1844/10/04
«A intervenção dos
Franceses
Detendo o essencial do comércio legítimo, os
Franceses são os mais rápidos. Os primeiros socorros a chegar (4 de Outubro de 1844)
são, efectivamente, os marinheiros do capitão de corveta Baudin,
comandante da estação das costas da África Ocidental. Deixar-nos-á um relatório
publicado (144), no qual distingue cuidadosamente dois inimigos independentes: os
Papéis, «raça de homens selvagens mas não maus, unicamente
ocupados em cultivar milho miúdo, milho e arroz, e a criar gado para o venderem (145) e
os grumetes «gentes de diversas
nações, todas mais ou menos cristãs, criadas sob a
protecção do forte português ...ladrões, cruéis, e sempre
dispostos a servir-se da faca; muitas vezes fizeram passar os barcos de
cabotagem franceses e ingleses por vexames, tal como os Portugueses, que nunca ousaram
reprimir energicamente os seus excessos»
(146).
Baudin subestima amplamente os efectivos dos Papéis da ilha de Bissau, mas
introduz os grumetes no levantamento. Estes últimos aproveitaram o receio que os
Papéis inspiram aos negociantes para evacuar a sua aldeia para o interior da ilha, antes de se lançarem em
ataques de ratoneiros contra as casas dos comerciantes. Arrastando com eles os
Papéis, foram repelidos muitas vezes. Contrariamente a 1842, existe portanto,
em 1844, aliança militante entre Papéis e grumetes. Baudin recusa intervir
contra os Papéis (guerra colonial regular, a seus olhos)
mas, considerando os grumetes como salteadores, oferece o
seu concurso para os vencer. Aconselha, portanto, que se destrua a
sua aldeia,
demasiado próxima do forte e, a 7 e 8 de Outubro de 1844,
empresta 30 dos seus marinheiros para incendiar as suas choupanas. Bloqueados
pela artilharia do brigue e pelos atiradores, os grumetes não podem
regressar à feitoria. Como os telhados das choupanas impedem os tiros,
são incendiados (como em 1842), e o derrubar das suas paredes enormes exigirá vários dias de «guerrilha urbana»
aos 200 escravos dos moradores e aos soldados portugueses que terão de ripostar, passo a passo, aos grumetes, que
voltaram para defender a sua antiga aldeia.
Ao cabo de onze-doze dias em frente de Bissau, os Franceses retiram (16
de Outubro de 1844), deixando o forte quase totalmente liberto e
em estado de bater a planície a canhão. Segundo Baudin, os negociantes estão em condições de retomar «as suas operações comerciais
suspensas havia já bastante tempo, para grande prejuízo, não só da colónia, mas ainda
do
comércio do Senegal e da Gâmbia...» (147). Temos o sentimento de que este aspecto, estritamente
mercantil, o interessa muito mais que a sorte da colónia.
(144) Baudin [e Anónimo]: «Etablissement portugais de Bissao
(côte occidentale d'Afrique)»: Annales maritimes et
coloniales, 30º ano, 3ª série. Parte não
oficial.
Tomo III, 2ª secção, Revue Coloniale, I845, pp.
143- 148.
(145) Idem, p. 144.
(146) Idem. p.p. 144-145.
(147) Idem, p. 147.»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997,
p.p. 92-93
O governador interino José Xavier Crato, da Praça de Cacheu e dependencias, em
22 de outubro de 1844, relatou ao Governador-geral o facto gravissimo do modo como estavam os
franceses exercendo a fiscalização no rio de Casamansa.
No sítio de Sejo (Selho) onde os franceses
fizeram uma feitoria, saiu uma canoa de Zeguichor; a duas milhas distante
do forte foi esta canoa atacada por uma outra dos balantas,
por estarem em guerra estas tribus; a canoa d'estes, com alguma gente, foi apprehendida
pela d'aquelles e como a polvora acabasse á gente desta tribu retrocederam a
Selho para compra-la.
O official francês que ali êstava estacionado, partidario
dos
balantas,
quis obrigar a canoa a fundear em frente do forte, negando-se a tripulação a obedecer-lhe; do forte
fizeram fogo sobre a canoa e de terra saiu um lanchão para a tomar, o
que conseguiu. A tripulação foi presa e os prisioneiros balantas foram postos
em liberdade.
Esse officüil francês dirigiu-se ao governador de Cacheu a exigir-lhe uma satisfação que este repelliu,
antes o intimou a soltar os presos.
Era intenção dos franceses expulsar-nos de Casamansa e
para isso indispunham contra nós os balantas que, com suas embarcações, andavam nesse rio exeecendo
pirataria; roubvam fasendas ás embarcações de Zeguichor e a iam vender a Selho.
1844/10/12
«A intervenção dos Britânicos
A rendição naval dos Franceses é garantida por um brigue da Navy vindo (12-13 de Outubro) de Bathurst por urna
dezena de dias (voltará a partir a 26 de Outubro). A sorte dos Portugueses, em 1844, é que
os
Papéis (avaliados então em 20 000 almas na ilha de Bissau),
requisitados pelos trabalhos nos seus arrozais, enviam pouca gente para o cerco. Em
troca, os representantes de outras
etnias vêm, como mercenários, fazer fogo contra as muralhas onde, de uma guarnição de 80 soldados,
nem
50 ou 60
estão disponíveis. Ao ler as fomes portuguesas (148), é claro que o conflito é
triplo: a) os mercadores e a fortaleza contra os insurretos
(grumetes) e os assaltantes (Papéis); b) os comerciantes
contra
os militares de Bissau (Dziezaski) e o governador-geral de Cabo Verde; o
primeiro é acusado de não se empenhar a fundo e de recusar libertar o régulo
papel preso, o segundo, na Praia, de nada fazer; c)
os negociantes, entre si (a facção Nosolini contra a que apoia
João
[Marques] de Barros).
Seja como for, se não se acompanham muito bem as operações, é possível dizer que
elas são intermitentes
e, provavelmente, suspensas a partir de 18 de Outubro. Os Britânicos não
parecem ter participado muito nos combates e retiram. Combateram realmente? Não o sabemos.
(148) Barcellos: op. cit., Parte V,
pp. 28-29.»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997,
p.93
1844/10/26
«A 26 de Outubro de 1844, Honório Pereira Barreto chega de Cacheu com 54 homens armados.
Oferece-se como mediador entre a praça e, do outro
lado, os grumetes e os Papéis (149). O régulo de Bandim e os grumetes recusam, porque querem proibir a construção
da
tabanca (cerca em paliçada reforçada por um muro de adobe à maneira mandinga). Além disso, os grumetes querem
reocupar a sua aldeia. Todos exigem a
expulsão de
Caetano José Nosolini e de sua família. Chega-se,
no
entanto, a um armistício,
enquanto se espera a resposta da
Praia.»
(149) As principais condições exigidas, a 27 de Outubro de 1844, pelos Portugueses,
para concluir a paz, são as seguintes: a) os trabalhos de construção da estacada não serão entravados; b) nenhum gentio armado
poderá transpor estas cercas; e) uma zona non aedificandi
de 50 m será imposta no exterior das fortificações; d) os
grumetes não mais ali poderão viver. Serão tratados como gentios. Todavia, os que prestarem juramento de fidelidade, poderão trabalhar em Bissau e serão readmitidos. Idem,
pp. 33-34.
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.
94
1844/11/04
Indígenas Papéis, depois de cometerem
vários desacatos, assassinaram
barbaramente quatro pessoas na praça de Bissau, sendo uma delas um marinheiro
europeu. Uma escolta prendeu o régulo de Intim por ordem do Governador,
tendo conseguido desalojar o gentio para fora da paliçada.
1844/11/05
«Apresenta-se então (5 de Novembro de 1844), diante de Bissau, a corveta
americana do comandante T. W. Freelon (150). Vem defender os moradores, representando
os
interesses americanos. O governador «polaco» parece ter empolado
o valor dos bens americanos (50 000-60 000 dólares), adiantados aos moradores, para incitar o
comandante
Freelon a ficar. O
principal agente dos Americanos não é senão Caetano José Nosolini, o que explica muitas coisas (151). Segundo parece, este esforço inesperado volta a insuflar coragem entre os sitiados. Os seus escravos
querem (?) pegar novamente em armas. Mais verosimilmente,
são
os
comerciantes que levam o governador a suspender o armistício concluído por Honório
Pereira Barreto. Mais ou menos desautorizado,
este retira-se (7 de Novembro de 1844) para Cacheu, o que, incidentemente, dá a entender: a) que o super-patriota não o era ao ponto
de colocar o seu patriotismo antes do seu amor-próprio de negociador ferido; ou que, não estava tão
ameaçado como isso.
(150) Por ordem do comodoro Matthew Perry (o
comandante da esquadra americana que impôs ao Japão a abertura ao comércio estrangeiro), de que o African Squadron, com base na Praia desde
1843, tem a seu cargo reprimir o tráfico americano de escravos.
(151) O comércio americano virá em segundo lugar,
em Bissau, depois do francês, no começo dos anos 50. George E. Brooks, Jr: Yankee
Traders. Old Coasters & African Middlemen. Boston, 1970, pp. 196-197. Segundo George E.
Brooks, se Freelon teve, realmente, 40 marinheiros doentes, nenhuma menção é feita quanto a mortes na tripulação.»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997,
p.p. 94-05
1844/11/09
Começa a guerra entre
os portugueses e o povo de Bissau (papéis e
grumetes) (11/09).
-
O govemador de BISSAU é obrigado apedir auxílio aos govemadoresde Cabo Verde, Gâmbia
e Gorée (18/09).
-
Vinda em socorro dos portugueses, chega a Bissau a corvetafrancesa ÉglantIne
(04/10).
-
Os portugueses, auxiliados pelos franceses, atacam o bairro dosgrumetes, m
Bandim.Os portugueses iniciam a construção de uma paliçada, para protegera povoação de
Bissau contra o ataque das forças guineenses(outubro).
-
Chega a Bissau o brigue inglês Alert (13/10).
-
Na sequência da chegada do barco de guerra inglês, a corveta Églantine
retira-se (16110).
-
Retita-se o barco de guerra inglês (26110).
-
Honório Barreto faz uma mediação entre os portugueses e os papéis(26/10).
-
Chega a Bissau a corveta americana Preble. A guerra reacende-se
(05/10).
-A
corveta americana é forçada a retirar (23/11 ).
-
Os portugueses recebem reforços de Cabo Verde (05/12).
-
Os papéis fazem a paz com os portugueses.
Os grumetes refugiados em Bandim cotinuam a luta
(29/12).
-
Honório Barreto compra doze terrenos nas duas margens do rio Casamansa para
tentar deter o avanço dos franceses nesta região (29/12/1844 a 05/01/1845).
1844/11/10
«Recomeço das hostilidades diante do túmulo do branco
A partir de 10 de Novembro de 1844, os assaltos recomeçam, sendo repelidos os Papéis de Intim
e de Antula. Combates violentos (10,11, 12, 22, 25 de Novembro) opõem principalmente os escravos dos comerciantes (e os Balantas ao seu serviço) aos Papéis. Os marinheiros americanos servem,
antes
de mais nada, para proteger, pela sua artilharia,
a construção da grande tabanca ocidental, entre o baluarte da Balança e
o
mar. Mas rêm de
retirar, como os Franceses e, antes deles, os Britânicos. Bissau é um matadouro
para os brancos. E entre eles, são os Americanos, segundo parece, que tiveram mais baixas nesta «guerra» porque, em dezoito dias de estada (5-23 de Novembro de 1844), as febres
prostaram 40. O número subirá a 90, à chegada a Cabo Verde. A tripulação
registirá mesmo 13 mortos, entre os quais dois oficiais (152). A reputação de Bissau está, pois,
amplamente justificada. Abandonada pelos marinheiros estrangeiros, a feitoria é ainda atacada a 25 de Novembro.
A Marinha portuguesa, a última, envia finalmente de Cabo Verde uma goleta com
30
soldados.
Mas
os ataques contra os construtores da
tabanca repetem-se: (5 de Dezembro). Os 25 canhões da fortaleza, mais um obus, estando mal montados e mal servidos, não parecem ter desempenhado grande papel no cerco. No fim de Novembro de 1844, a grande tabanca do oeste está mais ou menos acabada, sob a direcção de Caetano José Nosolini. Une o flanco esquerdo do forte à praia.
(152) Barcellos: op. cit., Parte V, p. 29.
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.
95
1844/12/19
Paz com o gentio de
Intim, Bandim e Antula, depois de vencida a guerra.
«Uma paz claudicante
A 19 de Dezembro de 1844, é finalmente concluída a paz com os régulos de Intim, Bandim e Antula, por intermédio de um enviado do régulo do Rio Grande (152). Os grumetes estão excluídos. O cerimonial, nesta ocasião, testemunha
um
sincretismo
político-religioso revelador
da mestiçagem cultural das feitorias (153). A 20 de Dezembro de 1844,
Dziezaski manda disparar uma salva de 21 tiros, para marcar o «fim» da guerra. Durara cerca de três meses e meio.
(152) Qual? O de Buba ou de Geba?
(153) O caso teve lugar no interior da fortaleza, em frente
das autoridades e dos moradores, acompanhados pelo seu cura, perante os aliados dos Portugueses, Biafadas e Balantas, e na presença do
mediador do Rio Grande, de três representantes de cada um dos três régulos Papéis, vindos com a sua feiticeira
ou
sacerdotiza (a balobeira). Trata-se de beber
aguardente cortada por água benta, vertida
pelo cura. A beberagem encontra-se numa grande bacia
onde se molham balas de
artilharia e de espingarda, e pólvora (Barcellos: op. cit., Parte V, p. 38). O régulo papel é libertado,
recebe roupas e 24 galões de aguardente. Provavelmente para compensar o copo que lhe fora recusado, a 11 de Setembro. A sua libertação é saudada com sete tiros de canhão.
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.p.
95-96
1844/12/21
O rei Banhum de Sango Dogu, residente em Bissari, na margem do rio Casamansa, cedeu «para todo o sempre» a HONÓRIO PEREIRA BARRETO todo o terreno não cultivado nessa região, declarando que «ainda que tivesse (o que Deus não permita) guerra com o Presídio de Ziguinchor, em nada essa guerra prejudicaria esse contrato livremente feito».
1844/12/29
Foi
cedido a HONÓRIO PEREIRA BARRETO, então
comerciante, residente em Cacheu,
pelos gentios de Mascaço, na margem esquerda do rio Casamansa, um terreno
com 100 toesas de fundo por toda a extensão do litoral para nele se erguerem casas de negócio e estabelecimentos
com a bandeira portuguesa, que podiam
ser fortificados
Honório
Pereira. Barreto consegue dos gentios de Gone e Cabone (Casamansa)cedência de
territórios. Idem, idem, do chefe de Sango Dogu (Casamansa). Idem, idem dos
chefes de Masçaco (Casamansa).
Idem, idem dos chefes de Nhamu (rio Sango Dogu)
e gentios de Blandor e Santague, a 30 desse memso mês.
1844/12/31
Portaria
a FRANCISCO DE PAULA BASTOS,
Governador Geral de Cabo Verde. — Communicando-Ihe o Decreto de 31 de Dezembro
dc 1844, pclo qual foi exonerado do cargo de Governador Geral daquela
Província, devendo porém continuar a exercer as funções do mesmo cargo atéà
chegada do seu sucessor o actual Comandante da 9.ª Divisão Militar, D. JOSÉ MIGUEL DE NORONHA, o qual há-de
ser levado à Província em uma embarcação do Estado, na qual o dito Brigadeiro
Bastos poderá regressar.
PORTARiA
a D. JOSÉ MIGUEL DE NORONHA. —
Communicando-Ihe o Decreto de 31 de Dezeinbro de 1841, pelo qual foi nomeado
Governador Geral da Provincia de Cabo Verde para onde será transporlado da llha
da Madeira em um navio do Eslado, e que por Decreto de 2 de Janeiro ultimo foi
nomeado seu Ajudante d'Ordens o Tenente de Infantaria 11, — JOSÉ TEIXEIRA REBELO.
«D. José Miguel de Noronha - brigadeiro, nomeado
em 31 de Dezembro de 1844, só tomou
posse em 26 de Junho do ano imediato. Teve como secretário geral José Maria de
Sousa Monteiro. Foi
eleito deputado em 1848 com o capitão Fontes Pereira de Melo. Em 1846 grassou na ilha
de Boa Vista uma epidemia de febre amarela, importada por um vapor inglês, que
vitimou 315 pessoas, considerando-se extinta em Fevereiro do ano
seguinte. Registou-se um donativo de mil libras da parte do govêrno
britânico, além doutros particulares.» João Barreto
1845
A França,
por seu lado, celebrou com a Inglaterra, em 1845, uma Convenção para assegurar
a completa supressão do tráfico da escravatura, na qual se previa a
fiscalização das águas das costas orientais e ocidentais da África, desde Cabo
Verde até 16 graus e 30 minutos de latitude meridional, tendo o Governo
Português aceite a referida Convenção, a coberto da qual era inegável a
ocupação pela força de toda a Guiné, sem que Portugal tivesse direito a
reclamar. Com a sentença arbitral, referente à ilha de Bolama, a “(...) fronteira
sudoeste estava, pois, demarcada; as restantes acabaram por ser delimitadas com
a França (...)”
Em 1845, subiu ao trono
o mansa-ba Dianké Wali, o último rei dos gabounkés. Com Wali, o Gabú
conheceria um sobressalto de poder e de reorganização que culminaria com o
ataque a Manda e a destruição integral desta cidade peul. Desde o final do
Século XVIII nenhum exército gabounké tinha conseguido passar o Koliba e
guerrear no Fouta.
Epidemia de febre
amarela
na ilha da Boavista
0s navios franceses
Grenedier e Zebre em Bissau (05/01).
-
Chegam de Lisboa o brigue Vouga e a escuna Cabo Verde, que atacam os grumetes.
Estes enviam Sangu, rei de Bissau, parapropor a paz aos portugueses.
-
Os grumetes fazem içar uma bandeira francesa em Bandim, nointuito de provocar
um conftito entre Portugal e a França (30/04).
-
Os papéis hostilizam os comerciantes portugueses.
apoderando-sedas suas canoas com mercadorias.
-A
guerra generallia-se e os papéis e grumetes chegam a
destruiruma parte da paliçada.
-
Coonvenção anglo-francesa para a partilha da África Ocidental(29/05).
-
Honório Baneto écondecorado com a Comenda da Ordem deCristo
(16/07).
-
Chega novamente a Bissau o brigue Vouga, que começa imediatamente a bombardear
as forças guineenses (07/08).
-
Os grumetes assinam a paz.
Os rendimentos da Guiné que, desde 1840, estavam
arrematados por 4:800$000 réis em generos, incluindo vencimentos
aos empregados da Alfandega, passaram, em 1845, a 9:200$000
réis, sendo os novos
arrematantes D. Rosa de Carvalho Alvarenga e seu filho, Honorio
Pereira Barreto; estes se obrigaram a pagar aos empregados das Alfandegas.
o que elevava àquella importancia a 10:200$000 réis.
Os contratadores tinham direito á recepção de todos os rendimentos, incluindo
multas, e recebiam
mais, por adiantamentos que
fizessem, 1 por cento, ao mês, pela mora do
pagamento.
Neste contrato dava Cabo Verde á Guiné perto de 4:000/$000
réis para suas despesas. ·
«Em 1844 e 1845 realizou Gregorio Josê Domingues uns poucos de contractos , como procurador de Honorio Pereira Barreto, com
diversas tribus gentilicas da Guiné. Daremos na integra o primeiro contracto:
Honorio Pereira Barreto, commerciante, residente em Cacheu, por seu procurador Gregorio José Domingues e os principaes d'aldeia gentia Banhunes de Gano e Cobone, situada na
margem esquerda do
rio
de Casamansa,
convieram entre si perante as testemunhas
abaixo mrncionadas
no
seguinte :
1.º Os gentios de Gouo e Cobone, cedem em toda a propriedade de hoje para todo o sempre a Honorio Pereira
Barreto, cem toesas de fundo por toda a extensão
do littoral que lhes pertence,
reservando somente para elles gentios, todos os sitios em que presentemente
cultivam
arroz ou milho e as palmeiras, .das quaes extrahem vinho.
2.º Honorio Pereira· Barreto ficando possuidor de todos os terrenos não cultivados,
e
dos
.que os gentios de Gono e Cobone
deixarem de cultivar, poderá estabelecer n'esse terreno toda a
qualidade de cultura que lhe parecer conve niente, fazer pastar bois e cortar as arvores que forem necessarias, e mesmo se quiser ali fazer casa de negocio,
estabelecimento com a bandeira portuguezn, fortificando-os, emfim
tudo
quanto for util aos seus interesses.
3.º Os gentios referidos desde já declaram que devem ser olhados como nullos e de nenhum effeito quaesquer contratos que posteriormente se vejam
forcados a fazer com individuos ou governo estrangeiro da Europa e que tendo elles
alienado o terreno referido não podem dar senão a Honorio Pereira Barreto,
licença de fazer nelle estabelecimentos, casas de negocio, não podem
consentir que se arvore ali outra bandeira que não seja a
portugueza.
4.º Declaram mais os mesmos gentios que ainda que venham a ter, o que Deus não permitta, guerra
com este presidio de Zeguichor, em nada essa guerra
prejudicará este contracto tão livremente feito.
5.º Honorio Pereira Barreto, em pagamento da cessão do
referido terreno, deu aos referidos gentios, por uma só vez, cincoenta mil réis, que foram
entregues pôr Gregorio José Domingues, procurador
do mencionado Honorio Pereira Barreto.
E para constar se feí este em quadruplicado do mesmo theor e data. Testemunhas a tudo presentes André Mendes Teixeira, Juiz do Povo deste presidio; José Maria
Barbosa, Pedro d' Alcantara
Pereira e Roberto Mendes Martins, que todos hão de assignar, com Gregorio José Domingues, procurador
de Honorio Pereira Barreto e com os gentios presentes Rangala, Bigigor, Usamun, Gasingo, Mazango, Made, Ufanhum, Baioca, Joaquim, que por não saberem ler nem escrever,
assignam de cruz, depois de se lhe ter explicado
em sua lingua, o presente contracto. Gono, 29 de dezembro de 1844. Seguem as assignaturas infra mencionadas.
2.º contracto. - Em 5 de
janeiro de 1845 o mesmo Gregorio José Domingues com os gentios Banhunes, de Farancundo,
da margem direita de Casamansa,
concordaram em fazer a cessão de uns terrenos na mesma extensão
a Honorio Pereira Barreto, nas mesmas condições, do
contrato anterior, assinando as mesmas testemunhas por parle de
Honorio Barreto e os gentios Nhala, Sanhanda, Galam, Damião e Gampo.
3.º contrato. - Em 4 de janeiro
de 1845 o mesmo, com os gentios Banhunes de Seneguer, da margem direita do rio de Casamansa,
concordaram em fazer, nas mesmas condições dos outros contractos,
cessão de terrenos da mesma extensão a Honorio Barreto, assignando por parte deste os mesmos do 1.º contracto
e
os gentios Quefe, Matamba e Galeco.
4.º contracto. - Na
referida data, 4 de janeiro de 1845, o mesmo, com os gentios Banhunes
de Bumbuda, da margem direita do rio Casamansa, celebraram
um contracto, identico ao anterior, fazendo a Honorio
Barreto cessão da mesma extensão, de um terreno, na presença das testemunhas acima ditas e dos gentios Amenha, Bram, Cole e Cambam.
5.º contracto. - Em 20 de dezembro de 1844, o mesmo Domingues
com
o rei Banhunes de Songo Dogu, residente na aldeia de Bissau, e os principaes do mesmo reino, situado na margem
direita do rio do mesmo nome, principal affluente do rio Casamansa,
fizeram a Honorio Barreto a cessão de um terreno,
na mesma extensão, na presença das referidas testemunhas acima mencionadas
e
dos
gentios
Ganhate, rei, Bram e Nhado.
6.º contracto.- Em Ganho, a 2 de janeiro
de 1845, o mesmo procurador e os principaes gentios da aldeia de Banhunes de Ganho, situada na margem esquerda do Casamansa,
fizeram
a
Honorio Barreto
a cessão de um terreno, da mesma extensão, na presença das mesmas testemunhas
e
dos gentios Qunque, Ugarifo, Budetes e Coze.
7.º contracto. - Em Nhamul, a 30 de dezembro de 1844, o mesmo procurador e
os
principaes d'aldeia gentia Flupes de Nhamul, situada na margem direita do rio de Sangodugu,
principal atlluente de Casamansa, fizeram a Honorio Barreto a cessão de um
terreno, da mesma extensão, na presença das testemunhas acima ditas e dos gentios Aringo e Naxa.
8. º contracto. - Em Mapaco, a
29 de dezembro de 1844, o referido procurador e os principaes d'aldeia gentia de
Banhunes, de Mascaço, situada na margem esqnerda
do rio de Sangadoque, principal affluente do rio de Casamansa,
fizeram a Honorio Barreto a cessão de um terreno, da mesma extensão,
na
presença das mesmas testemunhas e dos gentios
Tomam, Sajo, Macajuma, Selemane, Bocudim e Quejam.
9.º contracto.- Em Biandor, a 30 de dezembro de 1844, o mesmo procurador e os
principaes d'aldeia gentia Flupes de Biandor, situada na
margem direita do rio de Sangodugu, principal affluente
do rio Casamansa, fizeram a Honorio Barreto a cessão de um terreno, da mesma extensão, na presença das testemunhas acima mencionadas e dos gentios Cagaon, Sambali e Gimangiam.
10. º contracto. - Em Santaque, a 30 de
dezembro de 1844, o referido procurador
e os principaes da aldeia gentia Flupes de Santaque, situada na margem
direita do rio de Sangadoque, principal affluente de Casamansa, fizeram cessão a
Honorio Barreto de um terreno, da mesma extensão, na
presença das testemunhas acima ditas e dos gentios Cabeça e Aringa.
11.º contracto - Em Sangaje, a 9 de janeiro de 1845,
o mesmo procurador e os principaes
da aldeia gentia Banhunes de Sangaje, situada na margem direita do rio Casamansa,
fizeram cessão de um terreno, na mesma extensão, na presença das testemunhas acima mencionadas
e dos gentios Ulmati, Bagamba, Nhali, Caiabena, Vaima, Baiabula e Paquenam.
12.º contracto.- Em Nhene, a
2 de janeiro de 1845, o mesmo procurador e o rei
Banhum de Nhene e Bricama e os principaes do mesmo reino, situada na margem
esquerda
do
rio Casamansa, fizeram a Honorio Barreto a cessão de um
terreno na mesma extensão, na presença das referidas testemunhas acima mencionadas,
e os gentios Antonio, rei; Ugaga, Mezentem e Qogem.
Subsidios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte V, pgs. 42-45, Lisboa, 1911
«Em 1845, por uma razão ignorada, Caetano José Nosolini deixa de ser o arrematante da alfândega e o «Tesoureiro-Pagador geral» da Guiné, sendo esta função entregue a Dona Rosa de Carvalho Alvarenga e a seu filho, Honório Pereira Barreto, que
obtêm condições menos vantajosas (2). Seria isto o fim do prestígio do super-negreiro cabo-verdiano? Pensamos que não, porque ele reaparece
num
caso
que
mostra a precaridade da paz concluída com os Papéis, a 19 de
Dezembro de 1844.
(2) As receitas alfandegárias que cobram são avaliadas em 9200$000 réis em vez de 4800$000 réis, e eles comprometem-se a pagar 10 200$000 réis de emolumentos e de soldos. Recebem, em troca,
perto de 4000$000 réis de Cabo Verde. Barcellos: Op. cit. Parte V, p. 49.»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.
106
1845/01/01
Em 1 de Janeiro de 1815 constava de 534 homens a força de primeira linha na Província incluindo oficiais, que dava
para a Guiné os seguintes destacamentos: Bissau, 112 homens, sendo 97 soldados; Bolama, dois saldados e um, cabo: Cacheu, 38 homens, sendo 29 soldados; Ziguinchor, quatro soldados; Farim, um segundo sargento e três soldados; Bolor, um furriel e
dois soldados;
Mata da Potama, dois soldados e um cabo.
1845/01/04
«O regresso dos Franceses
Não obstante as aparências, a guerra está
realmente terminada? De facto, os grumetes foram postos de parte.
Por seu lado, os Franceses do Senegal foram avisados do acordo e, a 4 de
Janeiro de 1845, chega a Bissau uma corveta. No dia
seguinte, é a vez de um brigue. É surpreendente que eles se ofereçam,
também, como mediadores, numa questão puramente interna numa feitoria
portuguesa (155). E, mais ainda, que sejam aceites. Apesar de tudo, a 6 de
Janeiro de 1845, dia previsto para as negociações, um escravo de João
Marques de Barros é morto na tabanca e tudo volta a ser posto em causa.
Aqui, as duas embarcações francesas retiram-se (8 e 14 de Janeiro de 1845).
(155) A 1 de Janeiro de 1845, conta com 112 militares, entre os quais 97 soldados.»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.
96
1845/01/26
«A chegada tardia da Marinha portuguesa
Finalmente alertada, Lisboa enviou, em Dezembro de 1844, um
brigue e uma goleta, a Cabo Verde. É só a 26 de
Janeiro de 1845, que a goleta se apresenta diante de Bissau e, esperando pelo brigue,
encarrega-se do policiamento do Rio [Grande de] Geba, onde as canoas dos grumetes têm a sua base no «porto» papel de
Bandim. A 27-28 de Janeiro de 1845, os marinheiros
portugueses trocam alguns tiros em frente de Bandim. Depois da chegada do brigue português (1 de Fevereiro de
1845), está previsto um desembarque de marinheiros e de soldados para
destruir as embarcações dos grumetes refugiados. Mas estes foram
prevenidos e estão decididos a bater-se para impedir a intervenção. Anula-se,
portanto, a operação. Todavia, a presença destes dois navios de
guerra
em
frente de Bissau tranquiliza a comunidade mercantil, tanto mais que
os Papéis são, dali em diante, declarados «dóceis». Deixam-se pois as coisas como estavam.
Um cerco dispendioso
O balanço das baixas em homens desta «guerra» de Bissau, de Setembro-Dezembro de 1844, não é conhecido. Os Portugueses e os Cabo-Verdianos perderam muito pouca gente, tendo sido a maioria dos mortos e feridos, do seu campo, escravos e auxiliares (150 balantas e manjacos que
Caetano José Nosolini chamou e pagou do seu bolso) (156). Papéis e grumetes tiveram talez uma cinquentena de
mortos. Decididamente,
pagou-se muito pouco em homens, quando se conhecem as baixas dos
Americanos, simples observadores: 13
marinheiros entre os quais dois oficiais varridos pelas febres de Bissau. Financeiramente, a «guerra» custou, contudo, muito caro à praça, ou seja, aos comerciantes.
João
[Marques] de Barros e Caetano José Nosolini dispenderam, respectivamente, 4000 e 8000 pesos (157), ou seja, só eles, entre metade e dois terços do «orçamento anual de toda a Guiné. Nada sabemos das perdas dos outros
comerciantes. A falta de receitas durante este período, também não é numerável. Notar-se-á,
portanto, que se encontram o seu lucro nos malabarismos
contabilistas e nas operações duvidosas, certos magnates cabo-verdianos e luso-guineenses sabem pagar da sua bolsa e com a sua pessoa (158) quando se trata de rivalizar em patriotismo. Sem mesmo falar do padrão de todas as «virtudes luso-tropicais», o insigne Honório Pereira Barreto, é bom sublinhar que um negreiro, tão notório como Caetano José Nosolini, foi a alma
da resistência durante o assédio. É verdade que, mantendo na sua dependência financeira todos os funcionários e todos os soldados, é ele quem mais teria a perder se Bissau tivesse caído, em 1844.
A sobrevivência dos enclaves
No plano estritamente defensivo, a «guerra» teve um efeito benéfico para os moradores. Não esvazia o abcesso grumete, mas afasta-o para
fora das muralhas. Além disso, a construção da tabanca envolve o poço de
Pidjiguiti, fonte de água, dali em diante,
em segurança. O campo de tiro, para o norte e
para leste, está igualmente liberto.
Politicamente, as vantagens que os lusitanizados retiram são menores. Notar-se-á que o tratado de paz de 1844 não é um tratado de vassalagem, à imagem do que se pratica e se praticará
na
África
lusófona bantu. Neste aspecto, a Guiné não é Angola nem Moçambique. Aqui os chefes africanos não se reconhecem ainda leais vassalos da Coroa, nem obrigados a ajudar os
seus representantes e os seus súbditos. É um simples acordo de boa vizinhança e esta diferença é capital. Não tardará a ver-se que não resolve o
problema
dos grumetes de Bissau mas, mesmo violado e apesar de tudo, dará umas
tréguas de perto de
50 anos à praça, face aos Papéis, de quem o
régulo de Intim não receberá mais rendas. Esta «guerra de
Bissau» foi, pois, uma profunda inalação de oxigénio político para os lusitanizados. Mas não
resolve a questão do isolamento, nem o da dependência em
relação: a) às marinhas estrangeiras; b) às trocas externas; e) aos bloqueios
fluviais eventuais. Numa palavra, no final de 1844, Bissau e atrás deles Cacheu e os presídios interiores, continuam a ser o que nunca deixaram de ser: enclaves. Comparados com a Gâmbia e mesmo com o
«poderoso» Senegal da época, nada ali há de dramático. Apesar de tudo, é uma base
muito frágil e muito instável para transformar esta colecção de escalas
numa unidade territorial contínua. Principalmente quando a vossa metrópole
não quer ouvir falar de vós.
NA DEFENSIVA
As acções violentas durante estes quatro anos charneiras estão limitadas
a Bissau e a Cacheu. Comprometem apenas pouca gente do lado
português e são pouco mortíferas de um e outro lado. Em muitos aspectos, são «rixas de balcão (*)» tal como sobressai do breve quadro seguinte,
estabelecido segundo o modelo daqueles que elaborámos para Moçambique.
À medida que avançarmos no século, vê-los-emos
alongarem-se lugubremente. De momento, o primeiro é dos mais sucintos,
tal
como
convém a um curto período e para estabelecimentos que
nem sequer têm suficientes e bons soldados para
manter a ordem dos comerciantes.
(156) Barcellos: op. cit., Pane \', p. 40.
(157) Idem. Parte V, p. 29. O autor não diz se se trata do peso duro espanhol (1= 1000 réis) ou do peso mexicano (1 =800 réis) (Segundo lopes de lima: op. cit., Parte I, p. 50), o que faria 4000-32005000
réis para o primeiro e 8000-6400$000 réis para o segundo.
(158) Os custos de construção da
estacada foram cobertos por Nosolini, e ele participou financeiramente - e fisicamente - na construção da tabanca em adobe e em pedra que a reforça. Barcellos: op. cit., Pane V, p. 40.
(*) No original «rixes de comptoirs». Com esta expressão, pretende o autor realçar os aspectos mercantilistas destas «guerras», não havendo, em Português outra possível tradução. (N.T.)»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.
96-99
1845/04/22
Por decreto de 22 de abril foi exonerado do governo de Bissau o capitão-tenente Torres e nomeado definitivamente o major graduado, Joaquim de Azevedo Alpoim, que exercia esse cargo desde 20 de março.
1845/04/27
«O governador de Bissau communicou
em
27
de abril, 5 e 6 de maio, que os
grumetes continuavam em sua rebeldia e tanto que tendo desprezado as propostas de perdão qrie se lhes offereceu, declararam que nada queriam
da Praça e que passavam a ser subditos franceses.
Que effectivamente arvoraram em Bandim, no ponto que escolheram para sua residencia, a bandeira francesa
e que a seguraram com um tiro de peça, persistindo na sua rebelião e aggravando-a
com mais. este acto de traição. Que um soldado, por nome
João Soares, que havia tempos tinha desertado para os gentios de Bandim viera apresentar-se á Praça, onde fizera importantes revelações sobre os preparativos que os grumetes estavam fazendo para a guerra, logo que
chegasse o tempo
das aguas e os fins com que a recomeçavam, cujo primeiro acto foi
o arvorarem a bandeira
francesa no dia 30 de abril; e, finalmente,
que os referidos grumetes sabiam tudo quanto se passava dentro da Praça.
O Governador, em sessão do Conselho do Governo de 11 de julho,
apresentou essa questão e ainda a do roubo de uma chalupa do negociante João Marques de Barros, na qual foi prisionada a tripulação.
O Conselho foi de unanime opinião, que ao
Governador de Bissau fosse autorizado a declarar a Praça em guerra contra os rebellados
de Bandim, se estes não viessem prestar submissão e até contra os
gentios que prestassem ãuxilio aos referidos grumetes.
No mesmo dia 11 de julho officiou o Governador
Geral ao de Bissau dizendo-lhe que tinha resolvido mandar para essa Praça a bordo do brigue
de
guerra Douro, uma força de 50 pracas e os officiaes competentes, destinada a render um igual numero de soldados
e officiaes ou como reforço à guarnição ali existente.
Fôra-ihe reeommendado para colher as mais
amplas informações sobre a veracidade da revelação feita pelo soldado Soares;
das intenções em que foi arvorada a bandeira francesa e dos
planos que se attribuem aos grumetes de se submetterem aos françeses;
e ainda sobre a exactidão das noticias que tinham corrido da
pilhagem ás canôas dos negociantes e das prisões effectuadas.…
Recommendava-lhe para que tivesse
prompto um contingente de fprça suficiente da guarnição
commandada pelo capitão Francisco Alberto de Azevedo para que,
logo
que
chegasse ao seu conhecimento que os rebeldes rejeitavam o perdão,
rompesse as hostilidades, marchando sobre Bandim a força mencionada.
No referido brigue Douro seguiria para Bissau o tenente-coronel
Nosolini
a
quem
o Governador de Bissau devia consultar sobre a marcha
a seguir contra os · grumetes e tambem
requisitar-lhe, devido á sua influencia e grande prestigio ali, qualquer auxilio
de gente.
Devido ao mau estado do brigue Douro seguiu para
Bissau o brigue Vouga sob o commando de Carlos Craveiro Lopes, com a força, no dia 30
de julho, tendo embarcado nelle o tenente-coronel Nozolini, tres segundos tenentes de artilharia
e 40 praças de pret, fondeando em Bissau a 7 de agosto.
Neste mesmo dia
officiou
o
commandante
do
brigue Vouga ao Governador da Praça pedindo-lhe informações
sobre a altitude dos grumetes. Respondeu que estes tinham
vindo no dia primeiro de agosto, de madrugada, arrancar alguns paus da
palissada junto ao mar, do lado do Pigiguiti, e que presentidos
pelo
guarda
fugiram;
depois do toque de alvorada um grumete que se achava
émboscado junto ao baluarte da Poana fez um tiro á sentinella; esta immediatamente
lhe fez fogo fugindo aquelle para dentro de tarafes, proximo da Praia;
para ali se fez fogo de metralha que desalojou uns 12 a 15 homens
que fugiram sempre perseguidos pela artilharia. Nesse
dia, tanto os grumetes çomo o gentio mandaram seus embaixadores á Praça
pretextando que se queriam sujeitar a todas as
condições que o Governo lhe quisesse impor, e que deviam reunir-se
no
dia 8 para deliberarem e apresentarem a todo o povo as condições
a
que deviam ficar sujeitos.
Naquelle dia reuniu-se effectivamente o Conselho composto do Governador da Praça, commandante do brigue
Vouga e tenente-coronel Nozolini que
resolveram se çhamasse á Praça o regulo Aré, de Antim ; no dia 9
apresentou-se este rei com cinco pessoas da sua comitiva, exigindo-lhe o Governador
que sem mais demoras tratasse da paz e entregasse o prisioneiro Miguel da Barros assim como havia de dar um
dos seus filhos para ficar de refem. .
Esse rei, respondendo affirmativamente, mandou um
dos
seus
fidalgos buscar a Antim a gente que d'aquelle chão devia ficar de refem, bem assim um filho seu
que devia ir para Cabo Verde; depois d'esta gente
entrar na Praça sairia, entao, o rei para ir buscar ás tribus de
Antulla
e Bandim, a outra gente, e. o irmão de João de
Barros bem como os grumetes para jurarem novamente fidelidade á
bandeira portuguesa.
O rei confirmou o que havia dito ao Governador
na
presença
de Caetano José Nozolini, mas este declarou que essa paz era inutil e disse ao rei para mandar vir gente de Geba para servirem de mediadores ; o rei
annuiu a isso e as negociações ficaram paradas contra os votos do Governador
Azevedo AIpoim e commandante do Vouga.
No dia 9 seguiu para a Praia o brigue Vouga e pelo relatorio do com mandante do mesmo se viu que
os grumetes não atacaram as canôas dos negociantes portugueses.
Em 11 de agosto communicou o Governador
da Praça que se tinha dispensado a gente de Geba, como medianeiros, aceitando
os regulos de Bandim e Antulla a exigencia de
apresentarem seus filhos, que ficariam em refens e que a paz
se trataria no dia 14 proximo.
Só em tres de novembro participou
o governador ter-se concluído
a paz com estes rebeldes, apresentando-se na Praça em numero de
200 homens que ractificaram o juramento de obediencia á Rainha.» -
Subsidios
para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte V, pgs. 55-58, Lisboa, 1911
1845/05/00
«Em Maio de 1845, pouco tempo depois de firmado o suposto acôrdo ·de paz
entre o govêrno de Bissau e o grupo de papéis e
grumetes, o respectivo governador, Joaquim Azevedo de Alpoim participava que os grumetes continuavam em estado de
rebeldia.
Um
soldado desertor, João
Soares, que regressara à praça depois de ter passado seis meses entre os indígenas, informava que os
grumetes iam acumulando munições e aliciando gentios para atacar a fortaleza; que· pretendiam
hàbilmente
provocar
um
conflito
entre Portugal ·e França, declarando-se súbditos desta última nação, para o que fizeram
arvorar uma bandeira francesa em Bandim, salvando-a com tiros de peça no dia 30 de Abril.
Ao mesmo tempo os revoltosos hostilizavam os comerciantes
de Bissau apoderando-se das suas canoas com mercadorias e molestando
as
tripulações.
Em face dêstes informes, o governador geral de
Cabo Verde enviou novamente para Bissau o brigue Vouga, sob o comando de Carlos Craveiro Lopes, com 40 praças, 3 tenentes de artilharia
e o tenente-coronel Caetano Nazolini. Chegaram a Bissau em
7 de Agôsto. Durante êste tempo houvera troca de tiros entre a Praça e os
revoltosos, que por vezes chegaram a avançar até à palissada e destruir
uma parte diela.
A chegada do refôrço, vindo pelo Vouga, levou os grumetes
e papéis a enviar seus emissários, declarando aceitar a soberania
portuguesa, e começaram as negociações da paz, que ainda levaram
muito tempo, até que os grumetes, em número de 200, se apresentaram na Praça, ratificando o juramento
de fidelidade.
O brigue Vouga retirou-se para Cabo Verde,
levando a bordo o comerciante José Valério Gonçalves, acusado de entendimento
com os ingleses para a venda
de territórios na região de Geba.
Tempos depois, o mesmo governador de Bissau, Azevedo de
Alpoim, realizava a compra do pôrto de Bandim ao régulo da
região, confirmada por tuna escritura lavrada em 14 de Fevereiro de 1846, na qual o régulo declarava:
«que cedia de hoje para
todo o sempre o porto de Bandim,
bem como uma porção de terreno junto, a Joaquim
de Azevedo Alpoim, cujo porto bem como a terra adjunta, ficará desde hoje pertencente ao dito
Alpoim, e outrossim declarou o rei que tudo tinha cedido por ser muito obrigado e amigo
do actual governador desta praça, Alpoim, de quem tinha
recebido varios presentes e ao fazer desta uma boa gratificação
... »
Participou também o· mesmo governador
de Bissau, em Março de 1846, que estava concluída a construção do forte de Pigiguiti, de pedra e cal, devida em grande parte aos serviços de Caetano Nazolini, propondo que se desse ao forte
o nome deste tenente-coronel como grande benemérito de Bissau.
Deu-se, porém, a: circunstância de, na mesma época, subir às estâncias superiores uma reclamação dos moradores de Bissau contra o mesmo Nazolini, acusando-o de abusar
da suai situação, tornando-se prejudicial à praça.»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 227-228
1845/05/10
1845/05/10
«Em portaria régia de 18 de dezembro de 1844 se exigiram as seguintes
informações da Guiné:
1.º Qual é o estado da fortificação de Bolor;
2.º Se será conveniente aumentar ou restaurar a mesma
fortificação;
3.º Qual a despesa que custariam as obras;
4.º Se será conveniente
estabelecer ali um posto fiscal;
5.º Qual a força armada necessaria para guarnecer este ponto.
Devendo todas as respostas ser ligadas com o que se ordenou
respectivamente aos terrenos novamente adquiridos.
O Governador Geral respondeu em 21 de julho de
1845, remetendo copia do officio do Governador, de Cacheu, Crato que
informou em 10 de maio de 1845.
Primeiro, que ali não ha fortificação alguma, e tudo quanto ali se fizer ou se construir,
é
inutil
sem que primeiro se façam grandes despesas para evitar a entrada do
mar no tempo das chuvas; o mar tem consumido uma terça parte do nosso terreno apesar de vallas e escoantes que elle Governador, mandou fazer.
As poucas
casas de barro que
ali fez Lopes de Lima, quando director d'aquelle estabelecimento, começaram a arruinar-se na presença do mesmo Lima, e actualmente não ha vestígios de taes construcções.
Ao segundo, entende ser
sufficiente que ali haja duas
a tres peças com um pequeno destacamento, tão sómente para mostrar que aquelle território nos pertence.
Ao terceiro que ali
mandou construir um quartel para o destacamento.
Ao quarto, julga tambem inutil qualquer medida que·tenda a estabelecer ali alfandega ou outra casa fiscal; os rendimentos d'aquelle
ponto não são sufficientes para pagar a um sargento o seu ordenado,
por
isso que taes rendimentos não excedem
10$000 a 12$000 réis annuaes. O país é pobre e não se exporta mais do que 1:000
arrobas de arroz e aguns 50 coiros; não ha ali cera, e mesmo os coiros
vem do
interior, indo a maior parte d'estes para Casamansa levados pelos franceses e ingleses.
Ao quinto basta que ali haja um official inferior, dois ou tres soldados.
O
estabelecimento de Bolor data de 1831; por habitantes
tinha os soldados do destacamento; apesar da sua relativa salubridade
estava deserta de genle por falta de tudo
para a alimentação.
Muito conviria que em Bolor se içasse a nossa bandeira,
que não ha, para evitar que os franceses ali se
estabelecessem para não nos cortar a unica communicação que temos com Zeguichor.» -
Subsidios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte V, pgs. 52-53, Lisboa, 1911
1845/05/12
HONÓRIO PEREIRA BARRETO cede ao Estado todos
estes terrenos que adquirira.
1845/05/31
Nomeação
do cónego PATRÍCIO XAVIER DE MOURA como
bispo de Cabo Verde
1845/06/26
Posse do brigadeiro JOSÉ MIGUEL DE NORONHA como governador de Cabo Verde.
Idem. Decreto. — Hei
por hem nomear o Coronel, actual Comraandante da nona Divisao Militar, D. JOSE MIGUEL DE NORONHA, Governador
Gcral da Provincia de Cabo-Verde, de que tirara Carta, pagos OS Direitos de
Merce. Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Marinha e do Ultramar,
assim o tenha entendido, e faca executar. Paco de Belem, trinta e um de
Dezembro de mil oitocentos quarenta e quatro. :=RAINHA. =Joaquim José Falcao.
2. DECRETO. — Hei por bem Nomear Ajudanle d'Ordens do Governador Geral que se
acha nomeado para a Provincia de Cabo Verde D. JOSE MIGUEL DE NORONHA, o Tenente do Regimenlo d'lnfanleria
numero onze, JOSE TEIXEIRA REBELLO.
MINISTRO e Secretario d'Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, assim o
tenha entendido, e faça executar. Paço de Belem, dous de Janeiro de mil
oilocentos quarenta e cinco, = RAINHA. = Joaquim Jose Falcao.
1845/07/11
«Em 11 de julho de 1845, na Villa
da Praia, officiou o Governador D. José Miguel de Noronha ao commandante do brigue de guerra Vouga, expondo-lhe que,
não só por vias officiaes directas mas tambem por via de Goré, estava informado de novas hostilidades á Praça de Bissau,
provocadas por grumetes e que essa Praça reclamara soccorros d'esse navio.
Teve noticia o Governador Geral que no chão salgado (terreno sagrado onde o gentio não
pode ser batido) que os papeis occupam em Bandim, fôra arvorada a.bandeira francesa, e que de novo se preparavam para uma guerra tendo os grumetes commettido actos de pirataria,
roubando canoas de negociantes portugueses, cujo paradeiro e da gente se ignorava; um dos roubos deu-se numa
chalupa do negociante João Marques de Barros, cuja tripulação constava estar a ferros, em poder dos grumetes, incluindo um
irmão d'este negociante Barros.
Mais constara que os grumetes se tinham abastecido de muita
polvora, e que esperavam pela estação chuvosa para atacarem a Praça, auxiliados pelos papeis de Bandim e de Autulla.
O Governador
mandou que o brigue Vouga, depois de recolher
cincoenta soldados do batalhão de artilharia com os respectivos officiaes, seguisse
para Bissau. Embarcaram, dos officiaes, o tenente-coronel Caetano Nozolini e três tenentes, a 30 de julho e chegaram a essa Prava a 7 de agosto.
Determinou o Gorernador Geral que, depois do desembarque da tropa, se organizasse a força que sahiria a campo e que, reunindo-se a ella uma outra disponível de bordo, procurariam occupar
Bandim e destruir as canoas dos grumetes. Antes porem, de começarem estas hostilidades, recomendou o Governador, que da Praça se enviasse um parlamentario a Bandim, para intimar os grumetes que entregassem todos os prisioneiros e roubos que conservavam em seu poder, e que se rendessem á descrição dentro de um prazo, que seria accordado com o Governador da Praça e com Caetano Nozolini, assegurando- lhes, neste caso, inteiro perdão e esquecimento do passado, e qur
ninguem seriá perseguido ou inquietado pelo que anteriormente houvesse
feito, mas que findo o referido prazo, e não se tivessem submetido, que se rompessem as hostilidades e os grumetes ficariam sujeitos a todos os
rigores que as leis da guerra autorizam em taes casos.
Em Bissau
estava
fundeado
o brigue Douro que sahiu d"este porto na vespera de se. romperem as
hostilidades.
O Governador da Praça de Bissau, Joaquim de Azevedo Alpoim, relatou ao commandante do brigue Vouga qne os grumetes tinham
vindo no dia 1 de agosto, de madru!!ada, arrancar alguns .paus da
paliçada junto ao mar, do lado de Pigiguiti, mas sendo presentidos pela guarda que se achava
colocada a pequena distancia d"aquelle ponto, retiraram-se sem fazer um só tiro e nem tão
pouco fizeram os soldados, porque, quando ali chegaram já não viram ninguem.
Depois do
toque de alvorada partiu um tiro do lado da porta da Poana, que foi feito por um grumete, que ali
estava emboscado, contra a sentinella collocada no baluarte proximo, a qual
immediatamente tambem lhe fez fogo.
O
Governador mandou bater as moitas de tarafes com metralha e d'ali sahiram uns quinze grumetes que fugiram para um outro bosque; então fizeram fogo contra a Praça,
mas esta com artilharia os desalojou.
Tanto o gentio como os
grumetes, desde que ali chegou o brigue Vouga com Caetano Nozolini, mandaram seus embaixadores
ao Governador a dizer-lhe que queriam sujeitar-se
a todas as condições que o Governo lhes quisesse impor, e resolveram reunir-se no dia seguinte para deliberarem e apresentarem a todo o povo as condições a que deviam ficar sujeitos.
Çomo de costume, a paz conseguiu-a Caetano Nozolini e outros negociantes com dinheiro e presentes que davam a essa horda de selvagens, seguindo no dia 12
para Cabo Verde a Vouga, conduzindo preso o negociante José Valerio Gonçalves, accusado de querer vender os pontos de Fá e Ganjarra
aos ingleses.»
Subsidios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Senna Barcellos, parte V, pgs. 50-51, Lisboa, 1911
1845/08/01
«Ainda os grumetes de Bissau (1 de Agosto de
1845)
Em Abril e Maio de 1845, o governador-geral de Cabo Verde, José Miguel de
Noronha, tem conhecimento de que os Papéis e os grumetes refugiados em Bandim arvoram a bandeira francesa (30 de
Abril) «esperando» fazerem-se súbditos de Louis-Philippe, e que os grumetes, de acordo com o que são, cometem
actos de pilhagem contra as embarcações dos negociantes de Bissau. Os grumetes recrutam mesmo aliados para tentarem
apoderar-se da vila. Cabo
Verde envia, portanto, o seu brigue
de guerra, 40 artilheiros, três oficiais e o inevitável Caetano José Nosolini, encarregado de negociar uma paz mais duradoura
que a do ano precedente. Os grumetes parecem querer atacar a tabanca, a 1 de Agosto de
1845, mas
a artilharia deteve-os. À chegada do brigue (7 de Agosto), Papéis e grumetes enviam representantes a Bissau, onde Nosolini e o governador, Joaquim de Azevedo Alpoim (3), terão muita
dificuldade em comprar a paz (4). Intervirá muito tardiamente, mas numa data de nós desconhecida
(Outubro ou começo de Novembro de 1845), provavelmente por cansaço.
Nesta data, a guarnição de Bissau é numericamente
forte (123 homens), porém é totalmente incapaz de sair da sua fortaleza. Portanto, para se antecipar às ameaças francesas e inglesas, o governador
de Bissau, à maneira de
Honório Pereira Barreto compra, em seu nome pessoal,
o que não pode conquistar pelas armas: o «porto» de Bandim (14 de Fevereiro de 1846) que o régulo papel local, respondendo ao nome
bombástico e inesperado de Jery Napenac da Roca, lhe vende. Esta «personalização» ou individualização da
expansão tem uma dupla finalidade, aos nossos olhos: a) não
assustar a parte cedente, a qual se melindraria por vender um território
à Coroa portuguesa, mas não vê senão vantagens em ceder a um particular, mesmo governador; b) promover
os negócios do funcionário «comprador» junto dos seus
superiores. Este último ponto é confirmado pelo exemplo de Caetano José Nosolini, que
oferece às autoridades, a 7 de
Abril de 1846, um fortim construído a expensas suas, na ponta da
tabanca, lançada em construção pelos seus cuidados, durante o
cerco de 1844. Este benfeitor da humanidade joga, portanto, em dois registos complementares:
negreiro todo-poderoso, mas invejado
pelos seus pares, que o acusam de abuso de poder,
ele tem necessidade de
aparecer como protector da Coroa, da qual espera que feche os
olhos às suas actuações duvidosas. Não é desiludido
na sua expectativa. Isto para Bissau, na margem,
que captou a atenção depois de 1841.
(3) Já conhecido governador
de Quelimane, atacando Massangano, em
Moçambique, em 1855. René Pélissier: Naissance .... op. cit., p. 71; p. 324.
(4) Barcello, Op. cit. Parte V. pp 55-58.»
René
Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia
1841-1936, Volume
I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997,
p.p. 106-107
1845/09/17
O comandante francês Baudin, oficial da marinha, prestou auxilio à Praça de Bissau quando os
Grumetes e os Papéis a atacaram, Provou-lhe o seu reconhecimento o
Governador da mesma, e o Governador de Cabo Verde dirigiu-lhe uma lisonjeira
carta de agradecimento. A corveta americana
«Preble» concorreu igualmente para pôr os revoltosos em debandada.
1845/09/29
O governador
respondeu em 29 de setembro
de 1845 á portaria régia que lhe ordenou para remover as auctoridades e funccionarios implicados na protecção do trafico de escravatura, ou meramente suspeitos
de o favorecerem, e para substituil-os
por
individous cujo comportamento e moralidade offerecessem garantias
de que o difficultariam.
N'este sentido deu uma
portaria circular em 15 de setembro aos governadores de Bissau e Cacheu e commandante dos Presídios chamando a sua
attenção para a convenção celebrada em 29 de maio de 1845 entre a Franca e Inglaterra
para
assegurar a completa suppressão desse trafico. A feição
principal desta Convenção foi substituir o accordo dos dois países ao ·direito
da visita que anteriormente se fazia pelas embarcações de guerra das duas
Nações nos navios mercantes de ambas ellas. Estas
forças navaes cruzariam nas Costas Orientaes
e
Occidentaes
d' Africa, desde Cabo Verde· até 16º e 30' de
latitude meridional, para o que seriam seus commandantes
munidos de instrucções autorizando-os a resolver, de combinação,
sobre os meios mais proprios e efficazes a conseguir este fim,
que eram tambem os desejos de Sua .Majestade Fidellissima que promulgou o
decreto de 10 de setembro de ·1836 e celebrou com a
Inglaterra o Tractado de 3 de julho de 842.
E tambem
para obstar ao nefando commercio enviou ás auctoridades da Guiné umas instrucções em oito extensos artigos.
O artigo 8.º
destas instrucções chamou a attenção destas auctoridades
para
o artigo 4.º da Convenção de 29 de maio. Este artigo
conferia aos comandantes dos respectivos navios de guerra
o poder de fazerem Tractados ou Convenções com os regulos indigenas
para a suppressão do trafico: e o artigo 6.º considera os casos em que os
mesmos commandantes podiam empregar o meio da
força e mesmo o da occupação territorial. Sobre
este ponto recommendava-lhes o governador:
Em
presença das respectivas tentativas que por parte destas duas
Potencias sempre se tem
feito, e ainda continuam a fazer para nos usurpar as nossas possessões
ahi,
não
deixo de nutrir receios de que, dando uma
errada
intelligencia aos mencionados artigos se prevaleçam della para
tratar com os regulos que são sujeitos aos dominios portugueses, como são
inquestionavelmente de Bissau, ou occupar, ainda que digam por limitado tempo, alguma parte dos
mesmos
dominios,
quer de boa fé, quer como no primeiro passo
para a realização da projectada occupação, e no caso que isto
aconteça cumpre que V. Ex.ª saiba que os referidos
artigos
não
podem, attentos os Tractados existentes, e o Direito das gentes, entender-se senão
com os Régulos independentes
e
com territorios alheios á Corôa de Portugal e então farâ conhecer ao commandante, ou
commandantes de qualquer das duas nações que o tiver feito, o erro em que se
acham, e obstará por todos os meios de. persuasão a que se realise a
cenvenção ou occupação, por ser altentatoria· do Direito das gentes e da Corôa de Sua
Magestade Fidelissima, e quando haja persistência da parte
delles, fará seu protesto solemne que communicará officialmente
ao
dito commandante, ou commandantes, e â Secretaria deste Governo.
Com a
Convenção de 29 de
maio é innegavel que tanto a França como a Inglaterra podiam, pela força, occupar toda a Guiné, sem que tivéssemos direito a reclamar.»
Subsidios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Senna Barcellos, parte V, pgs. 60-61, Lisboa, 1911
1846
- Os portugueses
adquirem o porto de Bandim (14/02) .
- É construuído o forte
de Pidjiguiti, numadas extremidades dapaliçada que protegia a povoação contra
os ataques dos papéis(Março).
- Criado um imposto
sobre o comécio, para financiar as obras da forte de Pidjiguiti (28/04).
- Honório Barreto
organiza e dirige uma expediçlo contra os grumeles de Farim (01/12).
-
Honório Barreto é agraciado com o grau de Cavaleiro
da Ordem
daTorre e Espada, como recollhecimento dos serviços prestados àCoroa
Portuguesa, muitas vezes, contra o seu
próprio povo.
-
Acordo entre as auloridades poituguesas e os régulos
manjacos
daMata e Pecau. Por este acordo, os portugueses deveriam pagar, porcada navio
que entrasse em Cacheu, 9 frascos de aguardente, 2frascos de pólvora, 2 barras
de ferro e 2 arráteis de tabaco.Além disso, cada um dos dois régulos recebia,
de 3 em 3 anos,uma farda agalonada vinda de Lisboa e uma cadeira deespaldar,
que representava o trono real (28/12).
JOSÉ DA SILVA SANTOS COSTA, comerciante em Farim em
1846, foi Administracior do Concelho de Cacheu e presente na assinatura
dum tratado em Varela em Abril de 1861. Tambem assinou o tratado de Illia em
Cacheu em 1864.
Em 1846 HONÓRIO PEREIRA BARRETO
é
novamente encarregado do governo de Cacheu. Reconstruiu à sua custa a paliçada
do seu forte. Em 18 de Setembro desse ano foi
agraciado pelo Duque de Palmela com o
grau de cavaleiro da Antiga e Mui Nobre Ordem da Torre e Espada, de valor,
lealdade e mérito. Agradeceu ao ministro e ofereceu
ao Estado as convenções que fizera com os régulos de Mata, Corobitue e Picau
Concarane.
HONÓRIO PEREIRA BARRETO é capitão-mor de Cacheu interinamente.
1846/02/07
O ministro Falcão entabolou
negociações
com
Honorio Barreto, negociante ·em Cacheu, para o corte e remessa
de madeiras especiaes
destinadas á construcção de navios no Arsenal da
Marinha.
Em 7 de fevereiro de 1846
offereceu-se Honorio Barreto ao governo, pondo a sua bolsa á disposição,
para fazer pagamentos dos cortes de madeira no rio de Farim, passando
letras sobre o ministerio. Se para o governo era vantajosa a proposta
de Honorio, para este não era menos o negocio que fazia pela transferencia de capitaes sem pagamento de premio.
1846/02/13
Os negros da tribu Zigoche, no
rio de Casamansa, não estavam em boas relações com o Presidio de Zeguichor. O commandante militar e civil d'esse Presidio, Francisco de Carvalho Alvarenga participando ao Governador
de Cacheu, José Xavier Crato, um breve rompimento de hostilidades, o avisou de ter o inglês, da Gambia, Pierre Mengue, vendido polvora e armas aos Zigoches para nos atacar.
Em 13 de fevereiro de 1846, o governador Crato
num seu relatorio para o governador geral, lhe communicava o facto de essa tribu ter sido batida no ataque que deu.
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