bissau; nem desejo que os factores desta revolta fiquem impunes como teem ficado os das antecedentes.
Consta-me que alguns notaveis de Farim induziram e animam os grumetes para esta ·revolta; se se verificar tal, eu assevero a V. Ex:.ª que os remeterei á sua presença com o compétente processo.
V. Ex,ª deve suspender as garantias individuaes em Farim para se poder obrar convenientemente.
Se até setembro não vier governador para este Presidio, o que nem desejo nem espero, e se eu não tiver recebido ordens algumas de V. Ex.ª, a este respeito, previno-lhe que partirei para Farim com uma força de 150 homens e em vinte e quatro horas restabelecerei a ordem com bem pouca despesa do governo.
Presentemente está o negocio inteiramente parado, porque ningllem quer arriscar suas fazendas em Farim, onde não ha segurança, pois os grumetes são os que governam,
Cacheu, 14 de julho de 1846.
· (a) Honorio Pereira. Barreto, encarregado do Governo.
Acta a que se refere o officio supra.
Aos 14 dias do mez de julho de 1846, neste Presidio de Cacheu e nas casas do Commendador Honorio Pere!ra Barreto, encarregado deste governo, se reuniram, havendo sido para isso convidados, José Dias de Moura, Pedro Correia Seabra e Guilherme Miranda Carvalho, negociantes, deste mesmo Presidio.
O referido encarregado do governo havendo nomeado á mim, Guilherme Miranda Carvalho, para escrever esta acta, exigiu de todos presentes que debaixo da sua palavra de honra, guardassem o maior segredo sobre o que se tratar e todos lh'o prometteram. Começou o mesmo encarregado do Governo dizendo que os grumetes de Farim estavam inteiramente sublevados; que elle contava reunir uma força para os ir submetter e que havia pedido ao encarregado do Commando de Farim algumas informações necessarias para o bom exitú da empreza; e que este lhe respondera que existiam alli 60 homens sublevados, mas que se podiam ainda reunir outros tantos óu·mais ;- que os gentios de Fajangoto, proximo ao Presidio, apoiavam os revoltados e que lhe constara que os gentios das aldeias mais visinhas tambem os favoreciam; e que se devia receiar sempre uma traição dá parte dos ditos gentios, e que finalmente se este governo intentasse operár hostilmente contra os sublevados devia levar uma força destinada para alli ficar estacionada, se não que os amotinados se juntarão com os gentios para atacarem o Presidio depois da retiradada força que fosse submette-los. Continuou o mesmo encarregado do governo a dizer que por isso mandara convocar as pessoas presentes, como as principaes, e com quem mais contava para o ajudarem com gente, e alguns donativos mais, para lhe darem agora o seu parecer; pois a força militar deste governo é mui diminuta para poder dar um destacamentó capaz de defender aquelle Presidio; que a força que elle conta levar para com ella operar é composta de gente de Zeguichor, que não se podiam demorar alli mais de tres dias. e de escravos deste Presidio; que elle espera do patriotismo dos notaveis lhe hajam de dar: Disse mais que hoje recebera de seus amigos e parentes de Zeguicbor uma carta em que lhe declaravam que não podiam dar-lbe a gente que havia pedido, senão no mes de setembro futuro, pois todos estavam occupados na cultura do arroz e que a força que podia obter neste Presidio de Cacheu era mais pequena ; pois não se trata, neste caso, de se bater corajosamente, mas só de sitiar Farim para os sublevados não poderem fugir para o gentio e depois voltarem com este a atacar o Presidio; que sem a gente de Zeguichor julga que não obterá aquelle fim, mas que lhe parece que é muito longa a demora até setembro e por isso pedia o nosso parecer. Depois de muita discussão e varias opiniões assentou-se que se devia esperar até setembro. pela gente de Zeguichor ou por providencias que viessem do Governo Geral antes d'isso, pois que, aqui poderia juntar de 50 a 60 homens, força esta sufficiente para se bater heroicamente, mas demasiadamente diminuta para poder evitar a fuga dos sublevados, que muito convem sejam presos e punidos conforme a lei, para exemplo futuro e socego geral.
Governo Civil e Militar de Cacheu e suas dependências
Ill.mo e Ex.mo Sr. -No dia 2 deste mês, ás 7 horas da manhã, tive a honra de receber a portaria de V. Ex.ª, de 3 de junho ultimo, dirigida ao governador deste Presidio, ou a quem suas vezes fizesse: na referida portaria approvava V. Ex.ª o procedimento do governador, retirando-se para esse Archipelago, sem ordem nem licença, e não se dignava approvar o haver-me e!le encarregado deste governo, por ser isso contra as leis militares.
Meia hora depois de eu haver recebido a citada portaria dirigi ao 2.º tenente Francisco de Paulo de Mello o officio cuja copia incluo; delle recebi em resposta o officio de que tambem envio cópia.
Por minha desgraça, e para quebrantamento das leis militares, que devem ser mantidas a todo o custo, continúo a ficar encarregado do governo; certo estou de que não ha de durar este mal muito tempo, porque V. Ex. :i o remediará quanto antes, enviando um official ou qualquer pessoa, ou mesmo officiando d'ahi ao tenente Mello para receber o governo de minhas mãos.
Fui quasi obrigado a acceitar este cargo : o estado de saude do governàdor, os rogos dos principaes negociantes, e as criticas circnmstancias em que se acham .estes Presídios, me forçaram a exercer este Governo por algum tempo, pois eu bem sabia que seria immediaiamente exonerado, e mesmo havia escripto a V. Ex.ª denunciando-me que tinha sido processado por negócios de escravos, conquauto fosse absolvido.
Tenho a honra de prevenir a V. Ex.ª que sendo mui natural que alguém abusasse do nome de V. Ex.ª para attribuir a ambição o haver eu ficado incumbido do governo, pela ausencia do governador, vou pela Imprensa de Lisboa mostrar a meu amigos, e só a elles, os motivos que me obrigaram a acceitar tal cargo.
Rogo a V. Ex.ª que olhe como nullas as cousas seguintes que eu communiquei a V. Ex.:i em meus officios de 20 de junho e 14 de julho uitimos sobre o paiol que se queria fazer nesta, sobre a indemnisação que os notaveis intentaram fazer para as pessoas cujas casãs fossem demolidas, e ultimamente ácerca de minhas intenções sobre Farim. V. Ex.ª providenciará da maneira que achar melhor .
. A palissada, tabanca, está quasi prompta, e até agora nada ha custado ao governo, e isso deve-se a mim, permitta-me V. Ex.:i o dize-lo,
Cacheu, 13 de agosto de 1846.
a)   Honorio P. Barreto, encarregado do governo.
No referido dia 2 communicou Honorio ao 2.º tenente Mello para tomar posse do governo; este official, sem demora, respondeu: que não temia perigos, nem nunca os evitou quando delles vem o bem da sua Patria; porem, nas circumstancias actuaes desse governo, sem palissada, o Presidio de Farim . sublevado, ao mesmo tempo que esse governo se achava sem tropa, e sem meios pecuniarios, nada podia fazer a bem do paiz,
A pouca força que tinha a bateria não lhe permittia que um militar como elle restabelecesse a ordem. Que podia e sabia morrer valentemente, mas que isso nada importava para o bem do paiz,
Esperava um sacrificio de Honorio Barreto continuando no governo por que nas melindrosas circumstancias em que se achavam todos, só a sua influencia poderia ser util ao paiz.
O cérto é que Honorio continuou á testa do governo e tendo reunido no dia 28 de novembro uma força de 220 homens, composta de alguns notaveis de Zeguicbor, de escravos e grumetes de Cacheu, e de 18 praças do destacamento, seguiu, em dez canôas, com esta expedição para Farim.
Em duas marés alcançaram o porto de Batur, de onde sahiram no dia 29, ás 1 horas da noite, para não serem presentidos pelos gentios de Eguja de Papel, Bentan e Cuijá, e proximo das 3 horas da madrugacla ocupavam as canôas as seguintes posições, no porto de Farim: pontas fie Marcos Mendes, do Iliate e de Santa Luzia.
Fez-se o desembarque dirigido por Honorio e rompeu-se fogo ; fugiram os rebeldes, dos quaes morreram seis e ficaram feridos treze, fazendo-se trinta e sete prisioneiros, não feridos. Dos atacantes ficaram cinco feridos e mortalmente um auxiliar de Zeguichor, primo de Honorio Barreto.
No mesmo dia apresentaram-se em Farim os mandingas de Fajangoto, de Canicó e Sancaloucó, a pedir perdão para os rebeldes.
Foram perdoados, como se vê da seguinte proclamação:
«Grumetes illudidos de Farim: Eu vinha tão somente para restabelecer a ordem neste Presidio, e o meu maior desejo era restabelecê-la sem derramar sangue. Vós atrevestes a atacar minha força, foi pois necessario rebater a força com a força. Ousastes fazer fogo contra os bravos que me acompanharam, em menos de meia hora fostes obrigado a fugir deixando em meu poder trinta e sete prisioneiros, seis mortos, treze feridos. Porem vós sois Portμguezes e nossos irmãos, e conheço que deveis estar arrependidos do vosso procedimento revoltoso, assim me certificam os Mandingas que mandastes interceder por vós: por isso tomando sobre mim toda a responsabilidade, eu vos perdôo, e permitto que volteis a vossas casas apresentando-vos primeiro a mim.
Eu vos estimarei como d'antes se pelo vosso futuro procedimento juslificardes a minha opinião: porem se tornardes a dar o menor signal de revolta, ficae certo que vos baterei como inimigo, vós sabeis que nunca faltei ás minhas promessas.
A Dignidade do Governo, a minha honra pessoal me impõe deveres que eu saberei cumprir.
Farim, oito de desembro de 1846. = Honorio Pereira Barreto, Encarregado do Governo.»
* *
Habitantes de Cacheu e Zeguichor ! Ajudado peta Divina Proritlencia e pelo vosso patriotismo eu pude restabelecer a Ordem no Presidio de Farim. Os sublevados mostraram-se arrependidos, e humildes pediram perdão. Elles são portuguezes, e.se um momento de cegueira os fez desprezar as ordens e conselho do Governo, estou certo que não ousarão mais sublevar-se. O Governo castiga o crime, rebate as revoltas, e deplora a sorte dos infelizes a quem a Lei, e a sorte das armas castigou. Os leaes e bravos, grumetes que me acompanharam merecem bem os meus .elogios, e tornam-se dignos da consideração da Nossa Augusta Rainha, a cuja presença eu levarei seus bons serviços. Agradeço a toclos os notaveis, os donativos e emprestimo que fizeram ao Governo . Este é o ultimo dever da minha vida politica: bastante hei sacrificado a favor do meu Paiz: esacabada a minha tarefa ; devo entrar para sempre no gozo de vida particular. Abracemo-nos como irmãos que somos. Ordem e Obediencia ás Leis é, e será sempre Vossa divisa. Cacbeu 14 de desembro de 1846 = Honório Pereira Barreto, Encarregado do Governo.
Honorio Barreto obteve dos notâveis de Cacheu, canõas para transportar a força , escravos armados e donativos em dinheiro, na importancia de 587$540 reis, que foram arrecadados na Recebedoria particular e lançada em receita, no livro competente.
O Governador de Cacheu, Crato, que em janeiro de 1847 passou a tomar conta do seu Governo, sollicitou de Honorio Barreto um minucioso relatório sobre essa guerra com a indicação do promotor d"ella e para fazer abortar uma outra guerra qne os grumetes tencionavam fazer por causa de um soldado, que lhes incendiara as casas e que não tinha soffrido o mais leve castigo.
A 5 de abril de 1847, em Farim, reuniram-se na residencia de Honorio 80 grumetes e declararam, na presença de 30 soldados, que o autor fôra José Maria da Costa e do incendio o soldado João Pereira; que este incendio produziu entre elles grande descontentamento, por terem perdido os seus haveres, sendo esta uma das causas por que hostilisaram as autoridades, sem comtudo perdoarem ao referido soldado a quem ·procuraram matá-lo.
Tendo Honorio a certeza da culpabiliunde do autor da rebellião, mandou-lhe sequestrar os bens para pagamento das despesas da guerra.
No dia immediato, 6 de abril, reuniu novamente os grumetes e suas mulheres, a fim de os ouvir sobre a nova revolta que pretendiam fazer, e que se dizia aconselhada pelas suas mulheres. Disse-lhes Honorio: estou informado que algumas mulheres animam os grumetes para de novo se revoltarem: porem ai de vós, se intentardes de novo revoltatar-vos, porem é certa vossa desgraça, pois eu pedirei autorisação ao Governo, e arrasarei vossas casas e passarei todos os rebeldes á Espada»
Na occasião em que Honorio proferia estas palavras passava um grumete com uma espingarda que pertencía ao seu primo Pedro Lopes de Carvalho, auxiliar de Zeguichor, e que morreu victima de um ferimento recebido na lucta: então, Honorio, correu sobre esse grumete, e com espanto de todos, arrancou-lhe das mãos a espingarda.
Concluiu tambem Honorio que da projectada nova revolta eram cumplices: o commandante de Farim Vicente dos Prazeres Costa e o segundo· tenente de artilharia Antonio Francisco Pereira, e que desmoralizavam os grumetes: o primeiro, era um homem sem honra e immoral; por duas vezes roubou a Fazenda e fugiu; fôra o autor da guerra de 1844 aconselhando os grúmetes á revolta; o segundo era dado á crapula; esteve preso para responder a conselho de guerra e requereu a demissão do serviço depois de ter fugido da prisão.
O Governador Crato deu conhecimento d'estes factos directamente ao ministro que em Portaria de 10 d'agosto de -1848 mandou ao Governador Geral, que processasse os culpados da revolta debelada em 1846, e que informasse amplamente a tal respeito, propondo medidas que julgasse mais opportunas em relação áquelles acontecimentos. Foi essa Portaria uma surpreza para o Governador Geral que ignorava tal revolta, exigindo do Governador de Cacheu, em 23 de setembro informações e mais a declaração porqüe de tal acontecimento não deu parte ao Governo Geral como lhe cumpria fazê-lo.
Como já dissemos respornleu o Governador Crato com a informação que elle exigiu a Honorio Barreto, que então governava Cacheu, atribuindo este ao secretario geral Sousa Monteiro a culpa de tudo, fazendo desapparecer a respectiva correspondencia official.
O ministro mandou ouvir o Procurador Geral da Coroa, sobre a responsabilidade dos auctores da revolta, que informou estar prescrito o crime por ter passado o prazo de tres annos sem haver procedimento criminal, e assim terminou este incidente.
Em junho de 1846 houve um incendio em Cacheu queimando-se muitas casas dos moradores. Por Decreto de 26 de agosto ordenou o Governo que se applicassem quatro contos de réis na reconstrucção das obras da defesa dessa Praça e para auxiliar os habitantes da povoação, victimas do incendio, e por Portaria de 22 de outubro se nomeou uma commissão composta do Governador Crato e de Honorio Barreto para applicar aquella importancia sacando sobre o ministerio.
Em 1 de março de 1847 deu Honorio conta de ter distribuido em socCOI'!' OS 733$600 reis e que havia reso!Yido applicar 200$000 réis em Zeguichor e 150$000 réis em Farim, para obras d'aquclles Presiuios e os restantes 2:916$400 réis em Cacheu nas obras de fortificação. Nestas obras despenderam-se: montagem da artilharia 1:152$895 réis e para o portão do Presidio 129$322 réis. D'aqnella verba distrahiram-se para soccorrer os moradores de Zeguichor, victimas tambem de um incendio, 151$200 reis para 31,5 peças de zuarte a 4%800 reis.
O Governador-geral autorison as obras em Farim e Zeguichor por Portaria de 12 de janeiro de 1847.
Em Cacheu foram contemplados 25 moradores com soccorros, e de reis 1:482$983 restantes se applicaram em muros de pedra e cal que substituíram as estacarias. »
Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte V, pgs. 75-83, Lisboa, 1911
«A revolta dos grumetes de Farim (Junho-8 de Dezembro de 1846)
Mas no interior, na bacia do rio Cacheu, as coisas degradam-se em 1846, ano em que Honório Pereira Barreto vê ser-lhe confiada a administração do distrito de Cacheu pelo seu titular, José Xavier de Crato, doente. Em Junho de 1846, um incêndio devastou Cacheu e a sua estacada, que se tratou de reconstruir com «urgência», porque os Papéis do norte se preparam para a guerra (5), não obstante a «paz» de 22 de Fevereiro de 1844. É no entanto, na sua antena setentrional, em Farim, que a situação se torna explosiva, no começo de Junho. Os grumetes do presidio agridem os feitores, intimam-nos a deixar de enviar mercadorias para os Mandingas, pilham-nos e impõem-lhes multas. As autoridades acreditam que estes grumetes foram contagiados pelos seus homólogos de Geba, que puderam revoltar-se impunemente durante a «guerra de Bissau», em 1844. Não se sabe claramente se é um bloqueio económico dos Mandingas ou da feitoria que querem pôr de pé. Farim já não tem comandante (de licença), já não tem tropas. Honório Pereira Barreto encara portanto, a 14 de Julho de 1846, apelar para os seus parentes de Ziguinchor e para os escravos de Cacheu, para abater, a expensas suas, a rebelião. Não exageremos a sua amplitude, porque é, quando muito, um movimento que só diz respeito a uns 60 grumetes, mas podem esperar a ajuda dos seus compatriotas no interior da feitoria e a dos habitantes de várias aldeias mandingas em volta. Invejas habituais da Administração? Incompatibilidade de humor entre oficiais de carreira e os de segunda linha? É apenas a 28 de Novembro de 1846, depois de ter obtido o apoio dos notáveis e tendo reunido 220 homens (reforços de Ziguinchor, escravos e grumetes de Cacheu, mais 18 soldados da praça), que a expedição de Honório Pereira Barreto para Farim embarca em dez pirogas para subir o rio Cacheu. A 30 de Novembro, o pacífico Barreto desembarca toda a sua gente no «porto» de Farim e é atacado. Riposta, muito naturalmente e, em meia hora, os grumetes rebeldes têm seis mortos, 13 feridos, 37 prisioneiros, registando os assaltantes, pelo seu lado, cinco feridos e um morto, primo de Honório Pereira Barreto (6).
Pequena questão quase intra-familiar, a revolta de Farim que dura desde Junho de 1846 tem, portanto, o mesmo desfecho que a de Bissau em 1844. Aqui não são os Papéis que desempenham o papel de mediadores, mas os Mandingas (7) que intercedem a favor dos insurrectos. A 8 de Dezembro, magnânimo, Barreto perdoa a estes «Grumetes illudidos... [que o] Portugueses e [seus] irmãos» (8) prometendo-lhes uma punição exemplar se reincidirem. Distingue, portanto, segundo o espírito da época, duas categorias bem definidas no povoamento guineense: a) os «civilizadorevoltados, mas seus concidadãos pela mestiçagem cultural; b) todos os outros, os «bárbaroinumeráveis, tanto animistas como muçulmanos. Ao ler as proclamações lançadas num português literário ultra castigado por este comerciante mais negro de pele que certos fulas, assumindo o papel de muralha de Portugal nos «rios de leste», podemos perguntar o que viriam a ser as outras comunidades lufonas do oeste africano, se tivessem tido, na retaguarda, bases demográfica, económica e politicamente expansionistas... e algumas personalidades da envergadura de Barreto. Não queremos fazer história com «ses», porém é muito provável que o tabuleiro político actual fosse outro.
Sendo assim, a lição de 30 de Novembro de 1846 não deu todos os seus frutos, pois que, em Abril de 1847, uma parte dos grumetes de Farim quer revoltar-se de novo, tendo um soldado incendiado uma das suas cubatas. Honório Pereira Barreto volta, portanto, a Farim e, mais uma vez, o vemos atrás da fachada patrioteira, que fez chorar de alegria tantos autores portugueses até 1974. É muito menos resplandecente. Quem, efectivamente, empurrou os grumetes para a insurreição (9)? Nada menos que o comandante de Farim, Vicente dos Prazeres Costa e um oficial de artilharia António Francisco Pereira, ambos velhos «cadastrados», mantidos no seu posto, à falta de melhor.
Não obstante as graves acusações que pesam sobre eles, parece que não compareceram perante a justiça, o que é relativamente anódino, se se souber que o governador-geral em Cabo Verde nem sequer fora avisado da revolta de Farim em 1846, tendo José Maria de Souza Monteiro (10), inimigo de Honório Pereira Barreto, na Praia, desviado ou ocultado, assim parece, a correspondência oficial para prejudicar este último. Quem explorará os abismos da mentalidade colonial? Se podemos estabelecer que as fortificações de Cacheu começam a ser reconstruídas em pedra e a sua artilharia a ser reabilitada por Honório Pereira Barreto, temos também de saber que tendo o arrendamento
da fazenda pública passado para as mãos de outro comerciante, as finanças públicas da Guiné voltam a andar mal em 1847, se bem que as receitas atinjam 16 000$000 réis. Mas a ordem pública, quer dizer, a ordem dos comerciantes, onde está em tudo isto?
(6) Idem, pp. 79-80.
(7) Das aldeias de Fajonquito (?) (não localizado), Canicó e Sancalancó.
(8) Barcellos: op. cit., Parte V, p. 80.
(9) Em 1844, em Bissau e em Geba? Ou em Farim em 1846? A leitura de Barcellos (Idem, pp. 82-83) não é muito esclarecedora.
(10) O autor dos «Estudos...», op. cit., de um romance guineense que os completa e, sobretudo, do Diccionario geographico das provincias e possessões portuguezas no Ultramar, Lisboa, 1850, onde os artigos guineenses o redigidos com amplitude, nomeadamente Bandim (pp. 138-139), Bissau (pp. 154-161), Cacheu (pp. 189-192), Geba (pp. 272-276). Mas nada sobre o Gabu moderno ou os Fulas!»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia 1841-1936, Volume I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.p. 107-108
1846/12/01
Deu-se, também nesse ano, uma revolta de grumetes em farim (onde a sua mãe, Dona Rosa, tinha também posses), tendo HONÓRIO PEREIRA BARRETO pedido autorização ao governo da província para organizar uma força para os dominar. E dominou-os no dia 1 de Dezembro de 1846, após um combate de duas horas e quarenta minutos.  No entanto, foi JOÃO PEREIRA, soldado em Farim, que foi acusado de ter incendiado as casas dos grumetes para pôr fim à revolta.
GUILHERME MIRANDA DE CARVALHO, proeminente comerciante de Cacheu, contribuiu com considerável soma de dinheiro para financiar a expedição da retomada de Farim em Novembro de 1846. Foi urn dos comerciantes entrevistados eml Cacheu em 1850 pela comissao.
Nessa luta morreu PEDRO LOPES DE CARVALHO, primo de Honório Pereira Barreto.
GREGORIO CORREIAera jujz do povo de Farim em 1846; dizia-se que tinha sido chefe da revolta dos grumetes daquele ano.
ANTÓNIO DOS REIS SILVA, caixeiro em Farim, foi assassinado por urn grumete em 1846.
DOMINGOS JOSÉ DA SILVAcontribuiu com pequena soma de dinheiro para a expedição militar a Farim em Novembro de 1846.
1847/00/00
1847 - Revolta dos Mandingas contra o presídio de Farim, que é obrigado a pedir auxílio a Cacheu.
ANTÓNIO FRANCISCO PEREIRA, segundo tenente de artilharia, esteve implicado em 1847 no plano de uma segunda revolta de grumetes.e mandingas.
CARLOS MAXIMILIANO DE SOUSA é capitão-mor de Bissau até 1848
JOSÉ XAVIER DO CRATO é capitão-mor de Cacheu até 1849 (2º mandato)
CAETANO JOSÉ NOZOLINI estabelece uma feitoria no Ilhéu do Rei.
Disse-nos um seu reitor que a casa Nózolíni tem cerca de 300 escravos empregados em cultivar quasetodo o ilhéu, nasofticinas e no carregamento de mancarra (amendoim) parabordo, principal ramo de comércio da mesma casa. Para facilitaro embarque deste e outros produtos, há uma boa,aindaque pequena, ponte sobre estacaria, e para se vencermais facilmente a pequena rampa que conduz aos armazém da feitorià, assentou-se uma via férrea.
A casa de habitação é da mais pitoresca aparência, bemedificada e muito cómmoda, dando-lhe os alpendres de que seacha cercada um tipo próprio daquelas regiões, e proporcionando-lhe igualmente agradável frescura.
Tem vastos armazéns, pálios para depósitos, telheiros e orficinasde carpinteiro, serralheiro e tanoeiro com o maior asseioe a melhor ordem.
A pequena distância da feitoria os escravos levantaram numerosascabanas, formando uma pequena aldeia.
A pouco mais ou menos de 500 metros da ponte, na mesmamargem, há os fundamentos de um grande estaleiro onde nacionaise estrangeiros, embora ainda por um preço exorbitante, acham meios, há já alguns anos, para reparar os seusnavios.
Entre este estaleiro e a casa de habitação estende-seumexcelente jardim e boa horta com grande abundância de água potável.
1847 - O brigue inglês Rolla desembarcou soldados e marinheirosem Bolama.Estes cortaram, a machado, o maslro da bandeira portuguesa (Janeiro).
- Os beafadas das duas margensdo rio Geba revoltam-se e impedema passagem aos barcos portugueses (Fevereiro).
- O ilhéu do Rei é aforado a CAETANO JOSÉ NOZOLINI, que irá construir aí a feiroria Nova Peniche.
- Os ingleses atacam Canhabaque e forçam o régulo António aassinar um documento pelo qual os ponugueses ficam impedidosde negociar no arquipélago dos Bijagós.
- O brigue inglês Dan ataca Boiama (29/11 ).
-O governador de Bissau envia 5soldados para Boiama.
1847/02/00
«Em fevereiro de 1847, sublevaram-se os biafares duma e outra margem do rio Geba, tentando impedir a navegação pelo rio e maltratando os negociantes de Ganjarra e Fá. Sôbre êste caso, Caetano Nozolini que na época se encontrava em Cabo Verde dirigiu ao governador, um ofício no qual se oferecia para tomar a direcção das operações contra os reheldes.
Entre outras cousas dizia o aludido ofício:
Pelas notícias que de Bissau vieram, consta que o gentio fechou o rio Geba... Não é a primeira vez que aquele gentio fecha êste rio. Há 30 anos que resido em Bissau e tenho visto sete vezes fechar-se o rio Geba por êstes negros que aproveitam o primeiro pretexto, forjam-no até, para um acto que no princípio lhes assegura a rapina e no fim os enche de presentes, pois que antigamente se lhes comprava a paz e a liberdade do rio com dádivas no valor de 3 contos e até mais...
Venho oferecer-me para ser encarregado da comissão de punir o arrôjo dêstes negros. Igualmente me ofereço para adiantar os fundos necessários para esta emprêsa, por isso que os cofres do arquipelago e muito menos os de Bissau se encontram em condições de os fornecer...
Tomo a liberdade de propôr a V. Ex.que se crie um impôsto sôbre o sal do balanta que se transporta para Geba, o qual será obrigado a pagar em Bissau dez por cento a título de direitos de importação. Estes direitos devem ser pagos no mesmo género de sal, pois que doutro modo seria impossível a sua cobrança, a qual calculo dará 400 a 600 mil réis por ano, por isso que presumo que em cada ·ano se importam 20.000 sangras de sal, cada uma das quais se vende por 160 réis ...
De harmonia com esta proposta, o governador-geral de Cabo Verde, ouvido o Conselho do Govêrno, publicou em 26 de Março uma portaria criando um imposto de 10 % sôbre todo o sal dos balantas importado e transitado por Bissau. O produto dessa cobrança seria entregue a Caetano Nozolini para reembolso das despesas a fazer na guerra contra os biafadas.
Caetano Nozolini, encarregado da campanha de acôrdo com o governador de Bissau, limitou-se a armar a escuna Rosa, sua propriedade, com três peças e uma fôrça de 20 homens, que subindo o rio Geba foi fundear no pôrto de Xime. Ali apreendeu uma canoa de manjacos, com cinco sacas de arroz e 270 sangras de sal. Os biafadas não deram sinal de si. Esta escuna estacionou durante 12 meses naquele pôrto, encarregada de policiar a região.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 229
«Regressamos ao rio Geba onde se sabe que no começo de 1847 os Biafadas cortaram a navegação entre Bissau e Geba. Pilham as canoas e põem a saque as feitorias de Fá e de Ganjarra. Segundo Caetano José Nosolini, que tem atrás de si 30 anos de residência na Guiné, é a oitava vez que os Biafadas interrompem o tráfico no rio. Em geral, o bloqueio é levantado mediante presentes (4000$000 réis em média) mas, desta vez (Março de 1847), o tenente-coronel Nosolini quer bater-se. Tem necessidade de escravos a bom preço? É talvez da nossa parte uma suposição mal intencionada mas, como os cofres públicos estão vazios, ele propõe um imposto sobre o sal trazido pelos Balantas. Este imposto deverá cobrir as despesas de guerra que vai travar. É-lhe concedido mas, paradoxalmente, não sabemos praticamente nada das operações (?), que monta com o auxílio de 20 soldados e de um oficial no rio Geba.
Com esta pequena tropa a bordo, parece ter conseguido manter, durante 11 meses, uma das suas goletas, armada, em frente de Xime.
(11) Barcellos: op. cit. Parte V. p. 91.»

René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia 1841-1936, Volume I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.p. 109
1847/03/22
«Os gentios da tribu Beafada fecharam o rio de Geba e declararam guerra, saqueando as feitorias.
Na Praia estava o tenente-coronel Caetano José Nozolini, (que ao ter conhecimento d'este facto se dirigiu ao governador com a seguinte exposição:
«Pelas noticias que de Bissau vieram ultimamenle pela escuna Eugenia, consta que o gentio fechou o rio de Geba, com o que ficou interrompida toda a communicação com este porto importantissimo, de que se abastece todo o commercio da Bissau; e com isto não só os negociantes como o proprio governo soffrem prejuizos incalculaveis em seus interesses. Não é esta à primeira vez que aquelle gentio fecha aquelle rio, o que nunca effectua senão em occasião em que pode acompanhà-lo com o roubo de canôas carregadas de mercadorias, e d'esta vez egualmente com o saque das feitorias de Ganjarra e Fá. Ha trinta annos que resido em Bissau e tenho visto por ele vezes, em diversas epocas, fechar-se o rio Geba por estes negros, que aproveitam o primeiro pretexto, forjam-no até, para um acto que no principio lhes afigura a rapina, e no fim os enche de presentes; pois que antigamente se llles comprava a paz e a liberdade do rio com dadivas no valor de 3:000$000 réis e ás vezesmais.
Nem as conveniencias políticas e as de dignidade nacional, nem as commerciaes podem por forma alguma permittir que por mais tempo fique impune a audacia d'estes negros, pois do contrario perdemos o pequeno prestigio que por ventura conservamos, e como estou certo que V. Ex.ª esposa estes princípios venho offerecer-me para ser encarregado da commissão de punir o arrojo d'estes negros, se ·v. Ex.ª me honrar com a sua confiança, que ouso assegurar-lhe que não será mal depositada. Igualmente me ofereço para adeantar os fundos necessarios para esta ernpresa, por isso que os cofres do archipelago, e ainda menos os de Bissau, estão nas circunstancias de o fornecer; e assim ficaria malograda esta operarão. E como não se cuidasse nos meios de aumentar os rendimentos publicos naquellas paragens, nunca alli o Estado podeestar em uma situação vantajosa para se fazer respeitar por aquellas tribus barbaras, e muito menos para os punir quando ousem attentar contra a Majestade da Nacão. Tomo a liberdade de propôr a Y. Ex.'ª que se crie agora um imposto sobre o sal do Balanta, que se transporta para Geba, o qual será obrigado a pagar em Bissau 10 por cento da carregação a titulo de direitos de importação; estes direitos devem ser pagos no mesmo genero sal, pois que por outro modo seria impossivel a sua cobrança, a qual calculo que será de mais de 400$000 ou 600$000 réis cada anno, por isso que presumo que cada anno importarão 20:000 sangras de sal, cada uma das quaes se vende por 160 reis.
Digne-se V. Ex.ª tomar na considrraçfto de que as julgar dignas estas minhas propostas e offertas, e, no caso de merecerem a sua approvação, de adoptar as providencia conducentes a realizarem-se os meus desejos de ser ütil ao país, a que me ufano de perlencer; bem como de ordenar o que melhor convenha para satisfação do empenho pecuniario de que me proponho encarregar-me.
Quartel na villa da Praia, 22 de março de 1847. - Caetano José Nozotini.
Em 26 de março apresentou o governador o referido officio ao conselho do governo, que approvou as indicações nelle feitas, estabelecendo um imposto sobre o sal Balanta com applicação ás despesas da guerra; íoi igualmente approvada a portaria criando esse imposto:
Art. 1.º Todo o sal Balanta que se importar em Bissau ou qualquer ponto da dependencia d'esse govemo sesujeito ao direito de 10 por cento.
Art. 2.º Para que o sal de que se trata no artigo 1.º possa ser admittido em Bissau ou qualquer dependencia sua, deve ser previamente despachado mediante documento passado na recebedoria particular , ou delegação onde conste que de cada dez sangras fica paga uma para a Fazenda.
Art. 3º Na mesma recebedoria particular ou delegação se escriturarão convenientemente, e por rmbarcações, as differenles verbas de sua receita, dl' lllt mente e extrahirá um mappa em duplicado para ser remetido á secretaria geral do governo .
Art. 4.º O governador de Bissau, ouvindo a commissão de Fazenda, proporá um regulamento para a forma, locaes , solemnidades do despacho, e cobrança do imposto, ou seja por administracão ou por arrematação, conforme fôr mais conveniente aos interesses da Fazenda, podendo pô-lo inteiramente em execução .
Para indemnização ao Nozolini com as despesas da guerra, que estava incumbido de a fazer, determinou-se que fosse só e unicamente applicado, com incluão de qualquer outro meio, o producto do imposto sobre o sal Balanta, devendo em consequencia não se arrematar a cobrança do mesmo imposto, mas ser a sua ímportancia á proporção que se fôr arrecadando, entregue pelo recebedor particular de Bissau ao dito Caetano JoNozolini, ou seu representante devidamente autorizado, precedendo a competente escrituração, tanto para a entrada como para a sahida, da importancia do predito imposto-- .« . . . Para o governador de Bissau ».
Na mesma data respondeu o governador geral a Caetano Nozolini, que lhe havia dirigido a longa exposição que já vimos, acceitando o seu generoso offerecimento, ordenando e dirigindo a campanha de acordo com o governador de Bissau sobre todas as operações que não exigissem segredo; pois quanto a essas foi autorizado a adoptá-las sob sua responsabilidade, mas devendo-lhe dar conta á proporção que as fôr executando e, concluidas que sejam, levá-las ao conhecimento da Praça.
O governador geral deu-lhe ainda as seguintes instrucrões : para empregar com estes gantios Beafares a arma das represalias, fechando o rio no sitio de Chime, tomando-lhe as canôas ; não levantar o bloqueio do rio senão depois d'elles indemnizarem as àespesas que se fizerem para os guerrear e pagarem os roubos que praticaram e sem que dêem garantias seguras de que não tornarão a cortar a commnnicação do rio ou a commetter qualquer outro acto de aggresisão.
Para occorrer ás despesas da guerra com os Beafadas, ouvido o Conselho do. Governo, ordenou o governador, per portaria de 26 de março, que se lançasse um imposto sobre o sal Balanta que fosse para o presidio de Geba e mais estabelecimentos.
Caetano Nozolini, apenas chegou a Bissau, empregou os meios afim de prohibir communicações com os beafadas; requisitou para isso do governador da Praça uma força de 20 praças e um official, a qual embarcou na escuna Rosa, propriedade do mesmo Nozolini, e, subindo o rio Geba, foi ancorar no porto do Chime. Foi essa escuna armada com tres peças de artilharia e armas portateis, e no rio apprehendeu uma canoa dos manjacos, com oito tripulantes e que conduzia 272 sangras de sal e cinco sacas de arroz, em casca.» -
Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte V, pgs. 88-91, Lisboa, 1911
1847/04/00
JOSE MARIA DA COSTA foi responsabilizado por Honório Barreto em Abril de 1847 como tendo sido o chefe duma revolta de grumetes e mandingas em Farim, e os seus bens foram-lhe sequestrados por Barreto para pagamento das despesas de guerra. O  comandante de Farim, VICENTE DOS PRAZERES COSTA, foi acusado de cumplicidade.
JOSE MARIA DA COSTA e a história da sua familia entrelaçaram-se com a de Honório Pereira Barreto. Por actividades politicas, Costa, que era sapateiro em Portugal, veio exilado para a Guine em 18..(?). Em Cacheu recebeu considerável assistencia da mulher do Sr. Moniz, que o auxiliou a obter o maximo de liberdade consentida a urn degredado. Costa estabeleceu-se como negociante em Bolor, onde comprou uma jovem de Sonco (area de Sao Domingos) por 30$000 de prata, urn garrafão de alcool e uma quantidade de tabaco e fósforos. Quando casou com ela, deu-lhe 0 nome de Ines da Costa. Dela teve quatro filhos: Maria, que morreu sem descendencia; Genoveva, que casou com ERNESTO PEREIRA BARRETO (filho de Honório Barreto e de CRISTINA GOMES BAIÃO; Balbina, que se fez professora e morreu jovem;e CLETO JOSE DA COSTA.
Segundo as histórias da familia, Honório Pereira Barreto enamorou-se da nhara Ines da Costa, e quando ela recusou as suas pretensoes, mandou para Geba o seu marido. Para conseguir o regresso do marido a Cacheu, Ines submeteu-se a Barreto, de que nasceu uma filha, Edwiges Pereira Barreto. Ao saber do caso, Jose Maria da Costa morreu de desgosto em Geba. A lenda familiar difere da narrativa histórica apontada a seguir, que liga Costa a revolta de grumetes e mandingas de Farim, reprimida por Barreto em 1847. Podem as narrativas familiares ter substitufdo Geba por Farim? Edwiges Pereira Barreto casou .com o franco-africano Richard Turpin, comerciante de Saint-Louis, que morreu no Rio Pongo ern 1865.
1848/00/00
CAETANO JOSÉ NOZOLINI é governador interino da Guiné
El Hadj Umar Tall (the 19th century jihadist) in addressing his disciples, told them : "The noble qualities are found in Serer countries, though they only lack Islam..."[29]
29. ^ a b c d (French)Ndiaye, Ousmane Sémou, "Diversité et unicité Sérères: L'exemple de la Région de Thiès", Ethiopiques, n°54, revue semestrielle de culture négro-africaine, Nouvelle série volume 7, 2e semestre 1991
1848 - O brigue inglês Dan desembarca em Bolama e liberta sete escravosde Aurélia Correia (10/01).
- Alguns soldados cabo-verdianos ao serviço de Portugal assassinaram a balobeira de Bissau (Janeiro).
1848/01/20
«Em Bissau procurava Caetano Nozolini chamar á paz os gentios Papeis de Antim e Bandim, mas o assassinato da Baloubeira que conduzia a embaixada para se realisar essa paz fez levantar o gentio contra a Praça, vendo-se Nozolini forçado a sollicitar urgentes soccorros de tropa de Cabo Verde, dirigindo ao governador o seguinte officio:
Ill.mo Ex.mo Sr.-Pelo meu officio de 10 do corrente participei a V. Ex.ª os acontecimentos que tinha havido até aquella data, e pensava eu que acabaria tudo sem maior novidade, porem no dia 12 do corrente, tendo vindo de fóra a Baloubeira trazer a embaixada de que eu a tinha encarregado, qual era bastante favoravel, pois o rei me mandou dizer que não queria guerra, e que no outro dia vinha a feira á Praça, para mostrar que não havia guerra, porem quando despedi a Boloubeira com outra embaixada ao rei, ao sair da palissada, os soldados que alli estavam de guarda ao portão, assassinaram a Boloubeira a baionetadas, sendo o principal cabeça o soldado Manuel Faustino que se achava de sentinela á porta.
Depois de a passarem com mais de vinte baionetadas, pegaram-a a rastos e a botaram fóra da porta, aonde o gentio de noite a veio buscar.
Este novo attentado feito em uma mulher que era respeitada por todo o gentio, fez grande sensação, tanto nos habitantes aqui dentro, como no mesmo gentio, e hoje estamos outra vez em guerra com elles, porem ainda não tentaram cousa alguma; estamos com todas as precauções á espera do que ha de haver, mas pode V. Ex.ª ficar na certeza que farei todo o possível para evitar uma guerra, pois conheço a grande despesa que é necessario fazr-se com uma guerra, mas é preciso que V. Ex/' quanto antes mande outro destacamento para render este que aqui se acha. porque, emqnanto elle aqui estiver, o gentio de maneira alguma entra dentro da palissada, nem se poderá tratar da paz, porque lle está sempre ameaçando o gentio em tornar a fazer novos assassinos. V. Ex.ª ainda qμe não tenha ahi embarcação de guerra, agora tem esta escuna, e o brigue Estrella, que deve voltar para esta Praça, e nestes dois navios pode vir toda a tropa para render esta ; mas quando vier o destacamento, acho muito acertado que venham os dois cabeças, sendo um Manuel Faustino, segundo me consta cumplice já em outras mortes n'essas Ilhas, e o outro Dionísio Pereira, para aqui serem justiçados para exemplo, pois estes homens depois de fazerem a desordem, também tiveram a tropa toda sublevada, e para os chamar á ordem, foi-me preciso usar de meios bem tristes, que é, boas palavras e boas maneiras; por fim obtive pô-los em ordem, mas mal entendido, porque os assassinos puseram a condicção de ninguem ser preso; isto era bastante para se conhecer que já não havia boa ordem; então resolvi mandar a essa, esta escuna, e fazer embarcar a bordo os mais exaltados; depois da escuna estar prompta, ordenei o embarque hoje pelas 8 horas da manhã; houve bastante fallácia d'elles, porem como não foram coadjuvados pelo resto da. tropa, não tiveram outro remedio senão embarcar. O tambor na occasião do embarque ainda faltou ao respeito aos officiaes ;:este homem deve receber o seu castigo exemplar, ·pois é o maior insubordinado que tenho conhecido ; se eu pudesse contar com a força que aqui ha, eu não dava ·incommodo a V. Ex.\ aqui mesmo os fazia castigar, porem com esta tropa aqui não se podia tentar o castigá-los. Entre os soldados que vão nesta occasião, o dois que não tem nota alguma, isto é, um d'elles, o outro chamado Nicolau Lopes, que tendo salltado a muralha de noite foi ferido fóra pelos Papeis; o anspeçada também não tem nota, vae commandando as H praças que vão n'esta occasião, e V. Ex.ª melhor verá pela relação junta as observações que leva cada praça.
Tenho agora a fazer uma observação a Y. Ex. ª que é, quando vier a força para render a que aqui se acha, seria bom mandar ordem a este Governo para dar baixa a algμns soldados honrados que tem mais de 10 annos de serviço, para ficarem aqui estabelecidos, pois muitos querem, e convem mesmo para augmentar a população, e fazê-los cultivar a terra, e mesmo esta gente ficando aqui estabelecida é uma força que tem a Praça, quando necessitar d'ella chama-se como a guarda Nacional ou Milicia : acho ser uma excellente medida se V. Ex.:i approvar este meu parecer: espero as suas ordens para eu a poder fazer.
Tambem acho de toda a necessidade que a tropa que vier traga novo commandante, pois d'este elles não fazem caso nenhum d'elle; é bom.homem porem o soldado não quer homem bom, quer aquelle que não brinca com elles. Pode V. Ex.ª ficar certo que farei todo o possível para apaziguar a desordem, mas não sei se o poderei conseguir, por isso peço a V. Ex.ª as providencias com toda a brevidade; se V. Expuder mandar para a Praça alguma polvora, seria bom, pois ha ja pouca e está aqui já ha muitos annos, não está muito boa. A's praças que vão n'este navio, foi ajustado o frete de 4$800 cada uma, que espero V. Ex. ~ mande ahi pagar ao capitão do navio.
De novo torno a pedir a V. Ex. n que não deixe impune os tres motores de·toda a desordem, e se vierem para serem castigados aqui, será muito melhor; estes são o tambor Manuel Sabado, Manuel Faustino e Dionísio Pereira, se não são castigados nunca acabarão estas desordens. E espero as prontas providencias de V. Ex.ª com a maior brevidade possível, e mesmo peço a V. Ex.ª mande outra pessoa para tomar conta do Governo, e eu ficarei ao serviço de que V. ·Ex.ª me encarregou. Deus Guarde a V. Ex.''. Bissau, 20 de
janeiro de 1848. Ill.mo Ex.me Sr. Governador Geral da Província de Cabo
Verde =-= Caetano JoNozolini.
O governador em 16 de fevereiro de 1848 deu conta ao ministro da exposição acima feita e em vista do que mandou a escuna Cabo Verde com 25 praças do Batalhão a Bissau, ordenando ao Commandante dessa escuna· e ao da escuna Duque da Terceira que, de accordo com o governador, concorressem para que a paz com o gentio fosse mantida mas com dignidade; e no caso da guerra estar declarada que a sustentassem com brio e decoro da Nação Portuguesa.
Tambem mandou embarcar os soldados que o governador de Bissau tinha, como auctores do assassinato da Boloubeira, passando guia para se apresentarem na Praia, a fim de em Bissau ser-lhes instaurado o competente conselho
de investigação dos crimes de que eram accusados, applicando-se-lhes logo as penas e reservando somente aquellas que deviam ser julgadas pela Junta de Justiça Criminal.
*
* *
Em 24 de fevereiro sahiu a escuna Cabo Verde para Bissau onde chegou a 29. Na Praça havia socego e os gentios não provocavam conflictos; comtudo Caetano Nozolini em 18 de março de 1848 officiava ao governador geral disendo-lhe: Participo a Y. Ex.n que no dia 7 do corrente, se fez a paz com o gentio Papel d'Antim e Bandim, ficando tudo em boa harmonia; ficamos somente com palavra, com os gentios d'Intula, pois estes como foram os causadores de toda a desordem, não se apresentaram na reunião dos outros, creio que com medo; porem espero que com o tempo elles tambem tratarão de vir pedir a paz; emquànto durou a palavra com o gentio não houve novidade alguma como já participei a V. Ex.ª, e agora acha-se tudo em boa ordem, e espero continue, pois a desavença que ha com os Antullas não é de cuidado.
Não se fez despesa alguma com a paz, nem com a guerra, somente se despendeu 12$500 reis com aguardente que beberam depois da paz feita.
Bissau, 18 de março de 1848.
O governador Noronha em 27 de janeiro de 1848 relatou o que se passou em Boiama contra a propriedade de Aurelia Correia pela guarnição do brigue inglez Dart no dia 29 de novembro de 1847, levanndo á força sete domésticos ·da mesma Aurelia, proprietaria nessa ilha.
Esta Aurelia protestou e o governador geral levou á pre ença do Consul Britanico, em Cabo Verde, cópia do mesmo.
O ministro da marinha officiou ao dos estrangeiros em 31 de março sobre este facto.
Governava interinamente Bissau o tenente-coronel Caetano José Nozolini que communicou este attentado ao governador geral por intermedio do Secretario Geral :
Ill.mo Sr: Participo a V. S.ª que no dia 29 de novembro do anno passado foram á ilha de Boiama tres escaleres do brigue inglez Dart, e alli deitando em terra os marinheiros armados, foram ás casas de Aurelia Correia, moradora nesta Praça, e que alli se achava na sua lavoura, fizeram reunir toda a gente que estava, e disseram que os que quizessem ir com elles os levavam; como nenhum quizesse, levaram sete domesticos da dita Aurelia Correia â força para a Serra Leoa,
A mencionada Aurelia Correia fez o seu protesto e pretende mandar á Serra Leoa fazer suas reclamações. Deus Guarde V. S. ª. Bissau 10 de janeiro de 1848. Ill.mº Sr. Secretario Geràl do Governador de Cabo Verde= Caetano José Nozolini.
O barão de Villa Nova de Ourem, ministro da marinha e ultramar, em 31 de março de 1848 dirigiu um officio ao ministro dos Negocios Estrangeiros protestando contra taes actos dos ingleses que roubaram sete escravos em Bolama e que como muitos outros eram vendidos em Serra Leoa.
Era costume, de antiga data, dar-se aos reis da Matta e de Pican, em Cacheu, em cada trienio um luxuoso vestuario, que o governador geral requisitava
ao ministerio. Em 7 de março de 1848 requisitou o governador de Cacheu, em duplicado, o fardamento seguinte:
2 chapeus armados agaloados, com penachos encarnados.
2 capotes de pano encarnado, com mangas e agaloados.
2 colletes de damasco encarnado, agaloados.
2 pares de calções encarnados, agaloados e com fivellas.
2 pares de meias brancas compridas.
2 ditos de sapatos com fivellas.
2 bengalas de tambor-mor.
2 camisas brancas,
2 lenços de seda encarnada para o pescoço.
2 cadeiras de assento

Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte V, pgs. 115-119, Lisboa, 1911


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