1680
Sismos e erupções vulcânicas no Fogo
forçam muitas pessoas a abandonar as suas casas e a mudarem-se para a Ilha
Brava. O vulcão do Pico, no Fogo (2 829 m de altitude) tem uma cratera de menos
de 500 m de diâmetro e 180 m de profundidade. O vulcão do Fogo esteve quase
continuamente activo desde a altura da chegada dos Portugueses no início do
Séc. XVI até 1760.
Três padres Capuchinhos
espanhóis em Bissau são expulsos em favor de Franciscanos
portugueses, a pedido de um padre local português, sob a alegação de que os
espanhóis não teriam tentado formar laços comerciais com os grupos locais mas
"apenas" teriam tentado convertê-los (Rodney 1970:143).
1680/01/04
Criação da Companhia de Cabo Verde e Cacheu
«Pelo contracto com a
companhia de Cacheu foi nomeado capitão da Praça Antonio de Barros Bezerra, o
qual fez a organisação militar preceituada pelo art.º 2º.» - Subsídios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte
II, pg. 71, Lisboa, 1900
1682
«O governador Costa Pessoa envia para Cacheu o ouvidor geral afim de proceder
a um inquérito aos actos do capitão
Barros Bezerra e à actividade da Companhia de Cacheu. Em 1682, António Bezerra foi prêso por ordem do
governador Costa Pessoa, que se negou a aceitar a fiança oferecida.
O Govêrno da metrópole autorizou a vinda do arguido sob prisão, a
Lisbôa, onde foi restituído à liberdade com a fiança de 12.000 cruzados. O processo foi anulado
sob fundamento de que competia à alçada real e não ao governador de Cabo Verde
mandar proceder à sindicância. Barros
Bezerra foi, no entanto, destituído do lugar de capitão-mor, mas
posteriormente o Govêrno voltou a utilizar-se dos seus serviços.
Parece que na
perseguição que sofreu Bezerra não foi
estranha a rivalidade pessoal do governador Costa Pessoa que, depois da
extinção da Companhia, passou a negociar por sua conta o trato de Guiné de
combinação com Gaspar da Fonseca Pacheco e Manuel da Silva Botelho,
nomeados respectivamente capitão e feitor de Cacheu. Não duvidou até em fazer
sociedade com um estrangeiro que se dizi'a consul de França e em exportar para
Guiné artigos proíbidos.
Um dos patachos que
negociava por conta do governador Costa Pessoa, saíndo de Cacheu em 1682,
viu-se forçado a arribar no pôrto de Gâmbia, onde recebeu auxílio das
entidades britânicas.
Mas depois, ao saír
para o mar alto, foi aprisionado por uma nau francesa que o conduziu à ilha
de Gorêa. Ali o capitão francês
apoderou-se da carga, prendeu o capitão João Pôrto, autorizando a restante
tripulação e passageiros a seguirem viagem para…»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ
1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 110
1680/01/07
Nomeação de INÁCIO DA FRANÇA BARBOSA no cargo de
capitão e governador-geral de Cabo Verde
«Por
carta de 7 de janeiro de 1680 foi nomeado governador e capitão-geral
Ignacio da França Barbosa, devendo render Costa Pessoa, que concluía a
commissão em abril de 1681. Por motivos que ignoramos não podia o nomeado ir
tomar posse, e por isso se tratou de prover o cargo em Duarte Teixeira Chaves.
Nomeou-se
em fevereiro de 1681 para governador e capitão-geral Duarte Teixeira Chaves,
fidalgo da Casa Real e distincto militar.
Não
chegou a tomar posse, continuando o seu antecessor á testa da administração.»
Subsídios para a História de Cabo Verde
e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte
II, pg. 72, Lisboa, 1900
CARTA DO GUARDIÃO DE S.
FRANCISCO AO PRÍNCIPE D. PEDRO (26-6-1680)
SUMÁRIO
- Comunica estar pronto o hospício de
Cacheu e pede que sejam enviados mais religiosos para o mesmo, onde ficam
apenas dois.
Senhor
Como
V.A. ampara tanto estes seos humildes seruos, temos por obrigassam dar conta a
V.A. em como está findo o nosso Hospício ·da Praça de Cacheu, sendo de muita
vtilidade ao seruyso de Deus, aumento da Religiam Christan, beneffiçio para as
almas e consolassam de todos, que só o zello, freuor (sic) e dezejo de
V.A. e muito mais por ser em parte tam entre gentios, para o que reprezentamos
a V.A. a falta que há de Religiozos para a assistençia, não assistindo até
agora mais que dois sendo nesessarios maiis para as Missoies dos Rios, e terra
adentro. Esperamos do zello e piedade de V.A., prostados a seus Reais Pes se
sirua V.A. mandar Religiozos para que uá adiante esta tam pia obra.
Guarde
Deus a Real Pessoa de V.A. para aumento e conseruassam da Religiam Christarn,
como seos leaiis vasallos e estes seos seruos dezejam, e este Reyno tanto há
mister. li
S.
Tiago de Cabo Verde, no Conuento de nosso Padre S. Francisco, em 26 de Junho de
680.
De
V.A. seu humilde seruo e perpeto orador
O
Guardiam Fr. Manoel d' Aueiro
AHU - Cabo Verde, cx.
6-A.
1680/07/20
«Duarte
Melo da Silva e Castro d'Almeida nomeado em 20 de Julho de 1780; posse em 19 de
Fevereiro do ano seguinte. Faleceu 30 dias depois. Tomou conta do govêrno a
Junta nos termos do alvará de 1770. Em Abril de 1781, uma esquadra inglesa, que
se encontrava ancorada no pôrto da Praia, foi atacada por outra de
nacionalidade francesa, sem respeito pela jurisdição portuguesa. O comandante
francês, Suffren, foi derrotado e teve de fugir.» João Barreto
1680/12/25
CARTA
RÉGIA AO CAPITÃO DE CACHEU (25-12-1680)
SUMÁRIO - Queixa-se Frei Francisco da Mota do procedimento dos guinéus. - El-Rei
dispensa-lhes os serviços substituindo-os pelos Padres da Soledade.
- Lembra
a construção de uma fortaleza na barra de Bissau,
com a anuncia dos reis vizinhos.
ANTONIO DE BARROS
BEZERRA.
El EIRey uos imuio muito saudar. Auendo mandado uer o que me escreueraõ em
carta do primeiro de Junho deste anno o P.e FREY FRANCISCO DA MOTTA, Vice perfeito, e os mais religiosos
castelhanos, Missionarios asistentes na pouoaçaõ de Bizau, destricto dessa Capitania de Cacheu, acerca do ruim
estado em que uiuiaõ os cristaõs da ditta pouoaçaõ com mulheres gentias, motins
que contra os Religiosos fizeraõ, por negarem sepultura na Igreja, por cuja
[causa] naõ podiaão tratar com segurança de suas uidas da comuerçaõ daquella
gintilidade, me pareçeo ordenaruos (como por esta o faça) que os
missionarias castelhanos se deuem apartar das missoens de Bizau, para as quais vaõ Religiosos da Prouincia da Soledade, com
que se seçaraõ os inconuenientes que se representaõ. li
E
pareçendouos, e ao Gouernador de Cabo
Verde, VERISSIMO CARUALHO, que hé comueniente fazersse alguã fortaleza na
barra de Bizau, dandolhe comsentimento os Reys vizinhos, será o meyo mais
eficaz para se comseruar os Missionarios, com mayor respeito, sem a dependençia
que hoye tem dos mesmos Reys, como exprimentaraõ os castelhanos, e nesta
conformidade o mando tambem ordenar ao dito Gouernador, de que uos auizo, para
o terdes emtendido. //
Escritta
em Lisboa, a 25 de Dezembro de 680.
Rey.
AHU - Cód. 489, fl. 53
v.
1681/03/13
A menção seguinte ao Capitão Lemos Coelho é de 13 de Março de 1681. Este é nomeado por António Barros Bezerra juntamente com o Capitão Gaspar de Moura Pereira “por não constar ao suplicante
serem inimigos dele”, para avaliarem os bens de raiz livres dos fiadores que o
suplicante oferecia, para evitar a prisão ordenada pelo governador Manuel da Costa Pessoa. Entre os
fiadores encontrava-se o Capitão Manuel
Coelho de Melo, cuja fazenda do Ribeirão é avaliada em 400.000 reis. O “Capitão Francisco de Lemos Coelho”
aparece referido como “homem vaquiano [sic] (1) de vinte annos de Guiné”,
afiançando, em favor de Bezerra, que não seria possível “tomar as contas” do
livros de contas. Lemos Coelho é novamente referido, nesse contexto, pelo
governador Manuel da Costa Pessoa, em carta ao rei de 20 de Junho
de 1681 como: “homem mais pratico de Guiné, que tem esta ilha pois assistio
naquelles negocios mais de vinte annos, e vendo os livros muito de vagar, sendo
particular amigo de António de Barros, me disse que não podia aver quem tomasse
semelhantes contas…”.
Nesta carta é referido como um dos fiadores Joseph de Melo Pedrosa (o mesmo primo
de Lemos Coelho já citado como Joseph
Coelho de Pedrosa?) (1). Tudo indica, portanto, que há um apoio grande de
Lemos Coelho e dos interesses da sua família a Manuel da Costa Pessoa. O que é concordante com a
circunstância do primeiro lhe ter dedicado e oferecido a sua obra, na versão de
1669.
(1) AHU, Cabo Verde, caixa 6A, doc. 169. O Capitão
Francisco de Lemos Coelho aparece num dos treslados dados por António Barros
Bezerra, datando o original de Santiago de Cabo Verde, 13 de março de 1681.
1681/09/09
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O BISPO DE CABO VERDE
(9-9·1681)
SUMÁRIO
- Comunica que se arruinou a igreja
de Cacheu e que fez um peditório incapaz da sua reedificação. - Pede que
se lhe enviem materiais. - O Conselho decide neste sentido.
Senhor
Por
decreto de 27 de Agosto proximo passado, posto em huã petiçaõ de DOM FREY ANTONIO DE SAÕ DIONYZIO, Bispo de
Saõ Tiago das Ilhas de Cabo Verde, manda V.A. se ueja e consulte neste
Conçelho; nella diz que com a innundaçaõ
das agoas do anno passado, se arruinou e cahio a Igreja prinçipal da pouoaçaõ
de Cacheu, com que não tem oje aquelles moradores, em que se lhe poção selebrar
os offiçios diuinos, e que de esmolas do povo, se tiraraõ çento e dous mil e
trezentos reis, que elle Bispo remeteo a este Reyno para se empregarem em cal,
telha, madeira e pregaria, porem que isto não pode ser bastante para se lhe
edificar a dita Igreja, porque a telha
uelha e mais materiaes, toda quebrou e se consumio, e agora que se hade
fabricar de nouo hé necessario que se faça mais forte, para que naõ poça ser deribada do gentio que de ordinario e hera,
fazendolhe entradas e buracos, com que roubauaõ tudo o que estaua dentro, e que
quando hera cuberta de palha a queimauaõ, fazendo dezacatos aos Santos; e
que por a gente da pouoaçaõ não ter
possibilidade para poder acodir com mais esmollas por serem poucas pessoas e muyto pobrez.
Pede
a V.A. lhe faça mercê· mandar acodir com algüs materiaes de cal, telha, madeira
e pregaria, para se poder reedificar a dita Igreja.
Ao
Conçelho pareçe, que V.A. deue ser seruido mandar ao Bispo, para ajuda desta
obra, dez milheiros de telha, trinca <luzias de toboado e dous barris de
pregos, uisto o estado em que se acha a Igreja de Cacheu, e conuir que se lhe
edifique logo. //
Lisboa.
9 de Settembro de 681.
aa)
Conde
de Val de Reis, P. /Francisco Malheiro I Manoel Pacheco de Mello / .
Carlos Cardoso Godinho.
[À
margem]: Como
parece. Lisboa, 18 de Setembro de 681.
(Rubrica
do Príncipe D. Pedro)
AHU - Cabo Verde, cx.
6·A. - Cód. 48, fl. 348.
1681/10/04
1681/10/17
CONSULTA.
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O BISPO DE CABO VERDE
(17-10-1681)
SUMÁRIO
- Não tendo sido pago na Ilha da
Madeira, pede o Bispo que seja posta apostilha na provisão, para ser pago no depósito que está em
Cacheu.
Senhor
O Bispo de Cabo Verde
D. FREY ANTONIO DE SÃO DIONIZIO, fez petiçaô a V.A. por este Conçelho, em que
diz que estandoselhe deuendo çinco
mil cruzados de seos ordenados, fora V.A. seruido mandarlhe passar aluará
para que se lhe pagassem seisçentos mil
reis dos 1 V cruzados que estauaô em depozito em Cacheu, por não ter
hauido effeito a que V.A. que tinha mandado passar para ser pago da dita
quantia na Ilha da Madeira, por nella não hauer sobejos; e porque os Ministros
da fazenda das ditas Ilhas de Cabo Verde, lhe poem duuida ao pagamento por se
hauer posto uerbas nos liuros de como este pagamento se hauia consignado na Ilha
da Madeira, e lhes não constar se teue effeito. //
Pede
a V.A. lhe fassa merçê mandar pôr apostilla no aluará que se lhe passou, para ser pago dos ditos seisçentos mil reis
do dinheyro que está em depozito em Cacheu, para que tenha efeitos, e se
lhe fassa na forma delle o pagamento, pello não hauer tido na Ilha da Madeira
por falta de sobejos, sem embargo das verbas postas nos liuros de Cabo Verde. E
dandose uista ao Procurador da Fazenda, respondeu que se lhe não offereçia
duuida.
Ao
Conçelho pareçe que V.A. deue ser seruido mandar se ponha apostilla na prouizaõ
que se passou ao Bispo de Cabo Verde, para ser pago na forma della, se embargo
das uerbas postas nos liuros daquella Ilha, uisto como da Madeira não teue
effeito o pagamento, por não hauer nella sobejos; e por esta cauza lhe ter V.A.
mandado passar a dita prouizão para ser pago do dinheyro que estaua no depozito
em Cacheu. li
Lisboa,
17 de Outubro de 681.
aa)
Conde
de Vai de Reis, P. I Francisco Malheiro I Manoel Pacheco de Mello
I Carlos Cardoso Godinho.
[À
margem]: Como
parece. Lisboa, 23 de outubro de 681.
(Rubrica
do Príncipe D. Pedro)
AHU - Cabo Verde, cx.
6-A.
1681/11/07
Nomeação
de JOSÉ GONÇALVES DE OLIVEIRA para o posto de capitão da capitania de Cacheu
1682
«Em 1682 foi preso Antonio de
Barros Bezerra,
por causa das contas de uma companhia que se mandou armar em Cacheo; o
governador, negando-se a acceitar-lhe as contas e a fiança, que lhe arbitrou em
30:000 pesos, bem como muitos fiadores abonados, fez-lhe graves accosações,
pelo que Sua Alteza o Principe se resolveu a mandai-o vir preso para o reino;
uma vez alli pediu para ser solto, dando fiança de 10:000 cruzados,
a sua fazenda e a de seu filho João, que foram sequestradas pelo governador,
cujo valor importava em muito mais de 30:000 cruzados. Conseguiu ser solto,
tendo dado como fiadores Nicolau Torres Cordeiro, corregedor do crime em S.
Paulo e Gaspar Andrade, administrador que foi da Junta do Commercio da
Madeira.
O seu filho João esteve preso na cadeia da cidade por
tambem ter exercido o cargo de capitão na ausencia do pae.
Barros
Bezerra foi demittido de capitão e feitor da fazenda de Cacheu. Com a demissão d'elle foi nomeado para capitão
Gaspar da Fonseca Pacheco e para feitor Manoel da Silva Botelho. Estes tinham-se associado a Costa Pessoa
para commetterem as maiores ladroeiras em Cacheu, em prejuizo da fazenda real.
Assim, emquanto os dois roubavam todos os annos 511$000 réis a titulo de
presentes (dachas) para os regalos, o governador mettia em Cacheu peças de
fazenda, barras de ferro e outros artigos, sem pagar direitos, lucrando perto
de 50:000 cruzados; para este negocio arranjou uma sociedade com o consul
francez e outros estrangeiros.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde
e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte
II, pgs. 73-74, Lisboa, 1900
MANUEL DA COSTA PESSOA tomou posse pela segunda vez em 1682.
Desejoso de conhecer a Costa de Guiné, ordenou ao capitão FRANCISCO DE LEMOS para a descrever, o qual utilizando-se do
trabalho de Coelho, ofereceu a sua Descripção da Costa da Guiné, em
Santiago, no ano de 1684. (Há quem diga que o nome Francisco de Lemos é
suposto).
GASPAR DA FONSECA PACHECO é capitão-mor de Cacheu até 1685
MEMORIAL DE FREI ANTÓNIO DE TRUJILLO AO PRINCIPE D.
PEDRO DE PORTUGAL (1683)
SUMÁRIO
- Não satisfeito o seu pedido de evangelizar a Serra Leoa - Por motivos
suspeitosos. - Defesa do direito de pregar o Evangelho. - Os herejes entram livremente a comerciar
nas terras de Portugal. - Enquanto os cristãos ficam sem remédio
espiritual. - Não sabia que a Serra Leoa pertencia às conquistas de
Portugal, mas logo que o soube mandou a Lisboa o Vice-Prefeito tratar do
assunto, dizendo-lhe que partissem e quando chegassem pedissem a
generosidade do Príncipe.
Memorial
primero
Senhor
FR. ANTONIO DE TRUJILLO, Religioso Capuchino y
Prefecto de las misiones de Sierra Leona, dice tiene representado a V.A. cómo
habrá cinco anos que por cumplir con su vocación de emplearse en la consersión
de gentiles negros, pasó con otros trece religiosos sus compaiieros a la misión
de Sierra Leona, adonde han perseverado los de su Religión desde el ano de
cuarenta y seis, y por haber muerto los precedentes en dicha misión y haber
diez afios que aquellas pobres almas carecían de ministros evangélicos, suplicó
a Su Santidad fuese servido concederle licencia y las facultades ordinárias
para pasar con sus compafieros a dicha misión. Y que habiéndoselas concedido
benignamente Su Santidad, ejecutaron su viaje a dicha tierra, adonde han
perseverado desde el afio 1677, trabajando en la reducción de los infieles y
cogiendo el copioso fruto que es notorio en estos reinos y contas a V .A. y a
su Consejo.
Y por habérsele muerto
algunos compafieros y !legando otros en esta ocasión y no poder perseverar ni
querer, así el suplicante como ellos y los que actualmente asisten en dichas
misiones, sin obtener primero para su mayor seguridad y progresos de las
almas el beneplácito y regia protección de V.A., vino en persona a esta corte a
representar sua buenos deseos y el común desamparo que padecen aquellas nuevas
cristiandades y la gentilidad. Después de lo cual fué servido V.A. mandar
remitir su representación ai Consejo Ultramarino y de aquí se mandó dar informe
ai Procurador de la Corona, los cuales respondieron lo que constará mejor a
V.A., pues fué servido mandar se remitiesen los papeles a la Junta de Misiones
y ésta resolvió no había lugar la súplica, alegando algunas razones
precisamente políticas y con notorio dano de las almas y de la suma necesidad
que padecen de ministros evangélicos para su remedio espiritual, al cual ês
V.A. obligado y ellas tienen derecho por muchos títulos que V.A. no ignora, y
están dando gritos en el tribunal de la divina justicia. Mas para que V.A. las
pondere con la piadosa y cristiana consideración de su real ánimo, se satisface
a ellas com el presente descargo.
Cuanto
a lo primero, supongo, Sefior, que soy
de nación castellano y que por serio yo y también mis compaiieros somos tenidos
por sospechosos entre los ministros reales de la Junta de Misiones.
A
este cargo respondo ser así verdad que todos hemos nacido en Castilla, como
también nuestros padres y abuelos; pero bien se acordará V.A. cómo la primera
vez que tuve la suerte de ponerme a sus reales pies, se lo manifesté claramente
en prueba de la verdade e ingenuidad que profeso y Dios me manda, como también el mal tratamiento que por tal
me había hecho el Arzobispo; pero remitiendo por amor de Dios esta agravio,
paso al segundo cargo, en que, según tengo entendido, consiste el Aquilles de
la repulsa, dándonos sin otro motivo por
sospechosos y mal afectos a las cosas de la corona de Portugal.
Satisfago esta objeción con decir a V.A. que ha
más de cuarenta afios que cursan estas misiones los Capuchinos y así los
presentes como los pasados todos somos de unas mismas Provincias y corona y con haber habido entre ésta y la de
Portugal guerras por muchos afios, jamás se ha experimentado el más mínimo
fundamento sobre que puedan fundarse estos imaginados receios, antes sí una
total independencia en materias de Estado, y por otra parte muy continuas
servicios, pues han adelantado mucho la religión católica entre los gentiles,
gozando de su doctrina y ejemplo muchos
vasallos de V.A., que residen entre ellos por causa dei comercio temporal; lo
cualo ha sido de suerte que desde que se descubrieron aquellas tierras no han
tenido más ministros evangélicos ni tan independientes de cosas de la tierra
que estos pobres Capuchinos y humildes operarias. Esto se confirma con
decir que V.A. no tiene ni ha tenido plaza alguna por allí, pues desde Cacheo,
que está a once grados, hasta las partes de Sierra Leona, que están a poco más
de siete, hay de embarcación casi
cien leguas y todas pobladas a los lados de gentiles, excepto los cristianos
que entran a comerciar en ellas.
Esto
supuesto y que en tan largo transcurso de tiempo no se ha experimentado de parte
de los misioneros cosa que desdiga de nuestra profesión, antes bien sí
continuos obsequios hechos a fieles e infieles, por lo cual han perdido los más
la vida y padecido inmensos trabajos, cediendo todo en particular beneficio de
la • . corona de Portugal, pues por el Jus Patronatus hay obligación de
socorrer de operarios aquellas gentes, según consta de las bulas apostólicas; y
si los Capuchinos no las hubieron cultivado a expensas de su fervoroso ceio y
de sus vidas hubieron quedado sín remedia alguno espiritual, como lo están
otras muchas pertenecientes a las conquistas de Portugal según la división que
hizo el Papa Alejandro VI. Juzgue, pues, ahora V.A. con su nativa clemencia y
aventajadísimo talento qué fundamento puede tener tal sospecha e imaginación.
Ultra de que en
aquellas partes ni ha habido ni hay comercio con castellanos, pues en los aiios
que yo he vivido en ellas ni he visto ni aun oido que haya aportado a ellas
castellano alguno.
Porque
a Cabo Verde, donde suelen !legar tal vez por negros, hay doscientas y ochenta
leguas desde Sierra Leona, pero para mayor calificación de todo, puede V.A.
mandar tomar información de las personas que se hallan en esta corte, las
cuales me han assistido en aquellas trabajosas misiones y son testigos oculares
de nuestras operaciones y procedimientos de cuantos hijos de nuestro Instituto
han asistido en ellas desde el principio, y de su tenor se podrá inferir
nuestra verdad y sinceridad. Esta información jurídica ofrezco a V .A. para más
pleno testimonio, y siendo como son los testigos portugueses y de bastante
excepción, hallará V.A. cómo en dichas
partes no reside castellano alguno, ni llegan a ellas embarcaciones castellanas
muchos afios ha, que es lo que pudiera dar alguna apariencia de sospecha a los
ánimos más cavilosos y poco afectos.
Pero
sobre esto no excuso, Sefior, decir que es cosa muy digna de la real
consideración y ceio católico de V.A. que, abriéndoseles las puertas y
concediéndoseles el tránsito y comercio a tantas naciones de herejes de Europa,
como hay en aquellas partes, ejecutando en ellas los robos y tiranías que son
notorios; apoderándose asimismo de las tierras y sembrando en ellas sus
errores, como lo llora mi experiencia viendo subvertidos a muchos recién
convertidos, se las cierren tan tenazmente a unos pobres misioneros evangélicos
y se les niegue el tránsito, cuando su fin no es otro que el de exponer sus
vidas a la muerte porque número tan sin número de almas consiga la eterna y
bienaventurada. Pondere V.A. qué parecerá delante de los ojos de Dios y dei
mundo que el hereje holandés, el inglés
y francés, el luterano, el calvinista y el hugonote entran libremente en sus
conquistas a comerciar y a diseminar sus herejías y que no se repare en éstos y
en las hostilidades que cada día hacen a los mismos portugueses en ellas,
diciendo tienen mejor derecho, pues a lo menos procuran hacer cristianos a los
gentiles, que es lo que no cumplen los portugueses, teniéndolo así prometido a
los Pontífices y habiéndoselas concedido éstos con esa carga, y que finalmente
se les niegue la entrada a los Capuchinos, hijos de San Francisco, que sólo van
a buscar almas redimidas con la sangre de Cristo y a oponerse a todo el
infierno por que no se pierdan, y esto únicamente porque son de nación
castellanos.
Ya
veo, Seiior, que estos imaginados temores son astucias dei demonio y fábrica de
sus ideas, el cual sabe muy bien lo que pierde por aquellas partes si no llegan
a colmo sus designios y sofisterías de Estado entre gente que tanto ha sabido
en otros tiempos servir a Dios y a su Iglesia. Pero si acaso tiene menor
inconveniente el que tantos cristianos como han quedado sin remedia espiritual,
por vivir entre los mismos gentiles, y peor que ellos en sus costumbres, tantos
negros convertidos, que con facilidad en dejándolos de la mano los pervierten
los demás; tantos párvulos que perderán a Dios para siempre por no haber quien
los bautice e instruya en la fe católica romana y buenas costumbres, y otros
infinitos danos que de éstos se derivan, fácil es el remedio, y puede V.A.,
sempre que gustare, mandarme a mí y a mis compafieros que nos retiremos a
nuestras Provincias, en cuyo pronto rendimiento reconocerá V.A. nuestra mayor
sinceridad. Pero respecto de que el subsistir en tal apostólico empleo nace dei
deseo de sacrificar a Dios nuestras vidas por la salud espiritual de nuestros
prójimos, a imitación de nuestro benignísimo Redentor y de obedecer con el
justo rendimiento al que es su Vicario en tierra, me prefiero a decir para
descargo de nuestras conciencias que, si pareciere a V.A. enviar operarios de
otra nación o dei mismo reino, desistiremos en el mismo instante de la misión y
quedaremos consolados con saber hemos hecho lo posible por la salud espiritual
de tantas almas y que V.A. queda encargado de ellas, pues por tantos títulos le
toca el solicitársela.
Otro
reparo, Sefior, se ha hecho sobre que en
el siglo profesé la milícia y que fuí un pobre soldado, aõadiendo sobre tan
flaco fundamento que puedo ser lobo en hábito de oveja. Sobre esta obje·
ción es muy poco lo que se me ofrece decir a V.A., pero mucho en gran manera lo
que tengo que llorar de mi mala vida pasada, pues conozco lo que a Dios debo,
lo que le he ofendido en tal estado, y me hago el cargo de todo; mas supuesto
que el haber sido soldado.
1682/02/26
Nomeação de FRANCISCO DA SILVA DE MOURA para o governo de Cabo Verde
1682/04/20
«Com maus olhos os francezes viam os inglezes
que occoparam o rio de Gambia; procuraram por todos os meios impedir a
navegação n'aqoelle rio, e para isso aprisionaram e saquearam as embarcações,
que eram esperadas fóra da barra. Assim succedeu com um patacho que pertencia
ao governador Costa Pessoa, que, tendo sahido de Cacheu em 20 de abril, se vira forçado a arribar á Gambia
por falta de agua. N'este porto encontrou a tripulação a melhor hospitalidade
dos inglezes, e até do governador da colonia, que lhes facilitou dinheiro.
Abastecido o patacho
sahiu a barra e logo d'elle se approximou a nau de guerra franceza a Conquista,
fazendo-lhe fogo; atravessou o patacho e ao capitão foi ordenado que
deitasse a lancha fóra e fosse a bordo da nau; ao mesmo tempo que isto se
passava o patacbo era abordado por doas lanchas, que d'elle se apossaram, e
levaram-no para o porto de Goréa, indo a tripulação para a fortaleza, governada
pelo general Dancor. Este ordenou o saque completo ao patacho, dizendo ser tudo
d'elle e até o navio, pois que era dono de toda aquella rosta, e ninguem
podia fazer negocio n'ella, tanto mais que o haviam feito com os inglezes.
Depois da guarnição
soffrer as maiores tyrannias, e conservando sempre sob prisão o capitão João Porto, mandou sahir o
navio, que fazia muita agua, capitaneado pelo contra-mestre, dando liberdade
aos marinheiros e passageiros, ao todo trinta e oito pessoas, nús e descalços,
e podendo sair para S. Thiago, dando ·lhes para se alimentarem durante a viagem
uma vacca, um caixão de milho e arroz, uma botija de aguardente e outra de
azeite.
Ao
cabo de quinze dias de viagem chegou o patacho á cidade com as victimas do
general Dancor, mais felizes do que o
capitão, que infamemente expirou na Goréa.» -
Subsídios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte
II, pgs. 74, Lisboa, 1900
1682/10/10
«Tendo
Manuel da Costa Pessoa acabado o tempo do governo, e escusando-se Duarte
Teixeira Chaves a substituil-o, quiz El-rei nomear Francisco da Silva de Moura
e Azevedo, que rejeitou a nomeação, nomeando-se então Ignacio da França Barboza
em 10 de outubro de 1682, tendo carta de conselheiro em 17.»
Subsídios para
a História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte
II, pg. 74, Lisboa, 1900
1682/11/16
«Fr.
Francisco de S. Simão, bispo, foi incumbido do govêrno, por carta. de 16 de
Novembro de 1782, em atenção ao seu comprovado zêlo e competência. Faleceu em
10 de Agôsto do ano imediato, tendo feito um govêrno exemplar. Chegou a Cabo
Verde o naturalista João da Silva Feijó.» João
Barreto
1683
Três padres Capuchinhos
espanhóis em Bissau (1683-1686) são expulsos em favor de Franciscanos
portugueses, a pedido de um padre local português, sob a alegação de que os espanhóis não teriam tentado formar laços
comerciais com os grupos locais mas "apenas" teriam tentado convertê-los
(Rodney 1970:143).
1683/02/13
«O processo contra Barros Bezerra e seu filho João foi
annullado e eles soltos em 13 de fevereiro de 1683, por ter o governador
mandado tirar a devassa pelo ouvidor, que não podia fazei-o, por ser da alçada
régia; ficaram, porém, responsaveis pelas perdas e damnos da fazenda real.
A razão citada, que o
governador não tinha essa alçada, não estava de accordo com muitos outros casos
analogos, em que o procedimento dos governadores não era desapprovado.
É
de presumir que se atlendesse ao passado de Barros Bezerra, que fora sempre
honesto, bem ao contrario do governador Costa Pessoa, que queria commerciar de
sociedade com os estrangeiros em Cacheu, sofrendo oposição do Bezerra.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde
e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte
II, pg. 75, Lisboa, 1900
1683/03/24
Dr.
Luís Rodrigues Belo nomeado ouvidor em 24 de Março de 1683.
CONSULTA DO CONSELHO
ULTRAMARINO
(24-3-1683)
SUMÁRIO
- Que os missionários destinados à Serra Leoa possam embarcar nesta monção. -
Quanto à ordinária anual pedida pelos
missionários em Cabo Verde, a Fazenda real tem naquela conquista pouco
rendimento. – Devem dar-se ao síndico geral todos os anos 100.000
réis. – Para o hospício que
desejam levantar na ilha de Bissau, dê-se-lhes mil barafulas.
Senhor
O
Bispo Secretario de Estado escreueo ao Conde Prezidente deste Conselho, que
V.A. era seruido, que nelle se vissem com toda a breuidade as memorias
incluzas, para que, os missionarios que uão pera Serra Lioa se possão embarcar
nesta monção; e quanto ao primeiro ponto de hua dellas em que estes Relligiozos
pedem que se lhes dê em Cabo Verde todos os annos ordinaria pera se sustentarê:
Reprezenta
a V.A. o Conselho, que a fazenda Real naquela conquista tem tão pouco
rendimento, que se não chega nunca a pagar aos filhos da folha, e todos os
annos se queixa o Bispo daquela Ilha, que se lhe não satisfaz por inteiro a sua
congrua; e como para esta mição conuinha que isto seja seguro, e firme, e se
lhes acuda cõ pontualidade todos os annos, pello seruiço que podem fazer a
Deos, e a V.A., em concideração destas razões, deue V.A. ser seruido,que pella
Juncta das missões, ·ou dos Armazens se dê nesta Corte ao seu Sindico geral
todos os annos cem mil reis, que será o que pode importar os generos que pedem,
para que lhos remetão em especie a Cabo Verde, e daly se conduza para Cacheu,
donde se enuiará á missão em que rezidem.E quanto ao ponto em que pedem que se
lhes assista com o necessario para a fundação do Hospicio que detreminão fazer na ilha de Bizáo, como cabeça da mição,
visto em Cacheu estarem em depozito
quinze mil barafullaz, que pertencem á fazenda de V.A., se lhes deue passar
Prouizão, para que dellas se lhes deem mil para esta obra.
E
sobre o ajustamento da embarcação, se chamou o Mestre ao Conselho, e se obrigou
a leuallos no seu pataxo, cõ o seu fatto, e o mais que leuassem para a missão;
e tambem a tomar as Ilhas de Canarias e receber nellas hum companheiro do P.e
Prefeito cõ os ornamentos, esmollas, e o mais que aly tem, pagandolhe de frete
cem mil reis, e assy se lhe deue passar ordem para ser pago em Cacheu do mesmo
depozito. E no que toca á matolotage, aguada, e botica tem já escrito o
Secretario de Estado ao Prouedor dos Armazens da parte de V.A., que por
aquella repartição se lhe dê todo o necessario. E no tocante ás mais ordens que
conthem estas memorias se lhe deuem passar na forma que nellas se aponta.
Lisboa,
24 de Março de 683.
Conde
de Val de Reis, Presidente/ Ruy Telles
de Menezes / Fran.cº Malheiro.
[Despacho
à margem]: Como
parece, se passem as ordens, e no que toca ao dinherº. que se hade dar aqui ao
Sindico, pera o sustento desta missão, mando ordenar á junta das missões, pera
que assi o disponha.
(Rubrica
de D. Pedro)
AHU - Cabo Verde, cx.
7.
1683/10/14
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO (14-10-1683)
SUMÁRIO - Dentro de três dias passarão a
Bissau, esperando que passe o tempo das chuvas. - Que o socorro que Sua
Majestade quisesse dar aos missionários
da Guiné, se desse ao síndico. - O governador dá conta da chegada dos ditos
missionários idos a Bissau.
Senhor
O
PE FR: ANTONIO DE TRUZILLO, Prefeito
das missões das Ilhas de Cabo Verde, escreue a V. Magestade em Carta de 4 de
mayo deste anno, que nunca se dezempenhão os pobres melhor que com o agradecimento que offerecia com as noticias de sua chegada felix a Cabo Verde, de donde dentro de tres dias passarão a Cacheu e
daly á sua Missão da gentilidade de Bisao, a donde passarião as aguas por
não expor os seos Relligiozos nouiços ao risco de padeçerem doenças aonde os
não podeçe remedear, sendo que os habituados passarão ao Rio Grande a comessar suas mições, em parte onde nunca
forão uistos missionarios; e quereria Deus nosso senhor comonicarlhes a
todos seu sagrado espirita para infunfir sua euangelica ley em aquellas cegas
almas:
Reprezenta
o dito Prefeito que em a suplica que fizera a V. Magestade para que fosse
seruido mandar assignar o soccorro para aquelles pobres rellegiozos consistia a
perseuerança, pois delle pendia o fruito, e por as grandes occupações, e preça
da embarcação não se acabára de diffirir, e assy humildemente pedião a V.
Magestade seja seruido de o mandar assignar para que o Sindico, que he o
Secretario deste Conçelho, possa remediallos com o que se lhe auizaua, e assy o
esperauão da piedade de V. Magestade.
O Gouernador das ditas
Ilhas IGNAÇIO DE FRANÇA BARBOZA, por carta de 28 de junho do mesmo anno, dá
conta a V. Magestade da chegada dos ditos Missionarios, e que hauião passado á pouoação de Cacheu, para de aly seguirem
viagem ao Reyno de Bissao; e de haueren
adoecido os mais delles, e fallecer
o PADRE FR. FRANÇISCO DO DESTERRO, Rellegiozo Portugues do melhor
predicamento que entre elles hauia; e de lhes hauer dado toda a ajuda, e fauor
que V. Magestade lhe ordenauão para seu apresto, e o mesmo mandára se obrasse
com elles em Cacheo assim no seu pagamento da ajuda de custo, como em tudo o
.mais que lhes fosse necessario.
Ao
Conçelho pareçeo fazer prezente a V. Magestade o que escreue o P.e fr. Antonio
de Truzillo, Prefeito das Missões de Serra Leoa, e o Gouernador de Cabo Verde, de hauer chegado a Cacheu.
Lisboa,
14 de Outubro de 1683.
Conde
de Vai de Reis, Presidente. I Fran.cº Malheiro. / Antonio Paes de Sande.
I Feliciano Dourado. / Carlos Cardozo Godinho.
[Despacho
á margem]: Está
bem e o Conselho o faça assi executar. Lisboa, 23 de Outubro de 1683.(Rubrica
de D. Pedro li)AHU - Cabo Verde, cx. 7. - Cód. 478, fl. 40.
1684
O rei de Portugal D. Pedro II manda
publicar o «Regimento sobre o despacho
dos negros cativos de Angola e mais conquistas e sobre a arqueação dos navios»,
em que procura disciplinar e humanizar o transporte de escravos.
«Em 1684 foi
assassinado o capitão João da Costa das
Neves por Paulo Cardoso Pisarro, João de Sousa, Ruy Gomes, João Cardoso Jorge
de Araujo e muitos negros, que o assassinaram em pleno dia na occasião em
que sahia da egreja para casa.
Ao acto da aggressão
acudiu o capitão João de Carvalho,
recebendo uma cutilada na cara e moitas feridas pelo corpo.
A
viuva do assassinado fez graves accusações ao ouvidor geral Francisco Pereira, que por ser muito amigo do
assassino e do sogro d'este, o juiz
Affonso Vicente de Almada, não fazia caso algum d'esta e outras mortes
feitas por Paulo Pisarro e seus companheiros.
Em
1685 ordenou-se ao ouvidor geral Rodrigues
Bello que tirasse devassa e pronunciasse e prendesse os culpados na morte
do capitão João da Costa das Neves.» - Subsídios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pg. 82, Lisboa, 1900.
A
ilha de Goreia foi passando de mão em mão e, pouco tempo depois, chegou a vez dos franceses que se apoderaram definitivamente
dela, tão cobiçada pelos estrangeiros que por ela iam passando:
“Hoje
[1684] lha tem tomado o francês, e se tem feito senhor de todo negocio desta
costa de Jalofo.
Defronte
desta ilha, na terra firme, está um cabozinho que chamão o Cabo Gaspar, detraz
do qual há húa insiada muito boa e grande, que entra pella terra dentro que
parece cá de fora rio. (…) era no meu tempo boníssima escalla esta para os
navios que vinhão de Cacheo com negros para esta ilha, porque aqui refrescavão
a sua armação, fazião aguada fresca, compravão muito mantimento se necessitavão
delle e os regallos que querião na ilha, sendo do flamengo benignamente
agazalhados”.
Discripção
da Costa de Guine e Situação de todos os Portos e Rios della, e Roteyro para se
Poderem Navegar todos seus Rios, de
Francisco de Lemos Coelho, pg. 98
1684/01/10
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE A CONSULTA DO BISPO DE CABO VERDE (10-1-1684)
SUMÁRIO-
Que se mande pagar ao Bispo o que se
lhe deve de sua côngrua. - Que em Cacheu havia grande quantidade de
fazenda de S. Majestade. - Que se lhe pagasse quanto se lhe devia.
Senhor
Por
decreto de 16 de Outubro do anno passado manda V. Magestade se ueja e consulte
neste Conçelho a petição do Bispo de.
Cabo Verde O. FR. ANTONIO DE SÃO DIONIZIO, em que diz que requerendo a V. Magestade lhe mandasse pagar cinco mil
cruzados, que se lhe estauaõ deuendo de seos ordenados, fora V. Magestade
seruido mandar-lhe pagar hum conto de reis do
dinheyro dos direitos castelhanos, que estaua em depozito em Cacheu, e que
o resto se lhe pagaria uindo info11naçaõ do gouernador, e de prezente se lhe
estaua deuendo o ordenado de anno e meyo e o que se lhe mandara pagar não fora
bastante para desempenho de sua prata, com o que se achaua com mayores
empenho·s, e já não hauia naquella cidade quê lhe acodisse a suas neçessidades,
sem ter de que se poder ualler, nem com
que acodir aos pobres, e neçessidades de suas igrejas, a que está obrigado como
Pastor, e para mayor dano o feiytor lhe queria pagar em barafullas, que hera
dinheyro de panos muito inferior, sendo que aos Bispos se pagara sempre em
dinheyro de prata, pertensente a V. Magestade, o que se deuia obseruar com
ele suplicante.
E
porque á dita cidade de Cabo Verde (1) poderaõ ir algüs nauios castelhanos, e
do dinheyro dos direitos que elles pagarem seria mais façel ser elle
supplicante pago.
Pede
a V. Magestade que em consideração do refferido lhe fassa merçê mandar passar
huã prouizaõ para que hindo nauios castelhanos á cidade de Cabo Verde, dos
direitos delles se lhe paguemtodos os ordenados que se lhes estiuerem deuendo,
thé o dia do pagamento, e não hindo os
ditos nauios se lhes pague do dinheyro dos castelhanos que está em depozito em
Cacheo, em poder do feytor Manoel de Souza de Mendonça Fuzeiro, ou quem seu
cargo seruir, que hé dinheyro que está mais prompto.
A
esta petição se ajuntou a informaçaõ que se hauia pedido ao gouernador Ignaçio da França Barbosa, que
por carta de 28 de Junho do anno passado, diz a V. Magestade que em uirtude da
prouizaõ que se hauia passado ao dito
Bispo para se lhe pagarem hü conto de reis do dinheyro que estaua em Cacheu,
com efeito se lhe pagara logo, e que em poder do feytor ficauaõ em depozito
na sua maõ quarenta e huã mil barafullas, pertencentes ao mesmo dinheyro,
depois de pago o dito Bispo da quantia refferida, comoconstou por sua certidaõ.
E
dandosse de tudo uista ao Procurador da fazenda respondeu, pello que constaua
da informaçaõ do gouernador, ainda no depozito de Cacheu hauia grande
quantidade de fazenda; e que pois pelas rendas ordinarias da fazenda real naõ
hauia com que se podeçe satisfazer os ordenados do Bispo, a que ella estaua em
primeiro lugar obrigada, se lhe deuia mandar pagar do dito depozito.
Ao Conçelho pareçe que em consideração do que
reprezenta este Prelado do que se lhe está deuendo de sua congrua, deue V.
Magestade ser seruido mandar passarlhe prouizão para que se lhe pague hum conto de reis pellos direitos dos nauios castelhanos,
que entrarem em Cabo Verde; e no cazo em que dentro em sinco mezes não vão, se
lhe dê pello dinheyro que está em depozito em Cacheu, e pertençe á fazenda
de V. Magestade.
Ao
Doutor Feliciano Dourado lhe parece que V. Magestade deue mandar satisfazer ao
Bispo tudo quanto se lhe deue, que hé o mesmo que pareçe ao Procurador da
fazenda. //
Lisboa,
10 de janeiro de 684.
aa)
Conde
de Vai de Reis P. I Francisco Malheiros Feliciano Dourado / Antonio Paes
de Sande Carlos Cardoso Godinho
[À
margem]: Como
parece. Lisboa, 22 de Janeiro de 684.
(Rubrica
de el-Rei)
AHU - Cabo Verde, ex. 7, doc. 20.
(1) A cidade da Ribeira Grande, capital de Cabo Verde.
1684/03/28
A forma degradante como
os escravos eram transportados nos navios levou o rei D. Pedro II – o Pacífico – em 28 de Março de 1684 (um ano depois do início
do seu reinado) a decretar uma lei sobre as arqueações dos navios que
carregassem escravos africanos, melhorando as condições de transporte
LEI SOBRE A ARQUEAÇÃO
DOS NAVIOS (28-3-1684)
SUMÁRIO
- Manda arquear os navios negreiros e
estabelece as penas em que incorrerão os mestres, capitães de navios e senhores
das embarcações que /orem contra a lei. – Penas em que incorrerão os
funcionários do Governo que não zelarem a fiel execução da mesma lei.
Dom
Pedro por graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves, daquem e dalem mar em
Africa, Senhor da Guiné, e da Conquista e navegação, comercio de Ethiopra,
Arábia, Percia e da India. //
Faço
saber aos que esta ley virem, que dezejando que em todos os Domínios da minha
Coroa, e para com todos os vassallos, e subditos delle, se guardem os dictames
de rezão, e da justiça; sendo infor1nado que na condução dos negros captivos de
Angolla para o Esrado do Brazil obrão os carregadores, e mestres das naos, a
violencia de os trazerem tão apertados e unidos, huns com os outros, que não
somente lhe falta o dezafogo necessario para a vida cuja conservação hé commua,
e natural para todos, ou sejão livres ou escravos. mas do aperto com que vem
sucede maltrataremse de maneira, que morrendo muitos chegão impiamente
lastimozos os que ficão vivos. 11
Mandando
conciderar esta materia por pessoas doutas de toda a satisfação, práticas e
intelligentes nela, e querendo prover de remedia a tão grande dano, como hé
conveniente ao setviço de Deos Senhor, e meu, tanto pello que a experiencia tem
mostrado em os navios que carregão negros em Angolla, como pello que pode
suceder em os que custumão tambem carregar em Cabo Verde, em São Thomé e nas
mais Conquistas, fui servido rezolver, que daqui em diante se não possão
carregar alguns escravos em navio, e quaisquer outras embarcaçoins, sem que
primeiro em todas e cada hum delles se faça a arqueação das tonelladas que
podem levar, com respeito dos agazalhados, e cubertas para a gente, e do porão
para as auguadas, e mantimentos, tudo na forma seguinte.
1
Todos os navios que sahirem deste porto para o de Angolla, e outras Conquistas
quaisquer para carregarem negros, sejão nelle arqueados pellos Ministros, e
mais pessoas que mandey declarar em hum decreto ao Conselho Vltramarino, que
inteiramente se cüprirá, como nelle se conthem.
2
Na cidade do Porto, fará esta diligencia o Supertendente da Ribeira douro, em
sua falta o Juis da Alfandega, com o Feitor dos Galeoins, Patrão Mor, e Mestre
da Ribeira, e parecendo ao dito Supertendente, ou Iuis da Alfandega, chamar de
mais hüa thé duas pessoas, que sejão zellozas, e tenhão sciencia, e pratica
desta matéria o poderá fazer.
3
Nos mais portos deste Reyno observarão esta mesma ordem, as pessoas que tiverem
cargos semelhantes, aos que ficão referidos.
4
Os navios que vão ao Estado do Brazil, ou Maranhão, e fazem viagem para os
ditos portos das Conquistas, serão igualmente arqueados na Bahia, por o
Prodevor Mor da Fazenda, e Procurador della com assistencia do Patrão Mor, e
Mestre da Ribeira.
5
Nas outras Capitanias pellos Provedores da Fazenda, e Ouvidores Gerais com os
ditos Patroins Mores, e Mestre da Ribeira, chamando se lhe parecer thé duas
pessoas com os requizitos que se apontão, e os navios, e quaisquer outras
embarcaçoins. que de Angolla sahirem para hum estado, ou para este Reyno, serão
arqueados pellos mesmos Ministros e officiaes, inda que já o tenhão sido nos
portos donde sahirão, com tal declaração, que se não poderá exceder a arqueação
feita e que fazendose de menos tonelladas, e quantidade de negros, se cumprirá,
a que de novo, e ultimamente se fizer.
6
Para se fazer esta arqueação se medirão por tonelladas todas as ditas
embarcaçoins que se quizerem carregar de negros pelo cham, sem respeito a bar,
tanto nas cubertas e entre pontas, se as tiver, como em os convéz, camaras,
camarotes, topadilhas e mais partes supriores, e sendo navio de cuberta, e que
nellas tenham portinhollas, pellas quais os negros possão comodamente receber a
viração necessaria, se lutarão dentro das ditas cubertas sete cabeças em duas
tonelladas; não tendo as ditas portinhollas se lutarão somente sinco cabeças as
mesmas duas tonelladas nas partes supriores, poderão levar tanto huns como
outros sinco cabeças miudas de idade e nome de moleques em cada huma tonellada,
sem que por couza alguma se possa acrescentar este numero, ou se possaõ apertar
mais as ditas tonelladas.
7
Serão obrigados os ditos navios e embarcaçoins levar os mantimentos necessarios
para se dar de comer aos ditos negros, tres vezes no dia, e a fazer e levar
auguada que abunde para lhes dar de beber em cada hum dia huã canada
infalivelmente.
8
A este fim se arquearão, e medirão igualmente os puroins, fazendo-se estimação,
e aos mantimentos e auguadas que podem receber, computados de Angolla para
Pernambuco trinta e sinco dias de viagem, para a Bahia quarenta, e para o Rio
de Ianeiro sincoenta, alem de mantimentos e auguadas que for necessario para a
gente dos navios, e o mesmo computo se fará sempre de dés mais, nos mais portos
donde se carregarem negros, a respeito do têpo que custuma ser necessario para
os portos a quem forem carregados. O dito comptu dos ses dias se rezolverá
daquelle em que saírem dos portos, e os mantimentos e agoa se repartirão com
tal cuidado, que a todos chegue inteiramente a sua porção, evitandose toda a
confuzão e esperdicio.
10
Adoecendo alguns se tratará delles com toda ·a caridade e amor de proximo,
serão levados para aquella parte separados, onde se lhes possão aplicar os
remedios necessarios para a vida.
11
Todos estes navios serão obrigados a levar hum Sacerdote, que sirva de
capellão, para nelles dizer missa ao menos nos dias santos, e asistir aos
moribundos.
12
A medição das tonelladas se fará por arcos de ferro marcados, que o Concelho
mãdará ter e fazer á sua ordem, pellos que hão na Ribeira das Naos desta
Cidade, e os fará remeter a todos os portos do mar das Conquistas, e aos que há
neste Reyno donde se navega para elles, para que em todos se guarde esta
dispozição,e nenhumas pessoas possão allegar ignorancia nos cazos em que a emcontrarem.
13
Feita a arqueação dos navios que quizerem carregar, se lançará em Livro com
termo pello escrivão da Provedoria, em que asignarão todas as pessoas, e com
esta diligencia se poderá abrir, e fazer os despachos dos negros que forem
lotados, ou embarcação, que se puzer a carga, e nunca se poderão carregar dous
juntamente, para que a titulo de ambas não possa algum levar mais que a sua
lutação.
14
Do mesmo Livro, e pello mesmo escrivão se passará certidão a cada hum dos
mestres, capitains ou mandadores dos taes navios, ou embarcaçoins, para que as
possão mostrar nos portos para onde forem, e esta mesma ordem se seguirá, e
guardará nas arqueaçoins que se fizerem neste Reyno, e nos mais portos das
Conquistas donde os navios e embarcaçoins sahirem para aquellas, em que hão de
carregar, para a reprezentarem primeiro que se faça nelle segunda arqueação,
na· forma sobredita.
15
Nos taes portos em que se fizer a dita carga, se distinarão os barcos
necessarios para ellas se fazer[em], e se mandará lançar bando pellos
governadores do tempo que a dita carga há de durar, o dia em que os navios
handem sahir; e que outro nenhum barco dentro do dito tempo athé os navios
lançarem fora possa chegar a elle, com comunicação de perdimento dos barcos,
aos que o contrario fizerem, e de quinhentos cruzados aos mestres e capitains
dos navios da pena, que sem cauza justificada deixarem de sahir no dito dia; e
para se evitar este inconveniente, mandará o Governador de Angolla sua lanxa,
ou qualquer outra, com hum cabo deconfiança e soldado, que lhe parecer, que
acompanhe os ditos navios athé duas e quatro legoas ao mar, em que possão hir
bem marcados e livres dos ditos barcos thé chegarem, e os mais Governadores
observarão esta mesma ordem.
16
Em Angolla se fará huma caza de recebimento como o Governador entender que hé
conveniente, que fique contigua á caza do despacho, na qual se possão recolher
os negros que se houverem de despachar, e donde sem outros devirtimentos se
possaõ carregar nos navios logo que forem despachados.
17
Havendo nos portos das outras Conquistas em que se carregarem negros igual
conveniencia, de que se concider a em Angolla, se farão cazas semilhantes para
o dito effeito.
18 Poderão levar de frete os Mestres e Senhores
dos navios e quaisquer outras embarcaçoins por cada hum negro, ou seja grande
ou pequeno, athé sinco mil reis, e mais não; e neste respeito poderão levar os
que sahirem dos outros portos athé dés tostoins mais, do que athé agora
levavão, e suposto que se acrescente nesta ley o numero das pessoas que handem
fazer as ditas arqueaçoins,
nem por isso os ditos Mestres e Senhores dos navios darão para eles mais, do
que herão custumados, quando as pessoas erão menos, e pagarão somente por cada
tonellada aquella quantia que lhes der o regimento, e em falta delle o estillo
que se achar mais antigo, e aprovado, por lo[n]go uzo e custume, sob pena de
serem castigados os ditos ministros e mais officiais, que o contrario fizerem,
ou consentirem, como deve ser, pellos erros que cometem em seus officios.
19
E porque toda esta dispozição não poderá ter execução ordenada [se] seus
Ministros, aos quais pertence o cuidado della, a não tiverem muy vigilante em a
cumprir e fazer guardar, e pede matéria tão relevante, a maior severidade nos
que desprezando ou emcontrando as minhas ordens, forem occazião de as cometerem
os abomináveis erros, que athé agora se uzão, que ordinariamente aontecia[m];
ordeno e mando que o Provedor Mor da Bahia, e os mais provedores da fazenda,
que por culpa ou negligencia ou omissão deixarem carregar, ou premitirem que se
carregue[m] mais negros, daquelles que forem lutados os navios por suas
arqueaçoins, ou que consentirem que as ditas arqueaçoins se fação em outra
forma, da que hé disposta nesta ley, encorrão
em perdimento de seus officios, e na pena do dobro do vallor dos negros, que de
mais forem carregados, e em seis annos de degredo para o Estado da India; que os Patroins Maiores, e Mestres da
Ribeiras percão os seus officios, e sejão degradados dés annos para o mesmo
Estado da India, e que todos com suas culpas formadas sejão remetidos prezos a
esta Corte, para nella serem sentenciados, como também as mais pessoas que
asistirem ás ditas arqueaçoins, havendose com dollo, e cometendo nella erro de
culpa notaria.
20
E sendo comprehendidos os Ouvidores Gerais das ditas Capitanias, me darão conta
os Governadores com os documentos, que para isso tiverem, para eu mandar
proceder em elles com tanta severidade como merecer a sua culpa.
21
Cometendo esta culpa e havendose com dolo nas arqueaçoins que fizerem, e a que
asistirem os officiaes deste Reyno e das Conquistas, nas quais se não carregão
negros, suposto que de sua culpa se não siga immediatamente o damno das outras
Conquistas e dos outros portos, comtudo, porque della se pode seguir a desobediência
em castigo e transgreção desta ley, encorrerão por ella na pena de perdimento
de seus officios, para não poderem entrar mai• s em meu servi• ço.
22
Os Mestres e Capitains dos navios e embarcaçoins, que carregarem mais negros de
sua lutação e arqueação, pagarão dous mil cruzados da pena e dobro do vallor
dos ditos negros, ametade para minha fazenda, e outras ametade para quem os
denunciar ou accuzar, e serão degradados dés annos para o Estado da India; e
esta mesma pena haverão os Senhores dos barcos e carregadores que levarem os
ditos negros aos navios e embarcaçoins.
23
Os guardas que fizerem postos nos ditos navios e embarcaçoins, e forem scientes
ou cumplices no dito crime, serão degradados por toda a vida para o mesmo
Estado da India, e tanto para com huns como outros reos, e para os mais
referidos serão admitidos por denunciantes e accuzadores os socios da mesma
culpa, e não somente serão relevados della, mas terão o mesmo premio dos mais
denunciantes, como se a não tivera[m] cometido.
24 Logo que os ditos navios e embarcaçoins
chegarem aos portos para os quais forão carregados, sem alguma demora se
vizitarão pellos Provedores da fazenda, ou aquelles officiaes que estiverem
mais promptos, e socederem em seu
lugar, quando estes estejam impedidos ou abzentes, para examinarem a carga que
trazem pella certidão do Regimento dos portos donde sahirão, sendo conforme, os
deixarão livremente descarregar, não
sendo procederão a prizão contra os Mestres e Capitains.
25
Os Ouvidores Gerais, e Provedor Mor da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda,
tirarão devaças de todos os ditos navios e embarcaçoins, logo que chegarem aos
portos de seus districtos, procurando averiguar nella se os ditos Capitains e
Mestres e outras quaisquer pessoas, satisfizerão o disposto nesta ley, e
procedendo a prizão contra os transgressores della, darão conta ao Governador
para elle emviar as tais devaças ao Concelho Vltramarino, e remeter os prezos a
esta Corte na forma referida.
26
Aos Governadores emcarrego, e emcomendo muito particularmente a exacção e
execução e cumprimento desta ley; espero se hajão na observancia della com tal
cuidado, que tenha muito que lhe agradecer, porque do contrario me haverey por
mal servido delles; e quando a emcontrarem em algum cazo, ou de alguma ou qualquer
maneira, mandarey proceder contra elles, como dezobedientes ás minhas ordens.
27
Pello que ordeno que nos capitulas da Rezidencia que se tirarem aos ditos
Governadores, Ouvidores e mais Ministros, aos quais a execução desta ley deve
pertencer, se acrecente que os sindicantes especialmente perguntem se elles a
cumprirão e guardarão, como nella se conthem; e mando ao meu Chanceller Mor a
faça logo publicar na Chancellaria, e que registe nos Livros do Dezembargo do
Paço, Caza da Suplicação e Rellação do Porto e da Bahia, e nas mais partes onde
semilhantes leys se custumão registar, e imprimir; e inviar copias della sob
meu sello, e seu sinal ás comarcas deste Reyno e suas Conquistas na forma do
estillo, por estarem de partida os navios que para as ditas Conquistas fazem
viagem, se inviarão a ellas as ditas copias pello meu Conselho Vltramarino,
para que os Governadores, Ouvidores e Provedores da Fazenda a cumprão e dem
execução, sem embargo de lhe faltarem as ditas solenidades, e da ordenação em
contrario. li
Dada
em a Cidade de Lisboa aos 28 dias do mes de Março de 1684.
Rey
André
Lopes de Lavre
ARQUIVO DE CABO VERDE - , liv. 42, fls. 29v-32v. - Cód.
544, fl. Sov.do AHU.
1684/03/25
As imagens fortes emanando das fontes seiscentistas
acerca de uma mulher, a BIBIANA VAZ DE FRANÇA, nascida na Guiné e membro de um
clã ou ‘gan’ poderoso na localidade de Cacheu, levaram alguns historiadores de
apresentar-lhe como um exemplo da ‘ascendência dos comerciantes mulatos’ na
região neste período. A praça e povoação de Cacheu era na altura o nó das
redes comerciais Atlânticos do tráfico de escravos nos ‘Rios de Guiné do Cabo
Verde’, fundada no século XVI e elevada a vila em 1605. Fundado por ‘lançados’,
isto é comerciantes que ‘se lançaram com os negros’ contra a vontade expressa
das Cortes desde o princípio do século XVI, o lugar era um entreposto para o
trato vindo do interior, isto é da zona da Casamança e de Kaabú onde saíram
aproximadamente 3000 escravos por ano. Com uma população fluída de entre 700 e
1500 almas (incl. escravos) Cacheu era o maior porto ‘português’ na Costa,
junto com as suas dependências de Farim e Ziguinchor. Muitos destes comerciantes tinham ascendência sefardita e cabo
verdiana, nutrindo pouco simpatia para com os governos de Lisboa e Madrid.
Negócios lucrativos com rivais Ingleses e Franceses eram a regra. Os conflitos
entre a população e a administração local confrontados com uma falta crónica de
receitas e uma população migratória também eram frequentes. O ambiente de briga
e intriga era ainda mais acentuada por causa dos constantes reivindicações e
intervenções gerências de chefes africanos vizinhos rejeitando quaisquer
monopólio de interesses portugueses. Exigindo o pagamento de tributos vários,
as chamadas ‘daxas’, estes obrigaram os representantes máximos dos hospedes de
regular contenciosos através da ‘palabra’, isto é de negociar para pacificar.
Gans como a dos Vaz de França e dos Gomes eram muito
influentes em Cacheu, de tal modo que a aliança entre os dois através do
casamento entre Bibiana e Ambrósio Gomes oferecia vantagens mútuas. As primeiras tentativas de Lisboa
de chamar a si o comércio (de escravos, panos, kola e tinta) da Costa com a criação da Companhia de Cacheu em 1676
provocou como era de esperar constantes conflitos por causa da oposição dos
comerciantes locais e chefes vizinhos. Com a morte de Ambrósio em 1679, o fim do contrato da Companhia em 1682 e a
nomeação de um novo capitão mor, José Gonçalves de Oliveira no mesmo ano, a Bibiana, o seu irmão Ambrósio Vaz e seus
sobrinhos Francisco e António Vaz formaram um núcleo duro e poderoso dos
chamados ‘filhos da terra’ em Cacheu. A sua rede de negócios estendia do Rio
Gâmbia a Norte até a Serra Leoa ao Sul, baseado em laços de parentesco com
chefes locais e alianças com outros
‘lançados'. Na sua capacidade de cabeça do casal, a Bibiana tinha
entretanto aumentado o seu património consideravelmente com a herança do seu
falecido marido, não obstante as petições do seu filho Lourenço, algo
desesperado reclamando o seu direito.
O facto de o seu pai ter sido “um
dos mais ricos homens que houvera naquellas partes” não era obviamente
alheio a sua decepção de ver tamanho “falta de justiça (..) numa terra tão
falta de letrados”. Quando o Conselho Ultramarino deliberou que se deviam
fazer as partilhas, a Bibiana já tinha colocado a maior parte dos bens fora do
alcance, alias muito limitado, da administração e do filho. Afinal os seus
laços de parentesco com a realeza africana de zonas de grande interesse
comercial garantiram uma mobilidade e segurança material e pessoal invulgar
como os acontecimentos iam provar. O desrespeito pelas leis e convenções
patriarcais servia para evidenciar a falta de responsabilidade materna, de
carinho, de civilização desta mulher, africana mas ao mesmo tempo cidadã portuguesa.
Entretanto, a oposição dos moradores a renovação do contrato da
Companhia e a sua recusa de abdicar dos negócios com a concorrência, levaram o novo comandante da praça de Cacheu, ao
mesmo tempo administrador da Companhia, de proibir a vinda de embarcações
estrangeiras. A revolta do povo não
tardou: no dia 25 de Março 1684 prenderam o dito capitão à saída do hospício
onde se celebravam missa, meteram no em ferros e o enviaram a Farim, onde “num
corredor escuro” da casa de Bibiana, permaneceu “por espaço de 14
meses com insano tratamento.” Leia-se no relatório de sindicante sobre
os incidentes que durante o levantamento um morador entregou “o bastão que
tirou ao prezo a Bibiana Vaz, ella os acompanhou a praça onde disse palavras
que a concluem como culpada.” O documento em questão que pretende mostrar a (ir)responsabilidade desta mulher
através da sua demonização, mas acaba assim por revelar o estatuto impar que a
Bibiana gozava entre os seus pares.
Aquando a ‘república’ instituída na praça com o afastamento
do seu comandante, os moradores seguidos pelo povo ‘cristão’ decidem de não
mais admitir capitães do reino nem das ilhas (de Cabo Verde), que nenhum
português negociara com os gentios mas só com moradores da praça, e que não
aceitaram o contrato da companhia nem admitiram os administradores desta. Este duro golpe contra interesse
portugueses e o risco de perder o seu principal ponto de apoio na região, não
podia ficar sem consequências. Durante o sequestro do capitão mor os revoltosos
alegadamente teriam praticados desvios consideráveis a fazenda real através de
negócios com os ‘inimigos’ europeus. Apesar das muitas petições feitas pelos
moradores de Cacheu contra os efeitos nefastos resultante da criação da
Companhia e contra as prepotências dos capitães mores que chamaram todo o
comércio a si, não houve da parte da metrópole nem das Ilhas intervenção
alguma. A resistência dos moradores
ficou patente no facto de a maioria deles andaram a negociar e morar no mato,
no sertão, se esquivando a pagar direitos ao cofre real, em realidade as bolsas
do capitão-mor e da Companhia. Cacheu não era mais que um entreposto
empobrecido, desprovido de contribuintes e fontes de receita, cuja
administração se encontrava num meio hostil, assolado por judeus, crioulos e gentios.
Identificada como ‘o principal
delinquente’ pelos ofícios do governador das Ilhas de Cabo Verde e do capitão
de Cacheu que conseguiu fugir da sua prisão e seu sucessor, estes clamaram pela
justiça e pelo julgamento das cabeças da revolta. Os documentos são inequívocos
ao afirmar que presença de Bibiana Vaz prejudicava o comércio dos moradores;
como provas da inconveniência das suas actividades serviram acusações sobre o
trato dela com os inimigos gentios e ingleses feito sob juramento por vários testemunhos.
Cedo as autoridades concluíram que seria preciso “mandar retirar logo a dita
Bibiana Vaz para a Ilha de São Tiago (do archipelago de Cabo Verde)” para “examinar
as culpas e procedimentos desta molher.” Além disso, comunica o capitão-mor
de Cacheu sofrendo de febras palúdicas, convinha fazer um inventário dos bens
de Bibiana e sequestrar os bens do seu irmão e sobrinho entretanto acautelados.
Dentro de
poucos meses a Bibiana, seu irmão e um outro cúmplice no levantamento estão
presos na cadeia de Ribeira Grande, a sede
da administração em Cabo Verde, acusados do “levantamento, de descaminhos ás
cofres da FR e de comércio com os estrangeiros”. Depois de terem sido
notificados da ordem de se desembarcar para Portugal, os réus fazem uma petição
alegando a falta de meios de subsistência e razões de saúde, enquanto
apresentam os seus fiadores que estão dispostos a pagar “a quantia que a
nossa senhoria quizer.” Ficamos a saber do importante apoio que o gan Vaz
de França goza em Cabo Verde entre “as pessoas principais neste arquipélago”.
Pela primeira vez a figura de Bibiana começam a ter contornos mais definidos e
reais quando o processo nos informa que ela é “uma molher velha com oitenta
anos de idade que nem ca em sua vida se embarcou mais que para esta ilha”.
O seu estado de saúde inspira muitos cuidados por ela estar de cama “com
sezões sérias e perigosas (..) correndo grande risco e perigo da sua vida (..).”
O cirurgião-mor avisa que “qualquer aballo que avia no corpo a julgo por
morta e por ser molher muito velha esta incapaz de tudo a mudança quanto mais huma doença
tão grande como ella tem.” Na dita certidão encontra-se ainda a observação: “pela dita Bibiana
Vaz de França asinou o seu rogo por ser molher e não saber ler nem escrever.”
O vulto desta mulher de oitenta anos, presa, doente e iletrada, cujo domínio do
comércio e da política na Costa de Guiné fica assente em vários ofícios,
devassas e sindicâncias que tanto a diabolizaram, fica logo mais humanizada e
personalizada.
Ficando em Cabo Verde, o processo se
arrasta algum tempo enquanto as
autoridades tentam por varias vias inventariar e sequestrar os bens dos réus.
Mas as tentativas todas fracassam dado que “os bens desta mulher estão todos
em terras de gentios e por isso se lhes não achou quase nada no sequestro que
se lhe fez” apesar dos “grandes dispendios que o emissário fez com os
negros de Guiné”. O mesmo comenta “se a minha lealdade não fora
tanta ficará Bibiana Vaz em Guiné metida no gentio porque a tirei da caza de um
Rey para onde fugio.” A teia de laços e interesses que seguravam os
negócios de Bibiana e os seus parentes naquelas paragens impediram quaisquer
esforço neste sentido. Convenientemente o sobrinho, prevenido, tinha se
deslocado para a Serra Leoa ficando com a maior parte dos bens, enquanto “a
Bibiana só ficou com a maior parte dos escravos generos de tão má reputação que
nao se podem valer delles os senhores: porque se intentão como alguns, todos os
mais fogem e se segurão nos gentios.” Nem valia a pena mandar
sindicante: “não tem ca que fazer porque os que andão auzentes não he facil
acolhelos a mão.” A administração portuguesa que arrematava os direitos de
alfândega a feitores ou a companhias de comércio sobre não somente carecia de
meios e autoridade, até lhe faltaram os moradores.
Afastadas as hipóteses de obter
qualquer ideia ou rasto do cabedal da Bibiana, nem dos seus parentes, a Bibiana
e o seu irmão recebem um perdão Real. Enquanto a Bibiana entretanto libertada
já se encontra no seu chão africano, ela faz uma campanha insistente para o
regresso do seu irmão. A situação catastrófica do comércio português na Costa,
que se complicou ainda mais durante o domínio espanhol, obrigou a Corte de
resolver esta questão receoso de perder ainda mais influência e aceitação na
região. O aviso do sindicante é claro: “se quizer apertar e constranger a
Bibiana Vaz a aos mais outros maiores subsidios creio que tudo se perderá.”
Nem sentenciar os revoltosos ao degredo fazia muito sentido “porque Cacheu
necessita de habitadores para a sua conservação”. A recém criada nova
companhia de cariz monopolista - a
Companhia de Cacheu e Cabo Verde em 1690 - também precisava de um começo
mais propício. O falecimento do seu mais feroz crítico e inimigo, o então
governador de Cabo Verde, abre para Bibiana e os seus cúmplices o caminho a
revisão da condenação a pagamento de avultadas multas a pagar em géneros
correntes (as ‘barafulas’ ou ‘bandas’, tecidos de algodão fabricadas nas Ilhas
ou no continente). Pelo facto de não existir uma contabilidade ou fiscalização
fiável não se podia provar nem quantificar os alegados descaminhos da FR.
Reduzindo as penas pecuniárias e restituindo a sua casa então sequestrada que
deixou “os reis gentios muitos satisfeitos”, tomando em conta que ela
tinha sofrida “grandes perdas (..) na sua ausência” nas Ilhas,
procedeu-se a renegociação de um acordo.
O texto da dita ‘promessa e obrigação’ é muito revelador das relações de
poder nesta região, da política conciliatória de Lisboa e Ribeira Grande a
comerciantes antes perseguidos, e a posição de força que estes últimos detinham, com destaque para a
Bibiana e seu irmão. Anos antes a
Bibiana tinha dado um gesto de boa vontade “em sinal de agradecimento” do
perdão Real recebido, se oferecendo de construir um forte em Bolor, local estrategicamente
situado na entrada do Rio Cacheu. Mas a Bibiana é mais uma vez poupada e
respeitada porque se lê no documento: “porém como a dita promessa no que
respeita aos ditos fortes he impossível comprillas por ser mulher.”: afinal
mulheres, e ainda menos viuvas de oitenta anos, não construíram fortes. Em comutação desta promessa a Bibiana
oferece “voluntária e livremente” pagar as despesas da sua construção dando
como garantia a sua pessoa e bens. Porque a sua casa se achava “hoje
muito atenuada de cabedais e somente com alguns escravos” ela fará o
pagamento faseado em dois tranches, pagando o segundo só quando o seu irmão lhe
é restituído. Sem o seu irmão disse ela a continuação do negócio não estava
garantida “por ela ser mulher”.
Conclusões
O caso acima exposto da Bibiana Vaz
e o seu irmão Ambrósio tem todos os ingredientes de uma intriga moderna e até
tem um fim feliz. O papel principal e desempenhada por uma mulher africana cujo
corpo e pessoa pouco corresponde às imagens até então veiculadas sobre o a sua
‘raça’, ‘classe’ e género. Fazendo recurso mais que uma vez a suposta fraqueza
do seu sexo, e invocando e seu estado de saúde, a sua idade e a falta de meios,
esta viuva de oitenta anos que tinha encabeçada uma revolta, mantendo o capitão
mor de Cacheu durante mais um ano preso na sua casa, fazendo negócios com
Ingleses, Franceses e Africanos, se esquivando ao pagamento de direitos,
consegue obter dentro de tempo recorde um perdão Real, libertar-se dos seus
inimigos, voltar a Guiné, ver restituído a sua casa e reduzido as multas,
fazendo uma promessa cujos termos ainda lhe deixam bastante espaço de manobra.
Habilmente usando as prerrogativas do seu género, e por cima de viúva de um
capitão-mor com grande prestígio e cabedal, a sua personalidade forte e
autoridade incortornável se impõem a este ‘thriller’ cheia de suspense,
constituindo a chave para o seu desfecho. O seu irmão, trinta ano mais novo,
desempenha um papel secundário, como alias todos os outros homens neste enredo.
A sua libertação ficava condicionada ao empenho da sua irmã que não se cansa
até lhe resgatar da prisão em que se encontra. Embora a sua irmã se tinha
descuidada das suas responsabilidades maternas em relação a um filho que se
achava afastado dos negócios e da sua terra natal, o negócio e o afecto
fraternal pareciam andar de mãos dadas, sublinhando um grão de interdependência
inerentes aos laços laterais tão característicos destas paragens.
Os outros jogadores, incluindo o governador de Cabo Verde e os
capitães-mores saem bastante mal desta estória por terem sidos pouco firmes ou
demasiado zelosos, muitas vezes agindo com base em raciocínios mesquinhos e
vingativos. Cúmplices com a crise em que o trato português se mergulhou ao
longo dos anos, as autoridades de Lisboa tinham perdido o controle sobre a
situação. O perdão e a promessa de Bibiana é disto um bom exemplo. Alias a
fraqueza da posição portuguesa no comércio na Costa de Guiné perante a
concorrência não permitiu mais. Afinal a nova companhia estava sob tutela
espanhol. A posição dos comerciantes crioulos, os ‘filhos da terra’, não tinha
sofrida com estes incidentes, ao contrário, saiu reforçada, estando eles no mô
de cima. O abandono do comércio guineense por parte das autoridades portugueses estava iminente com a
expansão dos negócios do Brasil e a crescente importância de Angola. O facto de
ter sido uma mulher, africana, velha e iletrada como Bibiana para confrontar
estados, companhias e negociantes com esta realidade, que apesar dos seus
‘crimes’ até consegue sair com dignidade, foi uma lição que estas instituições
e os homens que os dirigiram dificilmente podiam negar ou esquecer. Graças a
estas circunstâncias, ficamos nos também à par deste capítulo da história da
Guiné dando voz a sua protagonista que tanto confundiu os seus delatores.
BIBIANA VAZ DE FRANÇA
Fortes
imagens emanam dos documentos do século XVII sobre uma mulher comerciante
chamada Bibiana Vaz de França, coloquialmente conhecida como Nha Bibiana
( Nha no crioulo da Guiné, e também de Cabo Verde: senhora). Guineense
de nascimento e membro de uma infuente gan mercantil, estabelecida num
desses entrepostos “portugueses” de comércio costeiro, ela ocupa um lugar
especial nos escritos do último quarto do século XVII. Cacheu, situada numa
posição estratégica na foz do rio do mesmo nome, naquela que hoje é chamada de
Guiné-Bissau, mas que, então, era conhecida como “Guiné de Cabo Verde”, era,
então, um importante porto de atracção para trafcantes de escravos, do qual
estima-se que três mil escravos eram exportados anualmente. O lugar, onde
anteriormente existia uma tabanka, ou seja, uma aldeia no território
controlado pelos Pepel matrilineares, foi fortifcado, nos anos 1580, por
comerciantes privados, os chamados lançados com os negros e tangomaos
ou tangomas. Eles geralmente tinham um ancestral cabo-verdiano na linha
masculina, mas eram guineenses pela linha feminina, embora alguns tivessem
ascendência portuguesa. A permissão para a fxação foi dada pelos Pepel, dunus
di tchon em crioulo (derivado do português “donos do chão”), aos ditos tangomaos
, que viram a construção de uma fortifcação como uma medida de protecção.
Os
dunus di tchon da comunidade Banhun, noutro lugar ao longo do Rio
Cacheu, supostamente os tinham tratado mal e, além disso, eles também
precisavam se proteger contra os ataques dos competidores rivais europeus. Os
produtores locais forneciam géneros alimentícios, tais como arroz, milhete,
milho, carne, lacticínios e sal para o sustento de seus habitantes. Após
receber o “direito de cidade” da Coroa portuguesa (em 1605) e ter-se convertido
numa “capitania”, Cacheu logo se tornou o principal entreposto “português” para
o tráfco de escravos, mas também exportava cera de abelha, marfm, panos de
algodão e peles animais.
Todavia,
durante séculos, o reconhecimento do valor deste distrito militar (capitania) e
fortaleza (presídio), por parte da monarquia portuguesa foi difcultado devido à
objecção desta à presença de comerciantes privados que negociavam com nações
europeias rivais e deixavam de pagar impostos. Isto se deu precisamente devido
ao controle que os tangomaos e seus descendentes, muitos com raízes
sefarditas e perseguidos pela Inquisição e pela Coroa, exerceram sobre grande
parte das trocas comerciais na região, o que contrariava os interesses dos portugueses
estabelecidos, que reclamavam direitos de monopólio sobre tal comércio. A
administração dessas cidades-fortalezas esteve, alternadamente, nas mãos de
ofciais portugueses e africanos, geralmente recrutados no arquipélago de Cabo
Verde e nos gan mercantis locais.
Ao
mesmo tempo, comunidades de africanos baptizados, os então chamados “cristãos
por ceremónia” ou kriston que incluíam uma população heterogénea, desde
escravos domésticos até profssionais e comerciantes livres que tinham se
estabelecido em áreas localizadas em torno da cidade fortifcada, tinham seu
próprio governo independente, dirigido pelos “juízes do povo”. No início do
século XVII, Cacheu possuía vinte ou trinta “vizinhos” mas, nas últimas décadas
do mesmo século, estimou-se um total de 400 a 500 “vizinhos”, um estatuto
limitado aos que viviam como “portugueses livres”, isto é que excluía os
escravos. Documentos contemporâneos, entretanto, não deixam dúvidas sobre o seu
alegado estado pecuniário lastimável, sugerindo que os habitantes ricos eram
aqueles que viviam e comerciavam no interior.
A
presença de brancos residentes, nascidos na Europa, era ainda mais ínfma,
indicando que os que se intitulavam “brancos” eram nascidos localmente, e
simulavam sua brancura calçando sapatos. A taxa de mortalidade entre os
residentes era apontada como sendo alta, de tal modo que, no início do segundo
quartel do século XVIII só seis “moradores” estavam ainda registrados.
Realçavam-se, assim, os problemas de aclimatização e das doenças tropicais,
numa zona desprovida de qualquer apoio médico exterior. Essa camada social
afro-atlântica, direccionada para a troca mercantil e a administração política,
efectivamente ganhou o controlo do comércio regional costeiro e fuvial entre o
fnal do século XVI e o início do XVII. Nas primeiras décadas do século XVII, as
autoridades cabo-verdianas protestaram contra a presença de “muita gente da
nação”, isto é, judeus sefarditas, que negociavam com os holandeses, ingleses e
franceses, e tinham o seus próprios exércitos de escravos.
Na
época, a concorrência entre as nações europeias, incluindo Portugal, França,
Grã-Bretanha e Holanda, pelos lucros do tráfco foi ainda mais intensa, após
quase um século e meio no qual trafcantes “portugueses” exerceram o monopólio
Atlântico. As redes de tangomaos eram baseadas no parentesco e coabitação com
as linhagens governantes que controlavam os recursos humanos e materiais entre
os grupos litorâneos, permitindo-lhes monopolizar o comércio fuvial com acesso
baseado na terra. Cronistas contemporâneos associaram os “portugueses” à camada
de mulatos que garantiam grande parte da renda do comércio regional.
Por
volta da segunda metade do século XVII, tinham emergido alguns gan que
combinavam o acesso às rotas para o comércio Atlântico com vínculos certos com
os fornecedores africanos locais. Os mais poderosos gan de Cacheu foram
o Gomes, com origens sefarditas, e o Vaz de França, relacionado aos grupos
matrilineares Banhum e Pepel. Este último controlava as áreas ribeirinhas do
Rio Cacheu e tinha em Farim sua principal fonte de comércio. Farim
encontrava-se no limite das marés, no perímetro ocidental da confederação de
Kaabú. Estando nas mãos dos Soninké, esta se desvinculou do império do Mali no
século XVI, e exerceu um domínio incontestado sobre as rotas comerciais com a
região do Alto Níger, no interior, até o século XIX.
Redes comerciais marítimas eram, sobretudo,
articuladas para a compra de noz de colana região de Serra Leoa, mais ao sul, e
a sua troca, com barras de ferro e sal, por escravos e ouro na área de Farim. A
criação, por decreto real, mas com fundos privados, da Companhia de Cacheu, em
1676, tinha como intenção tomar conta deste lucrativo comércio. Protestos de
várias partes de
Cabo Verde e da Guiné já sugeriam que a companhia não era particularmente bem
vinda pelos interesses afro-atlânticos locais.
O
principal obstáculo foi a proibição, por parte da companhia, aos “moradores” de
Cabo Verde e das terras firmes, de comerciarem com os estrangeiros. Isto, a
despeito dos apelos dos comerciantes de Cacheu no sentido de que o rei, D. João
IV, deveria se “lembrar deste povo” e garantir-lhe a liberdade para participar
do comércio transatlântico, como faziam os seus congéneres em Cabo Verde. Por
fim, afirmaram que “como o nosso comércio é somente o resgate de escravos e senão
tivermos saída para elles pela mesma via será impossível senhor podermos
sustentar as nossas famílias”.
Uma
das pessoas mencionadas no decreto de criação da Companhia foi Ambrósio Gomes,
marido de Nha Bibiana, um rico traficante de escravos, com raízes
africanas e sefarditas, que já tinha ocupado o posto de capitão-mor e era visto
como um futuro director da companhia. Nascido em Cacheu em 1621, as suas raízes
paternas apontam para a vila de Arraiolos, no Alentejo, onde passou uma parte da
sua infância numa família de origem sefardita. Sua mãe era originária das Ilhas
Bijagó, situadas defronte à costa da actual Guiné-Bissau, que durante séculos
foram importantes fontes de escravos. Ele era tido como alguém capaz de
inspirar mais medo e respeito do que o então governador de Cacheu, um morgado —
proprietário de terras — em Cabo Verde que estava encarregado da companhia.
Desde os anos 1640, Ambrósio Gomes regularmente fez ouvir sua voz em Lisboa,
reclamando do tratamento desigual dispensado aos comerciantes guineenses, em
comparação com os cabo-verdianos.
Uma
fonte francesa descreveu-o, a ele e a seu flho Lourenço, como “negros, mas
civilizados e respeitados em seu país”.
Embora
os dados biográficos sobre a vida de Bibiana sejam muito sumários, sabemos que ela nasceu no início do século
XVII. As primeiras referências ao apelido Vaz, de origem cabo-verdiana,
remontam ao século XVI e sempre estiveram associadas ao rio Gâmbia, conforme
atesta uma menção ao primo de Nha Bibiana, Francisco Vaz de França em
carta ao Rei escrita pelo então capitão-mor de Cacheu em 1647. Muito pouco
se sabe de Nha Bibiana antes da morte do seu marido Ambrósio Gomes, além
do facto de já estar casada nos anos sessenta. Embora faltem dados
conclusivos acerca do seu casamento com Ambrósio Gomes, a aliança entre os dois gan
foi signifcativa. Logo após a morte de seu marido, em 1679, uma disputa com o recém indicado comandante militar de Cacheu,
José de Oliveira, catapultou-a, já em idade avançada, para os livros de
história. Ao fazer cumprir a “regra da exclusão”, que proibia todo comércio com
os “estrangeiros” — holandeses, ingleses e franceses —, ignorando, assim, a
recusa da comunidade mercantil local em reconhecer o contrato da companhia, o
comandante precipitou a sua própria queda. Bibiana, seu irmão Ambrósio Vaz e seu primo Francisco armaram uma emboscada
e fizeram-no prisioneiro em 25 de Março de 1684, assim que saiu da missa
celebrada no hospício católico local. Ele foi algemado como um escravo e
humilhado diante da comunidade de Cacheu, quando Bibiana declarou-o,
publicamente, culpado de abuso de poder. A seguir foi mandado rio acima, para
Farim, onde foi mantido por mais de um ano no apertado e escuro corredor de uma
casa que Bibiana tinha lá. Pouco antes do “golpe”, os comerciantes de
Cacheu tinham feito uma petição acusando-o de “injustiças, desonras, tiranias,
roubos e aleivosias”
além de deslealdade e furto. Relatos posteriores claramente identifcam Bibiana
como a dirigente que estava por trás da conspiração. Foi dito que todos os
encontros dos rebeldes tiveram lugar em sua casa, em Cacheu, e que foi ela que,
efectivamente, recebeu os assessores do comandante após sua prisão. Apesar
disso, a declaração que se seguiu à prisão, num tom marcadamente “republicano”,
trazia a assinatura de seu irmão, na época um dos mais ricos comerciantes
afro-atlânticos da região. Em vez de ser uma chefe nominal, Nha Bibiana
foi a mais respeitada anciã do clã, mas não exerceu nenhuma função
administrativa e não sabia escrever o português. Em vez de ser uma fgura
secundária, que permaneceu nos bastidores como muitas de suas congéneres, ela,
por causa de sua extensa clientela, que tanto era atlântica quanto africana,
desempenhou um papelchave nos acontecimentos. Os eventos que se seguiram demonstram
o estreito relacionamento entre ela, seu irmão e seu sobrinho, que apoiaram
seus actos.
Uma
vez que o eminente prisioneiro não era somente o comandante militar, mas também
o director local do monopólio da coroa portuguesa representado pela companhia
comercial, a revolta revelou o profundo e enraizado confito entre os interesses
portugueses na região e os dos gan mercantis locais. Ao reclamar poder político, os revoltosos
declararam:
1.
não admitir capitão desse Reino, nem destas Ilhas [de Cabo Verde], sem primeiro
darconta a Vossa Majestade, e esperar que saia ‘resolução’;
2.
nenhum Português negociará com os gentios, mas só com os moradores da praça com
pena do perdimento das fazendas;
3.
não queriam nem haviam de aceitar como não aceitaram o contrato da Companhia,
instituído por especiais ordens da VM, nem tão pouco admitir na praça, nem
ainda como particulares, os administradores dela.
No
dia seguinte aos eventos acima narrados, Ambrósio,
junto com outros notáveis de Cacheu, assumiu o poder sob a forma de
triunvirato, apreendendo todos os bens do comandante e a propriedade da
Companhia. A “república de Cacheu” tinha sido declarada, segundo os termos
usados na sindicância feita depois. Apesar disto, os rebeldes não esqueceram,
ao menos formalmente, de reiterar sua fidelidade ao rei.
Apesar do facto de que uma multidão, incluindo
escravos, tinha tomado parte na prisão do comandante, a sindicância afrmou que
“o povo”, em nome do qual decerto tinha sido elaborada, não tinha tomado parte
nem tinha apoiado genuinamente a revolta e, supostamente, tinha sido conduzido
pelo medo e pela ignorância. Quando a notícia chegou a Lisboa, a situação
causou grande embaraço e preocupação às autoridades portuguesas, temerosas de
perder o seu principal porto continental na costa da Alta Guiné. O conflito deve
ser visto como um refexo da situação de facto , do acentuado declínio
dos negócios portugueses, sobre o qual conselheiros e funcionários bem
informados vinham alertando desde o fnal do século XVI. Desde então, a crescente
competição por parte de outras nações europeias, tais como a França, a Holanda
e a Inglaterra, tinha enfraquecido o monopólio afro-atlântico português. O
facto de que os rebeldes de Cacheu estavam negociando com comerciantes ingleses
e franceses, que eram vistos como inimigos, sublinha o contexto euro-atlântico
do conflito. O “golpe” de Cacheu, se tivesse sucesso, implicaria no abandono de
qualquer esperança portuguesa de competir com os rivais europeus, além de
acarretar a perda do lucrativo comércio com o Kaabú, no interior. E o fato de
que, dentre todas as pessoas, uma mulher, e ainda por cima
africana e idosa, estava frustrando os planos portugueses na região, era outra
grande cruz a ser carregada pelos estrategistas políticos de Lisboa. A curta
vida da Companhia, que foi seguida de outros esforços monopolistas igualmente
fracassados nos anos 1690, só serviu para acentuar esta situação. Intervindo,
as autoridades portuguesas provaram, sem sombra de dúvida, que os operadores
afro-atlânticos, incluindo os crioulos, kriston e fornecedores
africanos, estavam claramente em vantagem, e assim permaneceriam pelos próximos
duzentos anos.
A
parceria entre Nha Bibiana, viúva, e seu irmão, então com seus cinquenta
e tantos anos, é crucial para a compreensão do espaço social no qual os conflitos tiveram lugar. Seus fortes laços colaterais, estabelecidos por meio da
coabitação e dos casamentos mistos com linhagens africanas governantes,
reproduziram um padrão de interacção afro-atlântica que facilitou a tessitura
das redes interculturais altamente fluidas, pelas quais a região era conhecida.
Estas encarnavam a efectiva combinação entre mobilidade geográfica e social, que
lhes permitiu assumir o controle do comércio regional. Seus “descendentes
mestiços” representavam a essência do parentesco bilateral num contexto
matrilinear característico dos gan mercantis da região. Foi precisamente
esta configuração que deu a mulheres como Bibiana uma base de poder
sociocultural que elas transformaram em riqueza económica e infuência política.
Seu
controle partilhado sobre os recursos e o apoio recebido dos dignitários
africanos locais também ilustra a existência de uma flexível divisão de
responsabilidades, que provou ser um factor decisivo em sua capacidade de
iludir as autoridades portuguesas
Inúmeros
eventos servem para elucidar o contexto local, por exemplo, a petição de
Lourenço Gomes, flho do casamento anterior de Ambrósio Gomes, para obter a
herança do pai; a sindicância entre os moradores de Cacheu acerca do papel de
Bibiana no “golpe”; a localização de sua propriedade e as suas relações com as
linhagens dirigentes Banhum; sua ida a Cabo Verde e a questão de seu
analfabetismo.
Os
documentos mostram que Lourenço Matos Gomes tentou, em vão, obter a herança a
que ele, pela lei patriarcal portuguesa, teria direito. Ele endereçou uma
petição ao rei português, afirmando que, imediatamente após a morte de seu pai,
tinha tentado fazer uma distribuição equitativa (ou que ele via como tal) do
espólio com sua madrasta, o que resultara em fracasso. Isto é revelador, e
particularmente ilustrativo, das tradições de parentesco bilateral da costa. Na
petição, afirmou que «por morte do seu Pay, Ambrosio Gomez, capitão mor que foi
daquelle praça, fcara elle supplente habilitado por seu herdeiro de muyta
quantidade de fazenda, e em razão o ditto seu Pay estar cazado com Viviana Vás,
se metera de posse della como Cabeça de Cazal, fazendo-se tão poderosa com
dadivas e que desde o anno de 1679 em que seu Pay falecera athe o prezente,
elle não fora possivel fazer lhe fazer inventario, e partilha que hia
decipando, e consumindo de maneira que não viria elle depois a herdar couza
alguma». E acrescentou, significativamente, que «a falta de justiça que mal
naquellas partes, sem poder, se podia administrar, ou por razão de muito que
grangear a indústria de quem sabia negociar em terras tão faltas de letrados
que só vencia as couzas, que melhor com a intelligencia própria as meneiava”. A
despeito de suas repetidas tentativas e do apoio de Lisboa, ele nunca conseguiu
obter o que pedira.
A
sindicância sobre a revolta entre os
moradores de Cacheu (ocorrida em 1687) demonstra o quanto Bibiana foi
aviltada e acusada de comerciar livremente com os africanos e outros europeus,
como os ingleses, especialmente na calada da noite, sem recolher qualquer
imposto aos cofres de Cacheu. Usando estes argumentos como pretexto — porque, afinal de contas, todos negociavam com os comerciantes rivais operando na região
e que pagavam mais —, pedia que “aquela mulher” — algumas vezes também
mencionada como “a viúva” — fosse mantida sob custódia e submetida a
julgamento, e que fosse feito um inventário de suas posses. Os sindicantes
acrescentaram que seria também aconselhável colocar o seu irmão e o seu primo
por trás das grades, pois, do contrário, eles poderiam esconder a riqueza da
família obtida ilegalmente. Enfatizaram que ela deveria ser julgada em Cabo
Verde, não só sugerindo que o então comandante não tinha nenhuma influência significativa sobre a administração, mas que queriam remover o gan Vaz do
poder.
Quando
Bibiana foi, finalmente, feita prisioneira, ela se benefciou da hospitalidade de
um chefe linhageiro Banhum, ou udjagar (djagra em kriol), em cuja casa ficou. O relato de sua captura dá-nos alguma ideia dos problemas encontrados por
aqueles enviados para realizar esta tarefa: «Grandemente me fez Deos em me
livrar de Guiné sem que me enchessem a barriga de pessonha, que foy la muito mal
aceito no interior, mas como eu me vir dessa banda com o favor de Deos
fallarey, e tudo ha de ser verdade; o que direy athé he que se a minha lealdade
não fora tanta fcara Bibiana Vas em Guiné metida no gentio porque atirei de
caza de hum Rey para onde fugio, fazendo a vir a praça com minhas industrias».
O oficial foi obrigado a investir largas somas de seus próprios recursos em
presentes, a fim de convencer os parentes e anfitriões a entregá-la.Mas pouco ele
conseguiu ter de volta, uma vez que as posses de Nha Bibiana não puderam
ser encontradas pois os “os bens desta mulher estão todos em terras de gentios,
e por isso se lhe não achou quase nada no sequestro que se lhe fez”. Embora seu
primo Francisco (Vaz de França) estivesse fora, negociando na costa, não seria
possível persegui-lo “porque os que andam ausentes, não é fácil acolhe-los a
mão”, demonstrando mais uma vez a debilidade portuguesa na região. O oficial ainda acrescentou que “de Gambia sahiam dois navios a esperarme na barra de
Cacheu” — o que conseguiu evitar — para “tirarme a Bibiana Vaz, e neste caso é
certo havia de pelejar até morrer”.
Na verdade, durante a ausência de Nha Bibiana,
toda a sua riqueza foi guardada por seu primo, convenientemente ausente.
Portanto, só seus escravos poderiam ser confiscados, porém todas as tentativas
de fazê-lo levaram-nos, imediatamente, a fugir para o “gentio”. Numa petição
feita por Bibiana quando estava detida em Cabo Verde, ela afirmou que levá-la
para Portugal, para ser julgada, não só a mataria, velha e doente como estava, atacada pela malária, mas que sua contínua ausência da Guiné poderia levá-la a
perder, para seus rivais, todas as suas posses. Neste meio tempo, ela obteve o
apoio dos mais ricos e influentes comerciantes cabo-verdianos, que garantiram
sua segurança e sustento enquanto esteve no arquipélago. Isto demonstra a
dimensão Atlântica de seu status africano no contexto regional, sua influência e
autoridade. Quando a Nha Bibiana, finalmente, foi concedido o perdão
real, após ter pagado uma soma simbólica como indemnização pelas perdas
sofridas pela Coroa, ela retornou à Guiné e moveu uma vigorosa campanha
para libertar seu irmão que, afnal de contas, fora o seu principal parceiro nos
eventos. No fim, tanto seu irmão quanto seu primo foram perdoados. A lógica por
trás desta mudança de procedimento é significativa. Nem o facto de que o
pagamento de indemnização por parte do primo tenha se mostrado impossível de
ser efectuado, nem o perdão ao primo e irmão, por cuja soltura ela tinha
insistentemente lutado, aconselhavam a ser imprudente: «se quizer apertar e
constranger a Bibiana Vaz e aos mais outros maiores subsidios, creio que tudo
se perderá; porque nem as pessoas se hão de colher para o castigo, nem se lhes
hão de achar os bens para satisfação das penas pecuniarias, e com as suas
ausencias e emnisios se inquietara a paz da praça, como experimentei no tempo
em que alguns deles passaram aos gentios com o receio de serem prezos».
O
mesmo sindicante admitiu que “todo aquelle povo está reduzido a excessiva
pobreza, assim por occazião do comércio com os extrangeiros, que lhe esgotarão
o mais preciozo, como pela esterilidade do negócio com os Portuguezes, e
remeças destas Ilhas [de Cabo Verde]”. Esta sua crítica estava claramente
dirigida aos comerciantes portugueses em geral, às autoridades em Cabo Verde e,
sobretudo, ao governador que, obsessivamente, tinha perseguido Nha Bibiana.
A fm de resolver este impasse sem perder completamente a infuência na região,
os sindicantes decidiram obter uma declaração escrita, uma promessa e
obrigação , mas que não foi assinada directamente por ela, já que se
declarou “analfabeta”. Este documento formalizou o acordo entre a coroa
portuguesa e Bibiana, que prometeu construir uma fortaleza de pedra em Bolor,
defronte a Cacheu, na barra do mesmo rio, numa posição estratégica que
controlava o acesso ao rio. Mas ela somente o faria em troca da soltura e do
perdão ao seu irmão e primo. Entretanto, afirmou, com certa ironia, que, por ser
mulher,não poderia levar a cabo a construção do forte. Além disto, na região
não havia pedra considerada boa para construção, a qual teria de ser trazida de
Cabo Verde. Todavia, ela se declarou pronta para, “voluntária e livremente”,
pagar pela construção. Levando-se em conta a perda de bens sofrida durante e
devido à sua ausência — ela disse que tinha sido deixada somente com a posse de
alguns escravos — e o fato de que seu primo estava na posse de todos os seus
bens, ela teve de contar consigo própria para honrar o pagamento. A primeira
parcela, com a metade do valor, deveria ser paga quando seu primo chegasse a
Cacheu, para o que não foi fixada uma data, e a segunda deveria ser efectuada um
ano depois. Ela acrescentou que se devia “mandarlhe restituição ao dito seu
irmão a esta praça soltandose da prizão em que está porque com a sua pessoa
continuara o negocio que não se pode perder por ser molher”. E, como forma de
assegurar o cumprimento de seu lado na barganha, ela deu em garantia “todos os
seus bens materiais”. Depois de tudo o que foi dito e feito, pode-se imaginar o
que, na prática, realmente significava esta garantia, já que nenhum desses bens
podia ser acessado por estrangeiros.
Depois de soltos, seu irmão Ambrósio e seu primo
Francisco tornaram-se alvos das autoridades de Lisboa, Cabo Verde e Guiné. Francisco, referido como “primo de
Bibiana”, foi acusado de crueldades, tais como ter matado brutalmente alguns de
seus escravos e “causado terror a todos e ao gentio” na área do Rio Nunes mais
ao sul. Um inquérito foi ordenado para que se pudesse dar-lhe um “exemplar
castigo”. Ambrósio tornar-se-ia um dos críticos mais abertos das políticas e do
apoio — ou da falta de ambos — de Lisboa,
durante os trinta anos seguintes, incluindo a falta de ajuda paralidar com as
ameaças dos africanos. Quase todas as
petições formuladas pelos comerciantes de Cacheu, nesse período, traziam sua
assinatura. Nada foi mencionado sobre Bibiana nos documentos após 1694, o
que não surpreende, levando-se em conta a sua idade já avançada e o seu estado
de saúde.
Fonte: Philip J. Havik.
A DINÂMICA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E PARENTESCO NUM CONTEXTO COMERCIAL: UM
BALANÇO COMPARATIVO DA PRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A REGIÃO DA GUINÉ-BISSAU
SÉCULOS XVII E XIX. Afro-Ásia, número 027, Universidade Federal da Bahia,
Bahía, Brasil, pp. 79-120
1684/03/30
CARREGAMENTO DE ESCRAVOS PARA O BRASIL (30-3-1684)
SUMARIO-
Manda observar a lei da arqueação dos
navios com toda a exacção, para que os negros não morram por falta de espaço
durante a viagem para o Brasil
IGNACIO DE FRANÇA
BARBOZA,
Amigo. Eu El Rey vos emvio muito saudar. Dezejando em todos os dominos de minha
Coroa com todos os vassallos se guardem os ditames da razão, e da justiça,
sendo informado, que na condução dos negros captivos, que vem dessas Ilhas para
o Estado do Brazil e Maranhão obrão os carregadores, e mestres das naos a
violencia de os trazerem tão apertados e unidos, huns com os outros, que não
somente lhe falta o desafogo necessario para a vida, cuja conservação hé
commua, e natural para todos, ou sejão livres ou escravos, mas do aperto com
que vem sucede maltrataremse de maneira que morrendo muitos chegão impiamente
os outros lastimozos, que ficão vivos; mandando considerar esta materia por
pessoas doutas e praticas, e inteligentes nella, e querendo prover de remedio
tão grande dano, como hé comveniente ao seruiço de Deos Nosso Senhor, e meu,
tanto pelo que a experiencia tem mostrado, e os navios que carregão negros em
essa Conquista, como pello que pode suceder e os que custumão carregar nos
outros portos de meus dominios, fui servido rezolver, que daqui em dianhte se
não possão carregar alguns negros em navios, e quaisquer outras embarcaçoins,
sem que primeiro em todos e cada hum delles se faça arqueação das tonelladas,
dos que pode levar com respeito dos agazalhàdos, e cuberta para a gente, e do
porão para as auguadas, e mantimentos, a cujo respeito mandey fazer a ley cuja
copia com esta se vos remete, por se não poder mandar em outra forma, pella
brevidade com que estão para partir para essa praia as embarcaçoins que estão
neste porto, me pareceu emcarregarvos, e emcomendarvos muito particularmente a
exacção e execução em cumprimento desta ley, e que vos hajais na observância
della com tal cuidado, que tenha muito que vos agradecer, porque do contrario
me averey por mal servido, e quando a encontreis em algum cazo, ou de alguma
qualquer maneira, mandarey proceder contra vós como dezobediente ás minhas
ordens. li
Escrita
em Lisboa, a trinta de Março de 1684.
Rey
Conde
de V al de Reis.
ARQUIVO DE CABO VERDE -
Liv. 42, fls. 29-29v.
1684/08/23
«António Machado
de Faria e Maia - nomeado governador em 23 de Agosto de 1784; posse em 30 de Março do ano seguinte.
Esteve em conflito quási permanente com o
ouvidor geral, Ferreira
da Silva, e com o
grupo político capitaneado pela família Freire de Andrade.
Segundo as informações do
governador, era tão precária a situação financeira da província
que
as receitas totais não passavam muito além de um
conto de réis, e a residência do governador era constituída por
um quarto chamado casa de espera; uma sala de
visitas que era coberta de lona; uma
casa de jantar e um quarto de nova construção; e um
quarto que servia de secretaria. A cozinha e outras dependências
eram cobertas de palha.» João
Barreto
1684/09/13
Falecimento do bispo da
diocese de Cabo Verde, D.FREI ANTÓNIO DE
SÃO DIONÍSIO
1684/11/14
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO (14-11-1684)
SUMÁRIO
- Pede o bispo de Cabo Verde lhe faça
mercê mandar passar provisão para que lhe sejam pagas todas as dívidas pelo
dinheiro do depósito de Cacheu e se vá continuando o pagamento naquela
alfândega. – Estava-se-lhedevendo 2.250.000 réis.
Manda
V. Magestade por decreto de 16 de outubro deste anno, se veja e consulote logo
neste conçelho o que pareçer sobre huma petição e carta do bispo de Cabo Verde
em que diz, que em razão de não hauer rendimento na alfandega daquella Ilha, se
lhe estãoa deuer de seos ordenados dous contos e duzentos e sincoenta mil reis,
de dous annos e tres mezes que tem
vencido, por cuja cauza se acha em grandes apertos, tanto assim chegou a
empenhar a prata do seu Pontifical, e tomar dinheiro á rezão de juro para
podermandar hir desta Cidade o necessario pera o seruiço da Igreja, e de sua
caza, acrecendolhe mais o faltar hum pataxo que vinha de Cabo Verde, em que
remetia a seu Procurador cem mil reis em dinheiro para a despeza do necessario;
e porque não tem de que se poder valler, nem acudir aos pobres, e á sua Igreja;
e no depozito de Cacheu está dinheyro
dos escrauos, e outras fazendas pertencentes á de V. Magestade, donde pode ser pago, pera se dezempenhar.
Pede
a V. Magestade lhe faça merçê mandar passar Provizão para que seia pago de tudo
o que se lhe estiuer deuendo athé o dia que chegar a ditta ordem, pello
dinheiro do depozito de Cacheu, e que uá continuando o ditto pagamento naquella
alfandega, não hauendo effeitos na de Cabo Verde.
Tambem
se uio huma carta do ditto Bispo de 20 de Julho deste anno, em que rellata o
mesmo, que diz em sua petição.
Pellos
papeis que aprezentou consta estarselhe deuendo 2.250 V reis de seos ordenados
de dous annos e tres mezes, que tem vencido; e hauer tomado á rezão de juro 400
V reis aos Sarjento Mor Manoel Correa de
Lacerda, sobre a prata de seu Pontifical;e hum conhecimento de Aluaro Pretto Farinha, mestre da Carauella Nossa
Senhora dos Remedios e Santo Antonio que vinha daquella Ilha pera
este Reyno, pello qual se obrigou a entregar neste Reino cem mil reis em
patacas a seu Procurador, da qual carauella não há noticia algúa athé o
prezente.
Dandosse
de tudo vista ao Procurador da Fazenda, respondeo, que sobre este pagamento
tinha respondido em outras petiçoens do supplicante e na mesma forma se deuião
passar as ordens, para que o Bispo fosse pago pellos effeitos da Fazenda Real,
que estavão primeiro obrigados a esta despeza.
Ao
Concelho parece que V. Magestade deue mandar passar ordem para que o Bispo de
Cabo Verde se lhe pague tudo o que se lhe estiuer deuendo da sua Congrua pellos
direytos dos nauios castelhanos, que forem áquella Ilha; e na falta deste
rendimento seia pago pella barafullas, que estão em depozito em Cacheu; com
declaração que primeiro mostrará como não houue effeitos das consignaçoens, que
lhe estauão applicadas e pedidas por elle, a saber, os Dizimos da Ilha de
Sanctiago, e das de Barlavento, e os direytos dos nauios Castelhanos, e tambem
certidão como não houue sobejos na Ilha da Madeira, aonde se lhe consignou o ditto
pagamento a seu pedimento, na falta dos rendimentos dos Dizimos e feitoria da
Ilha de Sanctiago.
Lisboa,
14 de Nouembro de 684.
Ruy
Telles de Menezes I Antonio Paes de Sande. I Carlos Cardozo
Godinho.
forão
uotos o Conde Prezidsente e M.el Pacheco de Mello.
[Despacho,
à margem]: Como
parece. Lisboa, 18 de Nouembro de 684.
(Rubrica
de D. Pedro l /)
AHU
- Cabo Verde, cx. 5.
1685
Criação em França da Compagnie
Royale de Guinée, sociedade comercial privilegiada
dedicada especialmente ao tráfico negreiro.
Promulgação,
pelo rei de França Luís XIV, do «Código Negro», que aceitava e regulamentava o tráfico
de escravos e a escravatura.
CAPITANIA
DE BISSAU
«Por
volta de 1685, o pôrto de Bissau era um centro comercial de relativa importância,
para onde começavam a convergir os produtos agrícolas e escravos
do interior, das povoações situadas ao longo do rio Geba e ainda alguns
das ilhas de Bijagós. A sua pequena população era constituída, além dos indígenas, por
comerciantes portugueses e alguns estrangeiros, entre os quais os empregados da
feitoria francesa que a Companhia do
Senegal tinha ali estabelecido.
A povoação
principiara a formar-se pelos fins do século XVI com a
fixação de alguns moradores de Cabo Verde que tinham ao seu serviço um certo
número de escravos e indígenas das povoações vizinhas. Sendo em geral empregados nos trabalhos auxiliares
do pôrto e dos navios, êstes serviçais passaram a ser conhecidos pela designação de grumetes, designação
que mais tarde se tornou extensiva a todos
os naturais que, convertidos ao cristianismo, adaptaram nomes e apelidos
portugueses (a).
Missionários
católicos haviam passado uma e outra vez por Bissau durante o século XVI e, depois da
fundação do Hospício em Cacheu, fizeram ·algumas visitas à nova povoação,
instalando ali urna dependência.
Ao mesmo
tempo, pelo seu convívio com os metropolitanos e caboverdeanos,
os
grumetes adquiriram alguns costumes europeus e a prática
do dialecto crioulo caboverdeano,
que sofreu
algumas modificações de origem local.
Tôda esta população
vivia sob a bandeira portuguesa,
mas não havia ali um representante oficial da nossa autoridade. Aproveitando desta
circunstância, a Companhia Francesa do
Senegal enviou a Bissau, no ano 1687, emissários especiais com três navios carregados de material não somente
para o comércio mas também para a construção de uma fortaleza.
A tentativa
dos
franceses foi combatida pelos comerciantes portugueses junto do régulo papel, que se opôs à
cedência do terreno e construção do .forte projectado.
Já antes
disso, as autoridades portuguesas tinham procurado entrar em
relações com o régulo dos papeis, Bacampolco, com o fim de se construir em
Bissau uma fortaleza. O governador Veríssimo de Carvalho tinha sido
portador de presentes enviados por D. Pedro II ao chefe indígena. Estes mimos reais, juntamente
com
outros
do
capitão-mor
Barros Bezerra, forani enviados nesta ocasião ao régulo,
transmitindo-lhe o desejo de construir um forte no pôrto de Bissau.
O chefe respondeu, em 4 de Abril de 1687, acedendo de melhor
vontade ao pedido. Em vista desta boa disposição dos papeis, o capitão-mor Barros Bezerra enviou Manuel
Teles com alguns soldados, duas peças e material para dar imediatamente início às
obras.
O ano de 1687 foi, pois, o primeiro em que as
autoridades portuguesas se instalaram no pôrto de Bissau com o
objectivo especial de o defender contra as pretenções dos franceses. Em
1690, Frei José de Beque construiu ali a
primeira capela para as cerimónias religiosas e um hospício para o abrigo dos missionários,
construções rudimentares, feitas de taipa e cobertas de colmo.
Tais
foram os princípios da actual cidade de Bissau no declínio do século XVII. As obras iniciadas
por Barros Bezerra foram interrompidas por falta de
recursos, mas os primeiros passos estavam dados e, por alvará régio de
15 de Março de 1692, foi constituída a capitania
de Bissau, atribuíndo-se-lhe uma guarnição
de
40 praças, um capitão-mor com 200$000 réis de
ordenado e um feitor com 120$000 réis, por ano.
(a)
Os
grumetes não se
encontravam apenas em Cacheu e Bissau, mas também em todos outros portos onde havia comerciantes
portugueses, como nos rios de
Gâmbia, Nuno, Pongo, Serra Leoa, etc .. Em alguns
deles chegaram a constituir
núcleos importantes. Com a transferência dêstes pontos para França e
Inglaterra, os antigos grumetes passaram
a fazer parte da população
assimilada dessas colónias, onde ainda hoje se encontram algumas famílias com apelidos portugueses,
mais ou menos deturpados.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 125-127
INÁCIO DE FRANCA BARBOSA Governador de Cabo Verde e da
Guiné
JOÃO GONÇALVES DE OLIVEIRA é nomeado capitão-mor de Cacheu em 1685 mas foi deposto.
JOÃO PEREIRA CARVALHO, Natural do Reino, cavaleiro da Ordem de
Cristo. Embarcou, em 1685, voluntariamente do Reino para a ilha de Santiago.
"Por ser pessoa nobre e de valor" foi nomeado pelo capitão-mor da praça de Cacheu. António Barros
Bezerra é nomeado no posto de alferes-tenente dessa praça.
GASPAR DA FONSECA PACHECO capitão-mor de Cacheu até 1686.
1685/01/25
CARTA DE
EL-REI D. PEDRO II AO PROVEDOR DE CABO VERDE (25-1-1685)
SUMÁRJO
- O Prioste da Sé de Cabo Verde
pretende receber 60. 000 réis pela celebração das missas por alma do Infante
D. Henrique, e el-rei manda que se lhe paguem dos desspachos de Cacheu.
J>rouedor
da minha fazenda das Ilhas de Cabo Verde, eu El Rey uos emuio muito saudar. Por
parte do Conego Pascoal Pereira de
Mattos, Prioste do Cabbido da See dessa Ilha, se me reprezentou aquy
dizersse huã missa cotidiana na dita See pella alma do infante Dom Hennique,
com esmola de sessenta mil reis cada anno, e que por se faltar a este
pagamento, mandara por Proissaõ minha que ene se fizesse, preferindo aos mais
filhos da folha, a que se naõ dera comprimento, sem embargo dos muitos
requerimentos que se fizeraõ. //
Pedindome
lhe conçedesse que se lhe pagassem os ditos sessenta mil réis nos despachos de
Cacheu ou nos quartos e uintena das Ilhas de Barlauento. E pareceume ordenamos,
como por esta faço, deis a execuçaõ promptamente a Prouisaõ que se aJega. //
Escrita
a 25 de Janeiro de 1685.
Rey
AHU - Cód. 489. fl. 43v.
1685/02/28
CERTIFICADO
DE D. FREI MANUEL PEREIRA A FREI ANTÓNIO DE TRUJJLLO(28-2-1685)
SUMÁRIO-
Sua Magestade nomeuou Prefeito da
Serra leoa e Rios de Cacheu, a Fr. António de Trujillo, e deram-lhe
religiosos portugueses e franciscanos para pregarem o Evangelho. - Partindo
para a sua missão houve-se com tanto fruto que satisfez Sua Magestade.
«Habiendo
venido a este reino de Portugal el R. P. FR.
ANTONIO DE TRUJILLO, Capuchino, de nación castellano, ]e nombró Su
Majestad, que Dios guarde, por Prefecto de la misión de Sierra Leona y ríos de
Cacheo y se le encargó por servicio de Dios y conversión de las almas de
aquellas conquistas y, aplicando todos los 1nedios que le parecieron más
eficaces para tan santo ministerio, se le dieron companeros portugueses,
Religiosos de San Francisco, que sirviesen de operarios para la predicación
evangélica. Y partiendo de esta corte para su rnisión, se hubo en ella con tan
ardiente ceio e incon1parable piedade hizo tan gran fruto en aquel las
cristiandades, que Su Majestad se dió por bien servido de é], y así me mandó lo
declarase por esta certificación, y que quedaba con grande edificación de su
ejemplo.
En
Lisboa, a 28 de febrero de 1685.
EI Obispo Fr. Manuel
Pereyra, Secretario de Estado.»
Resposta do Núncio
Marcellus Duratius, Dei et Apostolicae Sedis
gratia Archiepiscopus Calcedonensis ac in Portugaliae et Algarviorum regnis
atque dominiis cum potestate Legati de latere Nuntius: Universis notum facimus
et attestamus
suprascriptam suscriptionem factam esse manu propria Illustrissimi Domini FRATRIS EMMANUELIS PEREYRA,
Episcopiolim Sancti Sebastiani fluvii Januarii, num a Secretis Status
serenissimorum dominiorum regnorum regis, quia ejus manum optime notam habemus.
ln quorum fidem praesentes datae sunt Ulissiponae, die 28 Martii anni 1685.
MarcelJus Archiepiscopus Calcedonensis Nuntius Apostolicus. De mandato
lllustrissimi Domini, Sebastianus Madrutius,
Secretarius.
Loco sigilli t.
1685/06/20
CARTA DOS PADRES MISSIONÁRIOS DE BISSAU A MONSENHOR MARCELO
DURAZZO
(20-6-1685)
SUMARIO-
Aguardam missionários na Guiné, onde Jrabalham na converrão das almas, e
ordens da Sagrada Congregação, para se não extinguir aquela missão.
lllustrissimo
Senhor
Pomos
sobre nossas cabeças a orden e preçeito de V. Senhoria, come filhos da Santa
Romana Jgreja, de cuia Padre tem V.S.ª as ueçes nestes Reynos: e como dezejozos
de todo o que for seruiço de Sua Magestade que Deos guarde, e de mor ben das
almas, e propagação da Santa Fé Catolica, por tanto ficamos nestas partes
aguardando as ordens da Sagrada Congregaçaõ, trabaJhando no interim na saluaçaõ
destas pobres almas, o que nossas forças alcançam, tendo maõ pera que se naõ
acabe de extinguir esta Missaõ, perdendose con isso as esperanças do remedio de
tan perdida christiandade, e da conuersaõ da gentilidade, aguardan obreros para
esta incu1ta vinha. O Sr. Que hé o principal Operario nos los mande, que faran
muito fruto, e leben mutas almas a Deos, que guarde a V.S. mutos annos en sua
diuina graça.Visao, Costa de Guinea.
B.I.P.
de V.S.
Seus
humildes filhos
Fr.
Francisco da Mota
F.
Bonauentura de Maluenda
F.
Angel de Fuente la Peria
Monsignor
Durazzo, Nuncio Apostolico - Lisboa.
APF - SRC, Africa,
vol. II, fl. 26.
1685/06/27
Um treslado dado na
Câmara da Ribeira Grande em 27 de Junho de 1685 de um documento de 30 de Abril
anterior, fundamental pois resulta duma posição da Câmara e do Senado, é assinado, entre outros, por Francisco de
Lemos Coelho, André Álvares de Almada (possivelmente um neto do autor do Tratado),
Joseph Coelho de Pedrosa (de novo, o primo de Lemos Coelho que tinha sido seu
sócio na costa), em que o último aparece como juíz, entre outros “cidadoins
e nobreza” da Ribeira Grande e ilha de Santiago (1). Ou seja: Lemos Coelho e a
sua família ocupando o topo da elite política santiaguense. Seria assim muito
próximo deste, o ponto de chegada do seu percurso na época da escrita da segunda
versão da Descrição. Um homem que ao prestígio que granjeara na
sociedade e, possivelmente, riqueza acabou por juntar o peso político. O seu
ponto máximo atingirá, pelo menos em 1693, com o cargo de juiz ordinário da
Câmara da Ribeira Grande (2).
O conteúdo daquele
documento assinado por Lemos Coelho é paradigmático: um conflito entre a
jurisdição do Provedor da Fazenda Régia e os cidadãos da Ribeira Grande. O
primeiro não reconhecia os privilégios dos moradores de Santiago em armar com
“frutos” da ilha nas partes de Guiné, exigindo tributo sobre os produtos a
exportar e obrigando esse comércio a uma licença por ele passada. É o mesmo elo
com a “Guiné de Cabo Verde” que está em causa.
(1) AHU, Cabo
Verde, caixa 7, doc. 49. Santiago, 30 de Abril de 1685.
(2) É nessa qualidade que o
“Capitão Francisco Lemos Coelho” assina uma carta da Câmara da Ribeira Grande
ao rei, em 8 de Agosto de 1693: Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde,
Secretaria Geral do Governo/004/A1r
1685/07/22
CARTA DO
PADRE ANTÓNIO MOREIRA SOBRE MISSIONÁRIOS ESTRANGEIROS (22-7-1685)
SUMÁRlO
- Manifesta-se contra os missionários
estrangeiros na Guiné, que nem servem a Deus convenientemente, por causa da língua, nem são convenientes pelos contactos permanentes com
ingleses,franceses e espanhóis que lá vão traficar.
Senhor
Pellas
obrigasoins que me ocorrem de V. Magestade me hauer feito mercê mandarme desse
Reino para estas partes, a cuia ordem estou
de prezente assistindo por parocho de Cacheo e Ouuidor da uara da Costa da
Guiné, e insitado de minha obrigaçaõ, fasso patente a V. Magestade o pouco que me parece ser conuiniente a ser
Real seruiço Missionarios estrangeiros nesta Costa, por alguns
inconuenientes, que a experiensia tem mostrado, e no seruiço de Deos, que hé o
principal intento conque deuem uir os ditos Padres e V. Magestade os manda, e
premite. //
Pois
no discursso de trinta annos, que dizem habitam nesta Costa, não tenho achado noticaas de conuersão que
fizessem nos gentios, fazendo eu as diligencias para o saber. Não creio
será sua falta, pois Refegiosos tam refonnados não poderão faltar ao que lhes
incumbe, mas por não ser nestas partes a
sua lingoa tam bem ouuida, como hé a portugueza. //
E dos inconuenientes que resultam ao Real
seruiço de V. Magestade me consta que no
porto de Bisao, distante desta prassa trinta legoas, aonde assistem os ditos
Relegiozos, estam entrando muitos nauios inglezes, franceses e espanhois, e
carregam de escrauos, sem fazerem cazo dos direitos que se deuem a V.
Magestade. E os Relegiozos que asistem,
em nada lhes são impedimento. Mas
antes não sei se diga que lhes aiudam, o que não fora se foram Relegiozos
portuguezes, pois na era de outenta e hum,
hum Relegiozo da Prouincia da Soledade, dos que estam neste hospiçio de Cacheo,
por ordem de V. Magestade, chamado Frei Antonio
do Becco, e achandosse nesse tempo em Bisao a tratar daquelJas almas, como
fazem nas mais partes destes Rios onde podem chegar; e achandosse como digo o
dito Relegiozo em Bisao, fes que o Rei não consentisse que hum ingles chamado João Bucar, fizesse caza
como queria de contrato em Bisao, e vindo no mesmo tem hum nses, ozao e·la
Fonte, tambem fes com o Rei que lhe não desse praticos para os Biiagos, Ilhas
uezinhas, donde se tira a maior parte dos escrauos, e ao prezente o dito
franses está com caza de contrato em Bisao, em grande preiuizo de V. Magestade
e deste pouo.
E
por me constar dos rois que tiue do Relegiozo da Soledade no tocante ao seruiço
de Deos, considero a maior utilidade, de que são os nossos portuguezes para o
seruiço de Deos e de Vossa Magestade, sobre o que eu tinha feito auizo a esse
Reino, e ao meu Prelado a Cabo Verde, e por ser morto fasso esta a V.
Magestade. E no particular desta prassa deue fazello o Capitão Mor Antonio de Barros Bezerra
Posto
que sobre esta materia de irem missionarios estrangeiros ás nossas conquistas
ouui sempre faltar, não sei nem tenho noticia das ordens que há sobre ella, e
bem creo que se os pudesse hauer da nossa mesma nação seriam os mais
conuenientes assim para o spiritual como para o temporal. Tambem não sei se há alguã licença para os estrangeiros assentarem caza
decontracto nas conquistas, se seria muito bom que se lhes prohibisse, porque
hé total ruína e destroição dellas.
Guarde
Deos a Real pessoa de V. Magestade como lhe pesso. //
Cacheo,
em Guiné, em 22 de Julho de 1685.
Mínimo
Vassallo e Orador de V. Magestade
O
pe_ Antonio Moreira
IA' margem!: Haja
vista o Procurador da Corte.
(Três
rubricas)
Lisboa,
26 de Setembro de 1686.
(Rubrica
do Procurador da Coroa)
/Parecer
autógrafo!: Ao
Conselho parece que V. Magestade deue ser seruido mandar ao Prouincial dos
Capuchos da SoJedade queira mandar os seus Relegiozos ao Reino de Bisau: para
que na sua asistencia se logre não só o seruisso de Deos, na cõuersão daquele
gentio, mas taõbem que se euite o não
continuarem as nações estrangeiras [a ir] áquelle porto, ensinuando-selhes o
grande preiuizo que disto se haja de seguir; e ao P.e Antonio Moreira se
deue escrever que seuiu a sua carta e pede a S. Magestade e que S. Magestade
fica tratando dos meyos para se prohibirem os dannos que elle reprezenta.
De
28 de setembro de 686.
(Três
rubricas)
AHU
- Guiné, cx. 3. - Original nº. 8
1686
Levantamento
popular em Cacheu contra o seu
capitão-mor JOSÉ GONÇALVES DE OLIVEIRA
«Em 1686
houve um levantamento do povo de Cacheu contra o capitão-mór, José Gonçalves de
Oliveira, prendendo-o e desterrando-o
para Farim, pelo motivo de excessos commettidos.
Foi
nomeado então Antonio de Barros
Bezerra (2º mandato) para tratar de compor a sedição, prender os
criminosos, fazer a occupação, ficando Cacheu independente de Cabo Verde
emquanto os animos dos alevantados não socegassem. O novo capitã-mór, Bezerra, mandou levantar um auto pelo juiz
ordinario, do qual se provou terem sido auctores d'essa prisão uma tal Biblana Vaz, ricassa de Gacheu, e que
vivia no chão do gentio; e seu irmão Antonio
Vaz e sobrinho Francisco Vaz,
que andavam indispostos com o capitão-mór por este não consentir que
negociassem com inglezes e mais estrangeiros.
Ordenou-se
ao novo governador de Cabo Verde, Verissimo
de Carvalho, estando este para seguir viagem, que passasse ã Guiné e
sequestrasse os bens d'aquelles criminosos.
Em 10 de
fevereiro de 1687 partiu elle de Lisboa; depois de chegar a S. Thiago oonservou-se a bordo
alguns dias, sem tomar posse, e d'alli foi para Cacheu, onde prendeu a Bibiana
Vaz e seu sobrinho, deixando de executar a prisão de seu irmão por este se ter
refugiado no rio de Gambia. Não poude fazer sequestro algum, visto que a
fortuna da Bibiana estava nas terras do gentio.
Ao cabo
de quarenta e quatro dias regressou a S. Thiago, trazendo os dois criminosos
presos, e tomou então posse do governo.
Durante a permanencla em Cacheu occupou-se da prohibiçlo do
commercio com os estrangeiros e da fortaleza de Bolor.»
Subsídios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Sena Barcellos, parte II, pgs. 84-85, Lisboa, 1900
1686/03/05
Nomeação de VERÍSSIMO DE CARVALHO no cargo de capitão e governador-geral de
Cabo Verde. Tomou posse a 20 de Maio do ano seguinte.
«Veríssimo
Carvalho da Costa - nomeado em 5 de Março de 1686. Esteve primeiro
em Cacheu, onde prendeu os chefes da revolta Bebiana Vaz, tendo chegado a Cabo Verde no mês de Maio. Apesar de
doente e hemiplégico, trabalhou incansàvlmente na organização
da defesa de Sant'Iago durante 10 meses, no fim dos
quais por conselhos do cirurgião visto não haver
na ilha medico nem medicamentos, regressou a Lisboa em 24 de
1688, fazendo entrega do govêrno ao bispo. A sua isenção e
honestidade foram postas em relêvo nas informações do bispo e do ouvidor
para justificar o abandono do lugar por doença antes de
terminar a comissão. Não se livrou, porém, de ser
preso em Lisboa por ordem de D. Pedro II. Num inquérito
feito pelo ouvidor Delgarte da Costa chegou-se ã conclusão,
por
consenso
unânime, de que tinha sido o melhor governador desembarcado
por aqueles tempos.» João Barreto
« Em seguida à posse visitou as fortalezas, presidios e
baluartes, encontrando todo na maior roina. Havia elle chegado da Guiné
bastante doenie com diarrkea, ramo de estupor e com um accidente
apopletico, de que ficou paralytico do lado esquerdo, mas nem por isso
deixou de usar de uma grande actividade, reedificando as fortalezas, cavalgando
a artilberia, renovando e comstruindo quarteis para a infanteria e cavallarla,
armazens para munições e uma casa forte para prisão. Duraram estes trabalhos
dez mezes, findos os quaes por conselhos do cirurgião, visto não haver na ilha nem
medico, nem medicamentos, teve que regressar a Lisboa, entregando o governo ao
bispo em 24 de abril de 1688.
Demais
sabia este governador que incorria n'uma falta gravíssima, abandonando o
governo sem permissão régia; porém o bispo e o ouvidor, desejando minorar-lhe a
gravidade d'ella, informaram a El-rei que fora este o governador que maior zelo mostrara no serviço, sempre desinteressado e bemquisto do
povo; na administração da justiça e conservação da paz entre os
naturaes tinha sido o unico; que perseguira com energia os corsarios que
infestavam aquelles mares; que nunca fizera contractos por desprezar
interesses proprios; que sendo-lhe offerecidos cem negros em Cacheu, para não
trazer presa Bibiana Vaz para S. Thiago, repellira com energia uma tal offerta;
e que elle tinha sido muito cauteloso n'essa prisão, para a qual ordenara
ao capitão-mór Barros Bezerra que
lhe cercasse a tabanca onde ella habitava com sua familia e escravos, e onde
tinha os haveres, porém que o capilão-mór a deixara fugir com a familia, e com
o que possuia, para o gentio. Esta Bibiana
Vaz havia deitado fogo ás casas da Companhia, retirando-se em seguida para
o gentio de Moupatas, vindo á Praça amiudadas vezes, porque se julgava pelo seu
poderio livre da acção da justiça.
Effeetivamente Barros Bezerra, em vez de a perseguir,
empenhava-se por ella, e assim succedeu que ao cabo de sete dias de estada do
governador em Cacheu, sendo presa, diligenciou o referido capitão-mór que a
soltassem, apresentando muitos papeis e certidões ecclesiasticas. Aos rogos
d'elle não atendeu o governador. Em todos os tempos os ricos e poderosos
subornaram as autoridades que por qualquer meio queriam enriquecer.
Apesar de todos os elogios de que era crédor este benemerito,
Elrei ordenou em 27 agosto de 1688 que fosse preso e da prisão se livrasse do
crime de haver deixado o seu governo sem lhe ser levantada a homenagem.
El-rei deixou de seguir o parecer do conselho ultramarino,
que, embora reconhecesse o erro do governador, era de opinião que se suspendesse
qualquer averiguação contra elle, atendendo ao seu estado, e ainda foi mais além do voto em separado do Dr. Bento Teixeira de Saldanha, o qual opinava que
o corregedor do crime lhe formasse culpa pelo ruim exemplo que seguia, mas
não fosse preso.»
- Subsídios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Snna Barcellos, parte II, pgs. 82-84, Lisboa, 1900
1686/03/30
CARTA DE
INÁCIO BARBOSA A SUA MAJESTADE EL-REI
(30-3-1686)
SUMÁRIO
- Chegada de Barros Bezerra à ilha de
Santiago. - Partida para a praça de Cacheu numa sumaca que lhe
emprestou. - Acção de piratas ingleses.
Senhor
Dou
conta a V. Magestade em como depois de auer cheguado ANTONIO DE BARROS BEZERRA a esta Jlha, que foi em 11 de abril do anno
paçado, partio della pera a praça de Cacheo em 24 de mayo do dito anno com
os dois pataxos e gente que trouxe de sua comserua, e çem soldados mais que lhe fiz com muita breuidade, comforme as
riais ordens de V. Magestade, e pera que mais comodamente pudesse leuar a gente
á sua vontade, lhe mandei dar hOa sumaqua a seu pedimento, que neste porto se
achaua da Ilha do Faial, conseguindo a sua viagem com bom suceço, de que foi
reçebido na dita praça çem comtradiçaõ alguã; della me remeteo em 21 de agosto prezos MANUEL DE ANDRADE, ANBROSIO VAS
e o feitor MANUEL DE SOUZA DE MENDONÇA, pera o remeter ao Reino prezo como
o faço, entregue ao mestre IGNAÇIO
GUOMES LOPES pera dar conta delle, e os dois retiueçe aqui athé ordem de V.
Magestade; por asim o auer mandado ordenar, e de naõ ter dado esta conta a V.
Magestade foi a falta de naõ se oferecer embarcação pera o Reino, em rezaõ da
que veio de Guiné trazer toda a gente doente e outra que lhe morreo, com que se
naõ achaua com mais de coatro homens, ficando emcapax de poder nauegar a nenhuã
parte, e nesta se ofereçeo tambem tomarem os piratas na Ilha da Boa Vista a
carauela da carreira e a queimaraõ, lançando a gente della na mesma Ilha, de
que se tem yá recolhido a esta alguã della; os ditos piratas que aqui andaõ costiando estas Ilhas saõ dois nauios
piquenos e huã sumaqua que dizem serem
ingrezes compostos de uarias naçoins e a nenhuã guoardaõ respeito,
porquanto na ilha do Mayo também tomarão hum nauio ingres e o queimaraõ
lançando a gente delle na dita llha; asim que as embarcaçoins que pera estas
partes vierem será nesseçario mandatas advirtir pera que venhaõ com a
uigilançia que comvern, a respeito destes inimiguos. //
Deus
guarde a rial peçoa de V. Magestade como este Reino há mister. li
11ha
de Cabo Verde, 30 de março de 1686 annos.
a)
lnacyo de Franca Barboza
AHU - Cabo Verde, cx.
7, doc. 48.
1686/04/14
RELAÇÃO
DE FREI FRANCISCO DE LA MOTA A SUA MAJESTADE EL-REI (14-4-1686)
SUMÁRIO-
Informe y Relaçion que Fr. Francisco ile la Mola, Viçeprefecto de la Mision
de Religiosos Capuchinos de las Costas de Guinea y sus compañeros haçen a Su
Magestad que Dios guarde, el Seifor Rey de Portugal, dei modo com que los negros de dichas Costas y Rios se compran y son
reducidos a cautiverio.
Digo
yo, Fr. Françisco de la Mota, predicador capuchino y viçeprefecto de la Missión
de Sierra Leona, Cacheo, y costas de Guinea, por nombramiento dei M.R.P. Fr.
Antonio de Truxillo, prefecto de dicha missión por la S. Congregacion de Fide
Propaganda, y por nombramiento de Su Magestad que Dios guarde el Sefior Rey de
Portugal, que auiendo examinado con todo
cuidado y diligencia el modo que comümente se tiene en reduçir a cautiuerio los
esclauos que se venden en estas costas, desde el rio de Gambea en cabo Verde,
asta el cabo y rio de Sierra Leona y Magrabomba, por espaçio de çerca de ocho
años, que há que aportamos a ellas, a la conuersion de los gentiles y
reformaçion de los christianos en que nos hemos exerçitado, informandonos, ia de los mesmos mercaderes, ya de los
christianos criollos de esta tierra, que son los que mas entran a comprarlos y
siruen de interpretes, ya de los mesmos esclauos, que con sinçeridad cuentan
sus cautiuerios, no para defender su libertad, que no piensan ser injusta (por
ser cosa tan usada la injusta su captura - a amos, por dichos informes y
por largas experiençias, que el dicho contrato y compras de negros es illiçito,
pecaminoso e injusto, segun en todas las dichas partes se exerçita. Porque los mas, y aun casi todos, son injusta e tyranicamente reduçidos a cautiueiro,
como constará dei informe y relacion que haré adelante; y ningun examen se
haçe, ni se puede haçer, de lajustiçia de dichos cautiuerios quando los
compran, aun que consta que son 1nuy raros los gue com justo titulo se
cautiuan. Por lo qual no hallamos derecho, titulo ni raçon alguna que pueda
escusar dicho contrato de in justo y claramente illiçito, antes muchas que
obligen a prohibirlo y a restituir a su libertad a todos los esclauos gue en
estas partes han sido comprados, excepto alguno (que será bien raro) de quien
se pueda adquirir moral certidumbre de que fue con justo titulo reduçido a
cautiuerio.
Mas
porque en negoçio tan graue,
principahnente auiendo se permitido dicho comercio por tantos anos por reyes
tan piadosos y catolicos, como los de Portugal, y por tan zelosos prelados,
como los sefiores obispos de Cabo Verde, podemos y debemos piedosamente
presumir que ha hauido para ello algunos títulos o raçones, que nos otros no
podamos alcançar. Aun que nos pareçe claro ser injusto dicho contrato, no
queremos dar, nique valga absolutamente nuestra sentença, sino que la materia
se proponga, y consulten los SS. Del Consejo de la Mesa de Conçiençia y otros
doctores, que tendran mas notiçias dei derecho con que dicho contrato se ha
exerçitado asta aora, y si lea, para que en adelante se pueda liçitamente
ejerçitar. Para lo qual, y porque no siendo veridicos los prinçipios y
fundamentos (auiendose deconformar con ellos la resoluçion) no podrá asegurar
nos la conçiencia, aun que salga en fabor de dicho contrato - hacemos el pressente
informe y relacion verídica, quanto en conçíencia y segun Dios moralmente hemos
podido alcançar dei hecho del dicho comércio, firmado de nuestros nombres, y
esto como cosa publicamente sabida y conoçida, y de los rnesmos rnercaderes
ingenuamente confesada, maxime antes que lo començasemos a impugnar, que
agora ya procuran paliarlo y ocultarnos lo quanto pueden, si bien no pueden
hallar ropa bastante para cobrir tan descubierta ni verdade de tanto tomo. Y
aun que todos lo conoçen assi, no sabemos, aun que lo soliçitamos, si abrá
algunos que desnudandose del humano interes (afin de asegurar sus conçiençias)
querran firmar este papel, para que la confession de los mesmos interesados
le de mas fuerza y autoridad. Pero sino lo hiçieren los interesados en el
comercio, diremos nos otros Hana y desinteressadamente la verdad.
Relaçion del echo de
los cautiuerios de la costa de Guinea
Começando
por el cabo de Sierra Leona, donde primero aportamos, en cuia comarca estan a
la parte del sur de dicho cabo el rio de Magrabonba, habitado de Zapes Manes.
En el mesmo cabo el rio de su nombre, llamado por dicho cabo de Sierra Leona,
habitado de Zapes Bagas, Bolumos y Logos. Mas arriba costa al norte está el rio
de Caçeres, habitado tanbien de Bagas y Volumos (1), donde vanlos nauios de
Cacheo ai trato de la cola. Mas ai norte, el rio Samos, el de Tafalis y Ponga,
todos habitados de Bagas, Sosos y otras naçiones. En todos estos rios
asistieron religiosos de nuestra mission. Y en ellos se compran muchos negros y
marfil, y todo va a parar a los Ingleses, que estan en el de Sierra Leona. El
modo de cautiuar los negros es comummente en tres maneras en todos dichos rios.
1
- La primera es, y la que tiene mas aparençia de justiçia, quando os cautiuan
por alguno delito que ellos llaman chai. Y
esta palabra es criolla y comun en toda la costa, y a mi parecer segun la
deriuaçion que veo haçer a los criollos, para su lengua, de la portuguesa, dicha palaura se deriua de achaque.
Y diçiendo ellos tienne chai para haçerle esclauo, es deçir
comunmente hablando, que le achacan algun delito (o por leue, o por aparente) o
que vuscan algun achaque o armadilla para que la tyrania e injustiçia con que
le cautiuan no sea tan a cara descubierta (2). Puesta esta digresion para mayor
inteligencia de lo que si sigue y pasa en toda esta costa, los que por este
-titulo cautian son pocos, respeto de los que cautiuan con descubierta tyrania.
Y el modo de aueriguar los tales chai sse
conforma con el nombre assi explicado, por ser por medio de embustes y
superstiçiones y por odio. Comunmente es desta manera: si alguna honza mata
alguna persona, diçen que agun echiçero se entró en la onza para matarlo; y si
muere por enfermedad, que echiçero lo comio, que es ·frase suya; y, finalmente
no piensan que muere nadie por otro camino sino que sea por vejez. El modo de
averiguar este chai y quien es
el malechor (segun me refirió una persona muy practica en dichos rios, y es voz
comun.y cosa sabida) es comunmente de esta manera: Mandan juntar todas las
personas de quien, sin fundamento, sospechan, y puestas en rueda, víene un
embustero, o adiuino, haçe sus suertes, y despues de muchas estas en rueda,
viene un embustero, o adiuino, haçesus suertes, y despues de muchas ceremonias
cabe a suerte a quien el quiere; porque al tal, o el,. o el que le llamó, le
quieren mal. Con eso comiença el pobre_ a clamar diçiendo "seftor, no me mateis, vendedme por
àguardiente". Si ay ocasion lo
venden, y si no lo matan. Y en este genero de aueriguaçiones son
comprendidos muchos cristianos de aquellas partes, espeçialmente perdiendose
les alguna cosa. Otras veçes usan de
darles a veber veneno en prueba de su inoçencia (3), que es largo de
referir este titulo aun que en los que los venden es tan claramente injusto.
De
parte de los cristianos que los compran pudiera hallarse alguna probabilidad
que lo escusase de illiçito, por las raçones que, contra otros, Sanchez, Cons. Mor. 1.1,
cap .. 1, dub 4, n. 1) esto es que si no se lo compran lo han
de matar (4). Pero son muy pocos, assi en estos rios como en los que diré
adelante, los que assi se venden, respecto de los muchos que con otros modos en
que no corre dicha raçon se cautiuan y venden, como se verâ por esta relaçion.
2
- El segundo modo de cautiuerios que ay en dichos rios es los niños que venden
los Limbas. A cuia tierra legando algun tongoma (5)
a haçer negoçio, tienen este estilo, segun estoy informado: si alguna mujer quiere vender algun su
hijo, llega a su veçina y diçele gue vaya a venderle su hijo por contas o
abalorios, que si ella tiene algun que vender, ella se le venderá
reciprocamente. Y de este modo se venden en dichos rios muchos niños
salidos assi de dichos Limby no es creible que los vendan las tales madres
con suficiente neçessiclad, porque de ordinario las cosas que reçiben de los
blancos nos les siruen para el sustento, sino o para adorno en la vida o para
ostentaçion en la muerte, que la haçen de que se conozca que tenia cosas de
blanco, y lo sacan todo a plaça el dia dei enterramiento, como por experiençia
vemosen esta isla de Visao; ni ellos haçen dichas ventas por titulo de
necessidad, sino por costumbre.
3
- El tercero modo es que ay una casta de
gente la tierra adentro de estos rios, que corre la costa toda de Guinea la
tierra adentro, llamados Fullos, cuio ofiçio y exerciçio es de salteadores, y
no ay otro diflero que rrobar en dichos rios sino negros. Llegan se a tempos a
las tierras mas çercanas a la costa qel mar, haçen sus em buscadas y salen al
camino a los pasajeros y entran en las
aldeas; y quando mas descuidados estan, amarran quantos pueden auer, robandoles
la libertad. Y destos es gran numero el que se vende en dichos rios, y la
mayor parte, asy en los dichos, como en los demas de Guinea, donde ay muchas
naçiones que tienen el exerçiçio de -los Fulos, como se uerá en adelante.
4
- Mas al norte, corriendo la costa, está el rio Nuno, donde no ha estado
religioso, con el qual confinan la tierra adendro los Fulos arriba referidos,
los Bagas y otras naçiones. El trato priçipal de este rio es de tintas y
marfit; de uno y otro ay gran cantidad. Compranse tambien algunos negros, que,
sin duda, o seran de los que hurtan los Fulos o de los que los Vagas cautiuan
por los chais que arriba tengo referido, pues son de la mesma naçion que
los de Sierra Leona.
5
- A
pocas leguas, costa. ai norte, estan las islas llamadas de los Visogoes (6),
veçinas a esta de Visao, en que ai pressente habitamos. De las quales, por el
continuo comerçio que ay en ellas, siendo este el paso de las embarcaçiones que
de Cacheo, Farin y Yeba, y desta poblaçion van allá, tenemos muy expresas
y averiguadas notiçias. En dichas islas es el pondus del contrato de los
esclauos, donde non ay otro y de donde sale la mayor parte de esclavos que van
a Cabo Verde y se compran en estos contornos, y adonde van todos los afios las
mas de las embarcaçiones de estas partes a solo comprar esclauos.
6
- El modo de auer dichos esclauos los
negros que los venden, es comunmente en tres maneras. El primero y que tíene
mas cara la justiçia, es quando los cautiuan por algun delito o châi, cuia
sustançia y aberiguacion es muy pareçida a la que referi en el numero primero,
porque la sustançia es, o por hurtar alguna frutilla, o alguna espiga de millo,
o por algun delito fingido en la ideia dei qual quiere mil a otro y puede mas
que el, o si alguno ay de mas sustançia allegase ser la aueriguaçion o
insufiçiente o superstiçiosa, para cuia comprobacion referiré dos casos y el
modo de aueriguacion /que/ an de estas islas, como tambien de la de Visau en
que habitamos.//
Referionos
una esclaua su cautiuerio, e fue assi: Casose
una hermana suia, y el marido gastó una baca en el conbite de la boda; a
pocos dias huiosele la muger, por lo que el
tal marido amarró a la hermana con dos hijos que tenia y los vendió, por
resarçir el gasto de la baca. Otra rifirió que, siendo casada, la entró un
negro a violar en su casa ella dió voçes para defenderse, públicose el
delito, y el delinquente, por temor de
que le amarrasen, se ahorcó (que eso acostumbran escoger antes que ser
esclauos); entonçes los parientes dei ahorcado cautiuaron la muger que dió
voçes, por auer dado ocasion a la desgraçia. Y comunmente usan quando uno
está valido y poderoso y estã agrauiado de alguna persona, irle cautiuando sus
parientes, asta que muere; en muriendo este, quedan desvalidos sus parientes, y
dan los contrarios sobre ellos, en vengança de los que amarró el difunto, y
assi en adelante, andando continuamente amarrandose unos a otros, segun el
poder que cada . uno tiene. El modo de
aueriguar los châis, quando son de tomo, es juntarse Ia gente,
en corro o rueda, traen una gallina,
cortando la cabeça, ella va dando bueltas, y aquel junto de quien viene a parar
es el delinquente (7). Y ese modo usan tanbien en esta isla de Visao, sin
otros inodos comunmente superstiçiosos, que fuera largo de referir; y por el châi
de uno cautiuan todo su linaje.
7
- El segundo modo es que quando alguno muere entre ellos, un
pariente suyo hereda toda su familia, mugeres, hijos e esclauos, con derecho,
bien tuerto, para vender a todos por esclauos. Y lo haçen assi muy de
ordinario, por qualquier enojo que den al tio, o por no gostar de ellos, o por
ofrecersele ocasion de mercador que los compre. Y de este genero son rnuchos
mas los que venden que los dei género anteçedente de châi. Que cosa mas
barbara, injusta e inhumana? Y los que apunto·con esta sinal + nº 6 tanbien son
muchos, reduçense a los de châi fingido.
8
- El terçero genero que venden, que
es la mayor parte, assi en dichas islas como en todas estas costas, son a cara
descubierta hurtados, porque los dichos se precian de grandes guerreros y
amarradores, y se tiene por mas grande
entre ellos el que roba mas y amarra mas esclauos. Y assi salen de
ordinario, como los Fulos por tierra, estos por agua, a corso, /fl. 3/ inuocando primero suschinaso
idolos (que cada uno tras el suyo consigo, y son tan asquerosos, que no se
pueden mirar sin horror), amarrar a
quantos encuentran, ora sean estrangeros, ora de los suios, ora sus parientes
(que en dicha funçion, para todo leuan liçenza), como los puedan vençer, sin
mas causa ni rançon.//
Rifiriome
una tongoma llamada MARIA SUAREZ
veçina desta poblaçion de Visao, auiendola cautiuado co arcaçion y gente os
dichos Vijogoes, pasando el ai rio Grande, que preguntó a los tales que porque
los cautiuauan, sin haçerles mal. A que respondieron:si te vemos con dinero
y que no traes armas, por eso te cautiuamos. Que barbara sinceridad! Y assi lo
usar de ordinario, y de este género son la mayor parte de esclauos que in
dichas islas se venden; y esto llaman ellos irá guerra. Y tales son las que por
toda esta costa se ·usan, porque qualquiera
pelea de una muger con otra, de palabra, llaman guerra. Los tales cautiuos
que assi amarran, o los vendeu a los
mercaderes, si allan ocasion, o los truecan .por bacas a los mas poderosos de
sus tierras, y que mas de ordinario los venden a los nauios. Por eso venden
estos muchos esclauos que han comprado por bacas, pero son avidos comunmente
del modo referido. Y de este terçer genero es la mayor parte que se venden,
como ya dixe. Y estos, como les cuestan mas trabaxo, los venden mejor. Dixome un tangoma, preguntandole yo,
si auia comprado alguno esclauo de los que hurtan en dichas guerras. Y me
respondió: donde tengo yo baca, para comprar esclauo de guerra? (8)
9 - Mas el rio arriba destas islas estan los Biafares, en tierra firme (rio Grande).
Son muchos, no tan ladrones como los anteçedentes. Compranse entre ellos no muchos negros,
porque no hurtan tantos. Ellos siembran poco, porque su comun exerçicio es
ocuparse enjuiçios, tratando de aberiguar châis y modos y traças de
cautiuar y vender. Y especialmente ay
entre ellos un rey muy poderoso y gran tyrano, que llaman dei Cabo. Es tan
inhunano y cruel, que acostumbra por antojo haçer abrir las mugeres prefladas,
solo por ver como está la creatura en su ventre; y suele com mayor crue1dad
poner un nifto en un pilon o mortero y hacerlo pilar o machaçar en pressença de
su madre; y acostumbra matar a quien quiere. Con que justiçia cautiuara el gran
numero de esclauos que tiene, que vende y de que haçe liberal grandes presentes
a los cristianos? Apenas va alguno a visitarle, a quien no presente aJguno,y le
visitan mucho poresa raçon; a uno embia 20 esclauos de pressente. Quando va a guerra, o llamado de otros o
por su motiuo, ora sea justa ora injusta (que eu eso por acá no se repara) va
amarrando quantos puede por el camino,.haçiendo entradas en las aldeas
comarcanas: De mas a mas corren por estas partes la tierra adentro los
Fulos dei nº 3. Con que será menester, para hallar entre tantos esclavos eomo
salen de estas partes i para descubrir alguno que con justo titulo sea reduçido
a cautiuerio, haçer por muchos dias mui esquisitas dilencias. A lo menos, entre
todos los generos de amarraçones que en toda esta costa se haçen, no hemos
descubierto hasta aora uno que sea lirnpio y seguro en conçiencia entre tantos claramente
injustos (9). Mas ai norte está la isla de Visao, que es de catorçe e quinçe les de
trauesia. Está toda poblada, las casas unas a vista de otras, tiene nuebe
reyes, todos sujetos a uno, que es su mayor. En el sitio y puerto dei rey
grande ay poblaçion de asta 600 cristianos, blancos, esclauos y tongomas o
criollos, desçendientes de estos genti1es, com quien estan mezclados, que no es
poblaçion totalmente separada, ni los gentiles lo consienten.
Es tierra apta para muchos frutos. Aqui se
venden aJgunos esclauos. Acostumbran juntarse treinta o quarenta canoas de
guerra, cada una con treinta o qurenta hombres, y van a tiempos a corso, como
los Vijogoes, consultando primero el suçeso que tendran con una hechisera, llamada baloba (10).
Y los que amarran los traen a vender, y
los venden ordinariamente por bacas, que es para el1os el mejor dinero,
porque les cuestan mas trabajo, como dise de los Vijogoes nº 8. Otoso amarran
por chais, en que se nsau ordinarias injustiçias y annadillas, como
indica il nom bre, segun dixe nº 1. A mi me suçedió, viniendo de la tierra
adendro acompanado de os rapaçes, hijos de un jagra, que deseo conuertir a la fe con sus gentes,
que es aqui potentado, hallaren una tabaquera de humo en el camino entre unas
matas, muy a la vista, que bien indicaba fue puesta de proposito, y lebantandola
uno de los rapaçes, Je dixo elinterprete que io trai~
que era
bien ladino y pratico eu sus cosas: "no
lleues esa tabaquera, porque aquel negro que aora pasó la abrá dexado alli para
armarte châi y venderte por esclauo, y assi lo acostumbran a hacer".
II
De
esto se puede inferir como son sus châis, que no es capaz este papel de
referir mas. El modo de aueriguar el châi que es de alguna sustancia,
usan entre otros el de la gallina, como referi en los Vijogoes nº 8, y otros
superstiçiosos. Tambien acostumbran, quando muere un rey o un grande, matar
algunos esclauos segun la calidad de la persona para que le siouan en
el otro mundo, y de otros suelen rescatar algunos. Y aun que este genero de
cautiuerio tiene sus visos de probabilidad, para comparlos por esclauos (si
bien como los que los rescatan los toman para su serviçio, mas creo que deuen
rescatarlos y pagarse dei rescate en seruiçios ), segun referi de Sanch. nº l,
sucede que de muchos a muchos anos; quid hoc inter tantos? Y si algunos, per châi
mal aberiguado, en muchos de estos rios de Guinea, matan sino los compran,
eso es quando es por echiçero ordinariamente, de que
digo lo mesmo, que siendo menester estirar mucho Ia theologia, despues de darle
dicho tonnento son mui pocos. Y no pueden los mercadores annar una embarcacion
que auia de traer setenta esclauos, para ir a buscar uno, que assi bailaria, y
a riesgo de ninguno. Raros son per aqui los delitos graues, por dicho rigor; y
homiçidio de negro, no he oido referir alguno, saluo los que haçen con titulo
de justicia (11).
11 - Despues va corriendo esta costa haçia el
norte, hasta el rio de Cacheu, por espacio de 14 o 15 leguas. La qual se diuide
de esta isla de Visao con un pequeno braço de agua salada, por donde pasan
comunmente las embarcaçiones de estas costas. Está habitada dicha tierra firme
de Balantas y Falupos los guales acostumbran
embestir a las embarcaçiones que
pasan; y porque comunmente van con armas, solo haçen su echo quando las ven
encalladas (que es muy de ordinario, por los muchos vajos). Entonçes se conuocan,
ai son dei bonbolon, instrumento
que usan, vienen, las roban y comunmente
cautiuan a los pretos, y a los blancos: tos matan, de que hacen grande
ostentaçion, teniendose por gran
caballero y valiente el que mata blanco, y para eso illeuan su cabeça eu una lança. y hacen como triunfo y
algazara de la valentia. De tos cautiuos, los que antes eran /fl. 4/ esclauos
los venden a los hlancos, y los que eran libres los rescatan, mas se siruen de
ellos hasta que lhes pagen el rescate, y no entran en quenta los seruicios para
la paga, sino que despues de seruirle muchos afios, ai cabo le hade pagar, a
lo menos, lo quedió por el; no es sin interes el tal rescate (12).
12
- Luego se sigue el rio de Cacheo, poilado de Fulupos, Papeles y Bañunos. Tienen guerra o amarraçones àd inuiçen unos
contra otros, sin causa ninguna mas que robar mas el que pued. En su frase
qualquiera rifía y robo violento se llama guerra, con que los dichos son
latroçinios en nuestra frase española. Leganse tiúlbien a la poblaçion de
Cacheo, y quando las rapaçillas van por
agua a la fuente, que está de la poblaçion un tiro de escopeta, as amarran,
y otros assi. Y luego los vienen a
vender a Cacheo, en donde se
compran, sin quejarse dei latroçinio, porque si diçen gue el tal esclauo era
suyo, que se le han hurtado, luego forman agrauio y châi, de que le
han acomulado de ladron, y le amarran algun esclauo asta que paga el fingido chái.
Y en este caso los mercaderes haçen sus trampas, y suelen tener sus
injustos prouechos, quando uno compra el esclauo de otro y se le pide el
duef\o; de fingir de costó mas; pero lo que corre a cara descubierta es
darsselo por lo que le costó. No se balia donde poner el pie, que esté libre
del lazo de la injustiçia en el dicho trato, en toda esta costa. Finalmente,
assi en dicho rio como en todos los de estas costas de Guinea no hemos podido
descubrir algun género de cautiuerio en que se pueda asegurar la conçiencia, ni
le ha de descubrir el mas apasionado por defender dicho trato, saluo algun caso
muy particular de algun delito publico ynstruido o alguno que el mesmo
confiessa el delito (que será bien raro). Y de otro modo no es posible
aueriguarlo, como es publico y confesado de los mesmos mercadores; y si son
pocos (a un respeto de que por el delito de uno cautiuau toda su parentela),
que seran en comparaçion de la multitude que con la tirania se amarran y
coutiuan (13).
13 - Corriendo la costa, assi mismo açia el
norte, estan los rios de Gambia, Jame y
Zenaga, donde non han estado religiosos, poblados de variedad de gentes,
Jalofos; Mandingas y otros. En el de
Jame tienen gran contrato de çera los portugueses, que está mas imediato a
Cacheo, en donde asistieron religiosos portugueses de nuestra mission, de
quienes no tomé informe, porque se tornaran a Portugal y no tube ocasion. Creo
que si algun esclauo se vende, será y se puedereputar con los de Cacheo, que
todo está conjunto y es casi un comerçio. En
los rios de Gambia y Zenaga tienen faturia los franceses y ingleses, y
segun me informé de un frances que llegó aqui entre otros de aquella faturia,
hombre versado en la lengua latina y alguna cosa en mayores estudios, dicho
trato en aquellas partes aun pasa y exçede en injustiçia a los referidos (como
indica el paso que merefirió
). Sabendo que nos otros impugnamos dicho trato, quiso vuscar raçones de
defensa de parte de los mercadores, y le obligué a confessar que era claramente
injusto de parte de dichos mercadores. Porque, de parte de los negros que los
venden, confesaua ser los mas latroçinios; en confirmacion de lo qual caso que
me refirió y a el de paso fue assi: Llegó dicho frances a haçer negocio con un rey gentil, el qual
embió a amarrar una poblacion entera. Vinieron todos, y dixole ai mercader que
escogiese los que pareçiere; escogió unos y repudió otros, que no le eran a
proposito, los quales el rey mandó tornar libres a sus casas, y ellos dieron
muchas gracias al blanco porque no los quis conprar, y se foron muy
contentos. Esto alude a lo que escribe el P. e Sandobal, de la Compañia, en el
libro "Historia de Etiopia", donde dize que le referió un saçerdote
de Guinea, en las Indias, ninguno auia libre, porque los reyes tenian por
esclauos a todos sus subditos, como los señores en Europa tienen matos de ganado
para su riqueça y ganançia (14). Y deuió de hablar de dichas partes; pero quien
considerar lo que pasa en las mas referidas, verá que todo es uno, pues aun que
no siempre estan a cara descubierta, el rei cautiua a los que se le antoja no
siendo fidalgo o grande, el corsario a los que puede auer, el tio a sus
parientes y sobrinos; los padres a sus hijos, el poderoso a los dei vando de su
enemigo muerto o caido o desvalido, los ricos a los pobres, siendo todo una
mera injustiçia. Y lo que a veçes agraua
mas la materia, que los mercaderes, a las veçes, lleuando para ello mucho
aguardiente (que sin esto no ay negoçio) los emborrachan y los inçitan y
arguien de cobardes, si nos les venden negros, y de poco urbanos, y con eso ellos, picados de la vanidad y
dei aguardiente, ofreçen traer esclauos, y van a amarrar con algun barbara
titulo a los pnneros que encuentran, y muchas veçes quedan ellos en la
estacada, asi lo refieren comunmente, y otros inconuenientes que despues diré.
14- Esto es lo que en brebe he podido colegir
açerca de dicho contrato, de lo mucho que auia que deçir, para lo qual seria
menester un grande volumen; y todo publico y notorio, voz comun de chicos y
grandes, rudos y Jeydos, porque todos lo tocan y experimentan, y ninguno he
hallado que diga lo contrario. De Jo
dicho se colige claramente que no solo la mayor parte de esclauos que salen de
los rios referidos son injustamente reduçidos a cautiuerio, sino que si, de
çierto, se halla uno que sea bien auido, será mucho, y aun lo pongo en duda. Y
juntandose a lo dicho, el no haçerse examen de justiçia de dichos cautiuerios
quando se compran, y ser moralmente imposible el hacerlo (como todos uno y
otros confesan) confessando juntamente que si ubiese de contratar con dicho
examen, en caso que se pudiera hacer, cesaria de todo el trato, como ello se
dexa ver y apunte la raçon ai fin dei nº 10 - quien no ve ser mas claro que la luz dei dia, ser injusto y eontra
conçiençia dicho comercio de parte de los mercaderes, y aun de los que los
compran en Europa (15), si tienen moral çertidumbre de lo que por acá pasa?
Si no es que a mi la mucha claridad me quite la vista, o yo tenga el
entendimento tan aluçinado
que me parezcan luz las teniebras. Y porque de mi insufiçiençia lo puedo
presumir, escribo este informe, para que, si es illicito V. Magestad lo
prohiba, y se yo me aluçino me mande el desengafio, y de uno y otro modo se
aseguren las conçiençias de estos pobres y las nuestras.
15
- Añado a todo lo dicho los grauissimos inconuenientes que de dicho comercio se
siguen. El primero, es que los que compran dichos negros son ocasion de las
injustiçias de los que los amarran; que si no se les compraran, tomaran otro
ofiçio, en que ganaran de comer y dejaran el de furtar esclauos, pues ya no les
valian dinero, que es todo su anhelo y cuidado. Assi me refirió un
fidalgo de esta isla, que saliendo de aqui muchas canoas a corso, y afeandole
yo Ia materia, me respondió: "Padre,
bien coneçemos que eso es malo, mas vemos que los blancos todo su dinero
emplean en buscar esclauos, que parece no vuscar otra cosa, y assi nos
otros vamos a buscar, por el modo que podemos, aquelle porque nos dan dinero;
si ellos compran otras cosas, de aquellas trataramos nos otros". Y es mas
que çierto que si no Ies ubiran de dar nada por ellos, no aresgarian su vida
para irlos a hurtar.
El segundo es que, espeçialmente en los Vijogoes, quando llega el mercader al puerto para agasajarlos,
matan gallinas y las sacrifican al blanco, como si fuese Dios, roçiandole
los pies com sangre y pegando con ella las plumas, y assi
los enpluman, y lo mismo haçen ai mastil dei nauio (que diçen es Dios dei
blanco) (16). Y toda esta abominaçion penniten, por tenerlos contentos y no
distar los para el negoçio, comiendo despues los dichos immolatiçios, que
abhorrent aures. Y aqui en Visao, quando
llega algun nauio, acostumbran a ofreçer una baca ai capitan, pero primero la
han de matar en su china o idolo, que es una arbol llamado tarafe; y
si se la han de dar viua, porque asi lo pide el capitan, le cortan la cola y
primero derrama sangue ai idolo (como suçedió aqui a un vizcaino ). Y poniendo nos otros esfuerço en impedirlo,
un portugues dei Brasil tomó el consejo y no quiso admitir tal abominaçion.
El
tercem es que como ay tanto numero de
esclauos, i tienen por descrédito trabajar el que es libre, y de seruir se
desprecian. Ni diçen se pueden casar si no tienen esclauos que les siruan, y
viuen publicamente amançebados, comunmente. Y con eso todo es anhelar
portener esclavos para ser hombres y valer; y entanto es persona de estimaçion
enquanto tiene esclauos que le siruan, sino no es algen (en frase suya ). Y
esta vanidada tocado de manem a los mesmos gentiles, que mas presunçion se
halla en estas choças de ganado, habitadas de unos honbres, cuio unico vestido
es una piei de cabra, asta el mesmo rey, que por grandeza trae un virrete de
danjante y enrebuja un pafio por los hombros, que en las cortes de Europa, en
su estimaçion de ellos.
El quarto inconueniente es que, estando todos llenos de esclauos, no se
pueden gouemar con politica cristiana, ni ser eu ella
bien disçiplinados (que es lo que los mercaderes alegan en su abono), porque no ay casas suficientes para
recogerlos y apartar los hombres de las mugeres. Cada une haçe su chéça, va
donde qujere y duerme donde e con quien se le antoja, sin que en esto se pueda
ter remedio. Ni ordinariamente les pueden dar el sufiçiente vestido ni
sustento, ni espritual ni temporal; ni ay ponerles en cabeça el casarse,
diçiendo que no pueden solo por ser esclauos. Traen las esclauas ai uso gentílico, descnudas como su madre las parió,
solo una banda de seis dedos de ancho, colgada por parte de sdelante, que es
sinal de virginidad; y esto aun que tenga 20 años, asta que halla quien la
priue de dichajoya. Y entonçes Ie da
pano y le quita el calambe(assi llaman dicha vanda); con esto se
sabe que tiene mançebo ya. Y Ia tal mudanza de habito suelen haçer con
solemnidad, y muchas veçes superstiçiosa y gentilica. Y esto para entre los
blancos de mas estimaçion, siruiendose a la mesa de dichas donçellas como si
fuese de las mas modestas de por allá, cosa que pareçiera increible, si no lo
estubieramos viendo a cada paso, o çerrando los ojos, por no ver cosa y
espectaculo tan desvergonçado y fuera de lo racional. Y com el continuo
traerlos de una parte a otra, estan tan ignorantes de la fe, como quando
estauan en la gentilidad.
El
quinto, se siguen grandes odios y enemistades entre los gentiles por dichas
amarraçones, y los parientes de los
amarrados conçiben grande odio contra los blancos que los compran, con que se
impide la entrada a descobrir estas tierras y amansar estas gentes. Nadie
se atreue a entrar sin el arrimo de algun grande, a quien haçe amigo la
esperanza dei negocio. Y se impide la propagaçion de la fe, asi por este, como
por el primer inconueniente que referi, porque no dejando los negros dichas
injustiçias, no pueden ser bautizados; y no dejando de comprarselos, no las han
de dejar .
El
sexto inconueniente: las continuas desgraçias que, por clamores de libertad
destos miserables, se experimentan cada dia en estas partes. No se oye otra cosa en este puerto, por
donde pasan todas las embarcaçiones, sino el nauio de fulano se fue a pique,
fulano se ahogó, ai otro robaron y mataron los negros. En menos de un afio se
han ido a pique quatro nauios, en poco mas dos han sido robados, y casi todos
los anos suçede assi. Y siendo sentir comun entre los blancos que lo dicho
es castigo de Dios, por dicho injusto contrato, çierran a todo los ojos, y
diçen que no pueden viuir sin el; y esta pienso que es la raçon que les haçe
mas fuerza, que las demás bien conoçen ser insuficientes. Mas es apoyo dei
apetite, no de la raçon.
Este es, Senor, el caso como pasa, y elecho en
la realidad, segund lo que moralmente hemos podido alcançar, segun Dios nos
inspira y nuestra conçiençia nos dieta. Estos los inconuenientes que
experimentamos de dicho comerçio. Esto es publico y comunmente confesado de
todos, confesando juntamente que si se ubiesen de vuscar esclauos bien auidos
de parte de los que cautiuan, cesaria totalmente dicho comerçio y nadie los
iria a buscar. Y con esto quieren saluar y justificar dicho contrato de su
parte: lo uno, porque ellos no los hurtan ni saben si son hurtados, cosa que
no. pueden ignorar, como consta de 1o dicho; lo otro, porque diçen a çerles
benefiçio en traerlos a camino de saluaçion, talvez suçederâ assi; lo otro,
porque es costumbre antigua, y ni Sua Magestad ni los sef\ores obispos los han
prohibido, Dios
sabe el porqué; y que otros saçerdotes,
que han estado aqui, no lo han condenado, antes exerçitado, allá les pediran
raçon de ello, que yo no la alçanço, aunque se me trasluçe el porqué,
porventura unos per bien, biendo no poderio remediar; y otros por ignorançia; y
otros porventura çerrando los ojos a tanta luz las tinieblas dei interes.
No me meto en aueriguar eso, mas estas raçones no pueden ellos mesmos dejar de
tenerlas por insufiçientes. Mas me pareçe a mi que les muebe a contradeçir a lo
que ven claramente outra , que dan, y es no poder viuir aqui sin ese contrato.
Bien afiançan su conçiençia contra una ley natural, <lemas que no está
afiançado el sustento de) hombre en illiçitos comerçios; cara nos costará la
conseruaçion y Dios nos obligaria a dejarnos morir. No faltaran otros modos que
la diuina providençia administrará a quien por n~
oferderle
deja lo mal ganado.
Finalmente,
yo no he bailado ninguna de dichas raçones entre los titulos que los doutores diçen
induçen legitimo cautiuerio. No lo · puedo auir visto todo; por eso no quiero
que valga mi pareçer, sino que suplico por las entranas piadosas de nuestro
buen Dios a Vossa Magestad se sirua de mandar vir i consultar esta materia
quanto antes, por instar mucho su resoluçion, por el peligro en que estan las
allá. Ni podemos valer del titulo de la buena fe para administrarles los
sacramentos, porque no bailando motiuos nuestra conçiençia para asegurarse en
cosa que nos pareçe tan claramente injusta, nos hemos visto obligados a
delcarar la verdad a quienes mordia su conçiençia, y por este medio auerse
publicado nuestro sentir, y salido todos de la buena fe, si alguno la tenia. Y
se se hallan ser liçito dicho contrato, nos mande dar notiçia para assegurar las
conçiençias; y si injusto, se sirua de lo prohibir y mandar se reduzcan dichos
esclauos a su libertad, segun el derecho lo pidiere, introduçiendo otros
comerçios. Que çesando las injustiçias, mostrará la Diuina prouidencia lo que
prospera. los reinos y aumenta los temporales bienes lajustiçia y cristandad;
los infortunios se bolueran
feliçidades;
descubrirá las riqueças que porventura esta negra esclauidon tiene ocultas en
estas partes, pues como diçen algunos praticos, no ay lndias como Guinea, si se
descubrieran y ubiera disposicion. Este es nuestro sentir, en fe de lo qual lo
firmamos de nuestros nombres.
I
Em tinta e letra diferente/ En esta Isla de Visao, a 14 de Abril de 1686
Fr. Francisco de la
Mota
Fr. Angel de Fuente la
Peõa, Lo
contenido en dicho papel acerca dei contrato de los negros es verdad, como por
mas de 8 años lo e visto y oydo en fe de lo qual firmo.
Fr. Buenaventura de
Maluenda
//
Missionario
Capuchino
(1) São os Bolumos ou Boiões.
(2) O vocábulo chai encontra-se nos autores que trataram da Serra Leoa no século XVII, como Baltazar Barreira, Manuel Álvares, D. Fr. Victoriano Portuense, André Donelha, Lemos Coelho e Mateo de Anguiano, com o significado de delito contra os costumes tribais, alargando-se posteriormente a qualquer falta real ou imaginária
(3) Prova da água vermelha. «Os missionários jesuítas que, no século xvii, entraram na «terra firme de Guiné» assinalaram, or exemplo, a generalização da prática de ordálias, com os reis locais a recorrer com requência à «prova da água verrmelha» quando pretendiam «destruir algum fidalgo poderoso do seu reino». Na «Prova da água vermelha», o acusado de homicídio ou de outro crime era obrigado a beber uma determinada quantidade de um líquido tóxico, preparado a partir das cascas de cor avermelhada de uma árvore, mais ou menos diluído conforme o fim que se pretendia, à partida, obter. Se o suspeito morria, era considerado culpado e eram postos à venda todos os que pertenciam à sua casa: não só os seus escravos mas também as mulheres, os filhos e, por vezes, outros parentes». A. Teixeira da Mota, O manifesto anti-esclavagista dos últimos capuchinhos espanhóis, pp. 46-47»
(4) O Jesuita Tomaz Sanchez na sua obra Consilia seu Opuscula Moralia, Liber Primus, Caput 1, Dubium rv, intitulado "An sit licita negotiatio. qua Lusitani emunt & vendunt nigros Aethiopianos tanquan servos & an etiam quilibet privatus emeru, aut vendens aliquam ex his servis peccet''. Como os outros tratadistas da especialidade desta época, para o autor o comércio dos portugueses é ilícito, e portanto pecaminoso.
(5) Mateos de Anguiano acrescenta aos Fulos e Bagas, os Zapes, os Cocolis e os Nalos. Cf. Misiones Capuchinas en Afrlca, 11, Madrid, 1957, p. 132.
(6) Bijagós.
(7) Continua hoje, entre os Bijagós, a usar-se a prova da galinha
(8) Cf. Anguiano, Ob. cit., p; 133-135.
(9) Id., ihid, p. 135-137.
(10) Baloba é na Guiné o templo do deus principal dos indígenas, coberto de palha. A baloba do texto está em vez de balobeira.
(11) Cf Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 141-143.
(12) Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 143.
(13) Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 143-144
(14) O livro de Alonso de Sandobal não se chama "História da Etiópia", mas sim Naturaleza, Policia Sagrada i Profana, Costumbres i Ritru, Disciplina Catechismo Evangelico de todos los Etíopes, Sevilha. MDCXXVJI, fl. 70. Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit . p. 144-145.
(15) A quase totalidade dos escravos da Guiné, por causa da procura ávida dos colonos espanhóis da América Central, ia exactarnente para a América espanhola. Se havia compradores na Europa, resta ver se não eram os mesmos que os compravam em África.
(16) Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 134, nº 12.
NOTA
- O Padre Mateos de Anguiano, na Obra Citada. trata dos mesmos abusos do
contrato da Guiné, Capítulos XIV e XV, pp. 131-146, em redacção diferente da
que aqui se publica
Junto
com este documento está o nº 94-A, provavelmente a minuta de um parecer - tem
várias emendas - de um religioso, talvez jesuíta, sobre a matéria exposta pelos
padres espanhóis, que reza assim:
Votto
sobre o resgate dos negros da Costa de Africa.
Vi
estes papeis tocantes ao Regate dos negros pella Costa de Africa e o que não
era de segredo comuniquei a alguns Padres que estiyerão em Angolla e aos lentes
de Theologia deste Collegio e todos uniformemente iulgarão que Sua Magestade que
Deus guarde podia sem encontrar a concienc~a
mandar
fazer os ditos resgates com as clausulas seguintes:
Item
- que em cada lugar de resgate se ponha hu feitor, com hu clérigo natural da
terra que saiba a lingoa, homes de saã conciencia; Item -que estes em primeiro
lugar examin~ exactamente se sam os negros justamente
cativos, encarregandolhes Sua Magestade muito este ponto e declarandolhes que
não se ha de dar por bem seruido por resgatare mais negros, serã por iustificar~ com maior cuidado os seus catiueiros.
Item
- que os títulos iustificados de catiueiros são 4: o 1 º de guerra iusta; o 2º
dos que de pays e Avôs erão iá cativos; o 3° dos que estauão para o talho; o 4°
daquelles que por delictos graves estavão condenados á morte ou a cativeiro
perpetuo, segundo as leis e costumes da terra, não approvando porem o cativeiro
daquelles que o incorrêrão por furtos leves, ou delictos semelhantes de pouca
substancia.
Item
- que o clerigo tenha grande applicação a cathequizar os negros, ensinando lhes
os Mysterios da fee, e bautizandoos, e sem esta instrução na f ee e bautismo
nenhu se embarque.
Com
estas clausulas satisfas Sua Magestade a sua conciencia e se ouuer alguã
desordem, ficará carregando sobre as conciencias dos tais officiaes, como
sucede no governo vniversal de todo o Reino, em que Sua Magestade não tem mais
obrigação que de pôr hos Ministros, e castigallos pellos erros de seus officios
constandolhe delles.
Cf. A. Teixeira da
Mota, Ob. cit., p. 53-54.
O procurador da coroa,
emitindo o seu parecer sobre a carta dos capuchinhos, relembrou que eles
estavam na Guiné a missionar com beneplácito régio e que desta forma a coroa
devia assegurar que eles continuariam a missionar livremente, e que o
capitão-mor devia zelar por eles.
Opinião diferente, teve a junta das missões. Informada das queixas
dos capuchinhos e da consulta do Conselho Ultramarino a favor dos mesmos
missionários, solicitou que fossem
substituídos pelos padres da Soledade, na evangelização de Bissau. Dada a
importância comercial que a ilha de Bissau vinha adquirindo para o trafico de
Cacheu. Este comércio segundo, Roque Monteiro Paim, não podia-se “conservar
sem a vontade, e inclinação dos reys negros que habitaõ nella”. A mesma opinião foi defendida pelo
governador de Cacheu.
Publicado por A. Teixeira da Mota, em As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a Cristianização dos Reis de Bissau, Lisboa, 1974, p. 121-133.
1686/06/24
CARTA DE
ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA A S. MAJESTADE EL-REI (24-6-1686)
SUMÁRIO-
Acção dos franceses nos rios de Guiné
contra os interesses portugueses - Proposta de meios para os afastar
daquelas paragens por via pacífica ou de guerra.
Senhor
Por cuattro viaz tenho dado parte a V. Magestade do estado desta praça, a
primeira de 24 de Mayo de 85 e de 25 de Julho do mesmo anno, de 10 de Janeiro
de 86 e de 28 de Feuereiro de mesmo anno, e en todas fiz largos auizoz a V.
Magestade do estado en que a achey; agora se me offereçe este nauio do Gouemador de Cabo Verde Jgnaçio de França
Barbosa, que con esta saõ tres vezes que de Cabo Verde o mandou a esta
praça despoiz que tomey posse della, e por elle faço prezente a V. Magestade do
que mais há preçedido athé esta hora.
Enquanto
a esta praça de Cacheo a tenho
fortificado e o gentio circunuezinho muito humilde e quieto e os moradores liures das vexaçoes que lhes
custumauam fazer; porem o comerçio perdido e aruinado com os Françezes, e
Jnglezes, como largamente tenho manifestado a V. Magestade nos avizos que
tenho feito, sendo os Françeses que mais
danno nos fazem hoje, pellos muitos nauios que tem metido nestes portos
fazendose Senhores de toda esta Costa athé Cabo da Boa Esperança, como se
verá pella ordem que tem de seu Rey christianissimo, a qual ordem me mostrou Joaõ de Lafonte que hé a cabeça do seu
contrato e comerçio, e mandey tirar o treslado della pello mesmo Joaõ de la
Fonte, hü em Françes outro traduzido en PQrtuguez que con esta será a V.
Magestade2 conferidas com o original, adonde lhe dá toda esta Costa sem fazer
exceiçam de Ryo algum; o remedio desta praça de Cacheo e seu comerçio hé da
barra para fora, e rios e portos circunuezinhos donde se tiraõ negros, marfim e
sera, que vem a este Ryo e prça de Cacheo, e vem a ser Bissao, R o Grande, e a,
Ryo e Nl.lllo, e algOs portos da Serra Leoa, Jlhas de Biiagoz e todos esses
portos e Ryos saõ do comerçio desta praça de Cacheo, adonde vaõ as lanchas e
nauios desta praça a fazer seu comerçio de negros, marfun e sera e trazem a
e11a, o que hoje naõ podem fazer os moradores della, porque o dito Françes Joaõ de la Fonte e seu jrmaõ
tem tapado todos estes pontos com muitas embarcaçoes, negoçiando com o mesmo gentio e algus Portuguezes que con o dito gentio
êstaõ metidos e á sua sombra fazem o mesmo negoçio; enquanto a este Ryo de
Cacheo hé muito limitado o negoçio que se faz nelle e naõ será possiuel
sustentarse esta praça sem o comerçio dos portos e Ryos que tenho dito, que
ainda que elles naõ entrem neste mesmo Ryo de Cacheo, sem os mais naõ hé Cacheo
nada, e ainda que se façaõ as fortalezas na barra, será pera naõ entrarem
dentro neste Ryo como entraõ, sem se lhe poder jmpedir. Porem como Cacheo se sustenta com os portos que estaõ da barra para fora
e os ditos Françeses sejaõ Senhores delles e de todo o negoeçio como o saõ
hoje, naõ será possiuel sustentarse esta praça, nem aver Companhia, pois esta
hoje, valendo hum negro perto de quarenta mil reis, o que para os ditos
estrangeiros lhe saye com muito mais comodo, pellos seus generos virem da
primeyra maõ.
No Ryo de Cazamança
mandey fazer outro baluarte pera mais segurança, por o dito Françes
lhe ter posto os olhos em razam da mayor parte da sera que delle saye.
E
pera se evitar este dano, e V. Magestade for seruido de admitir este pareçer
que hé o remedio mais efficaz, quoando se naõ possa por via do senhor Rey
christianissimo reuogar a dita ordem, que tem dado a estes Françeses, darselhe
entrada a todos neste porto de Cacheo, onde pagaraõ os direitos a V. Magestade,
con que se erá sustentar este prez1 10, e argaraõ os portos e comerçio que tem
jnuadido e tapado, donde tiraõ negros, marfim e sera sem pagarem os direitos
Reais; e os moradores desta praça de Cacheo tendo os Françeses como tem os
ditos portos e rios, ficam empatados e mizeraueis sem o comerçio algum, e
quoando por este modo naõ haja effeitó, só com duas fragatas de guerra boas se
poderá remedear, e pôr em liberdade esses portos que tenho manifestado a V.
Magestade, como em tempo de Gonçalo de Garnboa, na hera de 44 e mais antigo,
duas gallés são os caminhos que posso achar pera se restaurar esta praça e ós
moradores della poderem viuer com a largueza que sempre tiueraõ nos tempos
passados e isto que manifesto me naõ moue mais que o dezejar asertar no real
ceruiço de V. Magestade e todos os que conheçem estas partes assim o deuem
manifestar.
O Cappitam Joaõ de
Barros meu filho
me naõ pode acompanhar como V. Magestade me
tinha ordenado, por hü achaque que lhe acompanha, como já tenho manifestado nas
primeyras cartas e athé o prezente se naõ sente capaz. Quoando V. ~agestade seja
seruicf o de que eu passe a Cabo Verde naõ faltará pessoa que occupe este lugar
e tenha a praça com o mes!'lo respeito en que eu a tenho athé o prezente e
daquella Ilha, sendo V. Magestade seruido, mouendose qualquer couza que seja
neçessario acudir a ella con todo o soccorro possiuel o farey con toda a
lealdade que deuo. //
Guarde
Deos a Catolica e Real pessoa de V. Magestade p~a
emoaro de
seus vaçallos. //
Cacheo,
e de Junho 24 de 686.
a)
Antonio de Barros Bezerra
AHU -Guiné, cx.
3 -Original, nº 166.
1686/06/00
Os
missionários de Bissau em Junho de 1686 escreveram
ao rei de Portugal, relatando a vivência entres brancos e gentios naquele
reino, da miscegenação, do crescente número de mestiços “en el cuerpo
monstruos en la fe”. Mostrando um total desagrado com a conduta das comunidades
cristãs na Guiné, principalmente dos mulatos. Queixando-se das injustiças de
desacatos de que eram alvos nos casos em que negavam dar sepultura eclesiástica
a um defunto, sendo que os cristãos
gentios obrigava-lhes a sepultar os mortos “foram ao hospicio com o defunto
e com grrande furia deitaram os religiosos fora delle, arrastando os pellas
barbas com empuxões, ameassando os com armas, e querendo os obrigar a forsa a
enterrar, e por o não poderem conseguir”.
1686/07/00
Não é por isso de estranhar que o sobrinho de um dos
directores da Companhia do Senegal, Michel Jajolet de La Courbe, tenha empreendido uma viagem por terra do
rio Gâmbia a Cacheu, onde chegou em Julho de 1686, e que ai se tenha demorado e ainda mais em Bissau, que só abandonou em
Fevereiro de 1687. De Bissau, onde na altura actuava um agente da
Companhia, Jean de Lafont, empreendera
La Courbe várias viagens por via fluvial, para Geba, para os Bijagós, para
Guinala, para Bula e para Cacheu, informando-se minuciosamente das condições
locais e das possibilidades comerciais, facto a ter em linha de conta se se
atentar em que o mesmo La Courbe exerceu as funções de director-geral da
Companhia do Senegal em África nos períodos 1689-1693 e 1709-1710.
1686/07/09
«Em 9 de julho participou tambem
o capitão e sargento-mór da ilha do
Fogo, Gouveia de Miranda, que na Brava assistiam uns corsarios com um navio de 40 peças e 135 homens, praticando
n'ella grandes violencias e roubos, matando o feitor, fazendo presas cinco
navios de estrangeiros e portuguezes e derrotando outros; que â dita ilha
vinham passar todos os navios, do que resultaria grande damno a todas as outras
e costa da Guiné se os corsarios se apoderassem d'ella para fazer alll a sua
habitação, e que não poude lá ir em socorro dos seus habitantes, desalojando os
corsarios, por falta de munições»
- Subsídios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pg. 84, Lisboa, 1900
1686/08/26
«Em 26 de agosto de 1686 foi
asperamente censurado o ouvidor geral
Rodrigues Bello por amparar e favorecer os delinquentes que commetteram o
assassínio do capitão Costa das Neves,
sem os mandar prender e castigar, e também por ter casa de jogo, com grande
escandalo do povo; ordenou-se-lhe que procedesse pelos meios de direito, sob
pena de tambem ser castigado como
fosse de justiça.»
- Subsídios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pg. 86, Lisboa, 1900
1686/09/28
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE A CARTA DO PADRE MOREIRA (28-9-l686)
SUMÁRIO
- Analisando a carta do padre António
Moreira, é o Conselho de parecer que se deve pedir ao Provincial da
Soledade mande mais padres dos seus para Bissau.
Senhor
O
PE. ANTONIO MOREIRA, Parocho de Cacheu e Ouuidor da Vara da Costa da
Guiné, dá conta a V. Magestade em carta de 22 de Julho do anno passado, em como
lhe parecia pouco conueniente ao Real serviço de V. Magestade, Missionarios
estrangeiros naquella Costa, por alguns inconuenientes que a experiencia tinha
mostrado, e principalmente noseruiço de Deos, que era o intento, com que os
dittos Padres hiaõ e V. Magestade os mandaua; pois no discurso de trinta annos,
que habitauaõ nella, naõ tinha noticia, de que houuessem feito fruto na
conuersaõ dos gentios, e lhe parecia naõ era por falta sua, pois Relligiosos
taõ refonnados não podião faltar a sua obrigaçam, mas por naõ ser naquelas
partes a sua lingoa tan bem ouuida, como hé a Portugueza. //
Que
no porto de Bizao, distante trinta
legoas daquella praça (aonde assistiaõ os dittos Relligiosos) estauaõ entrando
muytos nauios Inglezes, Franceses e Hespanhoes carregando de escrauos sem
pagarem os direytos de V. Magestade, nem os dittos Relligiosos lho impedirem,
antes naõ sabia se os ajudauaõ, o que naõ succederia se foraõ Religiosos
Portuguezes, porquanto em 681 hum Relligioso da Prouincia da Soledade, chamado FREY ANTONIO DO BECCO, estando no Hospicio de Cacheu, e achandose em
Bizao naquelle tempo a tratar da conuersam daquellas almas, fizera com o Rey
naõ consentisse que hum Ingles por nome
JOAÕ BIUAR fizesse Caza de contracto naquella parte; e juntamente que naõ
desse practicos a JOAÕ DE LA FONTE,
Frances, para os Biiagós, Ilhas vizinhas, donde se tiraua a mayor parte de escrauos, sendo que de prezente o
ditto Frances estaua com Caza de contracto em Bizao,em grande perjuizo dos
direitos de V. Magestade e daquelle pouo, e assy pellos avizos que tiuera do ditto Relligioso da Soledade consideraua mayor utilidade nos nossos Relligiosos
Portugue:zes, assy para o serviço de Deos como de V. Magestade.
Desta
carta houue vista o Procurador da Coroa, e respondeo, que posto que sobre esta
materia de hirem Missionarios estrangeiros ás nossas Conquistas ouuira sempre
fallar, não sabia nem tinha noticia das ordens que hauia sobre ella, e bem cria
que se os pudesse hauer da nossa mesma naçaõ, esses seriaõ os mais
conuenientes, assy para o espiritual, como para o temporal; que tambem não sabia se hauia alguma licença para os
estrangeiros assentarem caza de contracto nas Conquistas, e seria muito bem que
se lhes prohibisse, porque era total ruina e destruiçam dellas.
Ao
Concelho parece que V. Magestade deue ser seruido mandar ao Prouincial dos
Capuchos da Soledade queira mandar aos seos Relligiosos ao Reyno de Bizao, para
que na sua assistencia se logre não só seruiço de Deos na conuersão daquelle
gentio, mas tambem que se evite o não continuarem as naçoens estrangeiras
aquelle porto, ensinando ao Rey o grande perjuizo que disto se lhe pode seguir;
e ao pc. Antonio Moreyra se deue
escreuer, que se vio a sua carta, e que V. Magestade fica tratando dos meyos
para se prohibirem os dannos, que elle representa.//
Lisboa,
28 de Setembro de 686.
aa)
Conde
de Vai de Reis, P. I Ruy Tellez de Menezes I Bento Teixeira de
Saldanha
AHU -Guiné, cx.
3. Original, nº 174.
1686/11/22
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE MISSIONÁRIOS DA GUINÉ (22-11-1686)
SUMÁRIO-
Queixas dos missionários da Guiné -
O parecer do Procurador da Coroa manda proceder com os missionários de modo
a segurá-los para poderem pregar a fé, e
que não fossem obrigados a sepultar indignos. - Se recomende aos
missionários que pacientem com os naturais, como plantas novas na fé.
Senhor
Os pes. FR.
FRANCISCO DA MOTTA, Vice Prefeito, FR.
ANGELO DE FUENTELAPEFTA e FR.
BOAVENTURA DE MALUENDA, Missionarios assistentes na pouoaçaõ de Bissau, destricto da Capitania de Cacheu, por carta .do primeiro de Junho
deste anno, dão conta a V. Magestade que sendo enuiados a aquellas Conquistas
por ordês de S. Santidade a pregar o Sagrado Euangelho, pregar a fé, e pôr no
uerdadeiro caminho aquella pequena christandade, alcansando o beneplacito de V.
Magestade para assistirem naquellas partes, não podião dexar de noticiar a V.
Magestade o mizerauel estado daquellas almas, sollicitando do catholico zello
de V. Magestade algo remedio: porquanto o que naquellas partes se chama
Christandade tem achado ser hum monstruo
gerado do illicio comercio de christãos com mulheres gentias, que mediante os seos amancebamentos foraõ
concebendo, como mestiços em o corpo monstruos em a fé, pertendendo baptizar
seos peccaclos com fazerem baptizar suas concubinas, couza que té o
prezente corriaõ e de que sahira á luz este monstruo
com cara de Christandadet mãos e pés de ateistas, coraçaõ e tudo o
mais de ,gentilidade, que acharaõ os amancebamentos tão validos que se
selebrauaõ como cazamentos verdadeiros, e passauão praça de maridos e mulheres,
encaminhando suas filhas ao mesmo estado, e constituindo famílias com graos de
estimaçaõ, como se foraõ de legitimo matrimonio, com diferença que naquellas partes hera de mayor calidade a familia
cujo pay tinha mais mulheres, do que resultaua uiuerem todos totalmente
ignorantes dos misterios de nossa sancta fé, incapzes dos
Sacramentos,
e outras desgraças que não dizião, porque facilmente se podião inferir da
rellatada; que para euitar estes daftos tinhão posto todo o cuidado com
continuar exortaçoês e doutrinas publicas e particulares, e que mediante a
diuina graça se hauia remediado muyta parte, cazandosse muytos, e instruidos
não poucos.//
Porem
que haueria dous annos succedera hauer
cazo. em que fora neccessario (segundo mandão os Sagrados Canones) negar
sepultura ecleziasiastica a quem comprehendia a ley (hauendo sido muytas vezes
intimada a ditta penna dos comprehendidos nella) e que depois de alguns ameaços
dos mutins gue elles tinhaõ feito se tal intentassem executar, se
resolueraõ a huã acção taõ alhea de christaõs, como fora enterrarem elles mesmos
o defunto, e fazerem aos relligiosos os dezacattos que puderaõ, athé impedirem
que ninguém os ajudasse á obra do hospicio, que V. Magestade mandara fazer á
custa de sua Real Fazenda, porem que com ella se acabara e com o trabalho das
suas maõs, e suor dos seos rostos, e que fazendo as demostraçoes ordinarias, se
chegara a pedir penitensia. e a confessar sua ignorancia, com o que se ajustara
com piedade a materia, por incapaz de mayor rigor. I /
Que o anno passado se
offerecera outra ocaziaõ similhante, e como a mayor parte daquelles cristaõs
heraõ filhos e irmaõs de gentios, tomaraõ estes a cauza por sua conta, e se
foraõ ao hospicio com o defunto e com grande furia deitaraõ os relligiosos fora
delle,arrastando os pellas barbas com empuxoês, ameassando os com armas, e
querendo os obrigar por forsa a que o enterrassem, e por o não poderem
conseguir o enterraraõ e intentaraõ lançar aos ditos relligiosos fora da terra, de que derão as
diuidas graças a Deus pelo que padesiaõ por seu amor e de sua Sagrada Esposa; e
que depois de algum tempo, hauendo dado pa1aura ao Rey daquella terra de se não
meter em similhantes materias, nem consentillo aos seos, e feitas alguãs
penitencias publicas, tomarão para a sua Igreja; e offerecendose depois outros
cazos, se executra a ley sem tumulto, nem embaraço; porem que hauia guatro dias
sucçedera negarse sepultura ecleziastica a huã mulher que tendosse baptizado a
titulo de amancebada com hO cristão, e hauendo uiuido em outro estadoª entre os
gentios, só depois de morta quisera reconheser a Igreja, e pelo não
consentirem, se leuantara outro tumulto com recados do Rey, que não sabiaõ se
de coração ou por temor dos seos, e que o que succedera fora que juntamente com
o recado fora a uiolensia, e que maltratando a hO rellegioso enterraraõ os
infieis a defunta na Igreja, e tangeraõ os sinos, sem que os cristaõs o
podessem defender.//
Que elles rellegiosos tinhaõ desempedrado de
todo a Igreja, e naõ tinhaõ esperança de tomar a ella, até que o Capitaõ Mor de Cacheu os cegurasse
destas inuaz~s, reprimindo com ameassos, ou pelo melhor caminho
que lhe parecesse a ouzadia daquelles barbaros, is a pa aura o seu Rey os não
ceguraua, como tinhaõ exprimentado, ainda que· tambem agora os pertendia
satisfazer; e porgue na ocaziaõ passada o ditto Capitaõ Mor não hauia obrado
couza alguã, o que seria, ou por uer ajustada a mate ria com a pai aura do Rey,
ou por não ter ordem de V. Magestade, propunhaõ á consideraçaõ catholica deV.
Magestade o mizeraual estado daquellas couzas, pedindo humildemente se seruisse
V. Magestade de dar o remedio que lhe parecesse, attendendo ao dezenparo
daquellas almas, que clamaõ de baxo do jugo da gentelidade a V. Magestade,
pella liberdade cristam, que sem o real amparo não podiaõ conseguir. Da
refferida carta se deu uista ao Procurador da Coroa, e respondeu que supunha
que estes Missionarios foraõ (como eles diziaõ) a aquella Conquista com
beneplacito de V. Magestade, .sem o qual não deuiaõ ser admetidos, debaxo desta
suposiçaõ, dezia que ao Capitaõ Mor se deuia escreuer que por todos os meyos,
que julgasse conuenientes, ainda os de mayor emgenho, fizesse cegurar aos taes
Missionarios, para que breuemente podessem anunsiar a ley euangelica, e que por
isso não padecessem injurias e insolensias, nem tambem fossem constrangidos a sofrer em suas Igrejas actos
illicitos, nem a dar sepultura ecleziastica aos infieis ou excomungados, ou a
quaesquer que conforme suas conciensias, reguladas pello dirt:rito canonico,
foraõ indignos della, o que deuia ficar em seu arbitrio, e que assim o
deuia V. Magestade mandar, não somente pella rezaõ geral de Princepe Catholico
mas tambem pello especial de Senhor daquela Conquista, cujos emolumentos, por
este titulo de mandar plantar nella e propagar a fé, lhe competem.
Ao
Concelho parece que V. Magestade deue ser seruido mandar escreuer ao Capitaõ Mor de Cacheu, que elle pellos meyos mais
suaues e prudentes, procure com estes Reys vizinhos, fauoreçaõ aos
Missionarios, e os não perturbem de fazerem a sua obrigaçaõ. E aos Rellegiosos
se deue recomendar que, considerando o estado daqueJles negros, fassaõ muyto
por conseruar o seu exercisio, sofrendo também da sua parte àos naturaes, pois
como plantas nouas, hé necessário industria e paciensia, porque do rigor se
pode perder a conuersaõ dos que estaõ reduzidos e não se ganhar a esperança dos
que se podem conuerter. //
Lisboa,
22 de Nouembro de 686.
aa)
Antonio
Paez de Sande / Dom Manoel Henriques / Bento Teixeira de Saldanha
AHU
-Guiné, ex. 3. -Original nª 174. Cód. 478, fls. 49v-50v.
/À
margem!: Os
Missionarios castelhanos se deuem apartar das Misso~s
de Bissao,
para as quaes uaõ Religiosos de diversas Prouincias da Soledade, com que
cessaraõ os inconuenientes que se representam. A pareçendo ao Gouemador Verissimo de Carvalho e ao Capitam mor Antonio de Barros que hé
conueniente faserse alguã fortaleza na
barra de Bissao, dandolhe consentimento os Reys vesinhos, será o meyo mays
efficas para se conseruarem os Missionarios com mayor respeito sem a
dependencia que hoje tem, dos mesmos Reys, como o experimentam os castelhanos e
aos Missionarias, que novamente forem, se lhes advertirá o que pareçe ao
Conselho. //
Lisboa,
11 de Dezembro de 686.
(Rubrica de el-Rei)
1686/11/27
Proposição de sujeitos para o governo de Cabo
Verde Nota: Foi escolhido VERÍSSIMO DE CARVALHO.
1686/11/28
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O CAPITÃO DE CACHEU
(28-11-1686)
SUMÁR10
- Análise da carta do Capitãode Cacheu - Visto a matéria ser gravissima, pede consideração para
S. Majestade se resolver.
Senhor
O Capitaõ Mor de Cacheu
ANTONIO DE BARROS BEZERRA (1) por carta de 24 de Junho deste anno, dá
conta a V. Magestade que por varias vezes tinha feito auizo do estado em que se
achava aquella prassa e de nouo fazia prezente a V. Magestade que a tinha
forteficado, e o gentio vizinho muyto humilde e quieto, e os moradores liures
das vexaçoês, que lhes costumavam fazer; porem o comercio perdido e arruinado
com os Francezes e Inglezes, sendo os
Francezes os que mais dano nos fazem hoje, pellos muytos nauios que tinhaõ
metido naquelles portos, fazendose senhores de toda aquella costa até o Cabo de
Boa Esperança, como se ueria pella copia da ordem dei Rey de França (que com
esta se enuia a V. Magestade) que Joaõ de la Fuente cabeça do seu contrato e
comercio, lhe mandara tresladada do original, em que lhe dá toda aquella costa,
sem fazer excepção de Rio algum (2) sendo o remedio daquella prassa de Cacheu e
seu comercio da barra para fora, e rios e portos sircunuezinhos, donde se tiraõ
negros, marfim e sera que vay aquella prassa, e uinha a ser Bissau, Rio Grande,
Geba, Rio de Nuno, e alguns portos de Serra Lioa, Ilhas de Byagos,.e que todos
estes portos e Rios heraõ do comercio de Cacheu, e donde hiaõ as lanchas e
nauios fazer seu comercio, o que hoje naõ podiaõ fazer os moradores, porque o
ditto Frances Joaõ de la Fuente e
seu Irmaõ tinhaõ tapado todos os ditos portos com muytas embarcaçoês,
negociando com o gentio, e alguns Portuguezes que com o ditto gentio estauaõ
metidos e á sua sombra faziaõ o mesmo negocio; e que enquanto
ao negocio que se fazia no Rio de Cacheu hera muyto lemitado, e naõ seria
possiuel sustentarse a prassa sem o comercio dos portos e rios que tinha ditto,
porque sem elles não hera nada;. E que ainda que se· fizessem as fortalezas na
barra, seria para não entrarem dentro naquelle Rio como entrauaõ, sem se lhe
poder impedir, porem que como Ccheu se sustentaua com os portos que estaõ da
barra para fora, e os Francezes sejaõ Senhores delles, e de todo o negocio como
estaõ sendo hoje, naõ seria possiuel sustentar aquella prassa ne hauer Companhia,
pois estaua valendo hum negro muyto perto de quarenta mirreis,. o que para os
dittos estrangeiros sabia com muyto mais comodo por óe seus generos uirem da
primeira maõ.
Que
no Rio de Cazamança mandara fazer outro beluarte para mais cegurança, por o
ditto Frances ter nelle asentido, em razão da cera que della sabia, que hera, a
mayor parte.
Que
para se euitar este dano (quando se não pudesse atalhar por via dei Rey de
França, reuogando a ordem dada aos ditos Francezes, que hé incluza) lhe parecia bom meyo (sendo V. Magestade
seruido) darse entrada a todos · no porto de Cacheu, onde pagariaõ os direitos
a V. Magestade, de que se poderia sustentar aquelle prezidio, e com isto
largariaõ os portos, e comercio que tinhaõ inuadido e tapado, donde tirauaõ
negros, marfim e cera, sem pagarem os direitos reaes, e que tuando por este
modo naõ tiuesse effeito só com duas fragatas de guerra se poderia remediar, e
pôr em liberdade aquelles portos, como succedera na hera de 44, em tempo de
Gonçalo de Gamboa e mais antiguo a duas galés; e estes heraõ os caminhos que
podia achar para se restaurar aquella pras~ e os moradores della
poderem uiuer com a larguei.a que sempre tiueraõ.
E
que seu filho o Capitaõ Joaõ de Barros o não podia acompanhar, como V.
Magestade lhe tinha ordenado, por achaques que padecia e que quando V.
Magestade fosse seruido que elle passace a Cabo Verde não faltaria pessoa que
occupace o seu cargo e tiuesse a prassa com o mesmo respeito, com que elle a
tem até o prezente, e que daquela Ilha, sendo V. Magestade seruido, mouendosse
qualquer couza, que fosse necessario acodir a ella com todo o soccorro possiuel
o faria com a lealdade que deuia.
Ao
Concelho parece fazer prezente a V. Magestade este auizo de Antonio de Barros
Bezerra; e como a materia que enuolue hé grauissima pella potente e authoridade
que EIRey Christianissimo dá aos seos vassallos, pede consideraçaõ e discurso
para V. Magestade se resoluer no que for seruido. //
Lisboa,
28 de Nouembro de 686.
aa)
Ruy
Tellez de Menezes I Dom Manoel Henriques I Bento Teixeira de
Saldanha
• /A margem/: Temse mandado dar a providencia necessaria para o que me
representa o Conselho nesta Consul!a: e se lhe passaraõ as ordens necessarias.
- Lisboa, 19 de Dezembro de 686.
(Rubrica
dei Rei)
AHU
- Guiné, ex. 3, nº 175. Original.
(1) Por carta de
21-S-1676. ATT- Chanc. de D. Afonso
VI, liv. 46. fl. 356-356v.
(2) De facto o Rei de
França concede à Companhia do Senegal, conforme ao conselho de 21 e 25 de março
de 1679, "Ja faculté de faire seuls, à l'exclusion de tous autres le
coumerçe des costes de Guinée jusques au Cap de Bonne Espérance". - AHU - Guiné, cx. 3.
1686/12/02
D. Pedro II, em carta régia de 22
de Dezembro de 1686, ao capitão de Cacheu, António de Barros Bezerra, ordenou que os. missionários espanhóis recolhessem a ilha de Santiago, de onde o
governador devia os remeter ao reino, e que no lugar deles iria enviar capuchos
da Soledade para o hospício de Bissau. Em inícios, de 1687, os
missionários deixaram Bissau efinitivamente. Terminava assim, a missionação dos capuchinhos espanhóis na Guiné.
1686/12/03
CARTA DE
ROQUE MONTEIRO PAIM SOBRE OS MISSIONÁRIOS DA GUINÉ
(3-12-1686)
SUMÁRIO - A
Junta das Missões manda substituir os missionários castelhanos pelos padres da
província da Soledade, como mais aptos.
Senhor
Vendosse
nesta Junta a consulta do Conselho Vltramarino sobre o que escreuem os
Missionarios Castelhanos assistentes na Ilha
de Bissao distrito de Cacheo, das vexacoens que padecem com os moradores. e
naturais da dita ilha. Pareceo que esta consulta do Conselho foi feita a V.
Magestade sem a noticia da rezoluçaõ que V. Magestade foi seruido tomar, por
outra consulta desta Junta, a qual hé de
se apartarem da dita missaõ de Bissao os ditos Missionarias, por naõ serem
covenientes ao serviço de V. Magestade. // E pello que acresce da sua carta
se considera mais vtil, e mais importante, a dita rezoJuçaõ, porque sendo a ilha de Bissao a de major
conveniencia para o comercio de Cacheo, e não se podendo conservar sem a
vontade, e inclinaçaõ dos Reys negros que habitaõ nella, se vê claramente que
dandolhe V. Magestade outros missionários para os instruir na fee, com tantas
virtudes, como são os Padres da Soledad, que estaõ nesta Corte destinados para
a dita missaõ, pode V. Magestade por este meio conseguir cõ major segurança o
seruiço de Deus com missionarias que naõ tem a repugnancia dos ditos Reys, e o
do seruiço de V. Magestade; mostrando com esta mesma acçaõ que os naõ obriga a
ter por missionarios aqueJles de quem tem concebido desgosto, supposto que a
elle dessem occasiaõ os seus erros. E quando pareça ao gouernador Verissimo Carvalho, e ao Capitam Mor Antonio de Barros que hé comveniente fazerse alguã fortaleza na barra de Bissao, por ser
huã das do milhor comercio para Cacheo, e a mais salutifera para os soldados
que ouuerem de estar no seu prezidio; dando a ella consentimento os ditos Reys,
será meio muito eficas para se conseruarem os missionarios com major respeito,
sem a dependencia que boie tem dos mesmos Reys, e ao receo, como experimentaraõ os Castelhanos, que pedem a V.
Magestade o socorro das suas armas para subsistirem na missaõ. //
E aos
missionarios que forem de novo se pode dizer o mesmo
que parece ao Conselho Vltramarino, que se devia advertir aos
missionarios Castelhanos. V. Magestade resoluerá o que for mais comveniente ao
seu serviço. / I
Lisboa,
em 3 de Dezembro de 686.
Roque
Monteiro Paim
·AHU-Guiné, cx. 3, Doe.
178-0riginal.3
CONSULTA da Junta Geral
das Missões ao rei D. Pedro II sobre a carta dos missionários castelhanos
[capuchinhos da província da Andaluzia], frei FRANCISCO DA
MOTA, FREI ÂNGELO DE FUENTE LA PENA e FREI BOAVENTURA DE MALUENDA, sobre o
que padeciam na povoação de Bissau, distrito de Cacheu, para onde foram
propagar o Evangelho, encontrando os cristãos a viver em pecado; queixando-se
de serem vítimas de violência e retaliações dos naturais por não darem àqueles
sepulturas eclesiásticas; pedindo que o capitãomor de Cacheu os defendesse e
impedisse que fossem expulsos dali; o Conselho Ultramarino aconselhara a fortalecer
as alianças com os reis vizinhos de forma a evitar conflitos e a favorecer as
missões de evangelização e fomentar o comércio. A Junta das Missões corrobora
este parecer, bem como a determinação do rei de fazer uma fortaleza na barra de
Bissau e trocar os missionários castelhanos pelos portugueses da província da
Soledade, porque demonstravam mais empatia com os reis negros, podendo
pacificá-los através da cristianização.
Obs.:
doc. em português e espanhol; anexo: consulta (minuta), consulta, carta.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 25, 21, 12.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
167.
CONSULTA (reformada) da
Junta Geral das Missões ao rei D. Pedro II sobre as cartas do capitão-mor de Cacheu, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, em que
assegurava o bom estado daquela praça e a pacificação dos gentios, alertando
para a decadência do comércio de Cacheu devido à presença de franceses e
ingleses desde a costa da Guiné ao Cabo da Boa Esperança, impedindo os barcos dos
moradores de Cacheu de chegar a Bissau, Rio Grande, Geba, Rio de Nuno, Bijagós
e alguns portos de Serra Leoa para comerciar negros, marfim e cera;
apontando como principais responsáveis o mercador francês João de La Fuente e o
seu irmão, em virtude do contrato de comércio que tinham com o rei de França
[Luís XIV]; informando que fizera um novo baluarte no Rio de Casamansa para
maior defesa contra os franceses que ali iam por causa da cera; sugerindo que
se não fosse possível revogar a licença de comércio do rei francês, se
permitisse a entrada dos franceses em Cacheu para ai comerciarem e pagarem os
direitos; a Junta aconselhou evitar conflitos armados com os franceses, sem
lhes permitir entrada em Cacheu porque seria sinal de fraqueza; devendo-se
proibir todo o comércio de estrangeiros em Cabo Verde e assim garantir que os
reis vizinhos e os negros apenas adquirissem panos através dos portugueses;
deveria o governador e capitão-general de Cabo Verde, VERÍSSIMO
CARVALHO [DA COSTA], auxiliar o
capitão-mor na defesa e obras da praça mostrando a força e a unidade dos
portugueses; se tal fosse deliberado pelo rei seria escusado responder à queixa
do feitor de Cacheu quanto à inutilidade das fortificações pedidas pelo
capitão-mor, porque excedia as suas atribuições.
Obs.:
doc. em português e francês; ver AHU_CU_049, Cx. 2, D. 156; anexo: consultas,
carta régia (cópia), contractos (cópias), carta, ofício.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 24, 22, 13, 14.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
168.
1686/12/22
CARTA RÉGIA (cópia) do rei [D. Pedro II] ao
novo governador e capitão-general de Cabo Verde, VERÍSSIMO
CARVALHO DA COSTA, ordenando fosse a Cacheu para auxiliar o capitão-mor,
ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, na defesa da praça contra os
estrangeiros; ordenando que o capitão-mor fizesse as fortificações em locais
convenientes e garantisse a obediência dos naturais para assegurar o comércio
naquelas partes; evitasse o conflito com franceses e ingleses e assim
conservasse a praça; estabelecendo que o feitor de Cacheu assistisse nas obras
que o capitão-mor decidir fazer para defender e aumentar a praça; mandando
recolher os religiosos castelhanos a Cabo Verde de onde seriam conduzidos a
Portugal, indo para o Hospício de Bissau os padres da Soledade.
Obs.:
ver AHU_CU_049, Cx. 2, D. 168.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 26.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
169.
CARTA RÉGIA AO CAPITÃO
DE CACHEU
(22-12-1686)
SUMÁRIO - Análise
das cartas do Capitão de Cacheu- Decisões
tomadas sobre cada um dos capítulos das mesmas cartas. - Faria
substituir os missionários castelhanos, pelos Padres da Soledade, que iam no navio que
levava a carta régia, com todo o bom modo, mandando-os para Cabo Verde.
ANTONIO DE BARROS
BEZERRA,
Cappitam Mor de Cacheo. Eu elRey uos enuio muito saudar. Uirãose as uossas
cartas de 26 de Junho do anno prezente, em que dais conta que tendes fortificado a praça de Cacheo, e reduzido o gentio sircunuizinho
á minha obediençia, ficando liures os moradores das uexaçoins que o dito gentio
lhes costumáua fazer. E tomais a repetir a mesma notiçia que já tínheis dado
dos danos que a Companhia de França, que
gouerna Joaõ de la Fuente cauza nos portos dessa costa, que saõ do dominio
desta Coroa, dizendo os arbitrios que se uos o:ffereçem para remedio delles. E como mandastes fazer hum baluarte no Rio
de Cazamansa para o segurar melhor. Dizendo mais que a Companhia dos meus
vassalos não tem a conueniençia que se entendeo quando se fes, nem os generos
quesão neçessarios para o comerçio. E que o feytor dessa praça nos duuida as
despesas das fortificaçoins, que julgais neçessarias. E que os Missionarios Castelhanos que assistem em Bissao não são
conuenientes á conseruação desse Estado. E ultimamente dizeis que alem da
lotaçaõ dessa praça, haueis mister trinta soldados para guarniçaõ e seguransa
dos fortes, que mandastes fazer de nouo. II
E
sendo considerada a materia das uossas cartas me parsseo agradesseruos nouamente
o cuidado com que uos tendes hauido em meo seruiço, que me será prezente para
uos fazer a merçê que couber em uosso merissimento e pessoa, e por esta rezão uos não posso escuzar do gouemo dessa praça, e suas
annexas, em gue a saude uos der lugar e as materias referidas se não poem
no estado que conuem. E para este mesmo fim fui seruido ordenar a Veríssimo Carualho da Costa, que hora uai gouemar as Ilhas de
Cabo Verde, que sem tomar posse do seu gouemo, e sem prejuízo algum da
jurisdiçaõ, que uos tenho dado, fosse em direitura a essa praça entender de
uós, e praticar comuosco, os meyos mais conuenientes, para se atalharem os dannos de que me dais conta, no particular da
Companhia de França, e dos mais nauios estrangeiros que infestaõ essa costa,
para que ajustados entre uós, e elle, os possais executar pelJo que uos toca,
eelle uos possa ajudar de Cabo Uerde com todos os socorros que lhe forem
possiueis; o que se entenderá naquella para que os meyos respeitarem á defença
dos meus dominios, e que não possão resultar mayores dannos, do que hoje se
padessem, nem alguns que sejão contrários ao seruiço de Deus nosso Senhor e ao
bem das almas, nem ao stabeliscimento da pas, que tem esta Coroa, com os mais
Reinos de Europa.//
E suposto que já se uos tem feito resposta sobre
este e os mais particulares que ficão referidos, uos tomo a dizer, que quanto
ao primeiro das fortificassoins, e amizade do gentio, uos deueis hauer com tal
attençaõ, que as fortificassoins se fação nas partes mais conuenientes, e
sejão aquellas que se possão sustentar com mais facilidade e deff ender com com
menor segurança, e que ao gentio trateis
de modo que tendo o certo na obediencia das minhas ordens, o possais não só
diuirtir da comunicassaõ e trato dos estrangeiros, mas ainda por meyo delle
afastallos dos pouos dessa costa. Mostrando quanto puder ter lugar a
industria, que o gentio hé o primeiro que se moue para o dito effeito; e nestes
termos achandouos com
o parecer do dito Veríssimo Carualho da Costa, que saõ conuenientes alguns fortes nos portos de maior comercio, os
podereis mandar fazer, dandome conta da gente, munissoins e armas que
necessitar a sua deffença. //
E
quanto á Companhia de França, se uos tem dito que deueis practicar com loaõ la
Fuente, e com os mais nauios Francezes, o mesmo que leuastes por instrucsaõ
para com os nauios de IngJaterra, sempre na consideraçaõ que se uos tem
aduirtido, para que se não quebrante a pas, com perigo da conseruação dessa
praça; e pello que toca aos nossos
arbitrdos me paresse só o que apontais da panaria de Cabo Verde, que por esta
cauza mando se não venda a estrangeiros. //
Sobre
o forte do Rio de Cazamansa, tendes feito, o que deueis, pois uos encomendo que
façais todos os gue uos paresserem necessarios. E sobre a Companhia de meus
vassallos a mandei leuantar, com liberdade do geral comercio de todos, como uos
constará pelo Conselho Ultramarino.//
Ao
Feitor dessa praça mando ordenar pello mesmo Conselho, que uos assistia com tudo o que ouuer na minha fazenda, para a obra dos
fortes e repairo delles, e para as mais couzas que importarem á deffensa e
augmento dessa praça e dos portos a ella anexos, ficando na uossa obrigaçaõ
o danne conta das despesas que fizeres, guardando sempre, e fazendo guardar a
fonna, do regimento, para o que tereis muito cuidado em que se justifiquem, sem
nota de que por algum modo se possão diuirtir; e isto mesmo obseruareis para
com as datas dos Reys, assim as que se costumão dar, como as que se ouuerem de
acrescentar maiores, pella occaziaõ e dependimento delles o pedir.//
E quanto aos
Missionarios Castelhanos os fareis recolher a Cabo Uerde com todo o bom modo, e
decençia que lhes hé deuida, donde o Gouemador os mandará conduzir para este
Reino, e em lugar deles poreis no Hospicio da Ilha de Bissao aos Padres da Soledade,
que hora uão neste nauio, por meyo dos quais espero, que com o zello • que tem do
seruiço de Deus nosso Senhor, e meo, e pellas uirtudes que nel les concorrem,
se augmente nessa Conquista em grande numero a conuersão das almas, e se euitem
as desconfianças de Bissao com as utilidades que puderem accrescentar a esta
Coroa, e nos não esquecereis de segurar a dita Ilha, quando a isso uos der
lugar o Rey della, e entendais com o dito Verissimo
Carvalho da Costa que assim hé necessario. E quanto aos trinta homens que
pedis, ordenei se uos mandassem, com effeito uão neste nauío.//
Encomendouos muito que com o Gouemador Verissimo Carualho da Costa uos hajais de maneira que
uos mostreis reconhecido de hir tratar comuosco os meyos da defensa e augmento
dessa praça, e portos dessa costa, para uos poder ajudar em meo seruiço, e
uos mandar os socorros de que necessitares; e ainda que esta occaziaõ o fes
passar pello inconueniente de hir a essa praça sem titolo algum, e sem tomar
posse do seu gouemo, será rezaõ que o trateis com aquellas cortezias que se
deuem a hum Gouemador, que juntamente
com o titolo de Capitam Geral dessa Conquista; e tanto a elle como a uós
ordeno, que daquelles mesmos meyos que entre uós e elle se ajustaremque possaõ
ter algum dano irreparauel na execussaõ, os suspendais
thé me dar conta, e a elle a dareis logo de tudo, o que se conthem nesta carta.
//
Escrita
em Lisboa, aos 22 de Dezembro de 686.
AHU - Guiné, cx.
3, nº 179.
D.
Pedro II, em carta régia de 22 de Dezembro de 1686, ao capitão de Cacheu, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, ordenou que os missionários espanhóis
recolhessem a ilha de Santiago, de onde o governador devia os remeter ao reino,
e que no lugar deles iria enviar capuchos da Soledade para o hospício de Bissau.
Em inícios, de 1687, os missionários deixaram Bissau definitivamente.
Terminava assim, a missionação dos capuchinhos espanhóis na
Guiné.
A missão de início sofreu fortes oposições por parte da coroa portuguesa
justificadas pelo facto do Padroado português não ter reconhecido àquele missão
enviada pela Propaganda Fide. Para além, de serem enviados por Roma, os
missionários eram espanhóis, e a Espanha era então um reino inimigo de
Portugal.
A presença de padres
espanhóis na região coexistiu com a missionação de capuchos portugueses das
províncias da Piedade e da Soledade, respectivamente. Após, a retirada
definitiva dos religiosos da província espanhola de Bissau, os missionários da
Soledade continuaram o trabalho missionário, na última década do século XVII.
1687
O régulo dos Papéis, Bacampolco
recusa a autorização de instalação aos Franceses. Os Bijagós, têm a mesma
atitude em relação à ilha de Bolama.
«Para capitão e sargento-mór do Fogo foi
nomeado Manuel de Madureira, por pesarem graves accusações contra Gouveia de Miranda, que não prendeu uns
inglezes que se melteram a bordo de um navio, vindo da Guiné ao Fogo sem
capitão e piloto, por terem fallecido na Guiné, carregado de escravos e
fazendas; ordenou-se a prisão d'elle e o
sequestro dos bens, e que se devassasse do seu procedimento.
Ordenou·se ao bispo que tomasse contas ao vigario do Fogo, Tbomé de Alvarenga, que administrava as fazendas
do piloto fallecido na Guiné, por não as querer dar ao provedor dos defunctos,
Rodrigues Bello.»
- Subsídios para a História
de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pg. 92, Lisboa, 1900
ANTÓNIO BARROS BEZERRA é capitão-mor de Cacheu até 1688 (2º
mandato)
VERÍSSIMO DE
CARVALHO DA COSTA é governador de Cabo Verde.
A
concorrência apareceu quando, por volta de 1526, embarcações inglesas começaram
a frequentar a costa da Guiné, e, em 1539, um corso francês surgiu naquela
costa. Estava em causa a defesa daquele território, o que motivou a construção de uma fortaleza em Bissau, cujas obras
foram iniciadas em 1687. Tanto mais que, em 1700, navegadores franceses
tentaram ocupar Bissau.
PAULO CARDOSO PIZARRO - Filho do governador João Cardoso Pizarro. Em 1637,concorre ao posto de capitão-mor da Praça de Cacheu. Numa carta
escrita a um amigo de seu pai ele diz o seguinte: «Depois do falecimento de meu pai JOÃO CARDOSO PIZARRO no mesmo ano que
veio governar esta ilha fiqueí nela servindo a V.M. e ocupei todos os cargos em que os
governadores me ocuparão até o de
capitão de cavalos que servi alguns anos e se o deixei de servir foi por
impedimento de um crime não cometido em meu ofício do quaI
estou hoje livre». Foi oficial da câmara/governo em 1691 e irmão da Mlsericórdia
em 1693.
Christiano José deSenna Barcellos, Subsídios paraa História de Cabo
Verde e Guiné, parte II,Lisboa. 1899, p. 63;
AHU,Cabo Verde, Papéis
Avulsos, cx. 7A, doc. 81, 3 de Junho de 1687: AHU, Cabo Verde, Papéis
Avulsos,cx. 7A, doc. 129, 7 de Agosto de 1691; AHU. Cabo Verde, Papéis
Avulsos, cx. 7A, doc. 149, 8 de Agosto de 1693.
1687/01/23
ALVARÁ
SOBRE OS PANOS QUE SE FAZIAM NAS ILHAS DE CABO VERDE E NA GUINÉ (23-1-1687)
SUMÁRIO
- Alvará em forma de lei que proibe
se não possam vender aos estrangeiros os panos e roupas que se fazem nas Ilhas
de Cabo Verde e nas costas de Guiné.
Eu
El Rey. Faço saber aos que este meu alvará em forma de ley virem, que tendo
concideração a proceder hum dos principais danos do comercio dos estrangeiros
na Costa de Cacheo do que tem com elles os meos vassallos: Hey por bem de prohibir gue se não possão vender a estrangeiros os
panos e ropas que se fazem nas Ilhas de Cabo Verde, e que todos aquelles meos
vassallos que nas mesmas Ilhas e nas Costas de Guiné tiverem este comercio ou
qualquer outro com estrangeiros, por si ou por interpostas pessoas, emcorrerão em pena de morte que esta se
execute sendo achados no dito comercioou se contra elles tão claramente
que se não possa duvidar de sua culpa; admitindose para este efeito
denunciaçoins, ahinda que seja dos cumplices, os quais serão pelJo mesmo facto
perdoados, e a todos se darão ametade do que emportarem as ditas dinumciaçoins,
fazendo as certas; com declaração que os dinunciadores ficarão na regra comua
de direito sem especealidade, de que não serão castigados, ahinda que não
provem as dinumciaçoins, e os culpados serão remetidos a este Reino com as
culpas para se lhes dar o castigo que pareser justiça, por se conciderar a dita
culpa a mais prejudicial para a comservação dos meus dominios naquella
Conquista. // _
Pello
que mando ao meu Governador e Capitão Geral das Ilhas de Cabo Verde, Ouvidor
Geral deltas, Capitão Mor da praça de Cacheo, e mais Ministros de justiça a que
pertencer, cumprão e guardem esta ley sem duvid~ alguma, e se registará
e publicará nas ditas partes para que venha a noticia de todos o que por elle
ordeno; e esta valerá como carta, e não passará pella Chansellaria, sem embargo
da Ordenação do livro segundo, titulo trinta e noue e quarenta em contrario, e
se pasou por duas vias. //
Manoel
Pinheiro da Fonseca a fez em Lisboa, a 23 de Ianeiro de 687. O Secretario André
Lopes de Lavre a fiz escreuer. / I
Rey
Conde
de Vai de Reis, Prezidente.
Esta
ley foi declarada por huma carta escrita
ao Governador VERISIMO DE CARUALHO DA COSTA, escrita em Lisboa a 23 de
Setembro de 687, em que declara Sua Magestade que todos que não são vassalos
seos, se reputão estrangeiros, por isso como tais são julgados os castilhanos. -
Livros do Conselho Ultramarino, fl. 8.
ARQUIVO DE CABO VERDE -
Liv. 42, fls. 32v-33v.
1687/02/00
«Revolta de Bibiana
Vaz
Com a
dissolução da Companhia de Cacheu foi restabelecida a administração
directa, tendo sido nomeado
capitão-mór Gaspar da Fonseca Pacheco e a seguir João Gonçalves de Oliveira. Êste último foi prêso e desterrado para Farim, em 1686 por um grupo de sediciosos capitaneados por uma indígena cristã,
chamada Bibiana Vaz e seus sobrinhos, com apoio tácito dos
comerciantes e tle uma parte da guarnição.
O Govêrno
de Lisboa, ciente do levantamento, entregou a solução do caso a Veríssimo de Carvalho
que acabara de ser nomeado governador
e capitão-general de
Cabo V eide. Êste oficial embarcou em Fevereiro
de 1687, directamente para Cacheu e efectuou a prisão de Bibiana Vaz e um dos seus sobrinhos que levou consigo para Santiago, não se deixando subornar
pela oferta de lOO escravos feita em troca da libertação dos revoltosos.
António
Barros Bezerra que também havia sido enviado para Cacheu com o fim de
apaziguar os ânimos, ficou na Praça como capitão-mor. No seu
relatório de 4 de Março, informava que estava restabelecida a tranquilidade na região, «porém que
o comércio português estava arruínado porque os ingleses e
franceses causavam ali grandes danos com os navios que metiam naqueles portos, dizendo-se senhores de tôda a
costa até ao Cabo «de Bôa Esperança».
Por seu lado, os indígenas preferiam os comerciantes estrangeiros que lhes
ofereciam maiores facilidades e artigos mais baratos.»
João Barreto, HISTÓRIA
DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg.
111
1687/02/17
ACTA DA
PROPAGANDA FIDE SOBRE A ESCRAVATURA NA GUINÉ (17-2-1687)
SUMÁRIO-
Os
missionários expõem como se reduzem à escravatura os pretos da Guiné e a
natureza dos contratos. - Os negreiros dizem das suas desculpas. - Negam-se os
sacramentos aos delinquentes. - Resposta do Santo Oficio.
Hauendo
li Missionarij di Guinea hauuto ordine dei Nunzio di Portugallo di non
abbandonare quella Missione senza espressa licenza dell'Eminenze Vostre,
rappresentano nella toro lettera al medesimo Nunzio le diffi.coltà c'hanno di
poter continuare in quel ministerio, le quali dicono hauer proposte anco alia
Maestà del Re, da cui e da questa S. Sede solamente possono sperare il modo di
superarle. Nello scuoprimento de lia Guinea, per quanto espongono detti Padri
e' e introdotto il contratto di comprare
li schiaui eh' ê il grande negozio de Christiani in quelle parti, tenendo
comercio con i Gentili, che fanno li schiaui e li uendono; e per per esser questo un contrato chiaramente
ingiusto si rende percio impossibile a Padri di conseguire la riforma de
Christiani e la conuersione de Gentili, che uogliono continuare in tal errore.
Dicono li medesimi Padri hauer ueduti li Dottori
che trattano sopra tal materia, e citano quelli che comrnunemente condannano
detto contratto per illecito, che da altri pochi uiene scusato. Ma essi
soggiungano c'hauendo conosciuto per esperienza che non solo la maggior parte
di detti schiaui, ma forse di cento uno
ne sarà giustamente fatto, ch'e il punto fondamentale della controuersia,
dicono confessare che detto
contratto e ingiusto, e li contrattatori in stato di dannazione si poi le
lasciano, e restituiscono secondo le circostanze annesse.
Tocano
(benche succintamente) li modi con che si fanno li schiaui, ó per quali cause.
Primo,
dicono che per delitto d'uno se perde tutta la sua generazione.
Secondo.
Senz'altro titolo che di restare li parenti orfani, li uendono come heredità
c'habbiano dalli morti.
Terzio.
Vanno á caccia de neri. come altri
cacciano le fiere. Quarto. La nazione la quale chiamano Rimbas, che uendono
li figli senza bisogno, ne questa necessità se essamina da mercanti, onde solamente
rimane che alcuno il quale faccia qualche delitto cade anche diligente essame
di tutti questi, non si trouarà che ad summum di cento uno sia ridotto
giustamente alia schiauitU ~inamente.
ln
oltre quello che rende tanto piu illecito il contratto, suggiungano li Padri
essere le superstizioni che commettono li mercanti Christiani, li quali
arriuando alli porti per rendersi beneuoli li Gentili et accioche li uendano
molti schiaui, permettono d'essere
sbruffati col sangue d'animali, che pare facciano sagrificij alli bianchi, come
alli Dei.
Hauendo
dunque per molto tempo inuestigado li Padri Missionarij intomo a questo
contratto, osseruando una gran cautela e circospettione, s 'operauano li
mercanti con buona fede, e ueduto che se
bene alcuno d'essi auuisato non lasciaua cosi ingiusto trafico fü necessario
negarli l 'asso1uzione, e cosi uenne a manifestarsi il sentimento de Missionarij caluniati, e perseguitati
per hauer posti quei mercanti quasi tutti in mala fede.
Questi
pero continuano nelle toro ostinazione, scusandosi su l'antica consuetudine, et
adducendo due altre ragioni à loro discolpa.
Primo,
che cauano della gentilità quei schiaui e li pongono in stato migliore di
quello, che erano prima, nel qual senso
uerrebbe ad esser lecito anco ad ammazzare li bambini dopo il battesimo per
assicurarli dai pericolo da dannarsi uenendo ad altri.
Secondo.
Che non li rubbano, ma li comprano col
próprio denaro, mostrando d'ignorare se siano rubbati o no.
Altri dicono non
prohibirlo il Re di Portugallo, e percio essere lecito. Altri asseriscono
trattarsi questa materia in Lisbona auuanti Monsignor Nunzio, e che percio
questo scriuasse á Missionarij di tirare innanzi senza inquietare la buona
fede. Mà si e ridota a tal segue la materia che sono obligati a negare li Sagramenti á quelli che non uogliano
detto contratto, lasciare e restituire.
ln
questa guisa resta irnpedire la declarazione deJla fede et esposti li
Missionarij á mille contumelie e strapazzi, tra li quali il maggiore cordoglio
s'e il ueder morire quei fedeli senza Sagramenti.
Suplicano
per tanto questa Sagra Congregatione d 'opporre remedio al bisogno di quelle
pouere anime, si come n'hanno datto raguaglio ai Re di Portugallo, e n'hanno
fatt'istanza ai Nunzio perche prema con sua Maiestà.
ln
fine dicono trouarci molt'altri abusi che rouinano quella Christianità, che per
esser chiaramente male il piu facile rimedio d'essi dipende dalle diligenza de
Missionarij, remancano d'applicarei tutto lo spirito e solo applicano deli
'autorità di poter fulminare censure, delle quali hanno tanto timore, che con
nessuna altra cosa si possono forse reprimere i vicii publici.
Dice Monsignor Segretario ch'essendosi portata la medessima materia in altre
Congregationi ad istanza de detti Missionarij nell Indie Occidentali e remessa
al Sant'Officio ne uscirono le risoluzioni, che si mandano in foglio á parte
all'Eminentissimo Ponente.
RESCRIPTUM
Remittantur
resolutiones S. Congregatio S. Officij iam emanatae ad eandem ut Dominus
Assessor eas approbare per Sanctitatem Dominum Nostrum curet, et approbatae
transmittantur Nuntio Lusitaniae, ut eas communicet PP. Missionariis, eos hortando ut summa attentione et zelo persemerent in
tollendis abuzibus.
APF - Acta S. Congregationis, vol. 57, nº
22, fls. 42v.-45v
1687/03/04
CARTA do capitão-mor de Cacheu, ANTÓNIO
DE BARROS BEZERRA, ao rei [D. Pedro II] sobre a segurança da praça e
a pacificação dos naturais com os moradores, alertando para o declínio do
comércio de Cacheu devido à presença de franceses e ingleses, desde a costa da
Guiné ao Cabo da Boa Esperança, e das movimentações de materiais e
navios de franceses para construir uma fortaleza num ilhéu de Bissau,
com o que dominariam todo o comércio na zona; informando que não estava no
regimento indicação de como deveria agir e não tinha meios para o proibir,
ficando Cacheu sem sustento e deserto se perdesse o comércio daquela barra.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 30.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
174.
CARTA do feitor de Cacheu, ANTÓNIO DE AZEVEDO FONTOURA, ao rei [D.
Pedro II] sobre o rendimento
dos navios portugueses e estrangeiros despachados naquela alfândega no tempo do
feitor MANUEL DE SOUSA [MENDONÇA
FUZEIRO]; queixando-se das ingerências dos capitães-mores
nas competências do ofício de feitor; informando que o capitão-mor [António de Barros Bezerra]
nada fazia para expulsar os franceses daquelas partes, mesmo estando eles a
construir uma fortaleza num ilhéu de Bissau.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 30.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
175.
O capitão-mor de Cacheu, ANTÓNIO DE
BARROS BEZERRA (2º mandato), não teve dúvida em se aperceber dos propósitos dos Franceses. Poucos dias depois de La Courbe largar de
Bissau, escrevia ele a el-rei, em 4 de Março de 1687, dando-lhe conta do
intento daqueles em construir mna fortaleza em Bissau, para o que haviam
enviado navios com materiais, o que o referido capitão-mor teria conseguido
evitar por intermédio do gentio. O feitor de Cacheu, na mesma data, também dava
conta a el-rei do desejo dos Franceses em construir uma fortaleza no ilhéu
junto a Bissau (deve ser o ilhéu de Bandim) -
Subsídios
para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pg. 85, Lisboa, 1900
CARTA A EL-REI D. PEDRO
II (4-3-1687)
SUMÁRIO
- Dissenção dos feitores de Cacheu
com os capitães-mores. - Abusos
destes.- Levantam-se fortes
de pau a pique e a tabanca em volta da povoação - Navios franceses em Bissau. -
Projecto francês de um forte.
Senhor
Por
sinco vias escrevi a V. Magestade dando conta de uarios negocios, e papeis que
V. Magestade me pedia, como era o rendimento dos nauios portuguezes que
despacharaõ nesta alfandega: como tambem o rendimento dos nauios estrangeiros
que despacharaõ no tempo do feitor
Manuel de Souza, e outros auizos tocantes á fazenda real, que sspero V.
Magestade fose seruido mandar rezoluer pelas
desencois que tem os feitores de V. Magestade com os capitains desta prassa,
por lhe quererem pedir que lhe paguem quinhentos e onze mil reis que vem na
folha, trezentos para datas de reis serconuezinhos, duzentos e onze para gastos
ordinarios da prassa, gue querem despendelos eor sua maõ, sem que o feitor
e seu escriuaõ o ueiaõ despender; por
este respeito e outros muitos, os ditos capitains auexaõ os feitores de V.
Magestade, fazendose absolutos en tudo, tomandolhe sua jurdissaõ, tendo poluora
e balias em seu poder, e despendendoa sem que o feitor a veia despender. E excluindo os da Caza Forte adonde sempre
foi alfandega: e elles com o poder de seu cargo a tomaõ para meterem suas
fazendas, e o feitor de V. Magestade está alugando cazas para seruir de alfandega,
sendo tudo contra a rezaõ; e naõ temos de quem nos ualler por nos ficar o
recurso nesse Rei (1) no, com esta
independencia do gouerno de Cabo Verde se fazem insolentes, por naõ estarem
debaixo de jurdiçaõ alguã: com que V. Magestade deue por os olhos nisto,
quando naõ hé escusado mandar feitor a esta prassa, pellas muitas sem rezoins
que fazem os capitains della aos feitores, naõ lhe querendo asinar a dispeza
que fas com os filhos da folha, indo contra o seu Regimento, fazendo escriuaõ
da fazenda e mais officiaes delta pessoas de sua maõ, para fazer o que quizer,
encontrando o Regimento do feitor en tudo o que pode; tudo em rezaõ de lhe naõ
qurer fazer os pagamentos, assim das datas dos reis como tambem os dos gastos
ordinarios da prassa. ·
A companhia tem feito
dous fortes de paos a piques que estauaõ no chaõ, e tambem tem feito a tabanqua
que rodea a esta pouoaçaõ, e athegora hé o que tem feito; nos reparos de
artelharia senaõ tem feito couza alguã. Des que chegamos a esta prassa, que fará o
primeiro de Junho dous annos, athé oie, que se contaõ quatro de março, nunca daqui sairaõ nauios inglezes em
franquia, sem o cappitam mor desta prassa fazer huma demostraçaõ pellos botar
fora, confonne V. Magestade ordena, e manda em seu Regimento, dando porescuza
tem auizado a V. Magestade .Rara mandar o que mais conueniente for a seu real
seruiço.
Em
a Ilha de Biçao, que seraõ sincoenta legoas desta prassa, estaõ quatro nauios fransezes fazendo negocio para toda esta Costa e
dizem vem fazer huã fortaleza em hum Ilheo que está pegado á Ilha de Biçao;
e tirando enformaçaõ sobre este negoçio,
me diseraõ que hum capitaõ de huã das naos francezas mandara cortar ao dito
Ilheo huã pouca de lenha para gasto do nauio, e que dahi se leuantaraõ que
queriaõ fazer fortaleza, o que athé gora naõ tem feito nada. Esta hé a inf
onnasaõ que achei; e não se me oferese outra couza de que fassa auizo. // •
Nosso
Senhor guarde a V. Magestade para emparode seos vasalos.
Cacheu,
4 de Março de 1687.
Leal
vassalo de V. Magestade
Antonio
de Azeuedo Fontoura (1)
AHU - Guiné, cx.
3, doc. 30.
(1) Recebeu carta de feitor
de Cacheu por três anos, dada em Lisboa. a 22 de Março de 1675. Vid. ATT- Chancelaria de D. Pedro li, liv. 17,
fl. 84.
CARTA DO CAPITÃO DE
CACHEU A SUA MAJESTADE EL-REI (4-3-1687)
SUMÁRIO-
Fortificação da praça de Cacheu. -
Franceses e ingleses arruinaram o comércio. - Os franceses projectam fazer
uma fortaleza no porto de Bissau - Importância do comércio para sustento
de Bissau.
Senhor
Por
cinco viaz tenho feito prezente a V. Magestade o estado desta praça de Cacheo, agora se offereçe de passagem hU
nauio que vay para a Curunha e por eBe o faço do que mais há acreçido athé esta
hora. Enquanto a esta praça a tenho
fortificada e o gentio circunuezinho muito humilde e quieto e os moradores
liures das vexaçois que lhes custumauaõ fazer, porem o comerçio perdido e
arruinado com os françezes e inglezes, como largamente por todas as vias
tenho manifestado a V. Magestade nos avizos que tenho feito, sendo os françezes os que mais danno nos
fazem hoje pellos muitos nauios que tem metido nestes portos, fazendosse
senhores de toda esta Costa athé Cabo de Boa Esperança, como se verá pello
Regimento que tem de seu Rey christianissimo, cujo treslado remeti com a carta
de 24 de Junho a V. Magestade. Hoje se me offerece fazer a V. Magestade
prezente em como os françezes em hil
porto que chamaõ Bissao pretendem fazer fortaleza e tem já os materiais
aprestados para o dito effeito e tem mais três fragatas de guerra e força e
coatro embarçaçois mais pequenas asenhoreandosse de todo o negoçio que tem toda
esta Costa, como largamente tenho referido en todos os avizos que tenho
feito a V. Magestade, que sendo os ditos francezes senhores do dito porto saõ
de tudo o mais que há desta bàrra para fora e eu o atalho tudo quanto posso. Com o gentio parece tem hum ilheo pegado ao
dito porto, adonde a poderam fazer sem os ditos gentios lho poderem jmpedir e
eu me vejo perplexo que não tenho no Regimento que V. Magestade foi seruido
mandarme dar, deçedido nada com esta naçam françeza e sobre tudo naõ tenho
forças para executar esta prohibiçam; já tenho feito prezente a V.
Magestade en como esta praça de Cacheo
se naõ pode sustentar sem o comerçio desta barra para fora e rios e portos
circumuezinhos e a passagem deste comerçio hé o dito porto de Bissao, adonde
todos os portuguezes vaçallos de V. Magestade vaõ portar com suas embarcaçois,
que se fazem tal fortaleza como o jntentaõ, se acabará de despouoar Cacheo, que
esses poucos que nelle assistem os tenho mais por força que por vontade, por se
naõ poderem sustentar sem terem os generos que lhes saõ necessários para
sustento de suas caz.as e familias, nem tem erdades aJguas mais que custumauaõ
fazer e se me tem algtls sabido fogidos
desta praça para os matos, por se naõ poderem sustentar nella; as fragatas
que digo saõ de alguã força mas naõ saõ de guerra e como o tenho feito
largamente por cinco vias e dado conta a Vossa Magestade do estado desta praça
e comercio desta Costa, naõ tenho mais de que fazer avizo. Guarde Deos a
catolica pessoa de.V. Magestade para emparo de seus vaçallos.// Cacheo de Março
4 de 687.
a. Antonio de Barros Bezerra
Ao
Conselho parese fazer prezente a V. Magestade o que escreue Antonio de Barros Bezerra, capitam mor de
Cacheu, e o feitor da dita praça, e no que pertense a este Conselho se tem
satisfeito ao que V. Magestade foi seruido ordenarlh.e pelo decreto de 28 de
Setembro de 1636 e que no que pertense á Secretaria de Estado deue V. Magestade
ordenar que quando não tenhaõ bido as ordens de que o dito decreto fas mensão,
se remetaõ logo.//
Lisboa,
e/ 9 de outubro de 1687.
(Duas
rubricas)
A' margem: Hauendo
alguns papeis ajuntense e com elles haja vista o procurador da Coroa. Lisboa, 6
de Agosto de 1687.
(Três
rubricas)
Nos
negocios desta carta está prouido pelo decreto incluso, e se falta algua couza
na execuçaõ delle, se deue logo fazer. No mesmo decreto se dis que quanto a os
francezes, e ingrezes se mandaua escreuer peJa Secretaria de Estado, e o
negocio uerdadeiramente, a ella pertense, mas necessita de prompta resoluçaõ.
Lisboa, 28 de Agosto de 1687.
(Rubrica
do Procurador da Fazenda)
AHU - Guiné, cx.
3, doc. 30.
1687/03/08
CARTA DO
CAPITÃO-MOR DE BISSAU A SUA MAJESTADE EL-REI (8-3-1697)
SUMÁRIO-Procedimento
do Rei de Azinhate - Maneira de agir do Bispo - Lançam o fogo
ao convento dos franciscanos - O Bispo parte da Guiné sem se despedir de
ninguém.
Senhor
O anno paçado V. Magestade me fes mercê da Capitania Mor deste Bissau onde lhe dei conta a V. Magestade de minha
chegada e do estado em que ficaua a terra, com muita quietaçaõ entre mim e os
Reis gentios, e depois da partida dos nauios, este Rey de baixo chamado Azinhate, mostraua se estar uestido com
pelle de· cordeiro e o coraçaõ era de leaõ ferós; asim que uio hir os nauios, e
que me adoesseo toda a gente, naõ ficaraõ mais que outo ou des homens em pé, porquanto os filhos da Ilha saõ piores para
este clima do que os que uem dessa Corte, nem saõ soldados mais que huns brutos
montanheses, fugidos do seruiço de V. Magestade. Este Rei Azinhate, a sua gente e alguns christaõs seos parentes o
fizeraõ Rey com as suas seremonias diabolicas, que costumaõ fazer com as suas
chinas, e tanto que se uio Rey hé tanta a sua soberba, comessou logo com thais
com brancos que naõ era ouzado a prender huã pessoa que elle naõ piesse logo a pedir por
ella para a soltar, e sempre vindo com muita gente, como que a queria tirar por
força; foi taõ atreuido este
Rey, uindo o Bispo de ver se podia resgatar huns gurumetes e dois soldados que
estauaõ prezioneiros no gentio, serconuezinho deste, nor causa de eu ter mandado fazer huã amarraçaõ por mor de huns
gurumetes que me fugiraõ para a banda deste gentio, por ser asim estillo da
terra foraõ taõ fracos o ajudante que mandei com coatro soldados e os mais
gurumetes, que uendo uir huãs canoas de gentio sem peleijarem nem atirarem arma
nenhuã se lançaram ao Rio, donde morreo o
ajudante e dois soldados, os coais resgatei, que me custou de tratamentos mil reis o
resgate de todos, e uindo o Bispo, como asima digo, de uir fazer esta
diligencia, o foi o Rej encontrar o caminho com ~uitos
soldados e
o descompos, dizendo lhe que elle era culpa[ do] de leuar seos parentes a
Lisboa, para lhe uender a sua terra, e
se naõ fora hum Capitão que foi com elle, chamado Barnabé Lopes, filho da
terra, lhe podia soçeder alguã desgraçia, o que elle atalhou, mas hé certo
senhor que como os homes tem mais timber do que haõ de ter e saõ profiosos nas
suas cousas, tudo lhe sosede o reues; o
Bispo asim que chegou a esta praça depois de se hirem os nauios, comessou a
tirar deuaça geral e antes que a fizeçe fes sinco columbas para meter a gente
que prendeçe nesta deuaça; prendeo muita gente donde entraraõ alguãs parentes
dos Reys gentios, e indo os Reis ambos o conuento adonde elle asistia, lhe
soltaçe duas sobrinhas que estauaõ prezas e dandolhe palaura que as soltaria,
com tudo uieraõ ter comigo para rogar tambem por ellas, e indo eu pedir lhe
dizendo lhe que era bem que soltaçe aquellas molheres, que naõ fazia couza
nenhuã em as soltar, porquanto poderia auer grande dessensois com os Reis e que
V. Magestade me ordenaua muito a oseruaçaõ com este gentio, e como naõ tinha fortaleza para me defender,
que era força que sofreçemos tudo o que pudecemos athé que Deos mostraçe tempo
com que pudeçemos com suas rezistençias. //
O
Bispo senhor se mostou muito hirratado comigo, dizendo que me meteçe no meo
gouerno, que a melhor mercê que lhe podia fazer era naõ auere fazer de conta
que elle naõ estaua neste Bissau; eu me retirei pata minha caza e ao dia seguinte mandou embarca as duas
sobrinhas dos Reis para a pouoaçaõ de Geba, que ao embarca dellas foi tanto
o pranto e choro deste gentio que me naõ estreui a ouui1lo e fichei as portas e
me meti dentro em caza, e na madurgada
seguinte, depois de partirem estas molheres, pellas duas horas ante menhã
puzeraõ o fogo o conuento dos Rellegiozos, donde lhe acodi logo com os meos
soldados e mais pouo desta praça e naõ
foi posiuel atalhar o ensendio, porque deo em huã pouca de poluora que o Bispo
tinha na sua sella, que fes mais ensendio. Só o Bispo saluou alguãs couzas, que foi toda a sua prata e cama, uendo este, suposto estauamos
dezencontrados pellas rezois atras referidas, me fui deitar aos seos pés
dizendo uiesse para a caza forte com os Rellegiozos athé se concertar o
conuento otraues e que eu me mudaria para a caza da Companhia; elle me disse
que naõ queria, que eu que tinha muita gente em minha caza e que a naõ queria
desacomodar; mudouçe para o sitio
chamado a Banana entre o gentio e alguns christaõs; dali a obra de uinte dias
lhe tornaraõ a pôr o fogo á caza, donde elle sobe serto foraõ huns seos catiuos
por lhe quererem fugir; eu senhor tirei deuaça pello encendio do conuento,
a qual remeto a V. Magestade, o que enclue o
Bispo, se tirou desta praça para a pouoaçaõ de Cacheu para de lá se embarcar
sem se despedir de ninguem se embarcou, de que fiquei mui pezaroso, por se
hir desta praça, porquanto a sua doutrina naõ a há melhor, e hé hum seruo de
Deos, que tal me faça Deos meus filhos, tenho dado conta a V. Magestade do que
tenho passado nestas couzas, cuja pessoa de V. Magestade guarde Deos para
emparo de seos uassallos.//
Bissau,
8 de Março de 697 annos.
O
Capitam Mor
AHU - Guiné, cx.
3, nº 244. - Original.
1687/03/26
OFÍCIO do [missionário da província de capuchos
da Soledade], frei Francisco de Pinhel, ao
[provincial, frei Luís de S. José], acerca do dinheiro que deixou ao síndico FRANCISCO GARCIA, da fidelidade ao rei demonstrada
pelo [piloto da nau Milagres], JOÃO GOMES, da boa
recepção que teve do rei de Bissau, da grande prudência e zelo do governador e capitão-general de Cabo Verde, [VERÍSSIMO CARVALHO DA
COSTA]; solicitando mais frades para aquelas partes.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 33.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
176.
1687/04/02
CARTA do governador e capitão-general de Cabo Verde, VERÍSSIMO CARVALHO DA COSTA, e do
capitão-mor de Cacheu, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, ao rei [D. Pedro
II] informando que concordavam na forma de conservar e aumentar aquelas
conquistas e atenuar a falta de moradores e as quebras no comércio: construir as fortalezas de Bissau e de Bolor para impedir o
comércio francês e inglês, respectivamente; fazer duas galeotas idênticas às da
Índia, com duas peças na proa, para controlar as actividades naqueles rios,
recorrendo aos conhecimentos do piloto da nau Milagres, JOÃO
GOMES; conquistar as terras circunvizinhas com o auxílio de 600
homens, mesmo que fossem criminosos porque o clima era punição suficiente;
informavam que o meio de sustentar aquele lugar era permitir, mesmo que
provisoriamente, o comércio com os estrangeiros, porque até à conclusão das
fortalezas receberiam os direitos; declarava o governador que o rei de Bissau e
os seus vassalos tinham apreciado os presentes, bem como a presença do padre Francisco de Pinhel e mais
missionários, e tinham enviado uma comitiva com três escravos para enviar ao
rei de Portugal, e indicado o melhor local para a fortaleza de Bissau, para a
qual fora nomeado Manuel Teles de Avelar.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 34.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
177.
CARTA DO GOVERNADOR DE
CABO VERDE E DO CAPITÃO-MOR DA GUINÉ A EL-REI (2-4-1687)
SUMÁRIO-
Mandam fazer as fortalezas de Bissau
e de Bolor- Ordenam se façam duas galeotas, com duas peças à proa. - Podiam as terras da Guiné
conquistar-se com 600 homens- Enviou ao Rei da terra o presente del
Rei de Portugal e os padres missionarios - Manda três negros como escravos para el-Rei.
Senhor
Por carta de V. Magestade de 28 de Dezembro de
1686, foy V. Magestade seruido ordename
uiesse a esta praça de Cacheu, sem tomar posse do meu gouemo, para entender do
Cappitam mor ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, e conferir com elle os meyos mais convenientes
para a conseruação e augmento desta Conquista, a qual se acha na mayor
attenuação e miseria que pode ser, com a falta de moradores e de comercio, por
ser este todo de Franceses e Ingleses, os quais achey desta barra para dentro,
e naõ largaõ estes dilatados Rios com muytos nauios, e estes carregados dos generos de que os naturaes
necessitaõ, dandolhos com tanto commodo, que só os seus se gastaõ, como se
uê pellos que aqui ficaõ ainda da companhia extinta e deste modo desfrutam os estrangeiros todo o precioso de
Guiné, e os naturaes estaõ taõ affeiçoados a estas conueniensias, que hé certo
os desejaõ só a elles.
Vendo
eu, e o dito Cappitam mor o estado em que isto se acha, nos pareceu faser este
papel, e dar principio ao ultimo remedio que isto pode ter, e uniformemente
ajustarmos se faça a fortaleza de Bissau, que com ella diuertimos aos Franceses
a naõ façaõ, porque a não ser o Rey, taõ amante de V. Magestade, o teriaõ conse
ido, para o que he ped1raõ licensa, e elle lha naõ guis dar, dizendo tinha V.
Magestade na sua terra huã Igreja que era a sua fortaleza: esta ajustamos, como
digo, se comesse logo, com que fica aquelle porto uedado, e seguro de que os
estrangeiros intent~ o que pretendiaõ faser.
Resoluemos mais se faça
logo a fortaleza de Bolor. na paragem que esteue a outra, por naõ hauer alguã mais
conueniente, por ser tudo terra alagada, sem agoa doce, e á nossa uista
mandamos abrir tres cassimbas, e em todas achamos agoa salgada;. e supposto que
esta fortaleza de Bolor não defende os tres canaes, ainda que tenha a mayor
artilharia que nunca no mundo houue, comtudo defende o canal mais seguido, e
respeita esta barra, diuertindo o desejo que o Ingles tem deste sitio,
porquanto nelle fas a sua agoada, e naõ hé o menos sadio para a gente que nella
assistir, e justamente por ser a pouoaçaõ de negros de mestiços.
Ajustamos
tambem se façaõ duas galiotas para nauegarê estes Rios, as quais haõ de ter
duas pessas á proa, por ser assim conuiniente, e que estas sejaõ feitas na
fonna daquellas que V. Magestade tem nos mares da India, por serem estes Rios
muyto simi1hantes áquelles, e com estas se pode impedir e respeitar a entrada
delles, e castigar as pouoaçois que estes negros insolentes tem na beira mar, e
de algum modo atemorizallos para que naõ admitaõ os estrangeiros.
Como
nestas partes naõ há carpinteiros que saibaõ obrar esta casta de embarcaçois,
nos pareceu faser e]eiçaõ do piloto da nau Milagres, que aqui achamos, por nome
Ioaõ Gomes, por ter .uisto estas embarcaçoens, no qual conheci grande uontade
de se ficar exercitando neste seruiço de V. Magestade, que sem embargo de que
naõ hé carpinteiro, tem muyta experiensia, e ninguem milhor que elle há de
obrar isto; e de outro modo seria necessario uirem oficiais desse Reyno para se
conseguir esta obra: este homem tenho mandado a Bissau com outro morador nestas
partes, por nome Francisco Telles, em companhia dos padres missionarios, com o
mimo que V. Magestade foy seruido mandar áquelle Rey, e do que com elle passare
darey conta a V. Magestade.
Pareceunos dizer a V. Magestade que o mais unico e ultimo remedio que isto pode
ter, junto ao que se fica obrando, hé conquistarense estas terras, o que se poderá faser com 600 homens,
que com os brancos e pretos dizem se poderaõ ajuntar nesta praça e suas annexas
dusentos, enas Ilhas de Santiago alguns, enas dos Assares muytos, que em
carauellas se podem condusir aqui, despejando
as cadeyas desse Reyno para esta conquista, porque ainda que sejaõ homens de
grandes crimes, se lhe naõ pode dar maior castigo, pello nociuo da terra, e
asperidade della: esta gente há mister alguns homens soldados para cabos, e
de boa resoluçaõ: e só
nesta fonna que temos dito, poderá hauer christandade, e grande utilidades á
real Coroa de V. Magestade.
O
modo de se sustentar esta conquista (sendo V. Magestade seruido a haja) o deue V Magestade mandar
considerar, como também o dispendio que esta praça fas, e o que haõ de faser as
fortalezas que V. Magestade manda obrar, porque o dinheiro que o Feitor disque
tem poderão ser quinze ou desasseis mil cruzados, os quais com breuidade se
dispenderaõ na paga da infantaria, e principio das fortificaçois, e emquanto
estas naõ estiuerê leuantadas, naõ deixaraõ os estrangeiros de entrar, por naõ
terem quem lho impida; e sobre este particular nos pareceu dizer a V.
Magestade, que se elles haõ de entrar neste meyo tempo sem utilidade, ao menos
deixe alguã nesta alfandega, pagando nella os direitos, que se athé agora ao
menos o tiuecem feito, uisto entrare como em sua casa, haueria nesta da
alfandega muyto dinheiro; esta faculdade e licensa (sendo V. Magestade seruido)
a poderá conceder por algü tempo, com condiçaõ que no se hé detenninar ajustem
suas contas, para que naõ tenhaõ a occaziaõ de izer que u~ a
cobrar as suas diuidas, como já o fizeraõ no tempo em que o Cappitam mor
Antonio de Barros Bezerra ueyo a esta praça.
Com
esta remetemos a V. Magestade hum tenno de tudo o que se ajustou entre mim e o Cappitam mor Antonio de Barros Bezerra,
a cujo cargo fica tudo para o mandar obrar com aquella promptidaõ que V.
Magestade ordena por carta sua de 22 de Dezembro, e ao meu naõ lhe faltar em o
ajudar, e socorrer com tudo o que me pedir; assim como V. Magestade o ordena
por carta de 23 de .Nouembro: este tenno uay assignado por ambos; e pellos
officiais da Fazenda de V. Magestade desta praça
de Cacheu, os quaes assistiraõ ao fazer delle.
Quando
V. Magestade seja seruido que eu
VERISSIMO CARUALHO DA COSTA uá pessoalmente dar conta a V. Magestade de
tudo que nesta conquista ui, (porque com a minha presença poderey milhor
informar a V. Magestade) o farey logo, e achando V. Magestade que tenho
prestimo para o seruir, tomarey a uoltar a esta praça de Cacheu para nella
obrar aquillo que V. Magestade ordenar, e nesta absensia que eu fizer (quando
V. Magestade assim o permita) deixarey o
gouerno pollitico á Camera daquella Ilha, e ao Sargento MAYOR ANTONIO DA
FONSECA PINTO, o qual athé o prezente se tem portanto com grande cuidado, e
disuelo, no seruiço de S. Magestade.
Nesta
mesma carta dou conta a V. Magestade de como tenho mandado a Bissau, que dista desta praça 30 legoas
a falar com el Rey, e hoje que se contaõ dous de abril, chegou a resposta
delle, a qual com esta remeto a V. Magestade, como também a que lhe escreui (1)
e me consta pella sua carta, e pel1as pessoas que lá mandey os aluorossos com
que elle, e os seus fidalgos, e pouo receberaõ a lembransa que V. Magestade tem
delle, e a alegria com que tarnbem receberaõ ao pe, FR. FRANCISCO DE PINHEL, e mais religiosos missionarios, e o
vestido, e mais couzas que V. Magestade foy seruido se lhe mandasse; elle me deu logo o milhor sitio que aquella
Ilha tem para se faser a fortaleza, e desta praça me naõ uou athé naõ
dispedir o que hé necessario para o principio della, porque como os negossiosque o Cappitam mor tem saõ
muytos quero eu uer se em parte (ainda que me detenha mais alguns dias) o posso
ajudar.
EIRey
me inuiou o seu general e seu filho e alguns fidalgos e lhe fis aquelle
agazalho que entendi era necessario para os contentar, e agora os remeto, que
assim mo pede o Rey, como tambem as pessoas que uaõ dar principio áquella obra,
e duas pessas de artilharia, e seis
soldados, emquanto naõ uaõ outras, que saõ as que bastaõ para tomar posse do
lugar determinado para a tal
fortificaçaõ, para a quel nomeamos MANOEL TELLES DE AUELAR, homê honrado, e
pessoa de satisfaçaõ, que em o estado do Brasil e Reyno de Angola, tem seruido
a V. Magestade; espero em Deos faça elle por merecer a V. Magestade neste seu
seruiço muyto. Este Rey manda a V.
Magestade hum negro e huã negra, com hu filhinho, todos uaõ, que bem sey
hauerá gouemadores menos escrupulosos, e eu estimo muyto a sua dita de se
tirare da gentilidade, e ire ser
escrauos de hum taõ religioso e catolico Rey, como V. Magestade, que Deos
guarde muytos anos como todos hauemos mister. li
Cacheu,
2 de Abril de 1687.
aa)
Veríssimo de Carvalho da Costa / Antonio de Barros
Bezerra
AHU - Guiné, cx.
3, nº 187. Original.
(1) No AHU não estão
guardadas estas cartas.
1687/04/04
CARTA do capitão-mor de Cacheu, ANTÓNIO
DE BARROS BEZERRA, ao rei [D. Pedro II] informando como os gentios
amigos de Portugal comerciavam com outros gentios e compravam produtos dos
franceses; declarando que acordara com o governador e capitão-general de
Cabo Verde, VERÍSSIMO CARVALHO DA COSTA, construir duas galeotas
para controlar aqueles portos e rios e travar o comércio com os estrangeiros,
assim como a construção
das fortalezas de Bissau e Bolor imporia o respeito do domínio da coroa
portuguesa; alertando que
saindo João de La Fuente, administrador da Companhia de França, da Feitoria de
Bissau, vieram outros administradores para erguer uma fortaleza; dando
conta que todas as despesas das fortalezas, das galeotas e das dachas [dádivas]
dos reis vizinhos seriam por ele conferidas, sendo seu administrador MANUEL DA SILVA BOTELHO.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 36.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
178.
O chefe respondeu, em 4 de Abril de 1687, acedendo de melhor
vontade ao pedido. Em vista desta boa disposição dos papeis, o capitão-mor Barros Bezerra enviou Manuel
Teles com alguns soldados, duas peças e material para dar imediatamente início às
obras.
O ano de 1687 foi, pois, o primeiro em que as
autoridades portuguesas se instalaram no porto de Bissau com o
objectivo especial de o defender contra as pretensões dos franceses.
1687/05/12
Nomeação
de D. FREI VICTORIANO DO PORTO como
bispo de Cabo Verde por bula do papa Inocêncio XI
Chegou
a 17.04-1688. Faleceu a 21.05.1705. Era franciscano da Província da Piedade.
Lutou contra a escravatura. Concluiu as obras da Sé e pôs o maiores esforços na
fundação de um Seminário.
1687/05/20
Data da tomada de posse do novo governador, VERÍSSIMO CARVALHO DA COSTA. Em visita à Guiné, também informou ao sobre o assunto, por carta
datada de Cacheu em 2 de Abril de 1687, referindo as medidas acertadas em conjunto com
capitão-mor, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, para evitar o
estabelecimento dos Franceses:
"Uniformemente ajustamos se faça a
fortaleza de Bissau, que com ela divertimos aos Franceses a não
façam, porque a não ser o rei [de Bissau, BACAMPOLO-CÓ]
tão amante de V. Majestade o teriam conseguido, para o que lhe pediram licença,
e ele lhe não quis dar, dizendo tinha V. Majestade na sua terra uma igreja que
era a sua fortaleza."
E acrescenta:
"Dou conta a V.
Majestade de como tenho mandado a Bissau que dista desta praça 30 léguas a
falar com el-rei, e hoje, que se contam 2 de Abril, chegou a resposta
dele, a qual com esta remeto a V. Majestade como também o que lhe escrevi, e me
consta pela sua carta, e pelas pessoas que lá mandei os alvoroços com que ele e
os seus fidalgos e povo receberam a lembrança que V. Majestade tem dele, e a
alegria com que também receberão ao padre FR.
FRANCISCO DE PINHEL, e mais religiosos missionários, e o vestido e mais
coisas que V. Majestade foi servido se lhe mandasse; ele me deu logo o melhor
sítio que aquela ilha tem para se fazer a fortaleza... El-rei me enviou o seu
general, e seu filho e alguns fidalgos e lhe fiz aquele agasalho que entendi
era necessário para os contentar, e agora os remeto que assim mo pede o rei,
como também as pessoas que vão dar princípio àquela obra, e duas peças de artilharia e seis soldados,
enquanto não vão outras que são as que bastam para tomar posse do lugar
determinado para a tal fortificação para a qual nomeamos MANUEL TELES DE AVELAR (...)."
1687/06/17
CARTA DO
BISPO DE CABO VERDE SOBRE O BAPTISMO DOS ESCRAVOS (17-6-1697)
SUMÁRIO
- O Bispo critica a nova carta de
resolução sobre o baptismo dos escravos, mais fácil de escrever que de executar
- Desacordo entre o administrador da Companhia de Cacheu e o Prelado
sobre o mesmo assunto.
Senhor
Por
carta de V. Magestade de 5 de Março deste anno, uejo a rezoluçaõ sobre
os Baptismos dos escrauos, que prouuesse a Deos que fosse taõ facil a pratica,
como foi a especulaçaõ nesta materia.
Hé certo que os adultos ainda no artigo de
morte, se naõ podem baptizar sem o Cathecismo; e hé certo tambem que este se
lhe nam pode fazer em Guiné, assim pello pouco tempo, como pella grande
rusticidade dos escravuos e incapacidade delles, pois a sua meditação hé buscar
meyos de quebrar as correntes e grilhoes, e tomarem para as suas terras; e isto
mesmo succede quando chegaõ a esta Ilha de S. Tiago, porque ainda que perdem as
esperanças da patria, saõ taõ buçaes que passaõ muitos mezes e muitos annos sem
fallarem palavra crioula, e depois que a comesaõ de falar hé que entra o ensino; e como os nauios da Companhia se naõ podem deter, hé sem duuida que
daqui por diante a mayor parte dos escrauos que se embarcarem haõ de hir sem
baptismo, dizendo seus Senhores, que tem uindo por escala; e eu já com esta
rezoluçaõ fico com a consiensia quieta, e sem entender nesta materia, que por
dar execuçam á primeira ordem de V. Magestade incorri em grande crime com os interessados na Companhia, o qual
castigaõ com me naõ embarcarem nos seus nauios os materiaes necessarios para
acabar a Sée.li
A
minha queixa do anno passado foi que tendo o
administrador da Companhia em seu poder e de seus amigos mais de hum anno
seruindo os escrauos della, os quizesse depois embarcar sem serem baptizados,
e esta falta de charidade hé que meressia estranhada, e que se lhe puzesse
remedio; mas paresse que Deos lhe castiga com os muitos que lhe morrem gentios.
Nem me será possiuel nas embarcaçoes que os leuarem mandar
Clerigos, porque se as que uem desse Reino, onde há tantos sacerdotes
dezocupados os naõ trazem, como hiraõ desta Ilha, onde saõ tampoucos, quanto
mais que os escrauos que naõ estaõ capazes de serem baptizados quando embarcaõ,
hé impossiuel que se capacitem na uiagem; tomaraõ eles em lugar da doutrina,
agoa da fonte, e hirem mais dezafogados, que no pataxo em que agora me recolhi
de Guiné, o arquearaõ em o mesmo numero de escrauos que hauia na pouoação para
embarcar, que eraõ perto de quatrocentos, e logo o sahir da barra, lê começaraõ
a dar somente de beber huã ues no dia; serue muitas uezes o resgate de os
mandar mais sedo a penar no outro mundo.//
E
se por algum modo se poderão cathequizar os escrauos em Cacheo, seria se
houuesse huá Caza grande cuberta de telha que seruisse de escrauaria, onde
estiuessem livres dos incendios e onde os achassem juntos os
Religiosos e Vigairo (?) para os ensinar, obrigando aos Senhores que os
puzessem nella; naõ em caza dos gentios
(como fazem muitos) athé á hora da partida,( ... ). li
Finalmente
das clauzulas da carta de V. Magestade o que uejo estar na minha maõ hé fazer
com que os Mestres dos nauios leuem certidam dos que naõ uaõ baptizados, que
será a mayor parte da armaçaõ; e se Deos nosso Senhor quizer mais alguã couza a
fauor daquellas
pobres almas, poder tem para lhe dar remedio. O mesmo Deos guarde a V.
Magestade. / I
Ilha
de S. Tiago, de Junho 17 de 1797.
a)
Fr. Victoriano Portuense
Bispo
de S. Tiago
AHU
- Cabo Verde, cx. 8.
1687/11/08
CONSULTA da Junta Geral das Missões ao rei D.
Pedro II sobre a carta do rei de Bissau, informando o quanto este apreciara a
chegada dos missionários e de como dera consentimento para a construção da
fortaleza naquele lugar, prometendo defendê-la e não comerciar com os
estrangeiros; sobre como o maioral de Bolor aceitou uma fortaleza nas suas
terras; acerca dos presentes que se deram ao rei de Bissau e da escolha de FRANCISCO TELES DE AVELAR para
chefiar a construção da fortaleza, devido ao seu tacto para ganhar a
confiança daquele rei negro.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 40.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
182.
1687/11/13
CONSULTA da Junta Geral
das Missões ao rei D. Pedro II sobre a verba da Fazenda Real que o feitor de Cacheu, ANTÓNIO DE AZEVEDO
FONTOURA, tinha para a construção das fortalezas de Bolor e de Bissau, e as
dúvidas no câmbio da mesma, de barafulas para cruzados; propondo-se enviar um
sindicante a Cabo Verde e a Cacheu.
Obs.:
barafula era a moeda usada em Cabo Verde e Guiné.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 41.
AHU_CU_049, Cx. 2, D.
184.
CONSULTA DO CONSELHO
ULTRAMARINO SOBRE O REI DE BISSAU (13-11-1687)
SUMÁRlO
- Cartas recebidas do Rei de Bissau,
dizendo o grande gosto com que recebeu os missionários, oferecendo-se para se fazerem fortalezas - O maioral de Bolor oferece a mesma vantagem da fortaleza - Manda lá Francisco do Avelar fabricar a
dita fortaleza
Senhor
O
Rey da Ilha de Bissao escreue a V.
Magestade a carta que com esta consulta sobe ás reaes maõs de V. Magestade,
mostrando a sua obediencia, o seu amor, e o seu respeito, para o seruiço de V.
Magestade; dizendo o grande gosto com que aceitou os Missionarios, e a vontade com que deu consentimento para
se fazer a fortaleza de V. Magestade no çytio, que se lhe apontou mais
conveniente para ella; promettendo naõ conhecer outro Senhor, defender a mesma fortaleza, e rezistir a
toda a força, ou conveniencia dos estrangeiros, que com elle quizerem ter
comercio. O mesmo dizem o gouemador Veríssimo
de Carvalho da Costa, e o Capitaõ
Mor ANTONIO DE BARROS BEZERRA, e juntamente o padre Missionário FR. FRANCISCO DE PINHEL.
Offertou este Rey a V.
Magestade huns negros, que saõ os fruttos que costumaõ tirar da sua regailia; os
quais, como aviza o gouemador Verissimo de Carvalho, e justifica por documentos
que enviou, seguiraõ para o matto na Ilha de Cabo Verde
O mayoral, que assim se
chama, das terras de Bolor, tambem com grande vontade aceitou a fortaleza que
se mandou fazer nas suas terras. A Bizáu foraõ aJguãs pessoas que mando
Verissimo Carvalho da Costa, levar o prezente de V. Magestade e vltimamente tomou para a mesma Ilha
Francisco Telles de Avelar, a dar ordem a se fabricar a dita fortaleza. E
porque neste principio hé conveniente toda a moderaçaõ, toda a industria, e
toda a arte, para se continuar a confiança, amor, e fidelidade do dito Rey de
Bizâu; e na pessoa de Francisco Telles consiste o principal fundamento desta
conveniencia.
Pareceo
que V. Magestade deve mandar aggradecer ao dito Rey os effeitos da sua vontade
com segundo prezente, e com todas as demonstraçoes
que elle
pode esperar da real generozidade de V. Magestade. E que a Francisco Telles de Avelar mande V. Magestade encomendar a
importancia deste negocio, declarandolhe, que do bem que obrar se darã V.
Magestade por bem servido detle, e lhe fará toda a mercê que merecer o seu serviço~ e que fazendo o contrario experimentará de V. Magestade o
mayor castigo.
E
quanto ao mayoral de Bolor, que V.
Magestade lhe mande aggradecer pello Cappitam Mor a sua vontade, e o seu
serviço com alguã dadiva que o correspõda, e o certefique no amor de V.
Magestade, que fará o que mais conveniente for a seu real serviço. //
Lisboa,
em 13 de Nouembro de 687.
aa)
Conde
de Vai de Reis I Roque Monteiro Paim /João Vanvessem (?) /.Bento
Teixeira de Saldanha I Sebastiam Cardoso de Sampayo / Manuel Lopes de
Oliueira.
/À
margem/: Como
pareçe. Lisboa, 19 de Dezembro de 687.
(Rubrica
de e/-Rei)
AHU - Guiné, cx.
3, Doc. 193. Origina].
1687/11/27
Dr. Manuel Delgarte da Costa - nomeado
ouvidor por carta de 27 de Novembro de 1687.
1688
«D. Fr. Vitoriano. da Costa, ispo, assumiu
interinamente o govêmo em 1688. Tanto o ouvidor
Delgarte da Costa como a Câmara de Ribeira Grande se queixaram ao rei contra o bispo por abusos
de autoridade e intromissão nos serviços de justiça, tendo o Conselho Ultramarino
opinado
que
se deveria tratar da nomeação imediata do governador efectivo.» João
Barreto
☻ RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA é capitão-mor de
Cacheu interinamente até 1689
☻ Uma feitoria francesa criada em Bissau em 1688 foi abandonada no ano
seguinte devido à oposição dos comerciantes portugueses e
luso-africanos. Em 1700 os franceses regressaram, e em 1708 os comerciantes portugueses abandonaram Bissau. Andre Brué,
director da Companhia das Índias nesse período, possivelmente tendo visitado
Bolama em 1700, ou deve ter tido conhecimento da
ilha a partir do relato feito por La Courbe (Hair1990: 5-6). Em qualquer dos
casos, Brué recomendou a criação de um entreposto comercaial em Bolama, mas a
sua proposta proposta não foi aceite por razões que se prendem com exigências financeiras (Jore, 1965: 111-112; Knight-Baylac, 1970: 77).
1688/01/05
CARTA
RÉGIA AO GOVERNADOR DAS ILHAS DE CABO VERDE
(5-1-1688)
SUMÁRIO - Comércio dos estrangeiros que entravam livremente nos portos da Guiné -
O governador mandou fazer uma fortaleza
em Bissau. - Ficava obrando a fortaleza
de Bolor.
VERÍSSIMO CARVALHO DA
COSTA
(1), Amigo:&ª. Havendo mandado ver o que me escrevestes, e o Capitão mor da Praça de Cacheu, ANTONIO DE
BARROS BEZERRA, acerca do comercio ser todo dos estrangeiros, que nos meus
portos entravão, e sahião livremente, sendo hua das cauzas a falta de meios
para os impedir, e a vontade dos naturaes, e dos Reys vezinhos, que admitião a
sua correspondência pelo interesse dos preços em que lhes davão as fazendas e
que tratando dos meios com o dito Capitam mor, e pessoas praticas, como se vos
encarregou, mandastes fazer logo a
Fortaleza de Bissáo, que o Rey daquella Ilha aceitou com grande veneração
Minha, por respeito da qual não tinha concentido aos Francezes, e se ficava
obrando, e que o mesmo Rey, aceitára os Padres Missionarios que mandei á dita
Ilha, em lugar dos Castelhanos, que nella assistião; e que a Fortaleza de Bolor se ficava tambem
obrando, confórmandovos com o dito Capitam mor, no sitio, que havia escolhido o Capitam mor JOZÉ GONÇALVES DE OLIVEIRA,
por ser o mais conveniente para a deffença dos Rios de Cacheu, e assistencia
dos soldados, em rezão do clima,e a
agoa, que nelle havia, a qual senão achára no sitio dos Faluphos, que me tinha
apontado o dito Antonio de Barros, e q, para a defença da Praça de Cacheu,
e das povoaçoens que habitão os Rios daquele destricto, era conveniente haver
nellez duas galleotas, como as da India; e por nessa partes não haver
carpinteiros, que as soubessem obrar, se offerecia fazellas, João Gomes, piloto da nau Milagres,
e lhe tinheis encarregado a obra dellas, e que para segurança dos mesmos
Rios, augmento da Christandade, e utelidade do Comercio, comvinha fazer-se guerra aos Reys vezinhos, porque dominadas as terras,
que confinão com os portos de Cacheu, não terião nelles comercio os
estrangeiros, e poderião os Missionarios, tirar o fructo da Ley Evangelica,
que não experimentavão;
E porque a falta de
meyos para se sustentarem os Prezidios das Fortalezas duvidando, que os haja
para elles se porem em sua perfeição; porquanto o Feytor não tinha mais dinheiro da
Fazenda Real, que os direitos, que ficarã,o da Companhia, que importarão
quinze, ou dezaseis mil cruzados, se
devia permitir o comercio dos estrangeiros, emquanto as Fortalezas não tinhão a
defença, e os Prezidios de que necessitavão: Me pareceo dizer-vos, que no
particular da falta do comercio de meus Vassalos dos portos de Cacheu, e
frequencia (2) do que nel1es fazem os estrangeiros, comercio que . se 1hes
devia permitir por tão sertos meyos, que deveis procurar para a obra da
Fortaleza, e galeotas, cumpraes, deis satisfação inteiramente ao que fuy servido
ordenarvos nesta materia.
E quanto á Fortaleza de
Bolor,
hé conveniente no sitio,em que a mandastes fazer, e tinha apontad:0 ao Capitam mor Jozé Gomes de Oliveira, e
não haver outro mais acomodado, para se fazer; e a Fortaleza de Bissáo hé util, que se conheçe ser o remedio em
que mais se pode confiar, não só a utilidade do comercio, mas ainda a conservação da Praça de Cacheu, e pello tempo em diante
poderá ser consequencia do Governo pelo clima, segurança, e interesses, que
della podem rezultar á Minha Fazenda. E no tocante ás galeotas que se offereceo
fazellas o piloto da nau Milagres,
vos encomendo muito, me avizeis com toda a certeza, e experiencia do
effeito das ditas galeotas, se navegão com segurança, e se tem o prestimo para que forão ordenadas, sem que se possa
entender, que aprovo, ou condeno por hóra, a assistencia deste piloto nessa
Conquista; e no particular da guerra que inculcaes se faça aos Reys
Vezinho, Vos ordeno e mando, q. trateis de deffender as Fortalezas, e povoações
Minhas; e de procurar a redução dos
negros, por meio dos Missionarios, procurando toda a paz, e concordia, com
os Reys negros, e de concervar com boa correspondencia no amor, e fidelidade, que
se expirhnenta no Rey de Bissáo, pera comigo; e nesta conformidade, o mando tambem ordenar ao Capitam Mor de
Cacheu, Antonio de Barros Bezerra, de q. vos avizo para o terdes entendido.
Escrita
em Lisboa, a 5 de Janeiro de 1688
Rey
//
O
mesmo se participou a Antonio de Barros
Bezerra, Capitam mor de Cacheu.
Joaquim
Miguel Lopes de Laure
AHC - Cabo Verde.
(1) Carta patente de 5-3-1686. ATT - cx.1-A-A Chanc. de D. Pedro II, liv. 64, tl. 39.
(2} Carta patente de 5-3-1686. ATT- cx. 7 - A Chanc. de D. Pedro II, lív. 64, fl.39.
1688/02/18
CARTA DO
CAPITÃO DE CACHEU SOBRE O HOSPÍCIO DOS FRADES (18-2-1688)
SUMÁRIO
- Diz que Sebastião Vidigal mandara
fundar o hospício junto do rio por viver ali e que a povoação não tem lugar
para se mudar, ando ser para a Tabanca. - Como ali há pouca caridade
precisam os Religiosos se lhes dê uma ordinária .
Satisfazendo
ao que se me ordena sobre o sitio do Hospicio de Cacheu, digo que elle foi
feito na borda do Rio por cauza do fundador Sebastiam de Vidigal viueo naquelle
lugar, que era o que o fez e sustentava, e com
a morte do dito fundador acabou tudo, e os Religiozos o não podem sustentar
por ser iunto do Rio que o arruina, e ás cellas, e não há lugar para se
alargarem, nem a Pouoaçaõ tem para onde se possa mudar; e só dentro da Tabanca que cerca a caza forte se pode fazer, entre o forte da Calaca e o de S. Francisco iunto
ao muro.li
E
porque naque1la terra há pouca caridade, senão podem sustentar os Religiozos na
falta do fundador, que lhes daua meza geral, e assim carecem de huma ordinaria
para se sustentarem, e conseruarem naque11a terra em que saõ de muita
utilidade. Isto hé o
que
posso dizer sobre este negocio.//
Lisboa,
18 de Feuereiro de 1688
a)
Jozeph de Oliueyra
AHU -Guiné, cx.
3, Doc. 199. Original.
1688/04/17
Foi nomeado bispo de Cabo Verde o franciscano D. VITORIANO PORTUENSE Nascido no Porto, em 1651, D. Fr.
Vitoriano Portuense (chamado no século Vitoriano da Costa) foi sagrado
bispo de Cabo Verde em 14 de Setembro de 1687, chegando à ilha de Santiago em 17 de Abril de 1688, onde, uma semana
depois, assumiu, além da função eclesiástica, a do governo da província, por motivo
da retirada do governador VERÍSSIMO CARVALHO DA COSTA, só entregando este
último cargo em 1 de Março de 1690.
D. Pedro II escolheu-o para o
bispado certamente por lhe conhecer a virtude e a alta capacidade de acção,
qualidades muito convenientes para enfrentar a melindrosa situação que no
domínio da acção missionária se verificava na Guiné, particularmente em Bissau.
«O
governador Veríssimo de Carvalho da Costa foi levado a abandonar o governo,
fazendo a entrega ao bispo; além da causa da doença por que jã tinha solicitado
a exoneração, que ficou sem resposta, allegara ainda mais a escassez da
receita, de 3006000 réis apenas, quando a despeza variava entre quinze e
dezeseis mil cruzados, sujeitando-se a não rec~ber os vencimentos, embora El-rei lhe mandasse pagar na Guiné, com o
dinheiro da terra, panno de Cabo Verde, que só alli corria; e fundamentou este
pedido dizendo não poder continuar a valer-se dos moradores para o sustentar
e a bem creados a ponto de ter vendido as alfaias da sua casa.
Pediu mais para que se
lhe mandasse pagar com o dinheiro depositado para a fortificação do ilheu da
Praia, por haver jã quem ã sua custa quisesse forliftcar a villa.»
- Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, por
Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pg.
93, Lisboa, 1900
1688/05/15
Nesta data chegou alliMANOEL DA COSTA RAMALHO, enviado para sindicar da Fazenda. Logo
depois o Governador, VERÍSSIMO CARVALHO DA COSTA, entregou o governo ao
Bispo D. FR. VICTORIANO DO PORTO e
se embarcou para o reino em Junho desse annno.
1688/05/31
CARTA
RÉGIA A BARROS BEZERRA (31-5-1688)
SUMARlO- Manda
fazer um hospicio aos Padres da Soledade junto da fortificação de Cacheu, entre
o forte da Calaça e o de S. Francisco, junto
ao muro.
ANTONIO DE BARROS
BEZERRA.
Eu EIRey uos emuio muito saudar. hauendo mandado uer o que me representaraõ os
Relligiosos da Prouincia da Soledade, que asistem no comuento de Cabo Verde,
açerca de ser preçiso mandarsse fazer hum Hospicio junto á fortificação dessa praça de Cacheu, capaz de se recolherem
nelle seis Relligiosos que ordinariamente assistem nessa missaõ, para se euitar
o descomodo com que passaõ na dita praça. //
Me
pareçeo ordenamos (como por esta o faço) que façaes aos ditos Relligiosos o
Hospicio refferido, dentro da tabanca (1), entre o forte da Calaça e o de saõ
Francisco, junto ao muro, ualendouos pera este effeito da comsignaçaõ mais
promta, sem embargo de qualquer ordem por que esteja aplicada pera outro
effeito. //
Escrita
em Lisboa, a 31 de mayo de 688.
Rey.
AHU
- Cód. 489, fl. 64.
(1) Tabanca ou tabanga: aldeia.
1688/06/00
D.
FR.VICTORIANO DO PORTO Governador de Cabo Verde e da Guiné Desde Junho de 1688
1688/07/00
«O cabido queixou-se do bispo (Victoriano do Porto), porque em
julho de t688 remetteu ao seu procurador em Lisboa, o conego Manuel da
Silva Cardoso, cinco mulheres e um homem, escravos, quatro
quintaes e uma arroba de cera e dez onças de algalia.
Embora não houvesse declarado o que mandara ao seu procurador, que devia
ir recebei-o a bordo, como tivessem os guardas que verificar o conteúdo
acharam todavia que occultamente iam peças de oiro, prata e dinheiro, o que por ordem de sua mãe se entregou ao
desembargador João Tello da Fonseca, conservador da Universidade de
Coimbra; além disto enviou pelo P. Fr. João de S. Romão tres vidros
de algalia, que o P. Fr. Bartholomeu de S.Jeronymo
mandou arrecadar; n'uma caravella mandara mais seis escravos e outras
fazendas; esta caravella naufragou junto da Terceira, salvando-se só uma negra, que a mãe do bispo recebeu.
O
referido conego exprobara ao bispo o seu procedimento por saquear um
bispado tão pobre, não escapando até as lampadas.
Tirou o
dinheiro das fabricas e irmandades das egrejas e o grandioso serviço de
prata que a Sé tinha desde 1635 para ornato da mesa episcopal.
O conego deixara de ser procurador, e o cabido pediu a El-rei para
que ao bispo não lhe fosse pago o ordenado
emquanto não entrasse com a prata que subtrahira á mitra e com o dinheiro
tirado ás fabricas e irmandades.
O· saque feito ãs egrejas, principalmente á Sé e palacio
episcopal, fabricas e irmandades, a estas o dinheiro e
ãquellas os objectos de prata, oiro e mais coisas, constava mais
detalhadamente do seguinte, além do já meneionado: uma
letra de 20$000 réis e 350 patacas para a mãe, D. Polonia de Oliveira; dois
caixotes contendo 408$000 réis em dinheiro, meio dobrão e 730 patacas; de
prata: uma boceta, um annel grande de pontifical, uma porção de metal
derretido, uma lampada com bola, um saleiro, tres pucaros, uma salva, vinte e
qualro colheres, vinte garfos, dez pratos grandes, tres pires, dois pratos
pequenos, cinco cepos, uma campainha, dois pratos pequenos de cozinha, dois
maiores; de estanho: dois pratos e uma salva; de oiro: om papel com vinte e
cinco contas, tres anneis, um prato com tres tinteiros; dois pannos pintados e
um colchão bem lavrado, de algodão, com franja, toalhas de mesa e guardanapos.
Recommendava o bispo que lhe remettessem trinta pipas de cal e cincoenta duzias
de taboado para concluir a Sé, o que seria pago com a remessa que fazia, e o que sobejasse se entregasse á sua mãe.
É o maior saque, de que temos noticia,
succedido em Cabo Verde.»
- Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, por
Christiano José de Senna
Barcellos, parte II, pgs.
100-101, Lisboa, 1900
1688/10/06
Nomeação
de D. ANTÓNIO SALGADO, capitão de Infantaria, para o posto de capitão da praça
de Cacheu
1689
JOSÉ
PINHEIRO DA CÂMARA
é capitão-mor de Cacheu interinamente até 1690
Neste ano faleceu em Cacheu o sindicante
Manuel da Costa Ramalho, que de Cabo Verde para ali tinha passado.
Em 1669, para além da
igreja matriz de Nossa Senhora do Vencimento, no bairro da Vila Fria, Cacheu
dispunha da ermida de Santo António, dedicada depois pelos frades capuchinhos a
Nossa Senhora da Candelária. A Guiné
exercia pouco fascínio as autoridades diocesanas, pois, limitavam a enviar
anualmente durante a Quaresma um visitador às povoações onde residiam cristãos.
Até ao século XVII a acção missionária era quase que inexistente. Contra a
expansão da fé católica na região contribuíram factores como a carência de
missionários e a afluência do Islão.
1689/04/02
«Francisco José
Teixeira Carneiro - nomeado por decreto de 2 de
Abril de 1789, tomou posse em 21 de
Janeiro do ano imediato.» João Barreto
1689/01/20
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D.
Pedro II sobre uma consulta anterior à carta do capitão-mor de Cacheu, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, que relatava o
declínio do comércio naquela praça devido à concorrência dos estrangeiros, a
falta de gente e moradores, as razões por não se terem feito as galeotas e de
os ofícios não serem servidos pelos seus proprietários; dando conta que as
fortificações de Bissau e Bolor se tinham feito com o apoio de BEBIANA VAZ DE FRANÇA, em agradecimento
pela sua liberdade e que o pagamento das dachas [dádivas] aos reis vizinhos se
faziam pela verba do feitor ANTÓNIO DE
AZEVEDO FONTOURA; referindo a sindicância
executada por MANUEL DA COSTA RAMALHO, por ordem régia, a todos estes
factos.
Anexo:
parecer, consulta, cartas.
AHU-Guiné,
cx. 3, doc. 52, 50, 51 e 48.
AHU_CU_049, Cx. 3, D.
191.
I found your blog and it was really useful as well as informative thanks for sharing such an article with us. We also provide services related to certificación GOST-R
ResponderEliminar