1660
Formação da COMPANY OF ROYAL ADVENTURERS TRADING TO AFRICA, destinada a abastecer de escravos as Caraíbas Britânicas.
1664
Em 1674, foi publicado o Regimento para os «Armazéns da Guiné e Índia e Armadas» e, em 1690, a sede da «COMPANHIA DE CACHEU E CABO VERDE» instalou-se na ilha do Príncipe com o objectivo de fornecer escravos às Índias Espanholas.
Essa circunstância conflitual que se perpetuou ao longo do século XVII com outros rivais europeus levou, com o passar do tempo, a um quase esquecimento oficial, sublinhe-se, da costa entre o cabo e o rio Senegal, como claramente atesta a documentação de 1664 relativa ao projecto da feitoria de Palmida que uma companhia de particulares queria fundar naquela secção do litoral, abrigando-a numa casa forte cuja construção poderá ter sido uma realidade (1).
A efectiva vigência desta Companhia dos irmãos LOURENÇO PESTANA MARTINS e MANUEL DA COSTA MARTINS foi efémera apesar de estar prevista para durar 8 anos: segundo uma consulta do Conselho Ultramarino de de 1671, teria sido apenas armado um navio suspendendo-se logo depois o resgate, por um “acidente” não especificado (2). Note-se que o projecto, maioritariamente corporizado por estrangeiros, de “nações amigas”, não terá resultado, directamente, de interesses cabo-verdiano-guineenses (3).
“O resgate de Palmida he na entrada do Rio Senega que fiqua em altura de quinze graos e meio ao norte de cabo verde VI legoas a cujo contracto andou sempre este resgate aneixo por ser no destrito de suas conquistas mas pella falta que nestes tempos ha de navegação pera aquellas partes não temos comunicasão nenhũa hoje por este resgate nem pera outros muitos que estão por toda aquella costa de Guiné…” (4)
(1)Na documentação usa-se a expressão ambígua (utilizada para a fortaleza de Cacheu inúmeras vezes mandada construir) sobre a casa forte “que se fabrica” (ver doc. infracitado). De concreto temos o plano, ainda hoje existente, dessa casa forte: cfr. planta e alçado em perspectiva da feitoria de Palmida c. 1664: AHU, Cartografia manuscrita, 153 (o forte seria em madeira e na sua maior extensão 37 pés de comprimento). V. AHU, Guiné, caixa 2 doc. 34. Lisboa, 24 de Setembro de 1664, as nomeações de capitão e tenente para a casa forte que se fabricava constam, pub. in MMA, VI, p. 269.
(2) V. Cristiano José de Senna Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, Parte II (1640-1750), Lisboa, Academia Real das Ciências, 1900, pp. 46-47 e Cândido da Silva Teixeira, "Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné", Boletim do Arquivo Histórico Colonial, vol. I, Lisboa, 1950, pp. 87-132, p. 110.
(3) Cfr. AHU, Guiné, caixa 2, doc. 36. 4 de Outubro de 1664: v. a lista dos estrangeiros que iam com o contratador Lourenço da Costa Martins, para os quais ele pede autorização, esclarecendo que não havia portugueses interessados no seu projecto.
(4) AHU, Guiné, caixa 2, doc. 33-A. Lisboa, 9 de Agosto de 1664 (optámos nesta citação por não actualizar as maiúsculas em“cabo verde”, que sublinhámos)
Num documento de 1664 aparece um primo de LEMOS COELHO, MANUEL COELHO DE MELO, nesta época seu sócio no tráfico de escravos. Na Rellação da gente da governansa e cidadões que ha nesta ilha de Santiago do Cabo Verde, tirada da mostra geral que pasou António Galvão governador e Cappitam geral das ditas Ilhas em 2 de Fevereiro de 1664 annos consta “Manuel Coelho de Melo de idade de 50 annos. Consta por huã Provizão do governador Pedro Ferraz Barreto ser Cappitam do Rio de Balloula feita em 12 de Junho de 654 annos.”
A “Rellação” citada está anexa à carta do Governador António Galvão a El-Rei, Santiago, 28 de Junho de 1664. AHU, Cabo Verde, caixa 5A, doc. 175. Manuel Coelho de Melo é depois nomeado com o título de “Capitão”, por exemplo, num documento da Ribeira Grande feito perante o ouvidor geral em 22 de Dezembro de 1669. Cfr. AHU, Cabo Verde, caixa 6, doc. 52.
Para administração do tráfico de escravos, a Coroa portuguesa optou inicialmente pelo regime de comércio livre, com o arrendamento dos direitos alfandegários a contratadores. Face aos maus resultados financeiros dessa solução, foi implementado, a partir de meados do século XVII, o sistema de companhias comerciais de carácter monopolista. A primeira dessas companhias foi aprovada em 1664 com o nome de COMPANHIA DA COSTA DA GUINÉ
1670/12/26
ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA mandou 100 escravos impedir o embarque do clérigo ESTÊVÃO FREIRE que ia para Portugal queixar-se de sua família.
A.H.U., Cabo Verde, Papéis Avulsos, cx. 6, Doc. 44, 26 de Dezembro de 1670.
1672
Criação em Inglaterra da ROYAL AFRICAN COMPANY, que deteve até 1698 o monopólio da importação de escravos para a América Inglesa e foi responsável pela construção de dezenas de fortes na costa africana.
1677/03/10
«António do Vale de Sousa e Meneses, fliho do antigo governador do mesmo apelido, nomeado em 10 de Março de 1777, tomou posse em 21 de Maio na Vila da Praia. O Senado da Câmara de Santiago dirigiu a S. Majestade em Abril de 1778 uma representação agradecendo a extinção da Companhia do Grão-Pará e solicitando algumas providências no sentido de acudir à miséria do arquipélago.
Sobre esta exposição o Conselho Ultramarino deu um parecer, propondo a colonização das ilhas com casais naturais de Moura, Golegã, Ribeira do Sado e doutras terras de clima semelhante ao das ilhas, juntando-se-lhes 800 a 1.000 casais de pretos resgatados na Guiné, que no fim de dez anos de trabalho ficariam livres.» João Barreto
1682
1684
1682
1684
1684/03/28
A forma degradante como os escravos eram transportados nos navios levou o rei D. Pedro II – o Pacífico – em 28 de Março de 1684 (um ano depois do início do seu reinado) a decretar uma lei sobre as arqueações dos navios que carregassem escravos africanos, melhorando as condições de transporte
LEI SOBRE A ARQUEAÇÃO DOS NAVIOS (28-3-1684)
SUMÁRIO - Manda arquear os navios negreiros e estabelece as penas em que incorrerão os mestres, capitães de navios e senhores das embarcações que /orem contra a lei. – Penas em que incorrerão os funcionários do Governo que não zelarem a fiel execução da mesma lei.
Dom Pedro por graça de Deos Rey de Portugal e dos Algarves, daquem e dalem mar em Africa, Senhor da Guiné, e da Conquista e navegação, comercio de Ethiopra, Arábia, Percia e da India. //
Faço saber aos que esta ley virem, que dezejando que em todos os Domínios da minha Coroa, e para com todos os vassallos, e subditos delle, se guardem os dictames de rezão, e da justiça; sendo informado que na condução dos negros captivos de Angolla para o Esrado do Brazil obrão os carregadores, e mestres das naos, a violencia de os trazerem tão apertados e unidos, huns com os outros, que não somente lhe falta o dezafogo necessario para a vida cuja conservação hé commua, e natural para todos, ou sejão livres ou escravos. mas do aperto com que vem sucede maltrataremse de maneira, que morrendo muitos chegão impiamente lastimozos os que ficão vivos. 11
Mandando conciderar esta materia por pessoas doutas de toda a satisfação, práticas e intelligentes nela, e querendo prover de remedia a tão grande dano, como hé conveniente ao setviço de Deos Senhor, e meu, tanto pello que a experiencia tem mostrado em os navios que carregão negros em Angolla, como pello que pode suceder em os que custumão tambem carregar em Cabo Verde, em São Thomé e nas mais Conquistas, fui servido rezolver, que daqui em diante se não possão carregar alguns escravos em navio, e quaisquer outras embarcaçoins, sem que primeiro em todas e cada hum delles se faça a arqueação das tonelladas que podem levar, com respeito dos agazalhados, e cubertas para a gente, e do porão para as auguadas, e mantimentos, tudo na forma seguinte.
1 Todos os navios que sahirem deste porto para o de Angolla, e outras Conquistas quaisquer para carregarem negros, sejão nelle arqueados pellos Ministros, e mais pessoas que mandey declarar em hum decreto ao Conselho Vltramarino, que inteiramente se cüprirá, como nelle se conthem.
2 Na cidade do Porto, fará esta diligencia o Supertendente da Ribeira douro, em sua falta o Juis da Alfandega, com o Feitor dos Galeoins, Patrão Mor, e Mestre da Ribeira, e parecendo ao dito Supertendente, ou Iuis da Alfandega, chamar de mais hüa thé duas pessoas, que sejão zellozas, e tenhão sciencia, e pratica desta matéria o poderá fazer.
3 Nos mais portos deste Reyno observarão esta mesma ordem, as pessoas que tiverem cargos semelhantes, aos que ficão referidos.
4 Os navios que vão ao Estado do Brazil, ou Maranhão, e fazem viagem para os ditos portos das Conquistas, serão igualmente arqueados na Bahia, por o Prodevor Mor da Fazenda, e Procurador della com assistencia do Patrão Mor, e Mestre da Ribeira.
5 Nas outras Capitanias pellos Provedores da Fazenda, e Ouvidores Gerais com os ditos Patroins Mores, e Mestre da Ribeira, chamando se lhe parecer thé duas pessoas com os requizitos que se apontão, e os navios, e quaisquer outras embarcaçoins. que de Angolla sahirem para hum estado, ou para este Reyno, serão arqueados pellos mesmos Ministros e officiaes, inda que já o tenhão sido nos portos donde sahirão, com tal declaração, que se não poderá exceder a arqueação feita e que fazendose de menos tonelladas, e quantidade de negros, se cumprirá, a que de novo, e ultimamente se fizer.
6 Para se fazer esta arqueação se medirão por tonelladas todas as ditas embarcaçoins que se quizerem carregar de negros pelo cham, sem respeito a bar, tanto nas cubertas e entre pontas, se as tiver, como em os convéz, camaras, camarotes, topadilhas e mais partes supriores, e sendo navio de cuberta, e que nellas tenham portinhollas, pellas quais os negros possão comodamente receber a viração necessaria, se lutarão dentro das ditas cubertas sete cabeças em duas tonelladas; não tendo as ditas portinhollas se lutarão somente sinco cabeças as mesmas duas tonelladas nas partes supriores, poderão levar tanto huns como outros sinco cabeças miudas de idade e nome de moleques em cada huma tonellada, sem que por couza alguma se possa acrescentar este numero, ou se possaõ apertar mais as ditas tonelladas.
7 Serão obrigados os ditos navios e embarcaçoins levar os mantimentos necessarios para se dar de comer aos ditos negros, tres vezes no dia, e a fazer e levar auguada que abunde para lhes dar de beber em cada hum dia huã canada infalivelmente.
8 A este fim se arquearão, e medirão igualmente os puroins, fazendo-se estimação, e aos mantimentos e auguadas que podem receber, computados de Angolla para Pernambuco trinta e sinco dias de viagem, para a Bahia quarenta, e para o Rio de Ianeiro sincoenta, alem de mantimentos e auguadas que for necessario para a gente dos navios, e o mesmo computo se fará sempre de dés mais, nos mais portos donde se carregarem negros, a respeito do têpo que custuma ser necessario para os portos a quem forem carregados. O dito comptu dos ses dias se rezolverá daquelle em que saírem dos portos, e os mantimentos e agoa se repartirão com tal cuidado, que a todos chegue inteiramente a sua porção, evitandose toda a confuzão e esperdicio.
10 Adoecendo alguns se tratará delles com toda ·a caridade e amor de proximo, serão levados para aquella parte separados, onde se lhes possão aplicar os remedios necessarios para a vida.
11 Todos estes navios serão obrigados a levar hum Sacerdote, que sirva de capellão, para nelles dizer missa ao menos nos dias santos, e asistir aos moribundos.
12 A medição das tonelladas se fará por arcos de ferro marcados, que o Concelho mãdará ter e fazer á sua ordem, pellos que hão na Ribeira das Naos desta Cidade, e os fará remeter a todos os portos do mar das Conquistas, e aos que há neste Reyno donde se navega para elles, para que em todos se guarde esta dispozição,e nenhumas pessoas possão allegar ignorancia nos cazos em que a emcontrarem.
13 Feita a arqueação dos navios que quizerem carregar, se lançará em Livro com termo pello escrivão da Provedoria, em que asignarão todas as pessoas, e com esta diligencia se poderá abrir, e fazer os despachos dos negros que forem lotados, ou embarcação, que se puzer a carga, e nunca se poderão carregar dous juntamente, para que a titulo de ambas não possa algum levar mais que a sua lutação.
14 Do mesmo Livro, e pello mesmo escrivão se passará certidão a cada hum dos mestres, capitains ou mandadores dos taes navios, ou embarcaçoins, para que as possão mostrar nos portos para onde forem, e esta mesma ordem se seguirá, e guardará nas arqueaçoins que se fizerem neste Reyno, e nos mais portos das Conquistas donde os navios e embarcaçoins sahirem para aquellas, em que hão de carregar, para a reprezentarem primeiro que se faça nelle segunda arqueação, na· forma sobredita.
15 Nos taes portos em que se fizer a dita carga, se distinarão os barcos necessarios para ellas se fazer[em], e se mandará lançar bando pellos governadores do tempo que a dita carga há de durar, o dia em que os navios handem sahir; e que outro nenhum barco dentro do dito tempo athé os navios lançarem fora possa chegar a elle, com comunicação de perdimento dos barcos, aos que o contrario fizerem, e de quinhentos cruzados aos mestres e capitains dos navios da pena, que sem cauza justificada deixarem de sahir no dito dia; e para se evitar este inconveniente, mandará o Governador de Angolla sua lanxa, ou qualquer outra, com hum cabo deconfiança e soldado, que lhe parecer, que acompanhe os ditos navios athé duas e quatro legoas ao mar, em que possão hir bem marcados e livres dos ditos barcos thé chegarem, e os mais Governadores observarão esta mesma ordem.
16 Em Angolla se fará huma caza de recebimento como o Governador entender que hé conveniente, que fique contigua á caza do despacho, na qual se possão recolher os negros que se houverem de despachar, e donde sem outros devirtimentos se possaõ carregar nos navios logo que forem despachados.
17 Havendo nos portos das outras Conquistas em que se carregarem negros igual conveniencia, de que se concider a em Angolla, se farão cazas semilhantes para o dito effeito.
18 Poderão levar de frete os Mestres e Senhores dos navios e quaisquer outras embarcaçoins por cada hum negro, ou seja grande ou pequeno, athé sinco mil reis, e mais não; e neste respeito poderão levar os que sahirem dos outros portos athé dés tostoins mais, do que athé agora levavão, e suposto que se acrescente nesta ley o numero das pessoas que handem fazer as ditas arqueaçoins, nem por isso os ditos Mestres e Senhores dos navios darão para eles mais, do que herão custumados, quando as pessoas erão menos, e pagarão somente por cada tonellada aquella quantia que lhes der o regimento, e em falta delle o estillo que se achar mais antigo, e aprovado, por lo[n]go uzo e custume, sob pena de serem castigados os ditos ministros e mais officiais, que o contrario fizerem, ou consentirem, como deve ser, pellos erros que cometem em seus officios.
19 E porque toda esta dispozição não poderá ter execução ordenada [se] seus Ministros, aos quais pertence o cuidado della, a não tiverem muy vigilante em a cumprir e fazer guardar, e pede matéria tão relevante, a maior severidade nos que desprezando ou emcontrando as minhas ordens, forem occazião de as cometerem os abomináveis erros, que athé agora se uzão, que ordinariamente aontecia[m]; ordeno e mando que o Provedor Mor da Bahia, e os mais provedores da fazenda, que por culpa ou negligencia ou omissão deixarem carregar, ou premitirem que se carregue[m] mais negros, daquelles que forem lutados os navios por suas arqueaçoins, ou que consentirem que as ditas arqueaçoins se fação em outra forma, da que hé disposta nesta ley, encorrão em perdimento de seus officios, e na pena do dobro do vallor dos negros, que de mais forem carregados, e em seis annos de degredo para o Estado da India; que os Patroins Maiores, e Mestres da Ribeiras percão os seus officios, e sejão degradados dés annos para o mesmo Estado da India, e que todos com suas culpas formadas sejão remetidos prezos a esta Corte, para nella serem sentenciados, como também as mais pessoas que asistirem ás ditas arqueaçoins, havendose com dollo, e cometendo nella erro de culpa notaria.
20 E sendo comprehendidos os Ouvidores Gerais das ditas Capitanias, me darão conta os Governadores com os documentos, que para isso tiverem, para eu mandar proceder em elles com tanta severidade como merecer a sua culpa.
21 Cometendo esta culpa e havendose com dolo nas arqueaçoins que fizerem, e a que asistirem os officiaes deste Reyno e das Conquistas, nas quais se não carregão negros, suposto que de sua culpa se não siga immediatamente o damno das outras Conquistas e dos outros portos, comtudo, porque della se pode seguir a desobediência em castigo e transgreção desta ley, encorrerão por ella na pena de perdimento de seus officios, para não poderem entrar mai• s em meu servi• ço.
22 Os Mestres e Capitains dos navios e embarcaçoins, que carregarem mais negros de sua lutação e arqueação, pagarão dous mil cruzados da pena e dobro do vallor dos ditos negros, ametade para minha fazenda, e outras ametade para quem os denunciar ou accuzar, e serão degradados dés annos para o Estado da India; e esta mesma pena haverão os Senhores dos barcos e carregadores que levarem os ditos negros aos navios e embarcaçoins.
23 Os guardas que fizerem postos nos ditos navios e embarcaçoins, e forem scientes ou cumplices no dito crime, serão degradados por toda a vida para o mesmo Estado da India, e tanto para com huns como outros reos, e para os mais referidos serão admitidos por denunciantes e accuzadores os socios da mesma culpa, e não somente serão relevados della, mas terão o mesmo premio dos mais denunciantes, como se a não tivera[m] cometido.
24 Logo que os ditos navios e embarcaçoins chegarem aos portos para os quais forão carregados, sem alguma demora se vizitarão pellos Provedores da fazenda, ou aquelles officiaes que estiverem mais promptos, e socederem em seu lugar, quando estes estejam impedidos ou abzentes, para examinarem a carga que trazem pella certidão do Regimento dos portos donde sahirão, sendo conforme, os deixarão livremente descarregar, não sendo procederão a prizão contra os Mestres e Capitains.
25 Os Ouvidores Gerais, e Provedor Mor da Bahia, e os mais Provedores da Fazenda, tirarão devaças de todos os ditos navios e embarcaçoins, logo que chegarem aos portos de seus districtos, procurando averiguar nella se os ditos Capitains e Mestres e outras quaisquer pessoas, satisfizerão o disposto nesta ley, e procedendo a prizão contra os transgressores della, darão conta ao Governador para elle emviar as tais devaças ao Concelho Vltramarino, e remeter os prezos a esta Corte na forma referida.
26 Aos Governadores emcarrego, e emcomendo muito particularmente a exacção e execução e cumprimento desta ley; espero se hajão na observancia della com tal cuidado, que tenha muito que lhe agradecer, porque do contrario me haverey por mal servido delles; e quando a emcontrarem em algum cazo, ou de alguma ou qualquer maneira, mandarey proceder contra elles, como dezobedientes ás minhas ordens.
27 Pello que ordeno que nos capitulas da Rezidencia que se tirarem aos ditos Governadores, Ouvidores e mais Ministros, aos quais a execução desta ley deve pertencer, se acrecente que os sindicantes especialmente perguntem se elles a cumprirão e guardarão, como nella se conthem; e mando ao meu Chanceller Mor a faça logo publicar na Chancellaria, e que registe nos Livros do Dezembargo do Paço, Caza da Suplicação e Rellação do Porto e da Bahia, e nas mais partes onde semilhantes leys se custumão registar, e imprimir; e inviar copias della sob meu sello, e seu sinal ás comarcas deste Reyno e suas Conquistas na forma do estillo, por estarem de partida os navios que para as ditas Conquistas fazem viagem, se inviarão a ellas as ditas copias pello meu Conselho Vltramarino, para que os Governadores, Ouvidores e Provedores da Fazenda a cumprão e dem execução, sem embargo de lhe faltarem as ditas solenidades, e da ordenação em contrario. li
Dada em a Cidade de Lisboa aos 28 dias do mes de Março de 1684.
Rey
André Lopes de Lavre
ARQUIVO DE CABO VERDE- , liv. 42, fls. 29v-32v. - Cód. 544, fl. Sov.do AHU.
1694
1684/03/30
CARREGAMENTO DE ESCRAVOS PARA O BRASIL (30-3-1684)
SUMARIO- Manda observar a lei da arqueação dos navios com toda a exacção, para que os negros não morram por falta de espaço durante a viagem para o Brasil
IGNACIO DE FRANÇA BARBOZA, Amigo. Eu El Rey vos emvio muito saudar. Dezejando em todos os dominos de minha Coroa com todos os vassallos se guardem os ditames da razão, e da justiça, sendo informado, que na condução dos negros captivos, que vem dessas Ilhas para o Estado do Brazil e Maranhão obrão os carregadores, e mestres das naos a violencia de os trazerem tão apertados e unidos, huns com os outros, que não somente lhe falta o desafogo necessario para a vida, cuja conservação hé commua, e natural para todos, ou sejão livres ou escravos, mas do aperto com que vem sucede maltrataremse de maneira que morrendo muitos chegão impiamente os outros lastimozos, que ficão vivos; mandando considerar esta materia por pessoas doutas e praticas, e inteligentes nella, e querendo prover de remedio tão grande dano, como hé comveniente ao seruiço de Deos Nosso Senhor, e meu, tanto pelo que a experiencia tem mostrado, e os navios que carregão negros em essa Conquista, como pello que pode suceder e os que custumão carregar nos outros portos de meus dominios, fui servido rezolver, que daqui em dianhte se não possão carregar alguns negros em navios, e quaisquer outras embarcaçoins, sem que primeiro em todos e cada hum delles se faça arqueação das tonelladas, dos que pode levar com respeito dos agazalhàdos, e cuberta para a gente, e do porão para as auguadas, e mantimentos, a cujo respeito mandey fazer a ley cuja copia com esta se vos remete, por se não poder mandar em outra forma, pella brevidade com que estão para partir para essa praia as embarcaçoins que estão neste porto, me pareceu emcarregarvos, e emcomendarvos muito particularmente a exacção e execução em cumprimento desta ley, e que vos hajais na observância della com tal cuidado, que tenha muito que vos agradecer, porque do contrario me averey por mal servido, e quando a encontreis em algum cazo, ou de alguma qualquer maneira, mandarey proceder contra vós como dezobediente ás minhas ordens. li
Escrita em Lisboa, a trinta de Março de 1684.
Rey
Conde de Val de Reis.
ARQUIVO DE CABO VERDE - Liv. 42, fls. 29-29v.
Criação em França da COMPAGNIE ROYALE DE GUINÉE, sociedade comercial privilegiada dedicada especialmente ao tráfico negreiro.
Promulgação, pelo rei de França Luís XIV, do «CÓDIGO NEGRO», que aceitava e regulamentava o tráfico de escravos e a escravatura.
1686/04/14
RELAÇÃO DE FREI FRANCISCO DE LA MOTA A SUA MAJESTADE EL-REI (14-4-1686)
SUMÁRIO- Informe y Relaçion que Fr. Francisco ile la Mola, Viçeprefecto de la Mision de Religiosos Capuchinos de las Costas de Guinea y sus compañeros haçen a Su Magestad que Dios guarde, el Seifor Rey de Portugal, del modo com que los negros de dichas Costas y Rios se compran y son reducidos a cautiverio.
Digo yo, Fr. Françisco de la Mota, predicador capuchino y viçeprefecto de la Missión de Sierra Leona, Cacheo, y costas de Guinea, por nombramiento dei M.R.P. Fr. Antonio de Truxillo, prefecto de dicha missión por la S. Congregacion de Fide Propaganda, y por nombramiento de Su Magestad que Dios guarde el Sefior Rey de Portugal, que auiendo examinado con todo cuidado y diligencia el modo que comümente se tiene en reduçir a cautiuerio los esclauos que se venden en estas costas, desde el rio de Gambea en cabo Verde, asta el cabo y rio de Sierra Leona y Magrabomba, por espaçio de çerca de ocho años, que há que aportamos a ellas, a la conuersion de los gentiles y reformaçion de los christianos en que nos hemos exerçitado, informandonos, ya de los mesmos mercaderes, ya de los christianos criollos de esta tierra, que son los que mas entran a comprarlos y siruen de interpretes, ya de los mesmos esclauos, que con sinçeridad cuentan sus cautiuerios, no para defender su libertad, que no piensan ser injusta (por ser cosa tan usada la injusta su captura - a amos, por dichos informes y por largas experiençias, que el dicho contrato y compras de negros es illiçito, pecaminoso e injusto, segun en todas las dichas partes se exerçita. Porque los mas, y aun casi todos, son injusta e tyranicamente reduçidos a cautiueiro, como constará dei informe y relacion que haré adelante; y ningun examen se haçe, ni se puede haçer, de lajustiçia de dichos cautiuerios quando los compran, aun que consta que son 1nuy raros los gue com justo titulo se cautiuan. Por lo qual no hallamos derecho, titulo ni raçon alguna que pueda escusar dicho contrato de in justo y claramente illiçito, antes muchas que obligen a prohibirlo y a restituir a su libertad a todos los esclauos gue en estas partes han sido comprados, excepto alguno (que será bien raro) de quien se pueda adquirir moral certidumbre de que fue con justo titulo reduçido a cautiuerio.
Mas porque en negoçio tan graue, principahnente auiendo se permitido dicho comercio por tantos anos por reyes tan piadosos y catolicos, como los de Portugal, y por tan zelosos prelados, como los sefiores obispos de Cabo Verde, podemos y debemos piedosamente presumir que ha hauido para ello algunos títulos o raçones, que nos otros no podamos alcançar. Aun que nos pareçe claro ser injusto dicho contrato, no queremos dar, nique valga absolutamente nuestra sentença, sino que la materia se proponga, y consulten los SS. Del Consejo de la Mesa de Conçiençia y otros doctores, que tendran mas notiçias dei derecho con que dicho contrato se ha exerçitado asta aora, y si lea, para que en adelante se pueda liçitamente ejerçitar. Para lo qual, y porque no siendo veridicos los prinçipios y fundamentos (auiendose deconformar con ellos la resoluçion) no podrá asegurar nos la conçiencia, aun que salga en fabor de dicho contrato - hacemos el pressente informe y relacion verídica, quanto en conçíencia y segun Dios moralmente hemos podido alcançar dei hecho del dicho comércio, firmado de nuestros nombres, y esto como cosa publicamente sabida y conoçida, y de los rnesmos rnercaderes ingenuamente confesada, maxime antes que lo començasemos a impugnar, que agora ya procuran paliarlo y ocultarnos lo quanto pueden, si bien no pueden hallar ropa bastante para cobrir tan descubierta ni verdade de tanto tomo. Y aun que todos lo conoçen assi, no sabemos, aun que lo soliçitamos, si abrá algunos que desnudandose del humano interes (afin de asegurar sus conçiençias) querran firmar este papel, para que la confession de los mesmos interesados le de mas fuerza y autoridad. Pero sino lo hiçieren los interesados en el comercio, diremos nos otros Hana y desinteressadamente la verdad.
Relaçion del echo de los cautiuerios de la costa de Guinea
Começando por el cabo de Sierra Leona, donde primero aportamos, en cuia comarca estan a la parte del sur de dicho cabo el rio de Magrabonba, habitado de Zapes Manes. En el mesmo cabo el rio de su nombre, llamado por dicho cabo de Sierra Leona, habitado de Zapes Bagas, Bolumos y Logos. Mas arriba costa al norte está el rio de Caçeres, habitado tanbien de Bagas y Volumos (1), donde vanlos nauios de Cacheo ai trato de la cola. Mas ai norte, el rio Samos, el de Tafalis y Ponga, todos habitados de Bagas, Sosos y otras naçiones. En todos estos rios asistieron religiosos de nuestra mission. Y en ellos se compran muchos negros y marfil, y todo va a parar a los Ingleses, que estan en el de Sierra Leona. El modo de cautiuar los negros es comummente en tres maneras en todos dichos rios.
1 - La primera es, y la que tiene mas aparençia de justiçia, quando os cautiuan por alguno delito que ellos llaman chai. Y esta palabra es criolla y comun en toda la costa, y a mi parecer segun la deriuaçion que veo haçer a los criollos, para su lengua, de la portuguesa, dicha palaura se deriua de achaque. Y diçiendo ellos tienne chai para haçerle esclauo, es deçir comunmente hablando, que le achacan algun delito (o por leue, o por aparente) o que vuscan algun achaque o armadilla para que la tyrania e injustiçia con que le cautiuan no sea tan a cara descubierta (2). Puesta esta digresion para mayor inteligencia de lo que si sigue y pasa en toda esta costa, los que por este -titulo cautian son pocos, respeto de los que cautiuan con descubierta tyrania. Y el modo de aueriguar los tales chai sse conforma con el nombre assi explicado, por ser por medio de embustes y superstiçiones y por odio. Comunmente es desta manera: si alguna honza mata alguna persona, diçen que agun echiçero se entró en la onza para matarlo; y si muere por enfermedad, que echiçero lo comio, que es ·frase suya; y, finalmente no piensan que muere nadie por otro camino sino que sea por vejez. El modo de averiguar este chai y quien es el malechor (segun me refirió una persona muy practica en dichos rios, y es voz comun.y cosa sabida) es comunmente de esta manera: Mandan juntar todas las personas de quien, sin fundamento, sospechan, y puestas en rueda, víene un embustero, o adiuino, haçe sus suertes, y despues de muchas estas en rueda, viene un embustero, o adiuino, haçesus suertes, y despues de muchas ceremonias cabe a suerte a quien el quiere; porque al tal, o el,. o el que le llamó, le quieren mal. Con eso comiença el pobre a clamar diçiendo "señor, no me mateis, vendedme por àguardiente". Si ay ocasion lo venden, y si no lo matan. Y en este genero de aueriguaçiones son comprendidos muchos cristianos de aquellas partes, espeçialmente perdiendose les alguna cosa. Otras veçes usan de darles a veber veneno en prueba de su inoçencia (3), que es largo de referir este titulo aun que en los que los venden es tan claramente injusto.
De parte de los cristianos que los compran pudiera hallarse alguna probabilidad que lo escusase de illiçito, por las raçones que, contra otros, Sanchez, Cons. Mor. 1.1, cap. 1, dub 4, n. 1) esto es que si no se lo compran lo han de matar (4). Pero son muy pocos, assi en estos rios como en los que diré adelante, los que assi se venden, respecto de los muchos que con otros modos en que no corre dicha raçon se cautiuan y venden, como se verâ por esta relaçion.
2 - El segundo modo de cautiuerios que ay en dichos rios es los niños que venden los Limbas. A cuia tierra legando algun tongoma (5) a haçer negoçio, tienen este estilo, segun estoy informado: si alguna mujer quiere vender algun su hijo, llega a su veçina y diçele gue vaya a venderle su hijo por contas o abalorios, que si ella tiene algun que vender, ella se le venderá reciprocamente. Y de este modo se venden en dichos rios muchos niños salidos assi de dichos Limby no es creible que los vendan las tales madres con suficiente neçessiclad, porque de ordinario las cosas que reçiben de los blancos nos les siruen para el sustento, sino o para adorno en la vida o para ostentaçion en la muerte, que la haçen de que se conozca que tenia cosas de blanco, y lo sacan todo a plaça el dia dei enterramiento, como por experiençia vemosen esta isla de Visao; ni ellos haçen dichas ventas por titulo de necessidad, sino por costumbre.
3 - El tercero modo es que ay una casta de gente la tierra adentro de estos rios, que corre la costa toda de Guinea la tierra adentro, llamados Fullos, cuio ofiçio y exerciçio es de salteadores, y no ay otro diflero que rrobar en dichos rios sino negros. Llegan se a tempos a las tierras mas çercanas a la costa qel mar, haçen sus em buscadas y salen al camino a los pasajeros y entran en las aldeas; y quando mas descuidados estan, amarran quantos pueden auer, robandoles la libertad. Y destos es gran numero el que se vende en dichos rios, y la mayor parte, asy en los dichos, como en los demas de Guinea, donde ay muchas naçiones que tienen el exerçiçio de -los Fulos, como se uerá en adelante.
4 - Mas al norte, corriendo la costa, está el rio Nuno, donde no ha estado religioso, con el qual confinan la tierra adendro los Fulos arriba referidos, los Bagas y otras naçiones. El trato priçipal de este rio es de tintas y marfit; de uno y otro ay gran cantidad. Compranse tambien algunos negros, que, sin duda, o seran de los que hurtan los Fulos o de los que los Vagas cautiuan por los chais que arriba tengo referido, pues son de la mesma naçion que los de Sierra Leona.
5 - A pocas leguas, costa. ai norte, estan las islas llamadas de los Visogoes (6), veçinas a esta de Visao, en que ai pressente habitamos. De las quales, por el continuo comerçio que ay en ellas, siendo este el paso de las embarcaçiones que de Cacheo, Farin y Yeba, y desta poblaçion van allá, tenemos muy expresas y averiguadas notiçias. En dichas islas es el pondus del contrato de los esclauos, donde non ay otro y de donde sale la mayor parte de esclavos que van a Cabo Verde y se compran en estos contornos, y adonde van todos los afios las mas de las embarcaçiones de estas partes a solo comprar esclauos.
6 - El modo de auer dichos esclauos los negros que los venden, es comunmente en tres maneras. El primero y que tíene mas cara la justiçia, es quando los cautiuan por algun delito o châi, cuia sustançia y aberiguacion es muy pareçida a la que referi en el numero primero, porque la sustançia es, o por hurtar alguna frutilla, o alguna espiga de millo, o por algun delito fingido en la ideia dei qual quiere mil a otro y puede mas que el, o si alguno ay de mas sustançia allegase ser la aueriguaçion o insufiçiente o superstiçiosa, para cuia comprobacion referiré dos casos y el modo de aueriguacion /que/ an de estas islas, como tambien de la de Visau en que habitamos.//
Referionos una esclaua su cautiuerio, e fue assi: Casose una hermana suia, y el marido gastó una baca en el conbite de la boda; a pocos dias huiosele la muger, por lo que el tal marido amarró a la hermana con dos hijos que tenia y los vendió, por resarçir el gasto de la baca. Otra rifirió que, siendo casada, la entró un negro a violar en su casa ella dió voçes para defenderse, públicose el delito, y el delinquente, por temor de que le amarrasen, se ahorcó (que eso acostumbran escoger antes que ser esclauos); entonçes los parientes dei ahorcado cautiuaron la muger que dió voçes, por auer dado ocasion a la desgraçia. Y comunmente usan quando uno está valido y poderoso y estã agrauiado de alguna persona, irle cautiuando sus parientes, asta que muere; en muriendo este, quedan desvalidos sus parientes, y dan los contrarios sobre ellos, en vengança de los que amarró el difunto, y assi en adelante, andando continuamente amarrandose unos a otros, segun el poder que cada . uno tiene. El modo de aueriguar los châis, quando son de tomo, es juntarse Ia gente, en corro o rueda, traen una gallina, cortando la cabeça, ella va dando bueltas, y aquel junto de quien viene a parar es el delinquente (7). Y ese modo usan tanbien en esta isla de Visao, sin otros inodos comunmente superstiçiosos, que fuera largo de referir; y por el châi de uno cautiuan todo su linaje.
7 - El segundo modo es que quando alguno muere entre ellos, un pariente suyo hereda toda su familia, mugeres, hijos e esclauos, con derecho, bien tuerto, para vender a todos por esclauos. Y lo haçen assi muy de ordinario, por qualquier enojo que den al tio, o por no gostar de ellos, o por ofrecersele ocasion de mercador que los compre. Y de este genero son rnuchos mas los que venden que los dei género anteçedente de châi. Que cosa mas barbara, injusta e inhumana? Y los que apunto·con esta sinal + nº 6 tanbien son muchos, reduçense a los de châi fingido.
8 - El terçero genero que venden, que es la mayor parte, assi en dichas islas como en todas estas costas, son a cara descubierta hurtados, porque los dichos se precian de grandes guerreros y amarradores, y se tiene por mas grande entre ellos el que roba mas y amarra mas esclauos. Y assi salen de ordinario, como los Fulos por tierra, estos por agua, a corso, inuocando primero sus chinas o idolos (que cada uno tras el suyo consigo, y son tan asquerosos, que no se pueden mirar sin horror), amarrar a quantos encuentran, ora sean estrangeros, ora de los suios, ora sus parientes (que en dicha funçion, para todo leuan liçenza), como los puedan vençer, sin mas causa ni rançon.//
Rifiriome una tongoma llamada MARIA SUAREZ veçina desta poblaçion de Visao, auiendola cautiuado co arcaçion y gente os dichos Vijogoes, pasando el ai rio Grande, que preguntó a los tales que porque los cautiuauan, sin haçerles mal. A que respondieron:si te vemos con dinero y que no traes armas, por eso te cautiuamos. Que barbara sinceridad! Y assi lo usar de ordinario, y de este género son la mayor parte de esclauos que in dichas islas se venden; y esto llaman ellos irá guerra. Y tales son las que por toda esta costa se ·usan, porque qualquiera pelea de una muger con otra, de palabra, llaman guerra. Los tales cautiuos que assi amarran, o los vendeu a los mercaderes, si allan ocasion, o los truecan .por bacas a los mas poderosos de sus tierras, y que mas de ordinario los venden a los nauios. Por eso venden estos muchos esclauos que han comprado por bacas, pero son avidos comunmente del modo referido. Y de este terçer genero es la mayor parte que se venden, como ya dixe. Y estos, como les cuestan mas trabaxo, los venden mejor. Dixome un tangoma, preguntandole yo, si auia comprado alguno esclauo de los que hurtan en dichas guerras. Y me respondió: donde tengo yo baca, para comprar esclauo de guerra? (8)
9 - Mas el rio arriba destas islas estan los Biafares, en tierra firme (rio Grande). Son muchos, no tan ladrones como los anteçedentes. Compranse entre ellos no muchos negros, porque no hurtan tantos. Ellos siembran poco, porque su comun exerçicio es ocuparse enjuiçios, tratando de aberiguar châis y modos y traças de cautiuar y vender. Y especialmente ay entre ellos un rey muy poderoso y gran tyrano, que llaman dei Cabo. Es tan inhunano y cruel, que acostumbra por antojo haçer abrir las mugeres prefladas, solo por ver como está la creatura en su ventre; y suele com mayor crue1dad poner un nifto en un pilon o mortero y hacerlo pilar o machaçar en pressença de su madre; y acostumbra matar a quien quiere. Con que justiçia cautiuara el gran numero de esclauos que tiene, que vende y de que haçe liberal grandes presentes a los cristianos? Apenas va alguno a visitarle, a quien no presente aJguno,y le visitan mucho poresa raçon; a uno embia 20 esclauos de pressente. Quando va a guerra, o llamado de otros o por su motiuo, ora sea justa ora injusta (que eu eso por acá no se repara) va amarrando quantos puede por el camino,.haçiendo entradas en las aldeas comarcanas: De mas a mas corren por estas partes la tierra adentro los Fulos dei nº 3. Con que será menester, para hallar entre tantos esclavos eomo salen de estas partes i para descubrir alguno que con justo titulo sea reduçido a cautiuerio, haçer por muchos dias mui esquisitas dilencias. A lo menos, entre todos los generos de amarraçones que en toda esta costa se haçen, no hemos descubierto hasta aora uno que sea lirnpio y seguro en conçiencia entre tantos claramente injustos (9). Mas ai norte está la isla de Visao, que es de catorçe e quinçe les de trauesia. Está toda poblada, las casas unas a vista de otras, tiene nuebe reyes, todos sujetos a uno, que es su mayor. En el sitio y puerto dei rey grande ay poblaçion de asta 600 cristianos, blancos, esclauos y tongomas o criollos, desçendientes de estos genti1es, com quien estan mezclados, que no es poblaçion totalmente separada, ni los gentiles lo consienten.
Es tierra apta para muchos frutos. Aqui se venden aJgunos esclauos. Acostumbran juntarse treinta o quarenta canoas de guerra, cada una con treinta o qurenta hombres, y van a tiempos a corso, como los Vijogoes, consultando primero el suçeso que tendran con una hechisera, llamada baloba (10). Y los que amarran los traen a vender, y los venden ordinariamente por bacas, que es para ellos el mejor dinero, porque les cuestan mas trabajo, como dise de los Vijogoes nº 8. Otoso amarran por chais, en que se nsau ordinarias injustiçias y annadillas, como indica il nom bre, segun dixe nº 1. A mi me suçedió, viniendo de la tierra adendro acompanado de os rapaçes, hijos de un jagra, que deseo conuertir a la fe con sus gentes, que es aqui potentado, hallaren una tabaquera de humo en el camino entre unas matas, muy a la vista, que bien indicaba fue puesta de proposito, y lebantandola uno de los rapaçes, Je dixo elinterprete que io trai~ que era bien ladino y pratico eu sus cosas: "no lleues esa tabaquera, porque aquel negro que aora pasó la abrá dexado alli para armarte châi y venderte por esclauo, y assi lo acostumbran a hacer". II
De esto se puede inferir como son sus châis, que no es capaz este papel de referir mas. El modo de aueriguar el châi que es de alguna sustancia, usan entre otros el de la gallina, como referi en los Vijogoes nº 8, y otros superstiçiosos. Tambien acostumbran, quando muere un rey o un grande, matar algunos esclauos segun la calidad de la persona para que le siouan en el otro mundo, y de otros suelen rescatar algunos. Y aun que este genero de cautiuerio tiene sus visos de probabilidad, para comparlos por esclauos (si bien como los que los rescatan los toman para su serviçio, mas creo que deuen rescatarlos y pagarse dei rescate en seruiçios ), segun referi de Sanch. nº l, sucede que de muchos a muchos anos; quid hoc inter tantos? Y si algunos, per châi mal aberiguado, en muchos de estos rios de Guinea, matan sino los compran, eso es quando es por echiçero ordinariamente, de que digo lo mesmo, que siendo menester estirar mucho Ia theologia, despues de darle dicho tonnento son mui pocos. Y no pueden los mercadores annar una embarcacion que auia de traer setenta esclauos, para ir a buscar uno, que assi bailaria, y a riesgo de ninguno. Raros son per aqui los delitos graues, por dicho rigor; y homiçidio de negro, no he oido referir alguno, saluo los que haçen con titulo de justicia (11).
11 - Despues va corriendo esta costa haçia el norte, hasta el rio de Cacheu, por espacio de 14 o 15 leguas. La qual se diuide de esta isla de Visao con un pequeno braço de agua salada, por donde pasan comunmente las embarcaçiones de estas costas. Está habitada dicha tierra firme de Balantas y Falupos los guales acostumbran embestir a las embarcaçiones que pasan; y porque comunmente van con armas, solo haçen su echo quando las ven encalladas (que es muy de ordinario, por los muchos vajos). Entonçes se conuocan, ai son dei bonbolon, instrumento que usan, vienen, las roban y comunmente cautiuan a los pretos, y a los blancos los matan, de que hacen grande ostentaçion, teniendose por gran caballero y valiente el que mata blanco, y para eso illeuan su cabeça eu una lança. y hacen como triunfo y algazara de la valentia. De tos cautiuos, los que antes eran /fl. 4/ esclauos los venden a los hlancos, y los que eran libres los rescatan, mas se siruen de ellos hasta que lhes pagen el rescate, y no entran en quenta los seruicios para la paga, sino que despues de seruirle muchos afios, ai cabo le hade pagar, a lo menos, lo quedió por el; no es sin interes el tal rescate (12).
12 - Luego se sigue el rio de Cacheo, poilado de Fulupos, Papeles y Bañunos. Tienen guerra o amarraçones àd inuiçen unos contra otros, sin causa ninguna mas que robar mas el que pued. En su frase qualquiera rifía y robo violento se llama guerra, con que los dichos son latroçinios en nuestra frase española. Leganse tiúlbien a la poblaçion de Cacheo, y quando las rapaçillas van por agua a la fuente, que está de la poblaçion un tiro de escopeta, as amarran, y otros assi. Y luego los vienen a vender a Cacheo, en donde se compran, sin quejarse dei latroçinio, porque si diçen gue el tal esclauo era suyo, que se le han hurtado, luego forman agrauio y châi, de que le han acomulado de ladron, y le amarran algun esclauo asta que paga el fingido chái. Y en este caso los mercaderes haçen sus trampas, y suelen tener sus injustos prouechos, quando uno compra el esclauo de otro y se le pide el duef\o; de fingir de costó mas; pero lo que corre a cara descubierta es darsselo por lo que le costó. No se balia donde poner el pie, que esté libre del lazo de la injustiçia en el dicho trato, en toda esta costa. Finalmente, assi en dicho rio como en todos los de estas costas de Guinea no hemos podido descubrir algun género de cautiuerio en que se pueda asegurar la conçiencia, ni le ha de descubrir el mas apasionado por defender dicho trato, saluo algun caso muy particular de algun delito publico ynstruido o alguno que el mesmo confiessa el delito (que será bien raro). Y de otro modo no es posible aueriguarlo, como es publico y confesado de los mesmos mercadores; y si son pocos (a un respeto de que por el delito de uno cautiuau toda su parentela), que seran en comparaçion de la multitude que con la tirania se amarran y coutiuan (13).
13 - Corriendo la costa, assi mismo açia el norte, estan los rios de Gambia, Jame y Zenaga, donde non han estado religiosos, poblados de variedad de gentes, Jalofos; Mandingas y otros. En el de Jame tienen gran contrato de çera los portugueses, que está mas imediato a Cacheo, en donde asistieron religiosos portugueses de nuestra mission, de quienes no tomé informe, porque se tornaran a Portugal y no tube ocasion. Creo que si algun esclauo se vende, será y se puedereputar con los de Cacheo, que todo está conjunto y es casi un comerçio. En los rios de Gambia y Zenaga tienen faturia los franceses y ingleses, y segun me informé de un frances que llegó aqui entre otros de aquella faturia, hombre versado en la lengua latina y alguna cosa en mayores estudios, dicho trato en aquellas partes aun pasa y exçede en injustiçia a los referidos (como indica el paso que merefirió ). Sabendo que nos otros impugnamos dicho trato, quiso vuscar raçones de defensa de parte de los mercadores, y le obligué a confessar que era claramente injusto de parte de dichos mercadores. Porque, de parte de los negros que los venden, confesaua ser los mas latroçinios; en confirmacion de lo qual caso que me refirió y a el de paso fue assi: Llegó dicho frances a haçer negocio con un rey gentil, el qual embió a amarrar una poblacion entera. Vinieron todos, y dixole ai mercader que escogiese los que pareçiere; escogió unos y repudió otros, que no le eran a proposito, los quales el rey mandó tornar libres a sus casas, y ellos dieron muchas gracias al blanco porque no los quis conprar, y se foron muy contentos. Esto alude a lo que escribe el P. e Sandobal, de la Compañia, en el libro "Historia de Etiopia", donde dize que le referió un saçerdote de Guinea, en las Indias, ninguno auia libre, porque los reyes tenian por esclauos a todos sus subditos, como los señores en Europa tienen matos de ganado para su riqueça y ganançia (14). Y deuió de hablar de dichas partes; pero quien considerar lo que pasa en las mas referidas, verá que todo es uno, pues aun que no siempre estan a cara descubierta, el rei cautiua a los que se le antoja no siendo fidalgo o grande, el corsario a los que puede auer, el tio a sus parientes y sobrinos; los padres a sus hijos, el poderoso a los dei vando de su enemigo muerto o caido o desvalido, los ricos a los pobres, siendo todo una mera injustiçia. Y lo que a veçes agraua mas la materia, que los mercaderes, a las veçes, lleuando para ello mucho aguardiente (que sin esto no ay negoçio) los emborrachan y los inçitan y arguien de cobardes, si nos les venden negros, y de poco urbanos, y con eso ellos, picados de la vanidad y dei aguardiente, ofreçen traer esclauos, y van a amarrar con algun barbara titulo a los pnneros que encuentran, y muchas veçes quedan ellos en la estacada, asi lo refieren comunmente, y otros inconuenientes que despues diré.
14- Esto es lo que en brebe he podido colegir açerca de dicho contrato, de lo mucho que auia que deçir, para lo qual seria menester un grande volumen; y todo publico y notorio, voz comun de chicos y grandes, rudos y Jeydos, porque todos lo tocan y experimentan, y ninguno he hallado que diga lo contrario. De lo dicho se colige claramente que no solo la mayor parte de esclauos que salen de los rios referidos son injustamente reduçidos a cautiuerio, sino que si, de çierto, se halla uno que sea bien auido, será mucho, y aun lo pongo en duda. Y juntandose a lo dicho, el no haçerse examen de justiçia de dichos cautiuerios quando se compran, y ser moralmente imposible el hacerlo (como todos uno y otros confesan) confessando juntamente que si ubiese de contratar con dicho examen, en caso que se pudiera hacer, cesaria de todo el trato, como ello se dexa ver y apunte la raçon ai fin dei nº 10 - quien no ve ser mas claro que la luz dei dia, ser injusto y contra conçiençia dicho comercio de parte de los mercaderes, y aun de los que los compran en Europa (15), si tienen moral çertidumbre de lo que por acá pasa? Si no es que a mi la mucha claridad me quite la vista, o yo tenga el entendimento tan aluçinado que me parezcan luz las teniebras. Y porque de mi insufiçiençia lo puedo presumir, escribo este informe, para que, si es illicito V. Magestad lo prohiba, y se yo me aluçino me mande el desengafio, y de uno y otro modo se aseguren las conçiençias de estos pobres y las nuestras.
15 - Añado a todo lo dicho los grauissimos inconuenientes que de dicho comercio se siguen. El primero, es que los que compran dichos negros son ocasion de las injustiçias de los que los amarran; que si no se les compraran, tomaran otro ofiçio, en que ganaran de comer y dejaran el de furtar esclauos, pues ya no les valian dinero, que es todo su anhelo y cuidado. Assi me refirió un fidalgo de esta isla, que saliendo de aqui muchas canoas a corso, y afeandole yo Ia materia, me respondió: "Padre, bien coneçemos que eso es malo, mas vemos que los blancos todo su dinero emplean en buscar esclauos, que parece no vuscar otra cosa, y assi nos otros vamos a buscar, por el modo que podemos, aquelle porque nos dan dinero; si ellos compran otras cosas, de aquellas trataramos nos otros". Y es mas que çierto que si no Ies ubiran de dar nada por ellos, no aresgarian su vida para irlos a hurtar.
El segundo es que, espeçialmente en los Vijogoes, quando llega el mercader al puerto para agasajarlos, matan gallinas y las sacrifican al blanco, como si fuese Dios, roçiandole los pies com sangre y pegando con ella las plumas, y assi los enpluman, y lo mismo haçen ai mastil dei nauio (que diçen es Dios dei blanco) (16). Y toda esta abominaçion penniten, por tenerlos contentos y no distar los para el negoçio, comiendo despues los dichos immolatiçios, que abhorrent aures. Y aqui en Visao, quando llega algun nauio, acostumbran a ofreçer una baca ai capitan, pero primero la han de matar en su china o idolo, que es una arbol llamado tarafe; y si se la han de dar viua, porque asi lo pide el capitan, le cortan la cola y primero derrama sangue ai idolo (como suçedió aqui a un vizcaino ). Y poniendo nos otros esfuerço en impedirlo, un portugues dei Brasil tomó el consejo y no quiso admitir tal abominaçion.
El tercero es que como ay tanto numero de esclauos, i tienen por descrédito trabajar el que es libre, y de seruir se desprecian. Ni diçen se pueden casar si no tienen esclauos que les siruan, y viuen publicamente amançebados, comunmente. Y con eso todo es anhelar portener esclavos para ser hombres y valer; y entanto es persona de estimaçion enquanto tiene esclauos que le siruan, sino no es algen (en frase suya ). Y esta vanidada tocado de manem a los mesmos gentiles, que mas presunçion se halla en estas choças de ganado, habitadas de unos honbres, cuio unico vestido es una piei de cabra, asta el mesmo rey, que por grandeza trae un virrete de danjante y enrebuja un pafio por los hombros, que en las cortes de Europa, en su estimaçion de ellos.
El quarto inconueniente es que, estando todos llenos de esclauos, no se pueden gouemar con politica cristiana, ni ser eu ella bien disçiplinados (que es lo que los mercaderes alegan en su abono), porque no ay casas suficientes para recogerlos y apartar los hombres de las mugeres. Cada une haçe su chéça, va donde qujere y duerme donde e con quien se le antoja, sin que en esto se pueda ter remedio. Ni ordinariamente les pueden dar el sufiçiente vestido ni sustento, ni espritual ni temporal; ni ay ponerles en cabeça el casarse, diçiendo que no pueden solo por ser esclauos. Traen las esclauas ai uso gentílico, desnudas como su madre las parió, solo una banda de seis dedos de ancho, colgada por parte de sdelante, que es sinal de virginidad; y esto aun que tenga 20 años, asta que halla quien la priue de dichajoya. Y entonçes Ie da pano y le quita el calambe (assi llaman dicha vanda); con esto se sabe que tiene mançebo ya. Y Ia tal mudanza de habito suelen haçer con solemnidad, y muchas veçes superstiçiosa y gentilica. Y esto para entre los blancos de mas estimaçion, siruiendose a la mesa de dichas donçellas como si fuese de las mas modestas de por allá, cosa que pareçiera increible, si no lo estubieramos viendo a cada paso, o çerrando los ojos, por no ver cosa y espectaculo tan desvergonçado y fuera de lo racional. Y com el continuo traerlos de una parte a otra, estan tan ignorantes de la fe, como quando estauan en la gentilidad.
El quinto, se siguen grandes odios y enemistades entre los gentiles por dichas amarraçones, y los parientes de los amarrados conçiben grande odio contra los blancos que los compran, con que se impide la entrada a descobrir estas tierras y amansar estas gentes. Nadie se atreue a entrar sin el arrimo de algun grande, a quien haçe amigo la esperanza dei negocio. Y se impide la propagaçion de la fe, asi por este, como por el primer inconueniente que referi, porque no dejando los negros dichas injustiçias, no pueden ser bautizados; y no dejando de comprarselos, no las han de dejar .
El sexto inconueniente: las continuas desgraçias que, por clamores de libertad destos miserables, se experimentan cada dia en estas partes. No se oye otra cosa en este puerto, por donde pasan todas las embarcaçiones, sino el nauio de fulano se fue a pique, fulano se ahogó, ai otro robaron y mataron los negros. En menos de un afio se han ido a pique quatro nauios, en poco mas dos han sido robados, y casi todos los anos suçede assi. Y siendo sentir comun entre los blancos que lo dicho es castigo de Dios, por dicho injusto contrato, çierran a todo los ojos, y diçen que no pueden viuir sin el; y esta pienso que es la raçon que les haçe mas fuerza, que las demás bien conoçen ser insuficientes. Mas es apoyo dei apetite, no de la raçon.
Este es, Senor, el caso como pasa, y elecho en la realidad, segund lo que moralmente hemos podido alcançar, segun Dios nos inspira y nuestra conçiençia nos dieta. Estos los inconuenientes que experimentamos de dicho comerçio. Esto es publico y comunmente confesado de todos, confesando juntamente que si se ubiesen de vuscar esclauos bien auidos de parte de los que cautiuan, cesaria totalmente dicho comerçio y nadie los iria a buscar. Y con esto quieren saluar y justificar dicho contrato de su parte: lo uno, porque ellos no los hurtan ni saben si son hurtados, cosa que no. pueden ignorar, como consta de 1o dicho; lo otro, porque diçen a çerles benefiçio en traerlos a camino de saluaçion, talvez suçederâ assi; lo otro, porque es costumbre antigua, y ni Sua Magestad ni los sef\ores obispos los han prohibido, Dios sabe el porqué; y que otros saçerdotes, que han estado aqui, no lo han condenado, antes exerçitado, allá les pediran raçon de ello, que yo no la alçanço, aunque se me trasluçe el porqué, porventura unos per bien, biendo no poderio remediar; y otros por ignorançia; y otros porventura çerrando los ojos a tanta luz las tinieblas dei interes. No me meto en aueriguar eso, mas estas raçones no pueden ellos mesmos dejar de tenerlas por insufiçientes. Mas me pareçe a mi que les muebe a contradeçir a lo que ven claramente outra , que dan, y es no poder viuir aqui sin ese contrato. Bien afiançan su conçiençia contra una ley natural, <lemas que no está afiançado el sustento de) hombre en illiçitos comerçios; cara nos costará la conseruaçion y Dios nos obligaria a dejarnos morir. No faltaran otros modos que la diuina providençia administrará a quien por n~ oferderle deja lo mal ganado.
Finalmente, yo no he bailado ninguna de dichas raçones entre los titulos que los doutores diçen induçen legitimo cautiuerio. No lo puedo auir visto todo; por eso no quiero que valga mi pareçer, sino que suplico por las entranas piadosas de nuestro buen Dios a Vossa Magestad se sirua de mandar vir i consultar esta materia quanto antes, por instar mucho su resoluçion, por el peligro en que estan las allá. Ni podemos valer del titulo de la buena fe para administrarles los sacramentos, porque no bailando motiuos nuestra conçiençia para asegurarse en cosa que nos pareçe tan claramente injusta, nos hemos visto obligados a delcarar la verdad a quienes mordia su conçiençia, y por este medio auerse publicado nuestro sentir, y salido todos de la buena fe, si alguno la tenia. Y se se hallan ser liçito dicho contrato, nos mande dar notiçia para assegurar las conçiençias; y si injusto, se sirua de lo prohibir y mandar se reduzcan dichos esclauos a su libertad, segun el derecho lo pidiere, introduçiendo otros comerçios. Que çesando las injustiçias, mostrará la Diuina prouidencia lo que prospera. los reinos y aumenta los temporales bienes lajustiçia y cristandad; los infortunios se bolueran feliçidades; descubrirá las riqueças que porventura esta negra esclauidon tiene ocultas en estas partes, pues como diçen algunos praticos, no ay lndias como Guinea, si se descubrieran y ubiera disposicion. Este es nuestro sentir, en fe de lo qual lo firmamos de nuestros nombres.
/Em tinta e letra diferente/ En esta Isla de Visao, a 14 de Abril de 1686
Fr. Francisco de la Mota
Fr. Angel de Fuente la Peõa, Lo contenido en dicho papel acerca dei contrato de los negros es verdad, como por mas de 8 años lo e visto y oydo en fe de lo qual firmo.
Fr. Buenaventura de Maluenda //
Missionario Capuchino
(1) São os Bolumos ou Boiões.
(2) O vocábulo chai encontra-se nos autores que trataram da Serra Leoa no século XVII, como Baltazar Barreira, Manuel Álvares, D. Fr. Victoriano Portuense, André Donelha, Lemos Coelho e Mateo de Anguiano, com o significado de delito contra os costumes tribais, alargando-se posteriormente a qualquer falta real ou imaginária
(3) Prova da água vermelha. «Os missionários jesuítas que, no século xvii, entraram na «terra firme de Guiné» assinalaram, or exemplo, a generalização da prática de ordálias, com os reis locais a recorrer com requência à «prova da água verrmelha» quando pretendiam «destruir algum fidalgo poderoso do seu reino». Na «Prova da água vermelha», o acusado de homicídio ou de outro crime era obrigado a beber uma determinada quantidade de um líquido tóxico, preparado a partir das cascas de cor avermelhada de uma árvore, mais ou menos diluído conforme o fim que se pretendia, à partida, obter. Se o suspeito morria, era considerado culpado e eram postos à venda todos os que pertenciam à sua casa: não só os seus escravos mas também as mulheres, os filhos e, por vezes, outros parentes». A. Teixeira da Mota, O manifesto anti-esclavagista dos últimos capuchinhos espanhóis, pp. 46-47»
(4) O Jesuita Tomaz Sanchez na sua obra Consilia seu Opuscula Moralia, Liber Primus, Caput 1, Dubium rv, intitulado "An sit licita negotiatio. qua Lusitani emunt & vendunt nigros Aethiopianos tanquan servos & an etiam quilibet privatus emeru, aut vendens aliquam ex his servis peccet''. Como os outros tratadistas da especialidade desta época, para o autor o comércio dos portugueses é ilícito, e portanto pecaminoso.
(5) Mateos de Anguiano acrescenta aos Fulos e Bagas, os Zapes, os Cocolis e os Nalos. Cf. Misiones Capuchinas en Afrlca, 11, Madrid, 1957, p. 132.
(6) Bijagós.
(7) Continua hoje, entre os Bijagós, a usar-se a prova da galinha
(8) Cf. Anguiano, Ob. cit., p; 133-135.
(9) Id., ihid, p. 135-137.
(10) Baloba é na Guiné o templo do deus principal dos indígenas, coberto de palha. A baloba do texto está em vez de balobeira.
(11) Cf Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 141-143.
(12) Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 143.
(13) Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 143-144
(14) O livro de Alonso de Sandobal não se chama "História da Etiópia", mas sim Naturaleza, Policia Sagrada i Profana, Costumbres i Ritru, Disciplina Catechismo Evangelico de todos los Etíopes, Sevilha. MDCXXVJI, fl. 70. Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit . p. 144-145.
(15) A quase totalidade dos escravos da Guiné, por causa da procura ávida dos colonos espanhóis da América Central, ia exactarnente para a América espanhola. Se havia compradores na Europa, resta ver se não eram os mesmos que os compravam em África.
(16) Cf. Mateos de Anguiano, Ob. cit., p. 134, nº 12.
NOTA - O Padre Mateos de Anguiano, na Obra Citada. trata dos mesmos abusos do contrato da Guiné, Capítulos XIV e XV, pp. 131-146, em redacção diferente da que aqui se publica.
Junto com este documento está o nº 94-A, provavelmente a minuta de um parecer - tem várias emendas - de um religioso, talvez jesuíta, sobre a matéria exposta pelos padres espanhóis, que reza assim:
Votto sobre o resgate dos negros da Costa de Africa.
Vi estes papeis tocantes ao Regate dos negros pella Costa de Africa e o que não era de segredo comuniquei a alguns Padres que estiyerão em Angolla e aos lentes de Theologia deste Collegio e todos uniformemente iulgarão que Sua Magestade que Deus guarde podia sem encontrar a conciencia mandar fazer os ditos resgates com as clausulas seguintes:
Item - que em cada lugar de resgate se ponha hu feitor, com hu clérigo natural da terra que saiba a lingoa, homes de saã conciencia;
Item - que estes em primeiro lugar examine exactamente se sam os negros justamente cativos, encarregando lhes Sua Magestade muito este ponto e declarando lhes que não se ha de dar por bem seruido por resgatare mais negros, serã por iustificar com maior cuidado os seus catiueiros.
Item - que os títulos iustificados de catiueiros são 4: o 1 º de guerra iusta; o 2º dos que de pays e Avôs erão iá cativos; o 3° dos que estauão para o talho; o 4° daquelles que por delictos graves estavão condenados á morte ou a cativeiro perpetuo, segundo as leis e costumes da terra, não approvando porem o cativeiro daquelles que o incorrêrão por furtos leves, ou delictos semelhantes de pouca substancia.
Item - que o clerigo tenha grande applicação a cathequizar os negros, ensinando lhes os Mysterios da fee, e bautizandoos, e sem esta instrução na fee e bautismo nenhu se embarque.
Com estas clausulas satisfas Sua Magestade a sua conciencia e se ouuer alguã desordem, ficará carregando sobre as conciencias dos tais officiaes, como sucede no governo vniversal de todo o Reino, em que Sua Magestade não tem mais obrigação que de pôr hos Ministros, e castigallos pellos erros de seus officios constando lhe delles.
Cf. A. Teixeira da Mota, Ob. cit., p. 53-54.
O procurador da coroa, emitindo o seu parecer sobre a carta dos capuchinhos, relembrou que eles estavam na Guiné a missionar com beneplácito régio e que desta forma a coroa devia assegurar que eles continuariam a missionar livremente, e que o capitão-mor devia zelar por eles.
Opinião diferente, teve a junta das missões. Informada das queixas dos capuchinhos e da consulta do Conselho Ultramarino a favor dos mesmos missionários, solicitou que fossem substituídos pelos padres da Soledade, na evangelização de Bissau. Dada a importância comercial que a ilha de Bissau vinha adquirindo para o trafico de Cacheu. Este comércio segundo, Roque Monteiro Paim, não podia-se “conservar sem a vontade, e inclinação dos reys negros que habitaõ nella”. A mesma opinião foi defendida pelo governador de Cacheu.
Publicado por A. Teixeira da Mota, em As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a Cristianização dos Reis de Bissau, Lisboa, 1974, p. 121-133.
1687/05/12
Nomeação de D. FREI VICTORIANO DO PORTO como bispo de Cabo Verde por bula do papa Inocêncio XI
Chegou a 17.04-1688. Faleceu a 21.05.1705. Era franciscano da Província da Piedade. Lutou contra a escravatura. Concluiu as obras da Sé e pôs o maiores esforços na fundação de um Seminário.
1690/01/03
«Segunda Companhia de Cacheu
Para as obras da fortaleza e outras despesas foi consignada, em Lisboa, a quantia apreciável de 6.000$000 réis à ordem da nova emprêsa privilegiada que acabava de se formar com o nome de Companhia de Cacheu e Cabo Verde.
Com efeito, depois de alguns anos de administração directa, regressava-se novamente ao regime de companhias magestáticas.
Fundou-se assim a sociedade acima referida e aprovada por alvará de 3 de Janeiro de 1690, com as seguintes cláusulas:
A Companhia, constituída por Luiz Martins, Gaspar de Andrade, António de Castro Guimarães, Francisco Mendes de Barros e Domingos Monteiro de Carvalho, teria a duração de 6 anos a contar de Janeiro de 1690. O Govêrno nomeava um dos seus sócios, Domingos Monteiro de Carvalho, capitão-mor de Cacheu. O comércio da Guiné ficava para tôdas as pessoas que licitamente podem ter, assim dos moradores deste Reino como das conquistas, contanto que não sejam estrangeiros. A Companhia podia vender os seus escravos em qualquer terra e a quaisquer pessoas que não fossem herejes.
A sociedade nomeava directamente o seu pessoal, incluindo feitores e administradores, «sem que os governadores ou justiças possam encarregar a pessoa alguma desta administração». Gozava, além disso, de vários benefícios e isenções de direitos, pagando apenas à alfândega de Cacheu, segundo a tabela antiga que não poderia ser alterada.
Em contra-partida destas prerogativas era a Companhia obrigada a contribuir com 1.200$000 por ano para o pagamento dos vencimentos do governador de Cabo Verde e Guiné, incluindo 260$000 réis para o sústento de 12 homens da sua guarda.
As condições em que esta nova Companhia foi organizada eram já um pouco diferentes daquelas em que se constituiu a primeira Companhia de Cacheu. Ela não tinha pelo contrato o exclusivo do comércio, mas era de prever que na prática ficasse com êste monopólio visto ter ao seu cargo a administração geral em todo o distrito de Guiné.
De acôrdo com as condições do convénio, o sócio Domingos Monteiro foi a Cacheu tomar posse da capitania. Tendo, porém, falecido alguns meses depois, estas funções foram assumidas temporariamente pelo feitor, Manuel de Sousa Mendonça, e a seguir, por Vidigal Castanho.
Com o fim de se levar a efeito as obras da fortaleza e capitania de Bissau fez-se, em 21 de Dezembro de 1695, um novo acordo com a Companhia de Cacheu e Cabo Verde nas seguintes condições:
A Companhia entregava em Bissau ao respectivo feitor ou almoxarife as somas necessárias para as obras até a importância de 15.000 cruzados, que os seus administradores gerais recebiam em Lisboa do Tesouro Real. «Que é V. Magestade servido que o pôsto de capitão-mór para a ilha de Bissau se proverá com atenção à Companhia, por ser assim conveniente à utilidade e conservação dela».
Os carregamentos saídos da ilha de Bissau poderiam seguir directamente para os seus destinos, sem terem de ir despachar em Cabo Verde.
A sociedade pagava em Bissau as folhas de vencimentos dos empregados civis e militares do presídio recebendo, porém, em Lisboa 800$000 réis em dinheiro do Conselho Ultramarino. Qualquer quantia que a Companhia desembolsasse em Bissaiu além desta verba ser-lhe-ia descontada nos direitos aduaneiros a pagar.
A direcção da Companhia, por intermédio dos seus feitoes, fiscalizaria a aplicação do dinheiro nas obras de Bissau, dando conta ao Govêrno de qualquer irregularidade ou descaminho que notasse.
As condições do novo acôrdo não podiam ser mais favoráveis aos capitalistas, pois o seu trabalho consistia apenas em entregar em Bissau o dinheiro que o Estado lhes adiantava em Lisboa, tendo em troca dêste serviço o privilégio de manter nas suas mãos a administração da colónia e a fiscalização do comércio por intermédio dos capitãis-mores de Cacheu e Bissau nomeados por sua indicação.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pgs. 127-129
☻ Pois tanto a Companhia de Cabo-Verde e Cacheu criada pelo Alv. de 3 de Janeiro de 1690 e prorrogada aos 24 de Dezembro de 1696, como é a Companhia de Guiné criada por um Decreto de 19 de Julho de 1705 eram meramente Companhias de escravatura, com pouco ou nenhum fim comercial.
O Alvará que estabelece a primeira é bem curioso:
«Eu El Rey faço saber aos que este Alvará vlrem que havendo respeito a ser conveniente à conservação de meus Reinos a frequenciado commercio, principalmente nas conquistas delles, aonde a experiencia tem mostrado, que esta providencia é mais necessária, fui servido resolver por AIv. de 4 de Janeiro de 1690, que para a introdução do commercio nas conquistas de Cacheu e Cabo-Verde se estabelecesse uma Companhia, na qual se interessassem as pessoas que se declaram no dito Alv. e porque a dita Companhia com permissão minha mandou arrematar no concelho de India o assento de introdução de negros em a Nova Hespanha com as condições declaradas na escritura que outorgarão em 12 de Julho deste anno com os Ministros del Rei Catholico, que houve por bem confirmar o dito contracto por Alv. passado em dezassete de Julho assinado por sua mão Real, e em razão de se ter obrigado a dita Companhia a introduzir na dita Nova Espanha dez mil toneladas de negros, reputando-se três peças de Indios por cada tonelada pelo decurso de 6 annos e 8 meses….prorogo…...
Empresto da minha fazenda 800$000 patacas para satisfazer ao pagamento antecipado do direito dos negros estipulado no Contacto, e ordeno que visto grandes desembolsos para o provimento do dito assento, que a mesma fazenda se interesse na dita Companhia em quatro partes nas nove… F. F…..
D. Pedro (Rey)
N.S. da Conceição, Protectora, terá missa solemne todos os anos na Igreja de S. Antão dos PP. Agotinhos, aonde haverá 2000 missas pelas almas dos Indios que morrerem no transporte para as Indias…
Que por fazer mercê a esta Companhla, lhe concedo livres em cada um anno da sua duração, e os direitos de fazendas que valiam 40$ cruzados, repartidos pelas casas dos direitos à que pertencerem, porém não gozará esta Companhia deste Indulto, senão no cazo em que despachar por entrada ou sahida para Cacheu e C.V. todos os annos fazendas que importem 30$ cruzados e d’alli para cima.
Que a dita Companhia poderá comerciar livremente em todos os portos deste Reino e suas Conquistas, e fazer feitorias e entradas pelos certões para o resgate dos negros do mesmo modo que costumam fazer os naturaes e moradores d’Angola, e nas partes não compreendidas no contracto d’ Angola.
Que a dita Companhia será obrigada a fornecer as praças de C.V. e Cacheu d’aquelles géneros e fazendas que n’ellas costumam ter consumo, e aos moradores dará praça nos seus navios, para nelles remetterem a este Reino as fazendas que lhe convier, de que lhe pagarão os seus fretes na forma ordinária.
...Que não haja queixa dos moradores….pois mandará proceder como parecer com justiça, …&c.»
Este alvará começou a ter vigor em 1 de Janeiro de 1690 e terminaria em 31 de Dezembro de 1696, segundo o contracto assinado por Luiz Martins, Gaspar de Andrade, António de Castro Guimarães, Francisco Mendes de Barros e Domingos Monteiro de Carvalho, sendo este nomeado capitão-mor de Cacheu, indo substituir Barros Bezerra.
1690/03/01
Não fugiu muito a este figurino a segunda empresa que se destinava a operar na mesma zona geográfica, a denominada COMPANHIA DE CACHEU E CABO VERDE que o Alvará de 3 de Janeiro de 1690 aprovou. Na linha da anterior, o sócio DOMINGOS MONTEIRO DE CARVALHO recebeu a investidura no posto de capitão-mor de Cacheu a benefício da sociedade e nele se conservaria pelo tempo em que aquela durasse (1).
Todavia, ao contrário da primeira, não gozava de um monopólio de direito no comércio, mas, graças ao ascendente de que dispunha na administração pública, não se afigura inverosímil que detivesse o senhorio do mercado (2). Com a religiosa condição estatutária de não poder vender escravos a herejes. Ponto é que a sociedade encontrasse sempre um comprador católico devoto da evangelização dos negros. De outro lado, se aproveitava alguns favores fiscais, também tinha de lançar nas mãos do governador de Cabo Verde, Diogo Ramires Esquível, a quantia de três mil cruzados por ano (3). Mais tarde, financiou localmente as obras da fortaleza e capitania de Bissau, embora o tesouro estatal a reembolsasse em Lisboa (4). Chegou ainda a contratar com o Conselho Real das Índias o fornecimento de escravos às possessões espanholas (5).
Na Companhia de 1676, António de Barros Bezerra e Manuel Preto Baldes vinculavam-se, em nome dos interessados, ao cumprimento integral do contrato, obrigando as suas pessoas e bens (6). Não existia, pois, uma mera responsabilidade patrimonial (7). Bem menos severo o preceito que contemplava propósito idêntico na Companhia de 1690. Apenas uma cláusula penal velava pelo adimplemento do pacto. Segundo o artigo décimo terceiro, antes de tudo, havia que verificar a causa da violação. Ocorrendo uma conduta culposa por parte dos contratadores, a Companhia teria de pagar em dobro os direitos dos géneros que introduzira livres de impostos nas praças de Cacheu e Cabo Verde. Ao invés, se o facto impeditivo derivasse de uma circunstância fortuita, o incumprimento já não lhe seria imputável (8). Convém acentuar ainda, agora em harmonia com as grandes companhias portuguesas dos séculos XVII e XVIII, a índole autárquica da sociedade de 1690, perante a qual nem os governadores, nem os magistrados judiciais, designadamente o juízo e provedoria dos defuntos e ausentes, podiam interferir na sucessão quer de feitores, quer de administradores. Compreende-se o zelo inibitório. De tal sorte se tutelava uma autonomia expressa na competência exclusiva da sociedade nomear os seus representantes (9).
(1) Neste sentido, ver João Barreto, História da Guiné, cit., pág. 128.
(2) Vide Christiano José de Senna Barcellos, “Subsídios para a historia de Cabo Verde e Guíné”, in loc. cit., págs. 97 e 99.
(3) Para o efeito, firmou-se o acordo de 21 de Dezembro de 1695. Vide João Barreto, História da Guiné, cit., págs. 128 e seg..
(4) Durante seis anos e oito meses, nos termos de um contrato celebrado em Madrid, a 12 de Julho de 1696, a Companhia assegurava uma determinada provisão de escravos a distribuir por certos portos espanhois.
(5) Ver «Assento da Companhia da Praça de Cacheu, e Comerçio de Guine, que por ordem de Sua Alteza se fes no Concelho Ultramarino com Antonio de Barros Bezerra, e Manoel Preto Baldês, e outras pessoas, por tempo de seis annos, que hão de começar do dia, que se tomar posse na dita Praça de Cacheu em diante», cap. 15, no estudo de Cândido da Silva Teixeira, Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné, in loc, cit., pág. 130.
(6) Além disso, se ocorressem queixas que, depois de examinadas no Conselho Ultramarino, denunciassem que os interessados na Companhia excederam os termos do contrato, o rei poderia mandar proceder contra os culpados a seu talante. Ver o assento referido na nota anterior, cap. 16, in loc. cit., pág. 130.
(7) Pode ler-se o texto da condição 13 na obra de Senna Barcellos, “Subsidios para a historia de Cabo Verde e Guiné”, in loc. cit., pág. 98.
(8) Assim o determinava a condição 6, vivamente recomendada ao provedor de defuntos e ausentes e mais oficiais de Cabo Verde e Cacheu por uma Provisão de 21 de Janeiro de 1690. Ver idem, ibidem, págs. 96 e seg., e 99.
(9) Se ninguém se podia intrometer na orientação da sociedade, era de supor que o seu domínio do mercado levasse a verdadeiras imposições de preços. Só que se encontrava previsto um arbitramento régio, caso a Companhia subisse imoderadamente o preço dos géneros que vendesse em Cacheu ou Cabo Verde.
1693
1693
1694/07/29
CARTA DE D. FREI VITORIANO PORTUENSE A SUA MAJESTADE EL-REI (29-7-1694)
SUMÁRIO- Tendo visitado recentemente a sua diocese, dá conta a el-Rei de alguns casos que se lhe depararam: um rapaz que na Guiné fugia dele por ter morto dez ou doze escravos seus cristaos, em Santiago um senhor matou o seu escravo com açoites até que morreu.- Não se tem nenhum respeito ao governador. – Os [ .. ] não cumprem seus regimentos, de outro modo não haveria tantos homens casados desligados de suas mulheres.
Senhor
Em os primeiros annos da minha rezidencia neste Bispado, me fez V. Mag.de merçê mandar escreuer algumas cartas, em que me encomendaua que lhe desse parte de quaisquer couzas que uisse dezemcaminhadas. Recomendação do uerdadeiro Monarcha que dezeia a conseruação dos seus estados; e como este anno accabey de uezitar o Bispado todo, e me sinto com alguns Conejos da morte (?), quero dar parte a V. Mag.de de algumas couzas, leuado só do zello e amor que tenho a V. Mag. de, não para q. se castiguê as culpas passadas, mas pera q. se euitem os damnos futuros.
Achei a hum mosso en Guiné q. com rezão fugio de mim, ou porque conheço ij. não merecia ser uisto, ou porque temeo o castigo do seo peccado, o qual mandou matar em sua prezença a dez, ou doze escrauos seus e christaons, com varios generos de morte terriueis, e hum delles queimou vivo vestido com huma camiza de alcatrão, isto só pella prezunpção q. tinha cpntra os escrauos, de q. erão feiticeiros e intentauão de o matar.
Nesta Ilha acontecerão o anno passado outo, ou nove mortes atrozes, e hum Senhor ao escrauo unico q. tinha, lhe lhe deo tantos açoutes athé q. debaixo delles morreo; e nenhu destes matadores athé gora foi prezo, nem castigado.
Ha dous annos veyo hum a mulher das Ilhas de Barlavento, pelo crime de matar seu marido, e estando outra molher sentenceada a degredo por matar a huma negra; nenhuma delas está na cadeya, e ambas em suas cazas; a dita cadeya está rota sem hauer zello pera se concertar, com que se tem perdido o temor à Justissa, cada hum faz o que quer.
Ao Gouemador senão tem nenhum respeito, e dizem q. por fazer uenaes os officios se reformarão os brancos honrrados, e serue os portos a escoria da Ilha. Por conueniencia propria tem o dito Gouemador metido em cabessa a Paulo Cardozo, filho natural de hum Gouemador q. aqui foi, para q. pertenda o gouemo desta Ilha, e pera o dispor o fez Commissario de Caualaria, posto desnecessario, que nunqua houue, e o tal homê não serue pera Gouemador porque hé parcial, e de huma parte tem parentes porque foi cazado nesta Ilha, e da outra emulos.
En Cacheo ouuy muitas queixas sobre a fazenda da Companhia, e Certeficão os moradores que uem falcificada, as barras mui diminutas e os massos de contas, com alguns rnilheyros menos, e tudo leuantado no preço, e q. Jhe metem à força em caza muitas drogas que não tem nenhuma saida no contrato; o q. sey hé q. a todos aqueles habitadores de Guiné achey pobrissimos.
Fez V. Mag. de agora capitam mor de Cacheo a SANCHES DE VIDIGAL CASTANHO, o qual justamente hé feitor da fazenda; este homem está muy empenhado, as diuidas são excessivas, e se hoje morresse já V. Mag.de perderia muyto da sua real fazenda; mas como tem nessa corte· quem por seus interesses proprios o adianta, não reparão en estar mal parada a fazenda Real; Mandelhe V. Mag. de Feitor.
A Cacheo se passão muitos cazados desta Ilha, e da do Fogo, e descuidados da obrigação do matrimonio, uivem por lá annos esquesidos, buscando outras Molheres, e ellas por cà pola larga abzencia, se ocupão com outros homens; e regulannente estes cazados morrem lá no matto ás maons dos gentios, pera os herdarem e pola mayor parte excomungados, como alem de outros succedeo este anno, e os dous passados a tres cazados da Ilha do Fogo, e a outros desta ilha; e se o Gouemador dela fizesse suà obrigação mandando para Cacheo estes vadios, q. nunqua entrão de guarda, e o Capitão mor de Cacheo fizesse o. q deue, e V. Mag.de lhe manda no seu Regimento, de q. procurem os homens cazados e os remeta para suas molheres, não estiuera Guiné tão povoada delles; este anno trouxe outo comigo, e p.or trazer hum que estaua Já há muitos annos, foi necessario pagar por elle quarenta e tantos mil reis. Por hora isto hé do q. faz escrupulo a minha consciencia, e o refiro porque me parece q. o calallo seria offença a Deos êj. guarde a V. Mag.de e o tenha sempre em sua diuina graça.
Ribeira Grande, 29 de Julho de 1694.
FR. VICTORIANO PORTUENSE
Bispo de S. Tiago
AHC - Cabo Verde - Cx. 8
1694/08/?
NOTÍCIA
DA INTRODUÇÃO DA FÉ NA ILHA DE BISSAU (Agosto (?)-1694)
SUMÁRIO
- Modos propostos para evangelizar os gentios de Bissau e expulsa rpacificamente os estrangeiros que
iam comerciar à Guiné.
Senhor
Desejando,
com particular e santo affecto a pia, e christiannissima pessoa de V. Magestade
hay tanttos tempos, a introducçam á Fé uerdadeira de Christo Senhor Nosso no
gentio da ilha de Biçao, & tendo pedido para este tam importante seruiço de
Deos vareas informaçoes daquellas partes & tatues immaginando muitas ueses,
o como daria fim a este particular, & nam sendo possiuel achar legitima
rezam de o executar sa]uo pellas armas da Igreja Catholica, e mostrando como
deuemos considerar o pio zelo de V. Magestade particular sentimento de nam
conseguir tam grandissimo bem, como o de ganhar tantas mil almas para o
Altíssimo, & uerdadeiro Creador Nosso, & estando finalmente com a
penosa consideraçam deste pensamento, lhe quiz a V. Magestade este Senhor, que
se nam descuida em abundar com sua misericordia, sabedoria e infinita
omnipotencia, a exaltaçam de nossa Fé Catholic~
e de
encher de grassas aos Monarcas
Christaõs
que por ella trabalham, quando mais desconfiado desta empreza, facilitar a boa
execuçam della, por meyo de hum tam graue, e exemplar Menistro de Deos, Sagrado
Missionayro, que indignos tiuemos.·nesta (como paresse) a ultima das cidades;
& teue também V. Magestade, como feliz & uenturoso, entre os Catholicos
Princepes, Reizes e Senhores nossos de Portugal: que á custa de tantos
trabalhos, perigos, e doensas; soube hir com tam grande feruor de espírito,
& fé uerdadeira, arriscar a uida por ganhar almas para Deos, obrado este
diuino Senhor por seus meritos, milagres dignos de reparo, quedeixo em
sillencio, thé que a fama de sua uertude os publique; sendo finalmente o
angelico Embaixador de Deos, que a V. Magestade soube facilitarlhe o caminho de
tanta gloria, quanta este Senhor lhe tem preparada, execcutando a feliz empresa
de que só deue tratar, encaminhando este particular na forma seguinte: segundo
o pareser da minha experiencia, que subjeito ao melhor de V. Magestade, cuja
Monarquia nos guarde Deos para o amparo e augmento de nossa santta Fé, &
gloria de seus uassallos.
Primeiramente a ilha grande de Biçao, conforme se uê por sua demarcaçam, tem melhor
entrada que o nosso rio de S. Domingos de Cacheu para a nauegaçaõ de quaesquer
grandes embarcaçoes; hé em sy naturalmente
sadia, e abundante de mantimentos: hé o
seu porto jeral sorgidouro de todos os rios de honde commummente se tiram os
melhores e mayor quantidade de generos de Guiné, marfim, ouro, sera e escrauos,
como sam: Rio Grande, Rio do Nuno, de Guinalá, da Deponga, da Geba, dos Bijagós, da Serra Lehoa,
&ª Nesta Jlha sentaram os Franceses,
como V. Magestade já teria noticia, caza de negoçeo, como huma Companhia Real
de França, da qual uieram buscar seu porto, & assistencia, para que com
mais facilidade commerçearem com os nossos moradores de todos os rios assima
nomeados, e por estes tambem com os gentios de dittos rios; de bonde tambem
costumaram a hirem fazer suas entradas, em o nosso de Sam Domingos, e Prassa de
Cacheu; & como nam acharam resistencia
alguma na ditta Ilha se nam occuparam em fortificarse nella (a
vulgar entender) ou porque como nella estauam moradores nossos, & com elles
precizamente hauia de ser a sua commerçiaçam, e por elles com o gentio; e na
mesma forma hauiam também commerçear pellas pouoaçoês dos mais rios: sem
embargo de que, quando quiseram prinçipar o ditto negoçeo uieram (como hé patente) apprestados de matereaes para fazerem
fortaleza, & pouoaçam: de que deicharam na ditta Ilha enterrada cantidade
de cal, que hinda hoje se acha.
Nam
há duuida que por cauza de grandes perdas que tiueram, e morte de seus
admenistradores, e assaltos do lngles, se diuertiram, e fizeram leuantamento da
Mayor parte do ditto negoçeo da Companhia Real; mas sempre frenquentaram a ditta Ilha com negoçeaçam particular, como
se uio em o anno proximo passado de 1693, em que entrou em ditto porto o
françês, e tirou duzentos e tantos quintaes de marfim em pouco tempo, dos
nossos moradores, & gentios nossos amigos, com bem pouco temor das Leis de
V. Magestade, & castigos que lhe hauia dado o sendicante Manoel Lopes Barros, o que algum dia
terá emmenda, execcutandose a particular de que tratamos, e como tambem se uio
neste prezente anno de 1694, em que entrou em ditto porto outro ditto françês,
e tirou trezentas pessas de escrauos ' em menos de dous mezes, com que passou
para Indias; e de prezente na nossa sabida de Cacheu, ficaua tambem em ditto
porto hum nauio inglez fazendo negoçeo.
Hé
sem duuida do nosso uenerauel Bispo e sagrado missionairo, approua o ter grande
amizade com nossos moradores o Rey de Biçao, & ser notauelmente assim ditto
como todo o gentio desta Ilha, particularmente inclinados a nossos portuguezes,
como a largaexperiencia nos tem mostrado,. e que summamente dezeja ser
christaõ, e que todos seus uassallos o sejam; e que finalmente se dispõe a
effeituallo tomando ditto venerai Bispo com segunda missam, pedindo tempo para
se dispor para o tal Sacramento.
Tambem
a experiencia nos· tem mostrado, e presentemente / justifica ditto Senhor que este Rey dezejou sempre que V. Magestade
fizesse na ditta Ilha casa forte, como se fez huma pequena fortaleza em tempo
de Antonio de Barros Bezerra, de tam
pouca seruentia e deffençam, que nunca se respeitou, por falta de cabo,
artelharia e sustentaçam de officiaes e alguns soldados, thé que de prezente se
acha dignificada(sic), e sem resistencia alguma, para que tendo V.
Magestade fortaleza em ditta Ilha como a de Cacheo, tiuessem elle ditto Rey e seus
pouos tambem negoçeaçam larga comnosco; de sorte que se pudesem liurar de hauer
mister os estrangeiros a quem nam nomeyam por brancos como a nós, e lhe dam
diuerso titulo, o que entendemos ser: por ter tido de nós mais antigo
conhecimento e melhor amistade, como
porque o françês se tem hauido mal com elle, como foy em tempo da Companhia
Real de França sobre certa palaura que tiueream, lhe botou o françês gente em
terra armada, e dando sobre elle ditto Rey e gentio lhe lhe ficaram notaueis
ignominias, de que hinda hoje se mostram pouco amigaueis.
Pello que ditto Rey, e seus pouos (com tambem se
justifica, e temos conhesido de seu dezejo, e uontade que mostra o queremos na
sua terra) se offeressem a que mandando V. Magestade fazer ditta fortalleza e casa forte, capaz de deffençam da nossa
pouoaçam, nos darem
poder de suas gentes a que em qualquer rebatte nos acudam, como se fossem
infantes, pagos por nossa fazenda, como ditto Rey offerese para a magnifactura
da ditta fortaleza, canoas e gente para todo o neçessario; á vista de que,
seguese só, dispor V. Magestade os dous particulares, de que tratamos, como o
da introduçam da fé neste gentio, que hé a particular, e o da expulçam do
estrangeiro, nesta forma.
1.
Mandando V. Magestade nauio conueniente,
e em que uam doze . pessas de arteJaria com suas carretas, e petrexos, de
calidade conueniente, com poluora, baila, murram qué neçessario pareser, sem
annas de fogo boas que se poderam reformar pelo espingardeiro que na Ilha
temos; ferramenta de pedreiro e carpinteiro, que precisamente for neçessaria,
dez ou doze barras de ferro para pregos, ou a ferrajem que neçessaria for.
Algum taboado grosso e serrado, telha e tejollo que baste para huma casa que si
rua de armazem das moniçoês, eprassa de armas, e o que mais precizo for
appontareis; disposto isto.
2.
Prouerá V. Magestade de Cappitam mór a
pessoa inteligente para este menisterio: aduertindo que importa muito,
tenha experiencia do tratto deste gentio: o qual nomee seu alferes tenente e
sargento, e sogeito capaz de entender na artheJaria para lá nam fazer tanto
dispendio; hauerá em Cacheo quem sirua com nomeaçam do ditto Cappitam mór; e
criado este ditto Cappitam mór se lhe entregaram as dittas moniçoês, e
matereaes assima dittos; com mais quatro liuros rubricados por qualquer
menistro do Conselho Ultramarino, para reçeita, despesa, Rezisto e matricula; ·para que chegado que seja á ditta Ilha
elleja hum morador nosso a quem nomee, e encarregue e a occupaçam de feitor da
real fazenda de V. Magestade e da mesma fonna fassa e crie sogeito capaz, e fiel que possa seruir de escriuam, da ditta
fazenda; os quaes dittos officiaes juntos com ditto Cappitam mór ellegeram
hum guarda para os nauios ou lançhas de nossos moradores que a ditto porto
uierem, donde se rezistaram, & despacharam por dittos officiaes, e em tudo
guardaram dittos officiaes o regimento de V. Magestade, que ditto Cappitam mór
mandará uir da nossa alfandega de Cacheo, assim e da maneira que V. Magestade
hordenar, ou nouamente for neçessario fazer: o qual Cappitam mór terá tambem o cargo de ouuidor, como o tem
agora o Cappitam mór Cacheo, por ser precizo; e hauerá ditto Cappitam mór, e
officiaes, e alguns soldados que possiuelmente puder V. Magestade mandar os
soldos que possiueis forem, ou V. Magestade quizer dispor nestas partes dous
annos, thé que hauendo rendimento na ditta alfandega, tenham e hajam os mesmos
que na prassa de Cacheu gozam os cabos e officiaes della, &.ª
3.
Poderá V. Magestade hordenar: que os
enteressados na Companhia de Cabo Uerde e Cacheo (sendo-lhe neçessairo) metam
em ditta Ilha cabedaes, de que tirem taluez melhores interesses que da
ditta prassa de Cacheo podem tirar; como se mostrará pellas rezo~s ao
diante declaradas; e quando dittos interessados nam uenham neste ajuste,
haueram sogeitos que queiram meter fazendas na ditta Ilha; a quem V. Magestade
fará as mesmas franquezas que á ditta Companhia faz; para que com este
interesse tenham melhor uontade de terem commerçeaçam nesta Ilha, a qual
emporta muyto a haja, e melhor sendo nesta nossa creaçam.
4.
Poderá o ditto nauio ter bastante carga para a Ilha de Santiago, por nam hir só
occupado com dittos petrechos, e materiaes, quando a Companhia nam uenha em ter
negoçeo na ditta noua prassa, ou outros quaesquer particulares, que nam poderam
faltar hauendo as franquezas assim dittas; & da mesma sorte terá tambem
carga para este prezente anno de ficar muita carga de sera, marfim e escrauos
aos particulares, e moradores da ditta pouoaçam por falta de nauio, por se nam
meter este anno em dittas viagens mais que hwna carauella, o que tambem hé
causa, por esta falta, de nam serem largos os negoçeos e commerçeaço~s de Cacheo, e mostramos a experiençia serta que tanto que
haja a expulçam de nossos rios ao estrangeiro, precisamente seram neçessairos
dous outros nauios nesta , carreira, porque para todos abundará carga; e a
causa porque fallo nesta condissam amfibologicamente darey rezam sendo
neçessairo.
5.
Poderá partir ditto nauio em tempo abil, para que leuando dittos materiaes, e
petrechos e fazendas da Companhia ou quasquer outras de nouos enteresados, ou
particulares, possa chegar á Ilha de Santiago tomar alguma roupa, &
principalmente ao nosso uenerauel missionairo, para cuja companhia e ajuda
poderam hir tambem desta cidade os Religiozos e Saçerdotes que possiuel for (a
quem nam faltaram occazioes de grandes mereçimentos para com Deos) e hindo
nesta forma, bem emcaminhado este seruisso de N. Senhor com esta principal
preuençam, e emportante soccorro, possa chegar ditto nauio á Ilha de Biçao a
tempo conueniente em que se possa entender na magnifactura de nosso intento,
para que esteja executado a tempo • que
chegando o françês ou estrangeiro, ache a principal resistência feita; que
segundo sua nauegaçam, he o principio de suas entradas, em nouembro; para o que
tambern será neçessairo aduertirse que ditto Cappitam mór se aja com particular
expediçam de ditta magnifactura.
6.
Logo que chegado seja com bem, a
saluamento a ditto porto ditto nauio, saltando em terra o Cappitam mór, buscãdo
primeiro ao Rey, e proposta a resoluçam de V. Magestade, hauendose com
ditto Rey e seus fidalgos, e mais gente com muita affauelidade, e sendo pessoa
que saya falarlhes melhor, pedindo lhe licença, tendo também assentado com
ditto Rey e seus fidalgos alguma fonna capitular de amistades (parsendolhe a V.
Magestade) que será conueniente a
respeito de nos nam obrigarem a pagarmolhes as dattas & alcauallas que em
Cacheo estamos pagando, tanto pello dispendio da fazenda de V. Magestade,
como os mestres dos nauios, & ainda nós os moradores ou assistentes em
ditta prassa: saluo sosmentes, fazendo-se ao ditto Rey em cada anno ou monçam
de nauio, aquelle mimo que V. Magestade for seruido; e sobre estes particulares
disporá o pareser de V. Magestade, e
sendo neçessairo darey noticia do que uzamos em Cacheo: para se poder emtender
nelles.
7; Feita
esta dilligencia fará muito ditto Cappitam mór para que com sua assistencia se
lançe em terra ditta artelharia, petrechos, moniçoês & materiaes; &
com affabe1idade com dittos gentios, e largueza que possiuel for, dará principio a hum balluarte grande sobre
a entrada da nossa pouoaçam e dentro de sua platafonna leuantará huma casa de
pedra e cal, telhada, que se apponta na condissam primeira e caualgarã em ditta
platafonna outo pessas; e podendo ser logo, entenderá na repairaçam do
baluarte. que se fez no tempo de Antonio de
Bairros, para que com as pessas que tiuer da parte em que está, hauendo
occasiam, tenha alguã resistencia.
8.
Logo que ditto baluarte e casa forte
estiuer findado, e guarnecido, passará ditto Cappitam mór á Ilheta que fica
tiro de falcam fronteira ao nosso porto, sentará contra ditto porto hum
baluarte na mais alta paragem ou conueniente lugar que ditta Ilha tiuer, em que
porá quatro pessas de artelharia com hum cabo, a quem entregará dez ou doze
armas de fogo com as moniçoes conuenientes, e tres ou quatro soldados de
satisfaçam, a quem encarregará das uegias neçessairas; e terá ditto
Cappitam mór particular cuidado, de mandar premudar dittos soldados no tempo
conueniente; como tambem de que em apparesendo uella se mettam os soldados ou
gente possiuel em ditto balluarte para que se conhessa a vigilancia e cautella
nossa:& tambem será neçessairo que ditto Cappitam mór se haja com
sagacidade e afabelidade com nossos moradores, e gentes que o Rey nos der:
nestes particulares, digo nesta occasiões. Como
ainda também com os nossos escrauos, e gorumettes, sabendolhes grandgear as
uontades em o principio para bom fim.
9.
Dado caso que chegando ditto Cappitam á
Ilha de Biçao, e nella ache nauio françês fazendo negoçeo, se hauerá com
cautela em o dezembarque dos materiaes, e moniçoes: e o melhor será
rezoluer o como se deue hauer neste particular com ditto ou ditos françeses,
porque se presume sahirem este anno com tençam de virem ao mesmo effeito: e
sendo neçessairo enformareis da prezumpçam.
10.
Feittas a casa forte e baluarte do Ilheo chamará
ditto Cappitam mór á ditta casa forte aos nossos moradores e lhes proporá as
hordens que de V. Magestade leuará para que se liurem de cahirem em a tentaçam
de negoçearem com dittos estrangeiros, intimandolhes
as pennas que tem os que semelhante cazo obram: sendo também aduertido
ditto Cappitam mór de que assente com ditto Rey o que neste particular emporta,
que V. Magestade tambem disporá; e na mesma forma mandará intimar dittas
hordens aos nossos moradores dos rios atrás declarados, e aos que em ditt-0
porto uierem despachar; & finalmente se disporá tudo na melhor forma que V.
Magestade for seruido mandar, examinandose todo o precizo que neçessairo for,
em que se poderá entender com mais largueza, com a felicidade que na diuina
bondade de Deos esperamos, & com o patrocino de Sua Mãy e Seihora da
Conceiçam. &ª.
Feyta finalmente ditta fortaleza e casa forte e
criada nouamente huma tam neçessaira prassa e seu gouerno,como esta, e
metendose nella a negoçeaçam assima ditta pella Companhia ou particulares dos
generos que apontarey sam principaes para estes rios, será tam cultiuada e
frequentada de naturaes e moradores nossos e todos estes dittos rios sercumuezinhos,
que em breue tempo será igual e hinda
mais populosa que a de Cacheu, porque hé legitimamente sadia, porto jeral
de todos os rios nomeados, de bonde com menos trabalho se commerçea com todos
os gentios destas partes, e hé sem
duuida que hauendo nesta Ilha a tal comerçeaçam com os mesmos generos que o
estrangeiro costuma leuar, e com moderaçam nos pressos, todos ditos
moradores desta Ilha abundando nella o negoçeo fabricaram de nouo muitas
embarcaçoês, sem embargo das que hay; poes temos aquy officiaes, gorumetes,
& abundançia de madeiras; e hé serto que os mesmos
moradores, Rey e gentio, annellam este particular por se liurarem de dependerem
de estrangeiro pellas faltas que padessem do que lhe hé nessessairo, poes nam chega a abundarlhe a fazenda que a
Companhia mette em Cacheo,&.ª
Nam
faz duuida que hé muito neçessairo ser de modo que se apponta a commerçeaçam
com este Rey e suas gentes, e magnifactura da fortaleza, introducçam do gentio
á Christandade; porque por este modo se
dezenganará o estrangeiro de nam hir commerçear a esta Ilha, que corno chaue
dos mais rios abunda em tanto negoçeo; e de serto que dittos estrangeiros
nam tem que fazer com os gentios, fatalmente os nossos moradores que sam os que
os admitem a negoçear com elles; como
tambem se deue julgar que dittos nossos moradores se nam attraueram a fazerem
huma nem outra cousa á vista de hum seu Cappitam mór e gouernador, sendo cabo a
quem respeitem e temam; sendo da mesma sorte o gentio desta Ilha
principalmente hauendose tratado deste particular na forma neçessaira, com seu
Rey no pacto que com elle ajustarmos, que na condissam 6. aponto (sendo muito
preciza esta), e nesta forma com tam facil remedio se expulsaram aos
estrangeiros, dezenganados desta pertençam, o que sendo- por outro caminho, se
padeceria alguma notaual ruina.
Hé
seu duuida tambem util esta noua commerçeaçam nesta Ilha, e expulsam dos estrangeiro para a sustentaçam da prassa de Cacheu;
porque logo que a haja uiram á ditta Ilha os moradores e embarcaço~s de ditta prassa, a buscar os generos de que neçessitarem, e
hindo negoçear por dittos rios hiram a despachar á sua pouoaçam, e nam teram
lugar, de uir della a negociará ditta Ilha com estrangeiro, e com sua fazenda
hir por dittos rios resgatar os nossos generôs, e tornallos a uender a ditto
estrangeiro;
e com esta deprauaçam e medo do seu do seu Cappitam mór de Cacheu, se deicharem
enuemar por dittos rios e handarem como levantados (como temos conhecido de
uarios sogeitos) mas antes estes mesmos, por serem dittos rios sircumuezinhos a
esta Ilha se hiram logo delles para ditta sua prassa, e leuaram a ella o que
leuauaõ ao estrangeiro. E conhecendo finalmente V. Magestade daquy o grande
proueito e bem commum de sua republica e alfandega de Cabo Uerde, e ahinda á
desta Corte, pellas cantidades de géneros e direitos que accressenta, & se
pode considerar juntamente, que faltando
o estrangeiro, será tam larga a commerçeaçam de Cabouerde e Cacheo, que
auantejará no proueito a outra Conquista, de que V. Magestade faz taluez
mayor conta, o que sendo neçessairo mostrarey por experiencia propria destas
partes, deue nam experdissar a occaziam tam feliz que a summa bondade lhe
offeresse e mais quando esta (sendo tam dezejada de V. Magestade) de tam
emportante, e effectuada na terra por hum esperito do ceo: base em que deue V.
Magestade fundar toda a boa esperança, assim da glorea deste triumpho, como da
celesteal, que aparelhada lhe es pello grande animo,
& dispendio, com que se hay no santo seruiço de Deos e exaltaçam de sua fé
Catholica. &.ª
Notiçia
para V. Magestade uer
O Escriuam da Fazenda
Real da Prassa de Cacheu
Francisco Cordeiro
Santos
AHU - Guiné, cx.
3, doc. 229.
1694/10/06
[post. 1694, Outubro, 6]
CARTA (minuta) dos interessados
na Companhia de Cabo Verde e Cacheu ao rei [D. Pedro II] solicitando escusa no
encargo com o presídio de Bissau e o transporte de pessoas, materiais,
infantaria e o que mais fosse preciso, em virtude da despesa que tinham na ilha
do Príncipe; enumerando os géneros necessários em Bissau e as suas avaliações na
alfândega.
Anexo:
relações e escrito.
AHU-Guiné,
cx. 4, doc. 106 e 107.
AHU_CU_049, Cx. 3, D.
218.
1694/10/08
CARTA DE
FREI FRANCISCO DA GUARDA A EL-REI D. PEDRO II
(8-l0-1694)
SUMÁRIO
- Relance sobre a Guiné e seus
problemas, habitantes e comércio que praticavam, com nacionais e estrangetl'os.
Senhor
Como
vaçallo de V. Real Magestade que Deos guarde, de Prouincia tam fauorecida, como
obrigada á sua real grandesa, dou as seguintes noticias, que V. Real Magestade
manda, com senceridade de intençaõ, e com a uerdade, que no mais ueridico acto,
que hé o do Sacramento, o faria, porque os Reis da terra, com igual uerdade que
o do Ceo, se deuem tratar, e em matérias graues seria execrando crime, qualquer
desuio da uerdade.
Com experiencia dez
annos passados nos Rios de Guiné, uj o
irrecuperauel dano que sua real fazenda recebe da entrada lá de estrangeiros,
sendo estes descobertos pelo Senhor lfante D. Henrique, que em santa gloria
está, e sempre pelos Auós de V. Real Magestade pacifiquamente possuidos, he a
causa dos presentes males o deuirtido das forças de V. Real Magestade em tantas
Conquistas, o poder dos estrangeiros,
nauios, annas, soldados, generos, actiuidade, jndustria, com que uadeaõ mares,
descorrem terras, disfrutandoas com agrauo e perda de seos senhores.
Gouernando a praça de
Cacheo os passados annos (eu presente) Joaõ de Sousa Abreo e Lima iá defuncto, e uendo sua passada
oppulencia ao summo da miseria redusida, escreueo a V. Real Magestade pello seu
Concelho Ultramarino, apontando um de 3 rneos, para o reparo desta roina, e
para que a Praça de tantas consequências se não perdesse com o dezemparo de
seos moradores, e com buscarem o remedio da uida em outras partes.//
Era o primeiro que V. Real Magestade desse ao menos por alguns annos,
entrada franca aos estrangeiros, pois fasião negocio sempre sem uontade de V.
Real Magestade e com a perda dos direitos não somente nos rios mais distantes
de Cacheo, mas no proprio de S. Domingos fora da artilharia; o 2° que se contratasse com o castelhano que
mandasse ao resgate dos pretos ao menos cada anno, a Cacheo; o 3° que se fizesse huã Companhia á
imitaçaõ da passada para que metendo seos jntereçados bastantes generos em
Guiné, elles tirassem proueito, os moradores remedio, e V. Real Magestade
direitos com que sustentar cabo, officiaes, soldados, atc.4. Sendo 3 os meos do ultimo somente se lançou
mão; concedo que seria com grande circunspeçaõ e acertado zello, mas tem a
experiencia mostrado ser jnutil, porque a Companhia se queixa de perdas,
costeos, fraquos interesses, as alfandegas da ilha e Cacheo estaõ tam pobres,
que naõ podem pagar aos filhos da .folha seus soldos; os moradores de Cacheo e
mais rios de todo perdidos, e choraõ pellos estrangeiros que lhes leuauaõ bons
generos muitos e acomodados, e sobretudo lhos fiauaõ annos e annos.
Hé
a causa Senhor de tantos males, mandar esta Companhia cada anno hum pequeno
nauio somente a Guiné, por cuja causa este anno, ficou em terra á dita
Companhia carga, e aos particulares de S. Thiago couros e pel1es leua o nauio,
poucos generos baxos nasustancia, altos no preço e sendo á Guiné cada anno
necessarios 30 ou 40V (40.000] barras de ferro, appenas leua 10V
(10.000].Acrece á pobreza das alfandegas seruirse V. Magestade de perdoar á
Companhia parte dos direitos como de suas cappitulaçoes se uê, com que se deue ponderar o zelo, e desapego
de tam grande monarca que se contenta com o titolo de Senhor de Guiné, dando os
interesses a mercadores que mal conseruaõ a Conquista.
Deixado
por impraticauel este tam arduo ponto de dar entrada a estrangeiros, que
ministros de V. Magestade lhe tem dissuadido, teraõ dado efficases resoTs para
isso, que naõ dariaõ, se naquelas partes uiuessem algCís dias, em que uiriaõ que assi, ou assi os
estrangeiros trasem e leuam carga e negoçeaõ, sem que armas, força ou traça
possa ualer ao Capitaõ Mor ou feitor da Real Fazenda; perguntesse a o D. Manoel Lopes Barros, sindicante
naquellas partes, a Joseph de Oliueira, a Antonio de Azeuedo Frontoura, que por
horas uem chegando, e foi feitor na dita Praça.
Resta agora, Senhor,
lançar maõ da occasiaõ presente iá que Deos lhe abre a porta, entre por
ella,juitará danos, remediará misérias aos pobres que nestas partes uiuem, será Deos seruido, V.
Magestade delle remunerado, como instrumento de tanta gloria sua, que na
reduçaõ de tantos milhares de barbaros ao christianismo, e na saluaçaõ de
tantas almas, se considera, seraõ V.
Real Magestade e seos filhos que Deos prospere, senhores algíldia, de Guiné na
realidade, e não somente no titolo, e por consequencia dos dilatados reinos
desta Africa. Pede com afinco o Rey de Bissao a V. Magestade fortalesa no
seu porto, cabo, soldados que a presidiem, nauio cada anno com os generos que
lá saõ de prestimo, Ministros Euangelicos para a reduçaõ de seos vaçallos, que
abraçarem a ley da uida, direy o que sinto com aquella jntelligencia que nesta
materia alcanço e com aquella uerdade que V. Real Magestade quer, e manda, e
meu habitto pede.
Os nacionaes de Bissao saõ muito domesticos,
fieis e carinhosos conosco, como gente que do descobrimento de Guiné, conuerçou
sempre portugueses. Tem esta ilha de 20 legoas asima, deue ser tam larga como
comprida. Suposto a não andej julgo pello que ui, quando de Cacheo fui com huã
lancha a bom andar, auistandoa de menhã; na tarde desembarquej no porto iunto á
igreia, que deue ser o meo della; há em o coraçaõ desta ilha grandes matos e
tem aruoredos de que neste mesmo porto ui fabricar nauios, tem aruores de que corre . oleo curatiuo, tem muitos elefantes, e como
passaõ· a nado os rios, que deuidê a dita ilha das terras circumuesinhas,
hé força uerem muito mais ds ditas terras; há
onças e outros generos de feras, cobras e muito grandes e uenenosas há tambem.
Tem vacas, cabras, galinhas, muitas
e frutas agrestes; tem dentro dessa ilha ribeiras de agora doce para se poder
plantar canas, milho grosso (que o naõ usaõ lá) aruores de toda a casta
ettc&Seu sustento desta ilha hé
milho, arros, funde, inhames, peixe.
Hé
nella Rey principal Bacampolo Có,
Paj deste Principe, dá este pose a 6
regulos de seos estados dentro na dita ilha, e naõ somente estes 6 lhe saõ
trebutarios, mas quantos Reis há de Cacheo a Bissao de huã e outra parte do
Rio, que se anda em quatro dias; todos
estes saõ papeis de Bissao com pouca em nenhuma deferença no trato e
lingoa, excepto naõ serê tam domesticos, como os da Ilha; há em Bíssao de 400 christaos para sima, e os mais da mesma Ilha,
daõ os paes graciosamente os filhos para serem christaõs, mas não querem prouar
os ditos paes a que sabe tam santa agoa; ex
eo que se baptisa hu rapas fica no poder do padrinho ou parente e naõ toma a
casa do paj. E se hé de 8 dias depois dos 3 annos que mama na propria may,
corre o mesmo, isto hé, hir para casa do padrinho ou parente christaõ. //
Trataõ
os gentios com seos parentes christaõs cõ famialieridade, mas em materia da lei
naõ arguem, mas delta sentem mal,aliás naõ teriaõ filhos desta Jei, pois saõ
dados pel1os paes, a tempo que os filhos naõ tem uso de resaõ; quando morre
christaõ, se a doença o achou em casa de gentio, uaj o dito gentio chamar ao
Vigairo pera a administraçaõ dos sacramentos, e quando se enterra o dito
christaõ os gentios parentes o acompanhaõ athé á porta da igreja. Occasiaõ ouue no tempo em que neste
hospício morauaõ padres castelhanos, no tempo iá de V. Magestade, e como
morresse huã molher, baptisada de muitos annos na caza de hü gentio, terra
dentro; a trouxeraõ gentios â porta da igreja, e como os ditos padres lhe naõ
quisessem dar sepultura eclesiastica por naõ ter frequeantado os sacramentos,
auia annos, fiseraõ os ditos ameaços aos ditos padres, tezos cõtudo na sua
obrigaçaõ, os gentios deraõ á defunta sepultura dentro da igreja; está a dita
igreja sempre aberta, ou por naõ ter fechadura, ou por segura, nunca se uio que
le furtassem os gentios, ualia de huapalha.
Tem
tanto medo âs cençuras da igreja que a mim me pedia Bacampolo Có, Rey desta Ilh~ sendo Vesitador de
Guiné, por D. Fr. Victoriano Portuense,
Bispo de São Thiago, uja que na materia de castigar aos christaõs
comprehendidos, fisesse eu o que entendesse, mas que me pedia que naõ deixasse
na sua terra excessam alguã, por ter ouuido ser coisa roim.
Viram estes gentios que
no tempo dos ditos castelhanos Capuchinhos, auendo naõ somente negado a
absoluiçaõ a certo mosso por obrigaçaõ da quaresma, posta ex cessam para lançar
fora a amiga, e euitado da igreja o dito mosso, instigado do demonio,
encontrando-se com o padre que seruia de vigairo, puxando de hü traçado lhe
disse que se naõ o desescomungaua· que ali lhe auia de cortar a cabeça.
Com effeito instou com o dito padre o absoluesse, e pondolhe iá o
traçado na cabeça acodiraõ christaõs e gentios, e lutaraõ de suas maõs, quando
por iusto iuiso de Deos na tarde do mesmo dia, este mao christaõ tem com outro
home no mesmo lugar resoes, com quem puxou e em cujas maõs acabou
miserauelmente auida; de tudo fazem os
gentios obseruaçaõ para o temor, Deos os traga ao conhecimento de sua bondade.
Se a estes barbaros
dessem os alguã roupinha, chapeo, faqua ou cousa
semelhante, o leuariamos sem duuida com tam fraqua prisam onde quisessemos; saõ naturalmente muito pegados a qualquer pequeno interesse, mas de
qualquer coisita pequena se pagam, sendo tam briosos na fidalguia~ tem baixos pensamentos por ser humildes no aseitar. Nam
conhesem estes a Deos, nem ao diabo, não sabem que á gloria ou pena da outra ui
da, nada cudam, sendo que se preparaõ com frutto para ella, porque no enterro
todos saõ grandiosos; o Rey leua caualo
e criados em cantidade á sepultura, enterrando com elle muitos criados, e
criadas, e alglls com muito gosto. Os
carneiros ou iasigos saõ debaxo do chão, paramentados de bons pannos a que na
uida pouparaõ; o Rey e Jagras leuaõ peças de ouro, que aproveita para si, quem
pera outra funçaõ semelhante abre o carneiro, sendo esta barbaridade tampara
sentir, que naõ tem disculpa, por cega, naõ há quem lha faça conheçer.
V. Real Magestade ueja
esta lastima,
e considere quanto de agrado de Deos será liurar das redes do demonio, Reis e
Principes terrenos, que suposto pretos, saõ remidos com o sangue do Senhor
Deos, e lhes custaraõ muito no descobrimento da Jndia Oriental e a elRey D.
Manuel e a D. João 3.0 seu filho, que em gloria estaõ, se deue; logo se fizeraõ
fortalezas, como em Cochim, Çofala, Ormuz, Dio, Malaca, ena. Com . estas se
amedrontou o gentio, o moiro se enfreou, com estas se sugeitou o estado. Estas
dauão gasalho a os portug/u/eses estranhos na terra, logo que hiaõ, e depois
emparo, defença, ett8. A estas se recolhiaõ cansadas ou dos trabalhos do mar,
terra, g/u/erras; á fiusa destas se pregou a lei euangelica, obrando-se as
marauilhas que ao mundo açombraraõ. Grande premio terá na gloria quem do bem
destas almas foi instrumento. Como os gloriosos Reis iá nomeados. E mesmo
confio em o Senhor se obrará na presente funçaõ, sendo a poderosa maõ do
altissimo em ajuda de tam piedoso Monarqua como hé V. Real Magestade, que o ceo
augmente para major gloria de Deos.
Cercaõ a Bissao de
todos os lados (excepto do nacente que hé mar) muito dilatados Reinos, a saber:
Biafares, Balantas brauos, terra de Antula, Baoula, e Ilhas de Bujagoses, tudo o que dista de
Bissao á Geba, pouoaçaõ de christaês, de huã e outra parte do Rio, com muitas
naçois de que naõ sej os nomes. Os
Balantas brauos, distaõ de Bissao a largura deste Rio e será legoa; tem muito
ouro que naõ cavaõ nem delle se seruem por ser gente barbara e tam feróz que beberá o sangue a toda a casta de brancos, e somente
trataõ com pretos inda que christaõs, porque eu os ui em Bissao nas suas feiras,
que saõ hum dia na semana: Compraõ e uendem quando uem, coisas comestiuas sem
defferença a brancos e pretos gentios, e cristaõs. II
Todas estas terras daõ marfim, cera, ouro, captiúos e na major de
todas as resoes e consequencias desta fortaleza, que se pede hé naõ somente
asenhorear toda esta barbaria, mas asegurar a entrada a estrangeiros para os Rios da Serra Leoa, Nuno, Deponga; tudo
isto é nosso porque os portug/u/eses o descobriraõ e sempre possuiraõ, mas como
naõ há em Guiné bastantes generos, raramente lá uaõ,
e fica tudo ao estrangeiro, excepto a colla da Serra Leoa, de que por amargosa,
o estrangeiro naõ gosta, nem lhe tem conta para leuar a parte alguã.
Naõ
se presume que Frances, menos Ingles, faça g/u/erra a este Reino, inda que lhe
empidamos com esta f oratalesa a entrada dos ditos Rios; prouo França nunca tomou posse de Bissao, nem tal intento teue,
porque só tratou do negocio que ahi acodia, uisto naõ lhe darem entrada em
Cacheo; teue somente em terra huã casa com fasenda e algOs comissarios que a
distribuhiaõ há 8 anos a esta parte, se trouxe alguã cal e madeira, Ioaõ de la Fonte, administrador da
Companhia de França, mas naõ seruio de cousa alguã; o fim era faserse forte em
híl pequeno ilheo que está hindo de Cacheo iá uista de Bissao legoa e mea, com
timor do Ingles. Como naõ tinha agoa o dito ilheo não fes mais que 2 casas de
vellas por sima, pedras ou ramas pellos lados; a cal e madeira tudo se perdeo.
Teue este Ioaõ de la
Fonte ha encontro com os gentios de Bissao á minha uista, em que lhe matou
gente com seos soldados, porque estiueraõ entaõ 200 de htl nauio delRej de
França, fora os nauios da Companhia (eraõ 5 estes); foi o sucesso no mes de julho, tempo de grandes
chuuas, e como na tarde deste dia chouesse, e os soldados franceses estiuessem
no campo, pedio Ioão de la Fonte licença
ao Cabo da fortalesa que V. Magestade lá tem, por ser cuberta de palha, para se
em pararem della; deulha, com effeito, porque
naõ auia iá nella soldados nossos, que a respeito das chuuas tinhaõ suas casas
fora da fortalesa; ficou com tudo a bandeira de França aruorada na casa em que
os ditos franceses tinhaõ sua fasenda, e se neste dia achou João de la Fonte
rezaõ pera pedir licença a Manuel de
Pina, cabo da fortalesa, para reparar seos soldados da chuua e naõ a tomou
podendo, seg/u/esse que naõ querem os
franceses Guiné para morar, ou fortificar, mas para tirar dinheiro; mais Ioaõ Bucar ingles, e general de Gambea, deu
de todo com os franceses no lodo, porque ueo a Bissao hã pouco tempo e
aprisionou os que naõ matou, e só ouue lugar antes que chegasse o dito ingles
para o frances meter no nosso hospicio algum dinheiro, o que se lhe permitiu
porque sobre ser catholico, hé o nosso bemfeitor; fogiraõ nesta occasiaõ
algils escrauos ao Frances, e metidos na ilha se liuraraõ do ingles; ueo dahi algüs meses outro frances e com
200 homes e bastante artilharia, fes tal medo a Bacampolo Có, Rej desta, que
lhe obbrigou a buscar seos fogidos escrauos. Esta, com muitas, saõ as
resols de pedir o Rey com muitas ueras o patrocinio de V. Real Magestade.
Tem
os Rios de Serra Leoa, Nuno, Deponga, muitos christaõs, todos falaõ
portug/u/eses (sic) pella communicaçaõ, sangue que delles tem; uaj todos
os annos hil Relegioso dos moradores de Bissao, pregarlhes, confessalos,
baptisalos, casalos e sempre, inda que muitos fiquem sem remedio, por culpa
sua, se seg/u/e bem aos mais .
Tornando aos Balantas do ouro, estes com uerem o trato dos
Portugueses, fidelidade e uerdade ou se domesticaraõ ou se fará por meo dos
de Bissao com elles negocio e quanto naõ as armas fasem caminho quando naõ pode
a boa e política cortesia; experimente o rigor quem naõ conhece e amor
em tudo; peço ao author de todos os bens inspire, gouerne, ajude a V. Real
Magestade, pera
que se logre seu jntento, cuja real pessoa o mesmo Senhor guarde, os annos que
seos vaçallos pedimos. //
Lisboa,
em 8 de outubro de 1694.
O
Menor de seos Capelaês Seruo e Orador.//
Fr. Francisco da Guarda
AHU - Guiné, cx.
3, doc. 229. Original.
1694/10/27
CONSULTA
DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O REI DE BISSAU (27-10-1694)
SUMARIO
- O Rei de Bissau escreve oferecendo lugar para nele se fazerem fortalezas -
Pede para ser baptizado - Manda que se faça a Companhia de Cacheu e Cabo Verde.
Senhor
Vendosse
neste Conselho as cartas inclusas de 26 de Abril deste anno, escritas a V.
Magestade por BACAMPOLO CÓ, Rey de
Bissao, sobre o dezejo que tem de se bauptizar, e fazer christaõ com todos
os seus vassallos, offerecendo naquelle
Reyno lugar para se fundarem nelle Fortalezas para segurança do nosso comercio,
e se impedir aos estrangeiros a entrada,
que nelle fazem, mostrando por provas evidentes de amor que tem á nossa
naçaõ, entregar ao Bispo seos filhos para lhos douttrinar, mandando á presença
de V. Magestade o primogenito para aquy ser instruído na Relligiaõ Catholica; e
vendosse juntamente a rellaçaõ que dá a V. Magestade o mesmo Bispo, do successo
da vesita que fez á Guiné, e practicas que teue com o mesmo Rey de Bissao, e
outras duas que fazem o Pe. FR.
FRANCISCO DA GUARDA, Relligioso da Soledad, e FRANCISCO CORDEYRO Sanctos, que trataõ sobre esta mesma materia; o
que tudo com esta e com a carta do gouernador de Cabo Verde se remete ás reaes
maõs de V. Magestade.
E
querendo saberse da importância desta Ilha, e as consequências que se podiaõ
seguir de se occupar, se chamou ao mesmo Conselho a Joseph Gonçalves de Oliueyra, que seruio de Capitão Mor da praça de
Cacheo, e a Joam Gomez, pessoa
practica naquelas partes, e declaração, que a dita Ilha de Bissao está /.../ de onze grãos da banda do Norte, e terá de circunferência 18 legoas, e que
hé pella mayor parte terra baixa, cuberta de aruoredo pella mesma parte do
Norte, e que o seu porto é ao Sul, ficandolhe
hum Ilheo como da Berlenga em frente quasi meia legoa, e que tem bom
surgidouro, e que estaõ nelle seguros os navios em qualquer borrasca do mar; e
no tempo das agoas, que correm ventos Sueis, e Suestes não faltaõ na mesma Ilha
outros surgidouros, em que se amparem os navios; e que se pode desembarcar na Ilha em varias partes entre ella e a terra
firme, de que se divide com hum rio estreyto em partes, de maneira como o
Terreiro do Paço, e ainda menos; a
terra hé pouco abundante de mantimentos, de maneira que naõ tem os que lhe
bastem para sy, porem que das outras Ilhas vesinhas se prouê do que lhe hé
necessario; que hé sadia mais que todas, e tem boas agoas; que a gente hé de
bom natural, e tem comnosco mais (?) correspondencia, que os outros negros;
que naõ temem sy cousa que sirua para o
comercio, mas está situada em parte donde o pode ter. //
As Ilhas
dos Biiagós, Geba, Rio de Guinala, Rio de Nuno, a de Pinga; e vltimamente
Serra Leoa, entendem que a despesa que se fizer na
na Fortificação, e com o prezidio delia, se naõ poderá tirar pellos direytos da
alfandega, porque seraõ de muito pouca consideração.
Entendem
tambem que a praça de Cacheu, ainda
que seia de peor clima, hé todavia muito mais [...] pella sua situação, a
respeito [...] Sobre o Rio de S. Domingos, que hé navegavel a nauios sessenta e
settenta legoas, e em toda esta distancia há muitas escallas,em que se faz
grande negocio; e que o que importa hé metter nella grandes cabedaes de dez
para doze mil barras de ferro, mil traçados, dous mil maços de conta e outros
generos, que daquy vaõ, sendo tudo em quantidade se evitará, a que vão lá os
estrangeiros, e que achando os moradores
na maõ da compra todo o provimento necessario escuzaraõ de comprar ás outras
naçoês, que com mais iustificada rezaõ se lhe prohibirá entaõ.
Ao
Conselho parece que sendo a causa que moueo aos Senhores Reys deste Reyno,
predecessores de V. Magestade a emprenderem o descobrimento das Conquistas, naõ
só a esperança que se promettiaõ dos interesses destes domínios, mas o maior
que se dilatasse a Fee, e se convertessem á luz da verdade as naçoens delias,
fazendo para este effeito tantas diligencias, e com tanto zello e empenho como
saõ prezentes das historias, cuia obrigação se foi continuando em seos
successores. Que nesta consideração, offerecendo EIRey de Bissao naõ só a sua
redução, e o uso da Relligiaõ Catholica em todos os seos vassallos, entregando
como penhores e fiadores da sua inclinaça á ley de Christo Senhor nosso a seos
proprios filhos para serem doutrinados nella, e mandando o primogenito á
presença de V. Magestade, para ser instruído na mesma Relligiaõ, mas tambem lugar para se edificarem
Fortalezas no seu Reyno, por que se possa melhor segurar o comercio dos Rios e
terras, que lhe ficaõ circumvesinhas, impedindo por este meyo as entradas ás
outras naçoens, que custumaõ frequentar aquelle porto; e pella situaçam em
que está, por noticias e informaçoens que se tomarão ser das mais sadias de Guiné, e que para os nossos portugueses será
de grande conveniência a assistência nella, cuios naturaes os tratarão sempre
com grande amor,é a mayor a consequência de se extender o dominio de V.
Magestade. //
Que por todas estas circunstancias se deue
abraçar e aceitar a este Rey a offerta que faz. E porque será muito conveniente a Companhia de Cacheu ter para o seu
comercio o desta Ilha; que a ella deue V. Magestade emcomendar tome por sua
conta este negocio; assim como o faz na Ilha do Príncipe; mas porque naõ
poderá fazer todas as despezas que se iulgão seraõ consideraveis nas
Fortalezas, que forem necessarias para que possa melhor conservar, e defender
aquella Ilha; que V. Magestade deue ser seruido concorrer da sua parte, e
ajudallos de maneira, que se possa conseguir o que se intenta; e porque esta materia é de tanta
importancia, como se recommenda, que para as dispusiçoens, e introdução delia
neste principio; se deue buscar huma pessoa para hir daquy, que seja de toda a
intilligencia, capaz, e de authoridade, que possa estabelecer este negocio com
prudencia, industria, e cautela, e affeiçoar os animos dos principaes
vassallos deste Rey, para que convenhaõ no que for mais conveniente ao seruiço
de V. Magestade, ao qual acompanhe hum
engenheyro de toda a suficiência para a escolha dos sitios, emque se houverem
de edificar as Fortalezas, porque no principio sempre
conuem, que se naõ desaserte, porque a experiência tem mostrado em todas as
Conquistas, que estes anos por falta de meyos naõ tiuereaõ nunca emmenda.
Lisboa,
27 de Outubro de 1694.
aa)
Conde
de Aluor / Bernardim Freire de Andrade / Joaõ de Sepulueda e Mattos / Joseph de
Freitas Serraõ.
[À
margem]: -
Como parece, e dos papeis que com esta baixam ficará entendendo o Conselho o
que se oferece a fazer a Companhia de
Cabo Verde e Cacheo; explicando o
conselho tudo o que puder para o sustento do Prezidio desta Fortaleza; o que
faltar se suprirá pelos direitos dos géneros que a Companhia mandará para este
Reyno, fazendoselhe nelles disconto do que despender no dito Prezidio, a que se
aplicarão todos os direitos que resultarem da dita fortaleça e para se
edificar procurará o Conselho os efeitos necessários. //
Lisboa,
28 de nouembro de 699.
(Rubrica
de el-Rei)
AHU - Guiné, cx. 3, n.° 229 - Original.
Cód. 478, fls. 87-88.
1694/10/30
FORMULÁRIO
PARA O BAPTISMO DO PRÍNCIPE DE BISSAU
(30-10-1694)
SUMARIO
- Aviso aos oficiais da Casa. - Aviso ao Núncio para fazer o baptismo. -
Para o Conde Estribeiro-mór, D. Filipe de Sousa, capitão da guarda, para D.
Marcos de Noronha e outros avisos que se fizeram para os variados serviços da
cerimónia.
Se
há-de Baptizar na Capela Real a qual há-de estar com o adorno que costuma ter
nas maiores Festas do ano, e a nave do meio há-de estar alcatifada e da teia
para dentro da Capela Mór, e há-de pôr pia, e aparador na forma que se costuma
pôr, nos Baptizados; e quando se não ponha a Pia de prata, se deve pôr, uma
bacia grande que bastará; porque o Baptismo é de aspersão; e esta para que
decentemente possa servir ao Sacramento do Baptismo, se branqueará antes; e
despois para que fique capaz de servir a qualquer uso profano. No aparador se
hão-de pôr todas as cousas necessárias segundo o Cerimonial da Igreja: e há-de
estar numa salva dourada com toalha, prato e gomil para Sua Magestade lavar a
mão que há-de pôr na Cabeça do Príncipe; e quando não a queira lavar lhe
servirá a toalha um gentil homem da Câmara. Que todas as cousas que servirem a
este Sacramento hão-de administrar os Capelães e Moços da Capela por ser acto Eclesiástico.
Que El Rei nosso Senhor há-de ser o Padrinho.
Que o Núncio há-de Baptizar assistido dos Capelães da Capela Real. Que devem
assistir com tochas ao Baptizado Moços Fidalgos, ou da Câmara, segundo Sua
Magestade resolver. Que será próprio da grande piedade da Rainha Nossa Senhora,
condecorar este acto com a sua Real assistência na Tribuna. Que Sua Magestade
deve mandar com coche, não sendo o da Sua Real Pessoa, seja dos melhores, e
nele um Oficial da Casa; que vá ao Convento da Trindade a buscar o Príncipe, e
que o torne a levar depois de Baptizado, o qual há-de dar a maõ direita ao
Príncipe. Que Sua Magestade deve ordenar, que ao Príncipe se dê o tratamento de
Ex.a, como se deu ao Príncipe das Pedras. Que há-de ir um segundo coche
ordinário para virem os dois Negros, que servem o Príncipe. Que o Príncipe
chegará primeiro, e esperará na Sacristia, onde estarão dois Tamboretes,
um para ele se assentar, e o outro para o Fidalgo que o conduzir. Sua Magestade
estará em Palácio, e baixará à Capela, e o Príncipe sairá a tempo que Sua
Magestade não espere por êle, nem êle por Sua Magestade, e o Núncio estará já
revestido assentado no seu lugar; para que se não dilate o acto depois que Sua
Magestade chegar.
O Príncipe depois de
baptizado há-de beijar a maõ a Sua Magestade, e Sua Magestade como em agradecimento
de se haver baptizado, lhe há-de lançar o braço ao pescoço, mandando-o
levantar.Sua Magestade, acabado o acto lhe há-de ordenar, que se fique e se
retire; e depois que Sua Magestade começar a andar, se há-de retirar o Príncipe
para a Sacristia, de onde se há-de ir.
Na
Capela parece deve entrar pela porta principal do Páteo: pois parece que contra
diz ser o acto público, e entrar por porta secreta, e que o coche em que êle
vier, deve entrar neste acto no Páteo da Capela. Que um Moço da Capela lhe deve tirar e pôr a garavata (sic), escolhendo-se
deles o que for mais capaz desta função.
Que
no mesmo dia, depois de baptizado, lhe deve
Sua Magestade mandar pôr um Porteiro da Câmara, ou por um Moço da guardaroupa,
uma joia de valor, de três até quatro mil cruzados, e que tenha no meio a
cabeça de Cristo Senhor Nosso.
Parece
que na Capela deve estar armada a cortina para Sua Magestade fazer Oração; e
que Sua Magestade deve baixar à Capela com aquela solenidade com que o faz nos
dias de maior festa, fazendo-se avizo à Corte.
REZOLUÇÃO DE SUA
MAGESTADE
El
Rei Nosso Senhor há-de ser o Padrinho, e baixar à Capela aonde há-de estar
armada a Cortina. A Rainha Nossa Senhora tão bem vai à Tribuna a condecorar
este acto pela sua muita Piedade. Baptiza o Arcebispo de Rodez, Núncio de Sua
Santidade. A nave do meio da Capela, se há-de alcatifar toda. A pia dos
Catecúmenos há-de servir neste acto, e se lhe há-de fazer pé, que se ornará
ricamente,e se há-de pôr abaixo dos degraus, no meio da teia, para dentro: e de
fronte se há-de pôr um bastidor de um só degrau, com toda a prata necessária,
para todas as cerimónias deste acto, e
para se pôr o chapéu, garavata e espadim do Príncipe.
Tudo
o que toca a este acto se há-de fazer pelos Capelães e Moços da Capela Real, e
a êle hão-de assistir doze Moços da Capela com tochas, e com aquelas cousas que
servem ao Sacramento ministrarão os Capelães; deputando cada um para o que deve
fazer, evitando-se desta sorte confusão, e embaraço. O Reitor dos Catecúmenos precisamente há-de assistir a estas
cerimónias, por ser mais prático nelas; e há-de ser quem ponha a toalha no
pescoço ao Príncipe; porque o saberá fazer melhor. O Prestes Pedro Luis é que lhe há-de tirar a garavata, espadim e
chapéu, e lhe há-de tornar a pôr: e hão-de estar três Moços da Capela com uma
salva dourada para, a garavata, e dois pratos de bastiões, um para o chapéu,
outro para o espadim.
A
Capela Real estará com ornamentos, e cortinas, como se costuma nos dias de
maior festa: na Sacristia hão-de estar dois tamboretes para se assentarem o
Príncipe e o Mestre Sala Dom Marcos, enquanto não vier Sua Magestade.Hão-de
assistir na Capela os Ministros para o que se fará aviso ao Mordomo Mór.
Far-se-ão
avisos aos Oficiais da Casa para que acompanhem a Sua Magestade por dentro à
Capela; porque Sua Magestade e a Rainha Nossa Senhora hão-de vir de Alcântara
apear-se à Corte Real.
Façam-se
avisos aos Títulos para que venham assistir a este acto na Capela Real.
A
joia que se dá ao Príncipe vale um conto e quinhentos e cincoenta mil réis.
Este
Príncipe de Bissau enquanto esteve em Lisboa andou em um coche de Cavalos, da
Casa, mas os lacaios cobertos. A primeira Audiência que teve de Sua Magestade
foi em Alcântara aos quatorze de novembro de 1694, às dez horas da manhã, à
qual assistiram os Oficiais da Casa; e se lhes fez o aviso seguinte.
AVISO AOS OFICIAIS DA
CASA
Sua
Magestade que Deus guarde é servido que V. Ex.a se ache amanhã, segunda feira,
às dez horas em Alcântara para lhe assistir na Audiência que há-de dar ao
Príncipe de Bissau. Deus guarde a V. Ex.a muitos anos. Paço etc.
AVISO PARA O NÚNCIO
BAPTIZAR O PRÍNCIPE DE BISSAU
Ilustríssimo
Senhor
Amanhã
sábado pelas três horas da tarde se há-de baptizar o Príncipe de Bissau, do
qual é Padrinho Sua Magestade; e como este acto é de glória para a Igreja
Católica, será do agrado de Sua Magestade, que Vossa Senhoria Ilustríssima o
baptize; e para o serviço de Vossa Senhoria Ilustríssima estarei sempre com a
mais pronta obediência. Deus guarde a Vossa Senhoria Ilustríssima muitos anos.
Paço,
29 de Outubro de 1694. etc.
PARA
O CONDE ESTRIBEIRO MÓR
Sua
Magestade que Deus guarde é servido que Sua Senhoria ordene, que amanhã sábado,
às duas horas, esteja um coche da Cavalariça à porta de Dom Marcos de Noronha, para ir nele conduzir o Príncipe de Bissau,
que na mesma tarde se há-de baptizar na Capela Real. O coche há-de ser um dos
que trouxe o Marquês de Alegrete, e
deles o menos rico: há-de levar as facas negras, que Vossa Senhoria costuma
trazer no seu coche: os cocheiros hão-de ir cobertos, e o coche há-de entrar no
Páteo da Capela, e hão-de ir dois Moços para desembaraçarem os tirantes se for
necessário. Deus guarde a V. Senhoria muitos anos. Paço, a 29 de Outubro de
1694. etc.
PARA
DOM FILIPE DE SOUSA, CAPITÃO DA GUARDA
Amanhã sábado, às duas horas da tarde, se
baptiza na Capela Real, o Príncipe de Bissau, o qual há-de ir buscar ao
Convento da Trindade, em um coche da Cavalariça, o Mestre Sala da Casa Real, e
há-de entrar no Páteo da Capela o coche em que êle vier; e como o Núncio o
há-de baptizar, disporá Vossa Senhoria o que lhe parecer necessário para que
esteja o Páteo desempedido para os coches, pondo-se Soldados da Guarda em todas
as portas que têm serventia para o Páteo, para que não entre mais gente, que a
que deve entrar; e nas escadas da Capela mandará Vossa Senhoria pôr tambem
soldados, para o mesmo efeito. Sua Magestade baixa à Capela a ser Padrinho do
dito Príncipe, e ordenará Vossa Senhoria que os soldados da Guarda tenham feito
caminho até à porta da Sacristia, aonde o Príncipe há-de estar, e aonde se
há-de recolher depois de acabado o acto; e os soldados da Guarda lhe hão-de
conservar o mesmo caminho até
que saia da Capela Real, e Vossa Senhoria disporá tudo como acerto que costuma.
Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Paço,
a 29 de Outubro de 1694.
PARA
DOM MARCOS DE NORONHA
Amanhã,
sábado, às duas horas da tarde, há-de estar à porta de Vossa Senhoria um coche
da Cavalariça de Sua Magestade no qual Vossa Senhoria há-de ir ao Convento da
Trindade buscar o Príncipe de Bissau, e levá-lo à Capela Real, aonde às três
horas da mesma tarde há-de ser baptizado pelo Núncio de Sua Santidade: o tratamento que Vossa Senhoria lhe há-de
dar, há-de ser de Ex.a, e no coche
lhe há-de Vossa Senhoria dar o lugar da mão direita. Os cocheiros hãode ir
cobertos e o coche há-de entrar no Páteo da Capela. Tanto que Vossa Senhoria se
apear com o dito Príncipe, há-de subir para a Capela, e ir para a Sacristia,
aonde hão-de estar dois tamboretes, para Vossa Senhoria se assentar com o
Príncipe, dando-lhe sempre o melhor lugar, até que Sua Magestade baixe para a
Capela, e tanto que Sua Magestade baixar, há-de Vossa Senhoria de sair da
Sacristia em tal tempo, que chegue de sorte à Capela mór, que Sua Magestade não
espere pelo Príncipe, nem o Príncipe por Sua Magestade, e com Vossa Senhoria
estará um Frade Capucho, que servirá de Intérprete, que veiu com o mesmo
Príncipe, ao qualse fará aviso para que esteja na Sarcistia, quando V.S.
chegar. No acto do Baptismo hão-de servir os Capelães e Moços da Capela na
forma que se tem ordenado ao Capelão Mór e
o Príncipe irá instruído da forma em que se há-de haver quando chegar à
presença de Sua Magestade, que há-de ser ir ajoelhar para beijar a mão de Sua
Magestade, e depois do baptizado há-de repetir o mesmo. Acabado o acto de
Baptismo há Sua Magestade mandar ao Príncipe que se retire, porque como fica
molhado, o não deve acompanhar; e depois de Sua Magestade começar a andar
para se recolher, há-de V. Senhoria de
tornar com o Príncipe à Sacristia, e depois de Sua Magestade sair da Capela,
sairá V. Senhoria então com o Príncipe, e o levará ao Convento da Trindade.
No coche não há-de entrar Pessoa alguma mais que o Príncipe e V. Senhoria. Deus
guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Paço,
26 de Outubro de 1694.
MAIS
AVISOS QUE SE FIZERAM
Fez-se
aviso ao Conde de Pombeiro, capitão da Guarda; e ao Conde de Assumar, Vedor da
Casa, para irem conduzir o Núncio em lugar de Dom Marcos de Noronha, e Dom
Filipe, que tinham outra função no acto. Fez-se aviso a Lourenço Pires de
Carvalho, Provedor das Obras do Paço, para mandar ter o Páteo da Capela
varrido; e as portas desempedidas para entrarem os coches. Fez-se aviso ao
Mordomo Mór, mandasse assistir na Capela os Ministreis ou as charamelas. Fez-se
aviso a Dom Franciso de Sousa, para que deixasse entrar e assistir ao Baptismo
a Frei Francisco da Guarda, Religioso
Capucho, Intérprete do Príncipe e a dois Negros seus Criados Fez-se aviso ao Propósito de São Roque, para
que mandasse à Capela a pia de pedra em que se baptizam os Catecúmenos.
Lisboa,
10 de Dezembro de 1691.
ATT - Miscelania
n.°
171, págs. 278-296.
NOTA - A
chegada a Lisboa de D. Manuel de Portugal, para ser
baptizado, a realização do seu baptismo, foram relatadas pela Gazette de
Francede 4 de Dezembro de 1694, nos seguintes termos:
De Lisbonne, le 26 Octobre 1694. Un vaisseau venu de
Cacheu pres du Cap Vert a amené un Prince Noir nommé Batonto, fds de
Bamcompoloco, Roi de l'Isle de Bissau (1), située entre les branches du
fleuve Niger. Son pere l'a envoyé pour le faire baptiser: & on doit
faire la cerémonie le 4 du mois de Novembre prochain. Ce Prince demande
aussi la protection du Roy du Portugal: qu'il fasse bâtir une forteresse dans
son isle; & quil envoyé des Misionaires.
(1) No original lê-se: Bissan.
No seu numéro de 18 de Dezembro dava a seguinte
notîcia:
De Lisbonne, le 9 Novembre 1694. Le 30 du mois
dernier, le Sieur [Giorgio] Cornaro Nonce du Pape baptisa dans la Chapelle du
Château, le Prince Batonto fils du Roy de l'Me de Bissau', située
dans le fleuve Niger, à onze degrez & demi de latitude. Le Roy qui fut son parrain, le noma Emmanuel;
& lui fit présent d'une attache enrichit de diamans du prix de huit
centspistoles. La reine estoit dans les Tribunes avec les Dames. Tous les grands
y assistèrent; & la Chapelle estoit rempli d'une très grande foule de
peuple.
1697/06/17
CARTA DO BISPO DE CABO VERDE SOBRE O BAPTISMO DOS ESCRAVOS
(17-6-1697)
SUMÁRIO - O Bispo critica a nova carta de resolução sobre o baptismo dos escravos, mais fácil de escrever que de executar - Desacordo entre o administrador da Companhia de Cacheu e o Prelado sobre o mesmo assunto.
Senhor
Por carta de V. Magestade de 5 de Março deste anno, uejo a rezoluçaõ sobre os Baptismos dos escrauos, que prouuesse a Deos que fosse taõ facil a pratica, como foi a especulaçaõ nesta materia. Hé certo que os adultos ainda no artigo de morte, se naõ podem baptizar sem o Cathecismo; e hé certo tambem que este se lhe nam pode fazer em Guiné, assim pello pouco tempo, como pella grande rusticidade dos escravuos e incapacidade delles, pois a sua meditação hé buscar meyos de quebrar as correntes e grilhoes, e tomarem para as suas terras; e isto mesmo succede quando chegaõ a esta Ilha de S. Tiago, porque ainda que perdem as esperanças da patria, saõ taõ buçaes que passaõ muitos mezes e muitos annos sem fallarem palavra crioula, e depois que a comesaõ de falar hé que entra o· ensino; e como os nauios da Companhia se naõ podem deter, hé sem duuida que daqui por diante a mayor parte dos escrauos que se embarcarem haõ de hir sem baptismo, dizendo seus Senhores, que tem uindo por escala; e eu já com esta rezoluçaõ fico com a consiensia quieta, e sem entender nesta materia, que por dar execuçam á primeira ordem de V. Magestade incorri em grande crime com os interessados na Companhia, o qual castigaõ com me naõ embarcarem nos seus nauios os materiaes necessarios para acabar a Sée. li
A minha queixa do anno passado foi que tendo o administrador da Companhia em seu poder e de seus amigos mais de hum anno seruindo os escrauos della, os quizesse depois embarcar sem serem baptizados, e esta falta de charidade hé que meressia estranhada, e que se lhe puzesse remedio; mas paresse que Deos lhe castiga com os muitos que lhe morrem gentios. Nem me será possiuel nas embarcaçoes que os leuarem mandar Clerigos, porque se as que uem desse Reino, onde há tantos sacerdotes dezocupados os naõ trazem, como hiraõ desta Ilha, onde saõ tampoucos, quanto mais que os escrauos que naõ estaõ capazes de serem baptizados quando embarcaõ, hé impossiuel que se capacitem na uiagem; tomaraõ eles em lugar da doutrina, agoa da fonte, e hirem mais dezafogados, que no pataxo em que agora me recolhi de Guiné, o arquearaõ em o mesmo numero de escrauos que hauia na pouoação para embarcar, que eraõ perto de quatrocentos, e logo o sahir da barra, lê começaraõ a dar somente de beber huã ues no dia; serue muitas uezes o resgate de os mandar mais sedo a penar no outro mundo.//
E se por algum modo se poderão cathequizar os escrauos em Cacheo, seria se houuesse huá Caza grande cuberta de telha que seruisse de escrauaria, onde estiuessem livres dos incendios e onde os achassem juntos os Religiosos e Vigairo (?) para os ensinar, obrigando aos Senhores que os puzessem nella; naõ em caza dos gentios (como fazem muitos) athé á hora da partida,( ... ). //
Finalmente das clauzulas da carta de V. Magestade o que uejo estar na minha maõ hé fazer com que os Mestres dos nauios leuem certidam dos que naõ uaõ baptizados, que será a mayor parte da armaçaõ; e se Deos nosso Senhor quizer mais alguã couza a fauor daquellas pobres almas, poder tem para lhe dar remedio. O mesmo
Deos guarde a V. Magestade. / I
Ilha de S. Tiago, de Junho 17 de 1697.
a) FR. VICTORIANO PORTUENSE
Bispo de S. Tiago
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
1701/00/00
Os franceses da Companhia da Guiné recuperam o «asiento», o exclusivo de fornecimento de escravos à América Espanhola.
Uma carta real ordena que os donos de escravos cessem de obstruir os casamentos entre homens livres e mulheres escravas, o que faziam exigindo preços exorbitantes pela liberdade das mulheres (Carreira 1972: 282).
1701/01/26
CARTA do [capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA], ao rei [D. Pedro II] sobre a cumplicidade dos moradores na usurpação daquela praça pelos franceses e do intuito destes em dominar os negócios de Bissau, Geba e Cacheu; informando que os franceses culpavam os soldados portugueses de alguns roubos e ameaçavam queixar-se à Companhia de França; referindo que o general tinha ordens da Companhia para prender o signatário se tivesse exigido o pagamento dos direitos aos mercadores, ficando nesse caso a governar a casa-forte BERNARDO CASTANHO; narrando as tentativas do capitão La Ru para o prender, exigindo umas barras tomadas a NATÁLIA ALVARES afirmando que eram da Companhia; dando conta que nos navios vindos do Senegal carregaram 200 escravos e 200 quintais de cera e marfim sem pagar os direitos; alertando que os franceses tinham ordem do seu rei para tomarem os navios estrangeiros que viessem a Bissau.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 49.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 262.
1701/05/26
CARTA do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao rei [D. Pedro II] sobre a falta de dinheiro da alfândega para pagar aos soldados e aos filhos da folha porque os franceses e os holandeses não pagavam os direitos; relatando que os franceses diziam ser senhores da terra e que os direitos pagos na alfândega eram invenções do signatário e do feitor; informando que de Bissau os franceses só queriam escravos para as Índias; solicitando carretas, murrão, pólvora e dinheiro para os soldos; referindo que ardera a igreja de Nossa Senhora de Candelária, salvando-se as imagens e os ornamentos; pedindo sucessor porque o prazo da nomeação terminava.
Obs.: carretas são as bases de madeira em que se apoiam os canhões, murrão é o pedaço de corda que serve de pavio às peças de artilharia.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 50.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 263.
AHU-Guiné,
cx. 4, doc. 51.
AHU_CU_049, Cx. 3, D.
264.
1703/01/00
Numa
carta do bispo das ilhas de Cabo Verde, datada de Janeiro de 1703, este
relatando as crueldade feitas pelos moradores de Santiago aos seus escravos diz
o seguinte: "/.../ também Manuel
Lopes Lobo tem um escravo seu acorrentado há 6 meses e com cabo no pescoço /.../.”
1705/00/0
Na sequência de um ciclo de fome
entre 1705-1710, o já atrás referido ouvidor-geral
XAVIER LOPES VILELA refere que encontrou
fugidos pelas serras ou “acoitados em fazendas de homens muito poderosos para
deles se servirem” mais de 600 escravos. Os meirinhos e alcaides nem sequer
os tentavam prender pois “levantavam-se em armas”, pelo que o ouvidor se
socorreu do eclesiástico, obtendo do
bispo D. FR. FRANCISCO DE SANTO AGOSTINHO a excomunhão dos escravos e dos
senhores que acolhiam escravos fugidos alheios. Mas foi uma tentativa em
vão, já que esta pena espiritual, há muito que era letra morta em Santiago no
meio dos tumultos da guerra escravocrata, em que os senhores deixavam fugir
escravos.
1708
O Governador Cranston, de Rhode Island, conta que 103 navios foram construídos na sua pequena colónia entre 1698 e 1708, tendo muitos deles participado no transporte de escravos, parando em Cabo Verde para adquirir sal ou escravos.
A única expedição punitiva conhecida contra estas turbas revoltosas data de 1708. Foi promovida pelo governador GONÇALO LOPES DE MASCARENHAS que juntou um significativo grupo miliciano de mais de 400 homens para prender um grupo de forros levantados e “insolentes” acoitados no impenetrável reduto montanhoso do mato de Julangue. Não há notícia de participação significativa dos escravocratas. O confronto resultou num embate armado com poucos mortos nas duas partes. Significou um forte desaire do poder oficial que não conseguiu derrotar ou dispersar este grupo levantado. Os “valentes de Julangue”, como se auto intitulavam, bradaram vitoriosamente que nunca seriam vencidos, pelo que esse episódio figuraria no futuro como o exemplo de heróica resistência à ordem colonial. O Conselho Ultramarino, que tinha memória recente do quilombo de Palmares recomendou que o único homem feito preso fosse condenado à morte, pena exemplar a executar no local do delito, “para que não irrompam maiores ousadias e para que não se formem mocambos, conforme se mostra pela experiência de Pernambuco”
1709/02/01
A fuga, um traço estrutural da sociedade escravocrata
Pela carta do rei, dirigida ao então governador-geral de Cabo Verde, escrita a 1 de Fevereiro de 1709, temos noticia de um ruidoso evento que, no ano anterior tivera lugar. O governador, que ao tempo era GONÇALO LEMOS DE MASCARENHAS, havia mandado o capitão FRANCISCO ARAÚJO VEIGA, o sargento-mor BELCHIOR MONTEIRO, o juiz ordinário ANTÓNIO DE SOUSA, o capitão de Infantaria, FRANCISCO SOARES, acompanhados por mais de quatrocentos homens, segundo a correspondência régia, ao sítio do mato chamado Julangue, no centro da ilha de Santiago, para "se prenderem uns negros forros e levantados (1). Estes tinham resistido já a outros oficiais da justiça que antes haviam ali se deslocado com o mesmo fim. A justificação imediata para a organização desta verdadeira expedição judicial e militar, segundo as régias palavras constantes da carta, é "por os ditos negros andarem nas minhas terras fazendo muitas insolencias". A acção, mau grado os enormes meios que mobilizara, salda-se por um profundo fracasso. Registam-se mortes de ambos os lados. O grupo rebelde não é capturado e nem sequer mesmo disperso, isso apesar do grande aparato da expedição miliciana. Deve-se mesmo dizer que a tentativa de repressão, longe de inibir o fenómeno da fuga ao cativeiro, terá mesmo contribuído para o seu recrudescimento. É o que pelo menos parece indiciar o testemunho do ouvidor XAVIER LOPES VILELA, dado um ano depois da ocorrência do evento em análise. Ainda mal chegado a Cabo Verde, nos inícios de 1710, Lopes Vilela constata, alarmado, que "andavão mais de seiscento sescravos fugidos a seos senhores nas serras" (2). O facto em si próprio tinha pouco de inédito. Bem vistas as coisas, desde os inícios do século XVI, pelo menos, que os forros, fujões e homiziados "infestavam" as serras, onde se organizavam em bandos, ensombrando a "pax" senhorial. Em circunstâncias determinadas, assaltavam propriedades agrícolas e resistiam violentamente às tentativas de captura pelas autoridades.
Na verdade, estamos ante um fenómeno assaz frequente, não apenas em Cabo Verde como nas demais sociedades escravocratas do Atlântico. Em todas elas, a fuga do escravo afirma-se como parte integrante da vivência social. Na expressão de Perdigão Malheiro, eminente hitoriador brasileiro, trata-se mesmo de algo inerente à própria escravatura.
Este governador ficou célebre por ter enviado, por ordem régia, uma força de 400 homens contra uma comunidade de escravos forros e fugidos situada em Julangue, no mato do centro da ilha de Santiago. Sem resultado, apesar de o Bispo D. Fr. Francisco os ter excomungado, porque diz a história que essa comunidade se manteve durante mais 15 anos. Na sequência de um ciclo de fome entre 1705-1710, o já atrás referido ouvidor-geral Xavier Lopes Vilela refere que encontrou fugidos pelas serras ou “acoitados em fazendas de homens muito poderosos para deles se servirem” mais de 600 escravos. Os meirinhos e alcaides nem sequer os tentavam prender pois “levantavam-se em armas”, pelo que o ouvidor se socorreu do eclesiástico, obtendo do bispo D. Fr. Francisco de Santo Agostinho a excomunhão dos escravos e dos senhores que acolhiam escravos fugidos alheios 25. Mas foi uma tentativa em vão, já que esta pena espiritual, há muito que era letra morta em Santiago no meio dos tumultos da guerra escravocrActa, em que os senhores deixavam fugir escravos.
Em finais do século XVII as designações para estes forros e fugidos serras eram imprecisas, falando-se de “negros armados”, “revoltosos” ou “salteadores”. Estas comunidades crescem em número e volume populacional e adquirem formas e contornos mais precisos na inversa proporção do enfraquecimento e fragmentação da sociedade escravocrata. Tracta-se agora sobretudo de homens livres nascidos “de iure” ou “de facto”, porque sem carta de alforria formal. Progressivamente, pelo primeiro terço do século XVIII emerge na documentação escrita das autoridades insulares a designação de homem vadio, termo de grande relevância na história, identidade e memória caboverdianas. Inicialmente, o adjectivo vadio surge quase sempre na forma singular na documentação dos ouvidores para qualificar um determinado indivíduo de que se indica o nome seguido daquela denominação. Trata-se nestes casos revoltosos, matadores e ladrões de profissão que serviam de operacionais nas quadrilhas dos escravocratas e que, naturalmente, eram sempre pronunciados nos crimes, sem que qualquer acusação fosse feita aos autores morais. Normalmente, os “régulos” escravistas acoitavam-nos e não permitiam a sua prisão, alcançando mesmo muito deles carta de seguro ou inocência por prescrição do crime. Pouco tardou a que este substantivo singular de vadio passasse ao plural de vadios, precisamente para designar os forros e escravos fugidos do interior de Santiago e diz-se mesmo textualmente que esta designação era a que “vulgarmente” se atribuía a estes. Pretendia-se diferenciar e opor os forros e os fujões das serras à força de trabalho escrava obediente ou a pequenos aforadores e arrendatários. Quando os governadores ou ouvidores escreviam ao rei a descrever as populações de Santiago e Fogo logo avulta o grupo maioritário dos vadios cuja coesão como estrato social sai assim reforçada. São invectivados de homens deliberadamente ociosos, sem domicílio certo e que viviam do roubo e do pouco que cultivavam que não chegava.
Segundo o ouvidor JOÃO VIEIRA DE ANDRADE (1762), vadios são os “pretos forros" da ilha de Santiago. Em 1774, o governador JOAQUIM SALDANHA LOBO descreve assim o povo miúdo de Santiago: "/ .. / intitulam-se ostensivamente vadios e entregam-se a toda a espécie de vlcios, agouros e superstições sem grande diferença dos gentios l.. ./”; quando a câmara os manda chamar para consertar e llmpar caminhos e fontes desobedecem, retirando-se para as rochas; metem gado nas hortas alheias e roubam as culturas. Segundo este governante a única forma de controlar a ilha é mandar vir do Reino companhias de soldados pagos, com seus oflciais. Isto porque não há esperança de se disciplinar tais "crioulos indómitos". Muitos não têm morada certa e outros acoitam-se em moradas e esconderijos quase inacessíveis às forças da ordem. Por isso, é impraticável alguma forma de defesa e respeito. JOAQUIM SALDANHA LOBO pensa que toda esta gente poderia ir povoar as ilhas desertas ou o sertão do Pará para aprender a trabalhar.
AHU, Cabo Verde, Papéis Avulsos. cx. 27, doc. 46, 16 de Março de 1762: AHU,Cabo Verde,Papéis Avulsos, cx. 33. doc. 46, 23 de Fevereiro de 1774.
(1). AHU, Cabo Verde, Papéis Avulsos, caixa 9. Doc.. 95.
(2). AHU, Cabo Verde, Papéis Avulsos, caixa 9. Doc.. 56A
1709/10/21
Xavier Lopes Vilela nomeado ouvidor em 21 de Outubro de 1709. Em Julho do ano seguinte pedia a El-Rei «auxílio para subjugar os poderosos de Santiago que tinham acoutado nas suas fazendas mais de 600 escravos fugidos, negando-se a entregá-los aos meirinhos.»
1711/00/00
Fundação da sociedade comercial inglesa South Sea Company, que tinha o tráfico de escravos como uma das suas actividades.
1713/00/00
A Inglaterra obtém o «asiento» para a South Sea Company, que se comprometia a enviar para a América Espanhola um total de 144.000 escravos em 30 anos.
1718
SERAFIM TEIXEIRA SARMENTO DE SÁ é capitão e governador-geral de Cabo Verde. Grande fomentador da escravatura na Guiné, envolveu-se em “guerra civil” pelo domínio desse comércio, em 1718, com o capitão-mor da Praia, JOÃO NUNES CASTANHO. O bispo de Cabo Verde serviu de intermediário. O governador queixou-se ao rei, que mandou prender o capitão-mor. Este fugiu num navio estrangeiro e nunca mais se soube dele.
1718
SERAFIM TEIXEIRA SARMENTO DE SÁ é capitão e governador-geral de Cabo Verde. Grande fomentador da escravatura na Guiné, envolveu-se em “guerra civil” pelo domínio desse comércio, em 1718, com o capitão-mor da Praia, JOÃO NUNES CASTANHO. O bispo de Cabo Verde serviu de intermediário. O governador queixou-se ao rei, que mandou prender o capitão-mor. Este fugiu num navio estrangeiro e nunca mais se soube dele.
1719/01/30
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, ao rei [D. João V] sobre a recepção feita ao visitador, padre ANTÓNIO DE ANDRADE FIGUEIRA, queixando-se que o visitador o desrespeitara e lhe tirara as regalias habituais dos capitães-mores, que exigira o traslado da devassa tirada ao padre PEDRO CORREIA DE LACERDA, que forçara um morador a levar-lhe a panaria [tulhas de recolher pães ou farinhas] a Bissau, sob pena de excomunhão, e que excomungara CARLOS DE ARAÚJO DE MOGUEMAS por este não lhe ter vendido os escravos que trouxera dos Bijagós.
Anexo: apelação (traslado) e certidão
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 76.
AHU_CU_049, Cx. 4, D. 292.
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, ANTÓNIO DE BARROS BEZERRA, ao rei [D. João V] sobre os direitos pagos na alfândega pelo tráfico de escravos na costa da Guiné, expondo o regimento do sindicante MANUEL LOPES DE BARROS, segundo o qual se cobrava diferentemente os escravos comerciados por moradores, portugueses e estrangeiros, em Cacheu e em Bissau.
Anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 87.
AHU_CU_049, Cx. 4, D. 303.
1719/04/30
Em 30 de Abril de 1719 o governador acusava o bispo ao rei, por ter recolhido em sua casa um soldado fugido da cadeia, dizendo que o bispo dava couto aos malfeitores e as justiças não ousavam ir lá prendê-los.
Não só o bispo dava guarida aos criminosos. Também D. ISABEL DE BARROS
BEZERRA, que fora casada com o governador Oliveira da Fonseca, dava nas suas fazendas e casa assistência à maioria dos criminosos, e mesmo caloteiros; até para notificações não se atrevia a entrar ali oficial algum, por mais apertadas que se passassem as ordens, com receio de serem assassinados.
O governador Teixeira Sarmento, além de acusar D. Isabel de Barros, não poupou os genros e filhos, acusados das maiores prepotências para os seus escravos, estando alguns acorrentados havia mais de cinco anos, dando-lhes como sustento açoites todos os dias, e castigos de pau de pilão, motivo por que alguns se degolavam a si próprios, desesperados. Uma escrava grávida foi torturada com o calor de uma fogueira e de uma porção de brasas colocadas sobre o ventre, tendo uma morte horrorosa. Por imposição desta família o pároco não quis dar sepultura à referida escrava.
1720/12/12
Nomeação de FREI JOSÉ DE SANTA MARIA DE JESUS como bispo da diocese de Cabo Verde. A 19.03.1723 embarcou a visitar as comunidades da Guiné, onde cegou. Faleceu no convento de Xabregas, onde faleceu a 7.06.1736. Lutou contra a escravatura.
1721/00/00
Fundação na Holanda da Companhia de Comércio de Midelburgo (Middelburgsche Commercie Compagnie), cuja atividade principal era o comércio de escravos.
1725/00/00
Em 1725 o bispo D. FR. FRANCISCO DE SANTO AGOSTINHO
manda publicar por todas as freguesias da ilha uma pastoral em que penalizava os supostamente penalizados,
isto é, os senhores que abandonavam ou deixavam as portas abertas para os seus
escravos fugirem. Impunha-lhes uma pena de 12 000 réis por cada escravo
“fugido”, ao mesmo tempo que procura impor que estes “fujões” fossem entregues
à justiça eclesiástica, a fim de evitar os maus-tratos ou mortes exemplares a
que os escravocratas submetiam os recapturados. O poder civil já capitulara
perante as fugas reais ou consentidas dos cativos, pelo que se socorre da
igreja para reescravizar e punir os escravos mas também os seus donos relapsos.
1730/00/00
Fortaleza de S. João Baptista de Ajudá sob a administração da COMPANHIA DE CACHEU E CABO VERDE.
1739/09/03
CARTA do capitão-mor da praça de Cacheu, DAMIÃO DE BASTOS, ao rei [D. João V] dando conta da ida de três navios portugueses ao porto de Cacheu, pagando ali os direitos reais; queixando-se de que uma das embarcações que aportaram em Bissau, de que era capitão JOÃO PAULINO, natural da ilha da Madeira, fez-se à vela durante a noite sem pagar os direitos, mencionando que os negros que levava a bordo se levantaram posteriormente tomando a embarcação, tendo um cabo de um outro navio remetido uma quantidade de aguardente; remetendo relação dos direitos reais pagos pelos navios.
Anexo: relação.
AHU-Guiné, cx. 6, doc. 122 e 123.
AHU_CU_049, Cx. 6, D. 575.
1741/03/03
Alvará determinando que todos os negros que forem achados residindo voluntariamente em quilombo, sejam marcados num ombro com a letra F, e, se na ocasião de os marcarem, se verificar que já estavam marcados, então se lhes corte uma orelha.
Portugal, Torre do Tombo, Leis e ordenações, Leis, mç. 4, n.º 92.
Os quilombos eram entendidos pelo governo português em 1740, pelo Conselho Ultramarino como todo o agrupamento de negros fugidos, que passe de cinco, ainda que não tenham ranchos levantados em parte despovoada nem se achem pilões neles.
1751/10/21
A presença de pequenos serviçais de clérigos aparece em alguns documentos. No livro de baptismo da Sé de Lisboa, referente a 21 de Outubro de 1751 consta o registo de Francisco adulto (sic.), que mostrara ter treze anos de idade, natural de Cacheu, filho de pais gentios e escravo do Padre Manoel Recador (sic.) (1). Os leigos também usufruíam do tráfico de meninos e meninas serviçais: «Aos dois dias do mês de maio de mil setecentos e cinqüenta e um, de manhã, nesta Basílica de Santa Maria, baptizei e pus os Santos Óleos a Maria adulta (sic.), de idade de quatorze anos, natural de Cacheu, e escrava de Antonio Nunes de Oliveira ...» (2).
(1) Registro paroquial de batismo da Sé, Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cx 11 - L.13 .
(2) Registro paroquial de batismo da Sé, Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Cx 11 - L.13.
1755/04/29
OFÍCIO do capitão-mor da praça de Cacheu, FRANCISCO
ROQUE SOUTO MAIOR, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Diogo de
Mendonça Corte Real informando dos riscos
que corria o dinheiro da Fazenda Real nas mãos do capitão-mor da praça de
Bissau, Nicolau de Pina Araújo, a quem se devia tomar contas, por mais
honesto que parecesse ser, e que de Bissau
vinham grandes quantidades de escravos mencionando que o navio de CUSTÓDIO
FERREIRA GOIS, um do contrato da urzela, outros portugueses e um francês
saíssem de Bissau carregados de escravos, concluindo assim que os direitos
reais naquela praça deveriam ser avultados, advertindo que se reveria averiguar
as despesas feitas por NICOLAU DE PINA,
uma vez que fora buscar recursos em Cacheu para as obras de Bissau; dando conta
que pediu a Nicolau de Pina um mapa dos rendimentos dos direitos reais com
relação da entrada e saída de navios.
AHU-Guiné, cx. 9, doc.
11.
1755/06/07
Em 1754, o governador do Grão-Pará e Maranhão, FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO, irmão de Pombal, escreveu ao marquês sugerindo a criação de uma companhia de comércio que facilitasse o abastecimento de mão-de-obra escrava africana, de que muito carecia aquela região. O ministro logo acataria a sugestão do irmão, visando os benefícios que uma empresa daquele porte traria para a colónia e, sobretudo, ao reino de Portugal.
Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755)
Pelo Alvará de 7 de Junho de 1755, foi concedido à Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão o comércio e a exploração exclusivos das ilhas de Cabo Verde em carácter irrevogável pelo período de 20 anos, alegando-se motivos de sustento e de viabilidade do intento monopolista da companhia, visando essencialmente o lucro. No inciso 9º, a Companhia pedia o exclusivo na exploração das rendas reais, compreendendo inclusive os rendimentos das alfândegas, os dízimos, os foros, a chancelaria e outros impostos, por um período de vinte anos. Em contrapartida, a Companhia teria de defender e fortificar as ilhas do ataque dos piratas (incisos 4 º a 8º) e combater os navios intrusos (inciso 11º). É interessante salientar o carácter secreto das condições impostas pela Companhia à Coroa para a exploração exclusiva do comércio das ilhas de Cabo Verde e da costa da Guiné, o que se justificava, segundo o Alvará, pela existência de motivações politicas em relação ao trato. Porém, a Companhia, não satisfeita com as mercês feitas pelo rei pediu o controle de todos os frutos (algodão, panos de terra, urzela. .. ) das ilhas de Cabo Verde e da Costa da Guiné (inciso 12º.). Além do mais, propôs o não pagamento de quaisquer emolumentos nas alfândegas do reino, podendo inclusive descarregar directamente nos seus armazéns. Outrossim, a Companhia, pelo inciso 11 º, estabelecia que, caso seus navios fossem sem despachos para o Brasil, o governador de Cabo Verde não poderia mandar confiscar os bens dos referidos navios. Esta decisão, ao resguardar os interesses da Coroa portuguesa no que se referia aos direitos alfandegários, prejudicava os moradores da ilha de Santiago, uma vez que os dízimos e os rendimentos das alfândegas constituíam a maior parte dos rendimentos da ilha. Muitos foram os que protestaram contra a instituição da Companhia que só beneficiava os seus próprios membros. Em nome de uma proposta de extinguir o paganismo e propagar a fé, conduzindo as missões para converter os "gentios" da Costa de África, na versão de alguns, a Companhia não fez senão oprimir, sobretudo agricultores e pequenos armadores, não restando dúvida quanto a sua acção concreta segundo seus interesses comerciais. Em Cabo Verde, foram feitas inúmeras reclamações contra a arbitrariedade da referida Companhia. O governador, JOAQUIM SALEMA DE SALDANHA, em 12 de Fevereiro de 1770, expôs as ''vexações" e os abusos cometidos, em particular, quanto ao fato de não deixar aos produtores outra alternativa senão vender suas manufacturas por um preço insignificante para a própria Companhia, a troco de um outro género. O governador JOAQUIM SALEMA DE SALDANHA LOBO enfrentou energicamente a Companhia, reclamando com o ministro Martinho de Melo e Castro contra os "desmandos e violências dos agentes da organização", tendo em vista a extrema pobreza das populações. De nada adiantou a referida reclamação e a Companhia continuou a ter omonopólio dos rendimentos da província. Esta política fez com que o produtor não pudesse saldar as rendas das terras (a renda é aqui entendida como o preço pago ao dono da terra pelo produtor que a utilizava, sendo que a terra seria tanto mais valiosa quanto menor fosse sua disponibilidade),os foros e os impostos. Se antes os habitantes vendiam diretamente aos navios estrangeiros carne vermelha, de galinha, porco, além de vegetais e frutas como abóbora e laranja, ao lado de outros mantimentos da terra, agora tinham forçosamente de vendê-los à Companhia, que por sua vez os revendia aos estrangeiros por altos preços. Além disso, pelo fato da compra de escravos ser exclusivo da Companhia que tinha por prioridade abastecer o Estado do Maranhão com os ''melhores" escravos, destinava para Cabo Verde os de "pior qualidade". Em decorrência, nas ilhas, a produção agrícola, sobretudo a de algodão, entrou em declínio.
O ano de 1799 foi o último para o qual encontramos noticias a respeito do tráfico de escravos da Alta Guiné para o Maranhão. Em um oficio de 27 de Novembro, o segundo tenente do mar Manuel Coelho de Abreu relata ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar a viagem que realizou de Lisboa a Bissau e desta a São Luís. Por esta documentação verificamos que no referido ano entrou na capital maranhense um comboio com cinco navios vindos da ilha de Bissau e estes traziam escravos, cera e marfim. As embarcações, galera Ninfa do Mar, galera Ligeira, bergantim Piedade, bergantim Esperança e a escuna São José Felix transportaram um total de 945 africanos, que foram classificados da seguinte forma: 585 escravos homens; 116 moleques; 170 escravas mulheres e 74 molecas. Carreira demonstrou que, durante o período de actividade da Companhia Geral (tanto de monopólio como de livre comércio) foram adquiridos 31.317 escravos adultos e adolescentes e destes 22.404 eram originários da área compreendida entre o rio Casamansa e a Serra Leoa (chamados de rios de Guiné), o que representa 71,5% do total, sendo que dos reinos de Angola e Benguela saíram 8.913 cativos (28,5 %). Esses números representam o total de peças adquiridas,pois levando em conta as perdas (falecidos em terra e durante as viagem) se obtém as seguintes quantidades: Guiné com 18.268; Angola com 6.717 (CARREIRA, 1983:86-87).
Por esta tabela percebemos que do total de 18.226 cativos inseridos no Maranhão, 8.003 eram de Bissau, 5.199 eram de Cacheu e 1.192.indicavam apenas a área de Guiné como porto de embarque, assim consideramos que 16.112 eram provenientes da Alta Guiné e fora desta área temos: Angola com 3.237, foi a segunda região fornecedora de escravos ao Maranhão. O tráfico com Angola durou dez anos, teve inicio em 1756 e foi até 1765, depois reiniciou por Benguela em 1772 durando até 1782, isso por inteméclio da CGGPM. Já para os anos de 1785, 1787,1788 e 1789 os cativos de Angola que desembarcaram na capitania maranhense tinham sido consignados a particulares, ou seja,nestes anos o comércio negreíro tinha sido realizado por negociantes independentes. (CARREIRA,1983: 138). Mas é importante salientar que, com a criação da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba em 1759, a CGGPM deixou de negociar com Angola. Carreira aponta que, a cedência de mercado para a Companhia de Pernambuco e Paraíba se deu não apenas devido a interesses em comum (queriam evitar a concorrência),mas em especial "devido â presença nos reinos de Angola e de Benguela de outros compradores independentes, mais activos e talvez mais eficientes."(CARREIRA, 1983:237); as demais regiões, Malagueta com 40, Costa da Mina com 184 e Moçambique com 37, indicam que o fornecimento de cativos para o Maranhão foi esporádico, pois como podemos perceber cada uma delas só inseriu cativos em apenas um ano.
Em 1781 percebemos que foram inseridos 944 escravos por cinco embarcações, sendo que como porto de embarque constava apenas o nome genérico de Guiné. Os africanos foram divididos em homens e mulheres, e pela primeira vez constatamos a consignação dos carregamentos a particulares (até este momento toda a comercialização era feita pela Companhia), também ficamos cientes da forma pelas quais os cativos foram vendidos (se à vista ou a crédito).
Percebemos pela documentação que, a partir de 1785, o tráfico de escravos foi realizado sob forma de contrato e por particulares, ou seja, desta data em diante não verificamos nenhuma negociação realizada pela Companhia. Isto nos leva a supor que deste ano em diante a empresa monopolista esteve ocupada apenas com a liquidação de seus negócios. Mas Carreira afirma que, mesmo em processo de liquidação, a Companhia conseguiu transportar de 1778 até 1788 a quantidade de 1.508 escravos (CARREIRA, 1983:93-94), entretanto, não conseguimos encontrar mais indícios na documentação analisada. O ano de 1788 foi de facto o último em que a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão actuou.
Carreira aponta que, de 1788 a 1794 saíram de Bissau e Cacheu um total de 6.129 caitivos. Estes tiveram como destino as seguintes localidades: Cabo Verde com 82; Pernambuco com 34; Maranhão com 5.022; Pará com 769 e sem indicação de destino constam 222 africanos. Pelos números se percebe que o tráfico continuava a orientar-se para a capitania maranhense – 81,9% do total de saídas - enquanto a região do Pará sofreu uma redução com apenas 12,5%. “Por outro lado, a média anual de saídas situou-se nos 876 escravos, semelhante à encontrada durante a actividade da Companhia" (CARREIRA, 1981: 115-116).
1755/08/09
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. José I sobre carta do capitão-mor da praça de Cacheu, de 30 de Agosto de 1754, dando conta da sublevação protagonizada pelos escravos do capitão-mor de Bissau, NICOLAU DE PINA ARAÚJO, e outros poucos que os seguiram, escalando os baluartes daquela praça, matando três soldados brancos, e cometendo inúmeras insolências e roubos, em prejuízo Fazenda Real.
Anexo: carta (cópia) e certidões
AHU-Guiné, cx. 9, doc. 15.
AHU_CU_049, Cx. 8, D. 742.
1761/09/19
Primeiro alvará, da autoria do marquês de Pombal, visando a eliminação da escravatura em Portugal, mantendo-a, contudo, nas colónias. Passam a ser considerados livres os escravos que entrarem em Portugal.
Alvará determinando que os pretos que forem trazidos da América, África e Ásia, passado o tempo que menciona, sejam considerados livres logo que cheguem aos portos deste reino, sem outra formalidade mais que passarem-lhes nas respectivas alfândegas a competente certidão de terem nelas entrado. (Portugal,Torre do Tombo, Leis e ordenações, Leis, mç. 6, n.º 40).
Aviso para se guardar no Real Arquivo, o alvará para os escravos dos domínios ultramarinos poderem ser ocupados na marcação dos navios de comércio que vierem aos portos deste reino, não ficando por isso compreendidos no benefício do alvará de 19 de Setembro de 1761. (Portugal, Torre do Tombo, Avisos e Ordens, mç. 4, n.º 88) .
»Eu El-Rei Faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem, que, sendo informado dos muitos e graves inconvenientes que resultam do excesso, e devassidão, com que contra as Leis, e costumes de outras Cortes polidas se transporta anualmente da África, América e Ásia, para estes Reinos um tão extraordinário número de Escravos Pretos, que, fazendo nos Meus Domínios Ultramarinos uma sensível falta para a cultura das terras , e das Minas, só vêm a este Continente ocupar os lugares dos moços de servir, que, ficando sem cómodo, se entregam à ociosidade, e se precipitam nos vícios, que dela são naturais consequências: E havendo mandado conferir os referidos inconvenientes, e outros dignos da Minha Real providência, com muitos Ministros do Meu Conselho, e Desembargo, doutos, timoratos, e zelosos do serviço de Deus, e Meu, e do Bem Comum, com cujos pareceres Me conformei:
Estabeleço, que no dia da publicação desta Lei nos portos da América, África e Ásia; e depois de haverem passado seis meses a respeito dos primeiros e segundos dos referidos portos, e um ano a respeito dos terceiros, se não possam em algum deles carregar, nem descarregar neste Reino de Portugal, e dos Algarves, Preto ou Preta alguma: Ordenando, que todos os que chegarem aos sobreditos Reinos, depois de haverem passado os referidos Termos, contados do dia da publicação desta, fiquem pelo benefício dela libertos, e forros, sem necessitarem de outra alguma Carta de manumissão, ou alforria, nem de outro algum Despacho, além das Certidões dos Administradores, e Oficiais das Alfândegas dos lugares onde portarem, as quais mando que se lhes passem logo que vierem, e do dia., mês e ano em que desembarcarem; vencendo os sobreditos Administradores, e Oficiais os emolumentos das mesmas certidões, quatropeados, à custa dos Donos dos referidos Pretos, ou das Pessoas, que os trouxerem na sua companhia.
Dilatando-se-lhes porém as mesmas Certidões por mais de quarenta e oito horas,contínuas, e sucessivas contadas da em que derem entrada os Navios, incorrerão os Oficiais, que as dilatarem, na pena de suspensão até minha Mercê: E neste caso recorrerão os que se acharem gravados aos Juízes, e Justiças das respectivas Terras, que nelas tiverem Jurisdição ordinária, para que qualquer deles lhes passe as ditas Certidões com os mesmos emolumentos, e com a declaração das dúvidas, ou negligências dos sobreditos Administradores, ou Oficiais das Alfândegas; a fim de que, queixando-se deles as Partes aos Regedores, Governadores das Justiças das respectivas Relações, e Jurisdições, façam logo executar esta de plano, e sem figura de Juízo, e declarar da mesma sorte as penas assim ordenadas. Além delas, Mando que a todas e quaisquer Pessoas, de qualquer estado e condição, que sejam, que venderem, comprarem, ou retiverem na sua sujeição, e serviço, contra suas vontades, como Escravos, os Pretos, ou Pretas, que chegarem a estes Reinos, depois de serem passados os referidos Termos, se imponham as penas, que por Direito se acham estabelecidas, contra os que fazem cárceres privados, e sujeitam a cativeiro os Homens, que são livres. Não é porém, da Minha Real intenção, nem que a respeito dos Pretos e Pretas que já se inove coisa alguma, com o motivo desta Lei; nem que com o pretexto dela desertem dos Meus Domínios Ultramarinos os Escravos, que neles se acham, ou acharem; antes pelo contrário, Ordeno que todos os Pretos, e Pretas livres, que vierem para estes Reinos viver, negociar ou servir, usando da plena liberdade, que para isso lhe compete, tragam indispensavelmente Guias das respectivas Câmaras dos lugares donde saírem, e pelas quais conste o seu sexo,idade e figura; de sorte que concluam a sua identidade, e manifestem, que são os mesmos pretos forros, e livres: E que vindo alguns sem as sobreditas Guias na referida forma, sejam presos e alimentados, e remetidos aos lugares donde houverem saído, à custa das Pessoas em cujas companhias, ou Embarcações vierem ou se acharem.
E este se cumprirá tão inteiramente como nele se contém. Pelo que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Conselhos da Minha Real Fazenda, e do Ultramar, Casa da Suplicação, Mesa da Consciência, e Ordens, Senado da Câmara, Junta do Comércio destes Reinos, e seus Domínios, Governadores da Relação, e Casa do Porto, e das Relações da Baía, e Rio de Janeiro, Vice-Reis dos Estados da Índia e Brasil, Governadores e Capitães Generais, e quaisquer outros Governadores dos mesmos Estados e mais Ministros, Oficiais e Pessoas deles e destes Reinos, que cumpram, e guardem este Meu Alvará, sem embargo de quaisquer outras Leis ou Disposições, que se oponham ao seu conteúdo, as quais Hei também por derrogadas para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor.
E Mando ao Doutor Manuel Gomes de Carvalho, do Meu Conselho, e Chanceler Mor destes Reinos, e Senhorios, o faça publicar e registar na Chancelaria Mor do Reino: E da mesma sorte será publicada nos meus Reinos e Domínios, e em cada uma das Comarcas deles, para que venha à notícia de todos e se não possa alegar ignorância: Registando-se em todas as Relações dos meus Reinos, e Domínios, e nas mais partes onde semelhantes Leis se costumam registar, e lançando-se este mesmo Alvará na Torre do Tombo. Dado no Palácio da Nossa Senhora da Ajuda a 19 de Setembro de 1761.»
Com a Assinatura de ElRei e a do Ministro.
Registado na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino no Livro I, a folhas 105, e impr. Avulso
1766-1776
Segundo o historiador caboverdiano António Carreira os registos da Alfândega da Praia indicam que, apenas neste período de dez anos, cerca de 95 000 peças de panos foram enviadas para a Costa da Guiné como parte do tráfico de escravos.
1770/00/00
Os quakers americanos proíbem aos seus membros a posse de escravos.
1772/00/00
No Reino
Unido, um juiz proclama a liberdade de um escravo que fugira («processo Somerset»). A partir de então considera-se, em princípio, livre todo o escravo que pise as ilhas britânicas.
1773/01/16
Alvará determinando as providências precisas para pôr termo à escravidão em que, no reino do Algarve e em outras províncias de Portugal, vivia ainda uma grande quantidade de negros e mestiços.
Portugal, Torre do Tombo, Chancelaria régia, Núcleo Antigo 30, f. 122v:
- Eu el-Rei faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem que depois de ter obviado pelo outro Alvará de 19 de Setembro de 1761 aos grandes inconvenientes que a estes Reinos se seguiam de perpetuar neles a Escravidão dos Homens pretos, tive certas informações de que em todo o reino do Algarve, e em algumas províncias de Portugal, existem ainda pessoas tão faltas dos sentimentos de Humanidade e Religião, que guardando nas suas casas escravas, umas mais brancas do que eles, com nomes de pretas e negras; outras Mestiças, e outras verdadeiramente Negras; para, pela repreensível propagação delas, perpetuarem os Cativeiros por um abominável comércio de pecados e de usurpações das liberdades dos miseráveis nascidos daqueles sucessivos e lucrosos concubinatos; debaixo do pretexto de que os ventres das Mães Escravas não podem produzir filhos livres conforme o Direito Civil. E não permitindo nem ainda o mesmo direito, de que se tem feito um tão grande abuso, que aos Descendentes de Escravos em que não há mais culpa que a da sua infeliz condição de Cativos, se atenda à infâmia do Cativeiro, além do termo que as leis determinam contra os que descendem dos mais abomináveis réus dos atrocíssimos crimes de lesa-Majestade Divina e Humana. E considerando a grande indecência que as ditas escravidões inferem aos meus vassalos, as confusões e os ódios que entre eles causam, e os prejuízos que resultam ao Estado de ter tantos vassalos lesos, baldados e inúteis quanto são aqueles miseráveis que a sua infeliz condição faz incapazes para os ofícios públicos, para o comércio, para a agricultura e para os tratos e contratos de todas espécies. Sou servido obviar a todos os sobreditos absurdos, ordenando, como por este ordeno:
Quanto ao pretérito, que todos aqueles Escravos ou Escravas, ou sejam nascidos dos sobreditos concubinatos, ou ainda de legítimos Matrimónios, cujas mães e avós são ou houverem sido escravas, fiquem no Cativeiro em que se acham durante a sua vida somente; que porém aqueles cujo Cativeiro vier das bisavós fiquem livres e desembargados, posto que as mães e as avós tenham vivido em cativeiro: que, quanto ao futuro, todos os que nascerem, do dia da publicação dessa lei em diante, nasçam por benefício dela inteiramente livres, posto que as mães e as avós hajam sido escravas; e que todos os sobreditos, por efeito desta minha paternal e pia providência libertados, fiquem hábeis para todos os ofícios, honras e dignidades sem a nota distintiva de - libertos - que a superstição dos romanos estabeleceu nos seus costumes, e que a união cristã e a sociedade civil faz hoje intolerável no Meu Reino, como o tem sido em todos os outros da Europa”
E este se cumprirá tão inteiramente como nele se contém. Pelo que Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Conselho da Minha Real Fazenda, e do Ultramar, Casa da Suplicação, Mesa da Consciência, e Ordens, Senado da Câmara, Junta do Comércio destes Reinos, e seus Domínios, Governador da Relação, e Casa do Porto, e mais Ministros, Oficiais e Pessoas deles e destes Reinos, que cumpram, e guardem e façam inteiramente cumprir, e guardar este Meu Alvará, sem embargo de quaisquer outras Leis ou Disposições, que se oponham ao seu conteúdo, as quais Hei também por derrogadas para este efeito somente, ficando aliás sempre em seu vigor.E Mando ao Doutor João Pacheco Pereira, do Meu Conselho, que serve de Chanceler Mor destes Reinos, e Senhorios, o faça publicar e registar na Chancelaria Mor do Reino: E da mesma sorte será publicada nos meus Reinos e Domínios, e em cada uma das Comarcas deles, para que venha à notícia de todos e se não possa alegar ignorância: Registando-se nas Relações de Lisboa e Porto, e nas mais partes onde semelhantes Leis se costumam registar, e lançando-se este mesmo Alvará no meu Real Archivo da Torre do Tombo. Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda em 16 de Janeiro de 1773. Com a Assinatura de ElRei e a do Ministro.
Registado na Secretaria de Estado dos Negócios do Reino no Livro 1.º da Restauração das Pescarias, Marinhas e Comércio Marítimos, e Terrestre a fls. 20, e impr. na Impressão Régia.
1774/09/00
De Setembro de 1974 a Fevereiro de 1775 22.666 pessoas morrem no arquipélago. Outras são vendidas como escravos em troca de comida. Todo o gado do Maio e da Brava morreu. Era a natureza inóspita que os povoadores encontraram virgem e que ciclicamente lhes foi negando o pão de cada dia. Entre roubos e pilhagens foram alguns semeando o pânico nas ilhas porque fome não tem lei. Assim viveram MATIAS PEREIRA e seu bando em Santiago durante as fomes de 1773 à 1775. De 1773 a 1776 a população ficou dizimada pelos efeitos de uma grande esterilidade. O governador SALDANHA LOBO indicou ao governo, como meio eficaz dos habitantes não sofrerem tanto com as esterilidades futuras, a conveniência da abolição da escravatura, senão completa, pelo menos dos escravos que atingissem 60 anos de idade. Esta proposta não teve o acolhimento que era de esperar.
1775/00/00
Comparando esta estatística com a de Setembro de 1774 encontramos, em seis meses, uma baixa de 22.666 pessoas. E é preciso notar que nesse número não estão incluídos senão os menores e os escravos da ilha de S. Tiago, destes os únicos números conhecidos.
1775/04/09
OFÍCIO do sargento-mor e comandante da praça de Bissau, INÁCIO XAVIER BAIÃO, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, sobre as diligências para o sequestro dos bens do ex-governador daquela praça, SEBASTIÃO DA CUNHA SOUTO MAIOR, que seria transportado preso para a cadeia do Limoeiro pelo navio São Paulo, de que era capitão Domingos António Chaves, reiterando que o administrador da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, JOÃO ANTÓNIO PEREIRA, fora constituído depositário dos bens; informando que foi para Geba fazer sequestro de uma casa de negócio e de mais fazendas do ex- governador que se encontravam nas mãos de pessoa daquela povoação, e para dar seguimento ao processo de devassa tinha chegado naquela praça o desembargador ouvidor das ilhas de Cabo Verde, JOÃO GOMES FERREIRA; comunicando que passou uma precatória ao sargento-mor comandante da praça de Cacheu para fazer executar em Cacheu, Farim, Ziguinchor e demais povoações sob a sua jurisdição a arrecadação dos bens, livros e papéis, afirmando que os bens sequestrados não podiam ser transportados para Lisboa, salvo umas peças de prata, algum ouro, e alguns livros. Por isso foram vendidos em praça pública, bem como os escravos, que não foram enviados para não serem declarados forros na Corte, à luz da lei.
AHU-Guiné, cx. 10, doc. 30.
AHU_CU_049, Cx. 9, D. 842.
1776/03/08
OFÍCIO do sargento-mor e comandante da praça de Cacheu, ANTÓNIO VAZ DE ARAÚJO, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, remetendo a relação da carga que a corveta São Pedro Gonçalves, de que era capitão JOÃO DO ESPÍRITO SANTO, levava para Lisboa; queixando-se que os novos administradores da Companhia do Grão-Pará e Maranhão não avisavam a data em que embarcavam os escravos para que pudesse mandar o escrivão da Fazenda Real para contá-los e assistir ao embarque, causando prejuízos à Fazenda Real; e dando conta que seguia para a Corte um gato-de-algália, algumas galinhas de mato e gangas.
Anexo: recibo, relações e conhecimento.
AHU-Guiné, cx. 11, doc. 8 e 21.
AHU_CU_049, Cx. 10, D. 881.
1777
1777
1780
Lei de abolição gradual da escravatura
na Pensilvânia (EUA).
1783
Petição dos quakers ao Parlamento inglês contra o tráfico de escravos.
1787
Thomas Clarkson e William Wilberforce fundam em Londres a Society for the Abolition of the Slave Trade (antepassada da British Antislavery Society), modelo de outras associações similares em vários países da Europa e da América.
1788
«A escrituração minuciosa da Companhia do Grão-Pará e Maranhão dá-nos números muito significativos para um período em que se esperariam valores muito mais baixos, permitindo-nos projectar para os séculos anteriores quantitativos próximos ou eventualmente superiores. Entre 1756 e 1788, os agentes da Companhia compraram na região entre o Casamansa e a Serra Leoa (os chamados «rios da Guiné») 2.404 escravizados, entre adultos e crianças pequenas, dos quais morreram 192 antes do embarque, isto é, 7,9%. Mais a sul, nos reinos de Angola e Benguela, adquiriram 8.913 indivíduos, de que, na mesma situação, faleceram 641 (7,1 %). E isto apesar de, nas instruções da direcção da Companhia para os seus representantes, se insistir em que fosse dado bom tratamento aos escravos e se recomendar «particular cuidado de resgatar escravos que sejam livres de queixas e como tais de fácil venda», devendo fazer-lhes «as necessárias acomodações para se conservarem com cautelas e livres de doenças até haver condição de se transportarem»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg. 107
É fundada em Paris a Sociedade dos Amigos dos Negros, que tinha como objectivo acabar com o tráfico de escravos.
Arquivo do Tribunal de Justiça do MA. Inventários post mortem de Bento da Cunha, 1788:
[...] Escravos
MANOEL, Benguela, de idade de quarenta anos, avaliado em cento e vinte mil réis ...120$000
RITA, Mina, sua mulher, vinte e cinco anos, avaliada em cento e quarenta mil réis 140$000
BONIFÁCIO, mandinga, de idade de vinte e oito anos, avaliado em sessenta mil réis...... 60$000
LUZIA, Caxeu, sua mulher, de idade de vinte e cinco anos, avaliada em cento e vinte mil réis..... 120$000
ÚRSULA, crioula, filha dos ditos, de idade de seis anos, avaliada em sessenta mil réis .... 60$000
A minha neta Raimunda Isabel deixo-lhe uma rapariga crioula por nome MARIA COTA (...) Tenho uma mulata chamada RITA a deixo a minha irmã Margarida Mendes, e a dita mulata está em seu poder para servi-la durante a sua vida, e depois de morta a deixo [a muacta] a minha afilhada e neta Ana Francisca, filha de meu genro Francisco das Chagas, com todos os produtos que poderá ter a dita mulata(...) Deixo a um menino que criou minha irmã Margarida Mendes, chamado Antonio David, um rapaz por nome RAIMUNDO, nação Bijagó, como tão bem cinqüenta mil réis para o seu vestuário, e tudo o faço pelo amor de Deus. (Arquivo Público do Estado do Maranhão, testamento de Felipe Carvalho Matos)
1789
O rei de Espanha
concede liberdade de comércio a espanhóis e a estrangeiros
para o tráfico
de
escravos
com as ilhas de Cuba, São Domingos, Porto Rico e província
de Caracas.
Rejeitada
pelo Parlamento inglês a primeira moção propondo a abolição do tráfico de
escravos.
1789
1791
Rebelião dos escravos da parte francesa da ilha de São Domingos (actual Haiti} e consequente abolição da escravatura.
Em 1791 é publicado um volume de narrativas que serviu de base para os esforços em extinguir o tráfico negreiro inglês, (1) dando sequência a uma série de colectâneas publicadas pelo Legislativo britânico. (2)
Nos relatos da colectânea de 1791, guerra, roubo, adultério e pilhagem eram citados como formas corriqueiras de se conseguir escravos. Quase todos esses modos de captura eram comuns em lugares como a foz dos rios Senegal e Gâmbia. Era para lá que os mouros (moors) que dominavam o tráfico com o interior levavam as caravanas de escravos - compostas de prisioneiros de guerra, condenados por crimes ou produtos de pilhagens, de acordo com Dalrymple. (3) Os soldados negros muçulmanos atacavam uma vila e prendiam quantos podiam - um número variável entre trezentos e 3 mil de cada vez. (4) Tais informações sobre os mecanismos para se conseguir escravos seriam úteis na definição de uma estratégia inglesa de combate às bases do tráfico negreiro no litoral africano, tanto em termos militares quanto diplomáticos. Fosse para atacar os barracões, fosse para propor um acordo aos soberanos locais, era preciso conhecer em detalhes o funcionamento da captura.
(1) An Abstract of the Evidence Derivered before a Selected Committee of the House of Commons in the Years 1790, and 1791: on the Part of Petitioners for the Abolition of the Slave Trade. Londres, James Phillips, 1791.
(2) Outra coletânea fora publicada dois anos antes, reunindo depoimentos de pessoas ligadas ao tráfico na África, no Brasil e nas Antilhas. Ver Grã-Bretanha, Board of Trade. Report of the Lords of the Committee of Council Appointed for the Consideration of Ali Masters Relating of Trade and Foreign Plantations. SI 1, s/e, 1789. Até meados do século XIX, outros volumes seriam editadas pelo Parlamento inglês.
(3) W. Dalrymple é o autor de Traveis through Spain and Portugal in 1774, editado em Londres em 1776.
(4) An Abstract ... , pg. 2.
(4) An Abstract ... , pg. 2.
1792
Abolição do tráfico negreiro
na Dinamarca (primeiro país a fazê-lo), com efeitos dentro de dez anos.
Em Inglaterra, uma moção para
abolição
do
tráfico é aprovada na Câmara dos Comuns
mas rejeitada na dos Lordes.
Os Bijagós escravizam cidadãos
ingleses, vendendo-os depois pelo mesmo preço dos outros escravos.
1794
No seguimento da revolta no Haiti, a convenção republicana francesa declara a abolição da escravatura, legislação revogada por Napoleão em 1802.
Reunião em Filadélfia de todas as sociedades abolicionistas dos Estados Unidos.
1798
O estado da Geórgia (EUA) suspende o comércio de escravos.
1799
1799
1805
ATJMA,
Inventário de JOSÉ JOAQUIM DA SILVA ROSA:
Deu
mais a inventário o escravo FRANCISCO, fula,
de idade de vinte e oito anos, avaliado em duzentos mil réis, 200$000
Deu
mais a escrava JULIANA, papel, sua
mulher, de idade de trinta anos, doente de uma perna, que foi avaliada por
cento e sessenta mil réis, 160$000
Deu
mais o escravo JANUÁRIO, crioulo, filho
dos ditos, de idade de nove anos, avaliado por cento e quarenta mil réis,
140$000
1807
O Parlamento inglês aprova o Slave Trade Act, que proibia, a partir de 1 de Janeiro de 1808, o tráfico negreiro no Império Britânico, mas não a escravatura.
Os Estados Unidos da América proíbem a importação de escravos (Slave Importation Prohibition Act) a partir de 1 de Janeiro de 1808.
Em 1807 a Inglaterra proibiu finalmente o comércio de escravos em navios britânicos. À armada britânica foram dadas ordens para abordar os navios dos negreiros britânicos, confiscar os barcos e libertar todos os escravos os quais na generalidade eram levados para Serra Leoa na costa ocidental de África. Pouco tempo depois, a armada britânica passou também a atacar os navios negreiros de todos os outros países. Como resultado, o comércio de escravos transoceânico diminuiu notavelmente durante o século de XIX, embora só viesse a acabar nas primeiras décadas de 1900.
A proibição da escravatura foi uma parte do desenvolvimento da sociedade humana. Por um lado foi muito importante a actividade desenvolvida pelas pessoas que se dedicaram a combater a escravatura e o comércio de escravos. Por outro lado a transformação dos processos de produção na maior parte dos países da Europa exigia um outro sistema social nos países produtores de matérias primas
Esta grande transformação foi feita em primeiro lugar na Inglaterra, um país agora industrializado com grande necessidade de matérias primas e grandes mercados para vender os seus produtos. O triângulo do comércio, com latifundiários e escravos, deixou de ter importância para as novas indústrias em Inglaterra. Raptar milhões de pessoas, transporta-las pelo Atlântico para depois as vender, já não era negócio interessante para banqueiros e capitalistas. O importante era obter matérias primas para as industrias fabricantes de produtos baratos para vender em todo o mundo. E de onde viriam as matérias primas?
1807/08/18
Alvará confirmando certa concessão para o estabelecimento de uma feitoria em Cabo Negro para o comércio livre da escravatura.1807-08-18. Portugal.
TT, Chancelaria régia, Núcleo Antigo 35, f. 107v.
1808
A Serra Leoa torna-se colónia britânica e base para transferência dos escravos libertados.
Os
Estados Unidos decretam a abolição oficial da importação de escravos. No
entanto, a instituição da escravatura continuaria nos EUA até o Presidente
Abraham Lincoln assinar a Proclamação da Emancipação em 1865.
1810
O México manifesta a intenção de abolir a escravatura.
Tratado de Aliança e Amizade entre Portugal e
Inglaterra estabelece a abolição gradual do tráfico negreiro português, que fica desde já limitado às suas possessões
efectivas em África.
Em 1810, o
Tratado de Aliança e Amizade entre D. João I e Jorge III, rei da Grã-Bretanha,
previa nos Artigos Secretos que fosse abolido todo o comércio e tráfico de
escravos nos estabelecimentos de Bissau e Cacheu. Previa também que através
deste acordo, a Grã-Bretanha ficasse em posse destas duas cidades e em troca,
Portugal beneficiaria da ajuda desse país para a reconquista dos territórios de
Olivença e Jerumenha.
1811
Na Ilha da Boa Vista: em 1811, por ocasião da festa da Vera Cruz os escravos fizeram uma conspiração para se rebelarem e libertarem dos ferros da escravidão, assassinando os seus senhores. Mas felizmente foi
descobertoo seu desígnio a tempo de se poderem precaver tão desastrosos
resultados, e de se impedir que tomassem posse do armamento e munições da
milícia, como era o seu propósito.
1814
O papa Pio VII condena o comércio de escravos.
Os Países Baixos proíbem o tráfico negreiro.
1815
Congresso de Viena:
as potências europeias (Áustria, Espanha, França, Grã-Bretanha,Noruega, Portugal, Prússia, Rússia e Suécia) comprometem-se a proibir o tráfico de escravos, embora sem fixação de datas.
«A partir de 1815 um novo factor começa a influir na administração
política e financeira da Guiné. Referimo-nos às primeiras determinações para a abolição do tráfico de escravos.
Com efeito, em 19 de
Fevereiro de 1810, assinava Portugal com a Grã-Bretanha um
tratado em que se faziam as primeiras tentativas neste sentido. A seguir, no Congresso de Viena ficava estabelecido o princípio da abolição de escravatura, ficando ao cuidado de cada nação tomar as providências necessárias para 'a execução do acôrdo. Em vista disto, o Govêrno português
proíbia em 1815 o comércio de escravos em tôda a costa situada ao Norte
do Equador.
Se bem que no nosso território o tráfico de escravos
tivesse decrescido consideràvelmente, não podiam deixar de se fazer sentir os efeitos dessa
determinação, provocando não somente diminuíção da actividade
comercial e
alfandegária, mas também uma certa reacção da parte dos indígenas, que habituados a ter na
permuta de escravos um meio fácil de adquirir os artigos necessários
para sua vida, viam-se de súbito privados dêste comércio
e fonte de riqueza.
A reacção dos indígenas traduzia-se naturalmente no agravamento da hostilidade
contra as autoridades portuguesas tornadas responsáveis por êsse
contratempo. A abolição da escravatura provocou, como é sabido, uma longa
crise na rudimentar economia dos povos africanos, que só terminou com o desenvolvimento da agricultura tropical e
progressos da
colonização europeia.
Sôbre êste assunto o govêrno central ·expediu do Rio de
Janeiro ao governador de Cabo Verde, um ofício datado de 5 de Outubro de 1818, pedindo
informações acêrca das consequências «da cessação do tráfico da escravatura que os presídios de Guiné faziam até agora, com tão reconhecida vantagem, assim para as mesmas ilhas (Cabo Verde) como para alguns portos de Brasil; cessação esta que, mudando quasi completamente a face mercantil daqueles presídios, deixa bem
prever qual é o pé a que aqueles estabelecimentos
se deverão reduzir, e a conseqüente necessidade em que V. M. fica de vigiar
dobradamente sôbre a conservação de tais
presídios, posto que sumamente honerosa se possa ela considerar
de hora em diante ... » (S. Barcelos).»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 179-180
1830
Portugal proíbe a compra e venda de escravos.
1832
Charles Darwin, o cientista inglês, faz escala na Praia, na sua viagem de exploração a bordo do HMS Beagle. Na sua viagem de regresso em 1836, Darwin regista no seu diário: "Encontrámos ali fundeados, como é comum, alguns navios de escravos."
1835
«Um tráfico de escravos quase oficial
Talvez nos devêssemos fixar no período de 1835-1839 durante o qual um autor (1) nota uma acentuação brutal no tráfico negreiro espanhol para Cuba, por armadores e comerciantes cabo-verdianos metidos de permeio, servindo-se a fundo das suas redes de parentes ou aliados continentais. Com cinquenta e cinco barcos melhor adaptados ao tráfico, matriculados em Cabo Verde, mas fornecidos pelos Espanhóis, é provável que a influência dos negreiros se intensifique nesta época, principalmente a partir das suas instalações no arquipélago costeiro dos Bijagós, onde certas ilhas (Galinhas, Bolama, etc.) são verdadeiros pontos de concentração com o conhecimento, como é evidente, das autoridades portuguesas, impotentes ou cúmplices.
Para se acabar com este aspecto desagradável, lembremos simplesmente que, depois do tratado luso-britânico de 19 de Fevereiro de 1810, o tráfico negreiro é proibido na Guiné (2). O tratado de Rio (8 de Junho de 1815) proíbe-o ao norte do Equador. Depois, entre outras medidas (3), Portugal assina igualmente a convenção adicional (28 de Julho de 1817), ao tratado de 1810, que faz do transporte de escravos, em navios portugueses, um crime. O decreto de 10 de Dezembro de 1836, abolindo as exportações de escravos em todos os territórios portugueses, tanto ao norte como ao sul do Equador, é também conhecido localmente. Mas que peso pode realmente ter esta legislação face às realidades? E as realidades revelam que os dois maiores traficantes desta época são o antigo sub-prefeito (ou governador) da Guiné, o coronel (de milícias) metropolitano Joaquim António de Matos e o ex-sub-prefeito da Guiné (depois governador de Bissau), o comerciante Caetano José Nosolini ou Nozolini (4), mestiço cabo-verdiano descendente de um marinheiro italiano, amante, depois marido, mas principalmente associado da Mãe, Nhána ou Nhara (5) Aurélia Correia, membro da «aristocracia» das ilhas Bijagós (6). Mais: não nos sentimos surpreendidos por notar a confusão entre funções administrativas, militares, comerciais e agrícolas (7), pois que não só é uma constante nas colónias portuguesas de África, mas também uma necessidade vital, tendo em conta a modicidade dos emolumentos – ou a sua ausência - na função pública local.
Não poremos pois a nossa atenção neste período de alta conjuntura (8) negreira (1835-1839), porque o tráfico de escravos prossegue ainda muito para lá da morte do coronel Joaquim António de Matos (1843) e do coronel Caetano José Nosolini (1850) e, provavelmente, até ao final dos anos 50, não obstante a presença de comissões mistas luso-britânicas em Boa Vista (Cabo Verde), em 1843 e em Freetown (Serra Leoa), e a assinatura do tratado luso-britânico de 3 de Julho de 1842, assemelhando o tráfico negreiro com a pirataria. Fixemos simplesmente que o Ministério da Marinha e do Ultramar, informado pela Comissão Mista de Serra Leoa, avalia em 1841 que, um ano por outro, Bissau exporta para Cuba mais de 2000 escravos, na sua maior parte vendidos por Caetano José Nosolini, o qual dispõe de batedores/colectores europeus no rio Nunes (Guinée actual). Do mesmo modo, se os guardas fiscais de Bissau pensam, em 1857, que o tráfico de escravos a partir da Guiné de Cabo Verde cessou em 1842, tudo leva um especialista (9) a escrever que Bissau é ainda, em 1849, o porto privilegiado das exportações negreiras consecutivas às guerras travadas no interior pelos Fulas contra os Mandingas. Acrescentaremos que um arquipélago tão independente como o dos Bijagós, tal como as inúmeras calhetas e rias da Guiné, têm de ser o teatro de exportações, que não têm interesse em ser vigiadas pelas autoridades portuárias. Logo, em consequência, a intensificação do tráfico negreiro ou o seu desfiamento não poderia ser considerado para estabelecer qualquer ponto de partida.
(1) António Carreiro: O tráfico de escravos nos Rios de Guiné e Ilhas de Cabo Verde (1810-1850). Lisboa, 1981, p.p. 23-24.
(2) Não entraremos no pormenor destes tratados. Segundo António Carreira: Cabo Verde. Formação e extinção de uma sociedade escravocrata (1460-1878). Bissau, 1972, pp. 394-395, tratava-se de uma simples condenação de princípio. Se a Inglaterra conseguisse que Olivença (em Espanha) fosse restituída a Portugal, este vender-lhe-ia Bissau e Cacheu dentro de um prazo de 50 anos.
(3) A lista das medidas decretadas figura em [Oficial. Ministério da Marinha): Memoria ácerca da extincção da escravidão e do tráfico de escravatura no territorio portuguez. Lisboa, 1889, pp. 22-38.
(4) Este Nosolini é um verdadeiro peixe nas águas turvas que fazem as vezes de placenta comercial nas feitorias. No começo de 1835, é acusado de ter mandado assassinar (18 de Fevereiro de 1835) pelos seus marinheiros africanos, um capitão e comerciante de Goreia, Dumaige, com quem ele tinha negócios. O caso é típico da moralidade e da precaridade política nos negreiros «portugueses» da época. Goreia envia um brigue de guerra francês à Praia para exigir o castigo dos culpados. O juiz de Cabo Verde ordena a prisão de Nosolini (ex-subprefeito de Bissau, eleito pelos seus pares). Não o encontram. Insistindo os Franceses do Senegal, Nosolini é «preso» na Praia. A estação naval de Goreia envia então três navios de guerra a Bissau para exigir o pagamento da indemnização devida aos herdeiros de Dumaige. Perante um verdadeiro ultimatum do capitão J. Lemarié, ameaçando usar a força, Joaquim António de Matos, subprefeito de Bissau, tem de ordenar a entrega (25 de Dezembro de 1835) - na falta de dinheiro em moeda - de mais de 20 t. de couros, 2 t. de cera, 5 t. de arroz pertencentes à casa Nosolini, para serem leiloados em Goreia. Este processo mais que inconveniente é juridicamente insustentável e sintomático da estima com que são encaradas estas feitorias pelos Franceses. Bissau, temendo um ataque dos africanos, pede a J. Lemarié para proteger o burgo. Ele recusa. Nosolini, em Lisboa, será absolvido do crime e da dívida, dado o saque feito aos seus bens em Bissau aonde regressa (1836) com todos os seus direitos. Barcellos: op. cit., Parte IV, pp. 98-107.
(5) Derivado do português senhora, nhána (em Cabo Verde, segundo José Joaquim Lopes de Lima: Ensaios sobre a statística das Possessões portuguesas no Ultramar. Livro!. Das Ilhas de Cabo Verde e suas Dependências. Parte J~ Parte 2~ Lisboa, 1844, Parte 1 ~, p. 109) ou nhara, o termo equivale a um estatuto elevado na burguesia mestiça das feitorias da Grande Guiné. Cf. as Donas zambezianas e angolanas, as signares senegalesas. Ver quanto a este casal importante: George E. Brooks: «A Nhara of the Guinea-Bissau region: Mãe Aurélia Correia», Paper presented at the 23rd Annual Meeting of the African Studies Association. Filadélfia, 15-18 de Outubro de 1980.
(6) É dada por «rainha» da ilha de Orango. Mas não existem rainhas nos Bijagós, contrariamente a uma lenda. São sacerdotizas que ali desempenham um papel importante, tanto espiritual como secular.
(7) O coronel Caetano José Nosolini instala, na ilha de Boiama, uma grande plantação (feitoria, no português local da época) de café, amendoim, milho, arroz, etc., onde trabalham centenas de escravos enquanto esperam pelo embarque
(8) A título indicativo, de 1835 a 1839, o número dos escravos libertados nos 55 navios provenientes da Guiné (do Casamansa às ilhas de Los, frente a Conakry), apresados pelos cruzadores, fixou-se em 3825 ou 3929. António Carreira: O tráfico... ,op. cit., pp. 39-42. Não se conhece, bem entendido, o número de escravos que chegam a bom porto na América. Mas nota-se que, em 1839, a encarnação de todas as virtudes lusitanas, o governador mestiço Honório Pereira Barreto, defensor das feitorias portuguesas, é condenado a cinco anos de proibição de funções públicas, porque quis a pouca sorte que tivesse três escravos a bordo de um navio apresado (Idem, p. 42), o que todos os seus hagiógrafos ulteriores ignorarão ou esconderão, segundo parece, antes de António Carreira em 1981!
(9) Idem, pp. 44-45.»
René Pélissier, História da Guiné Portugueses e Africanos na Senegâmbia 1841-1936, Volume I, EDITORIAL ESTAMPA, 1997, p.p. 43-45
1836
No seu relatório de 1836, o Secretário de Estado da Marinha e do Ultramar, Sá da Bandeira, dizia que «o Rio Grande da Guiné», que corre nos nossos territórios em terras férteis, comerciais, e duma extensa navegação, não possui uma só povoação portuguesa» (1). Esta afirmação exagerada não correspondia à verdade. Mas ela é sobretudo o testemunho da vontade feroz das elites portuguesas em incitar à ocupação, à exploração directa dos territórios africanos. Tratava-se de recuperar as perdas do Brasil, a todo o custo.
JOAQUIM ANTÓNIO DE MATOS, 3º mandato, Capitão-mor de Bissau
HONÓRIO PEREIRA BARRETO era Provedor do Concelho de Cacheu. No exercício no seu Concelho das atribuições administrativas, judiciais e militares, nada vencia pagando à sua custa um escrivão. Os Delegados em Ziguinchor e Farim nada ganhavam do mesmo modo, e por esse motivo nem os havia em Bolor,para aonde ninguém queria ir de graça.
As intenções inglesas não se reduziam a Bolama. Sá da Bandeira, no seu livro “O tráfico da escravatura e o Bill de Palmerston”, escreve que Lord Palmerston recebera um relatório, em 1836, onde era apresentada uma proposta útil para reduzir o tráfico da escravatura e promover o comércio britânico, baseada na ocupação imediata das colónias portuguesas ao norte do Equador, entre as quais Bissau e Cacheu.
JOSÉ ELEUTÉRIO ROCHA VIEIRA é capitão-mor de Bissau
HONÓRIO PEREIRA BARRETO é capitão-mor de Bissau até 1839 (1º mandato) (nasceu em 1813 – morreu em 1859)
DOMINGOS CORREIA AROUCA é governador de Cabo Verde.
Decreto de abolição da escravatura em Cabo Verde
O banco de dados Voyages informa que até 1842 os cativos advindos das Ilhas de Cabo Verde desembarcaram na capitania maranhense, ou seja, após a proibição do tráfico negreiro ao norte do Equador, esse continuou sendo realizado. René Pélissier pontua que Bissau, em 1849, ainda era “o porto privilegiado das exportações negreiras consecutivas às guerras travadas no interior pelos Fulas contra os Mandingas”.
(1) Valentim Alexandre, «As origems do colonialismo português moderno», Sá da Costa, Lisboa, 1979, p. 105
1835/12/26
Escravos de Santiago convergem sobre a Praia e começam a
atacar as pessoas com o intuito anunciado de "matar todos os brancos donos
de terras". Apelaram a todos os "pobres livres" que se lhes
juntassem e juntos "tomariam posse da ilha" (Barcelos, Parte IV, pág.
224). Um relatório preparado pelo Juíz local afirma que "os escravos
tencionavam obter a sua liberdade e para isso determinaram matar os seus
Senhores e a seguir embarcar para a Guiné." (Barcelos, Parte IV, pág.
122).
Segundo a historiadora cabo-verdiana Elisa Andrade: “em
1835 revoltaram-se escravos de Monte Agarro, localidade situada a cerca de 4
quilómetros da cidade da Praia, que queriam matar os brancos, pilhar as casas e
apoderar-se da cidade (Santiago)
1836
As intenções inglesas não se reduziam a Bolama. Sá da Bandeira, no seu
livro “O tráfico da escravatura e o Bill de Palmerston”, escreve que Lord
Palmerston recebera um relatório, em 1836, onde era apresentada uma proposta
útil para reduzir o tráfico da escravatura e promover o comércio britânico,
baseada na ocupação imediata das colónias portuguesas ao norte do Equador,
entre as quais Bissau e Cacheu.
Decreto
de abolição da escravatura em Cabo Verde
O banco de dados Voyages
informa que até 1842 os cativos
advindos das Ilhas de Cabo Verde desembarcaram na capitania maranhense, ou
seja, após a proibição do tráfico negreiro ao norte do Equador, esse
continuou sendo realizado. René Pélissier pontua que Bissau, em 1849, ainda era
“o porto privilegiado das exportações negreiras consecutivas às guerras
travadas no interior pelos Fulas contra os Mandingas”.
1836/12/10
«O decreto de 10 de dezembro de 1836 aboliu o tráfico da escravatura em toda a monarchia portugueza. Era este o primeiro acto importante do governo portuguez contra esse odioso commercio, que, por longos annos, maculou a honra da nação: esterilizando e despovoando ao mesmo tempo os vastos e feracissimos territórios africanos.
…
Poucos annos antes do célebre decreto, o rendimento público das colónias era o seguinte, reduzido a moeda do reino:
Índia e Macau 288:000$000
Moçambique 56:154$000
Angola 132:879$000
S. Thomé 4:743$000
Principe 3:717$000
Cabo Verde 92:522$000
Total 578:535$000
As possessões africanas, em que existia o tráfico, representam n'este total a quantia de 290:045$000 réis. Ora d'este rendimento, 200 contos eram devidos aos direitos que pagava o tráfico de escravos, salvo uma parte devida ao rendimento do monopólio da urzella de Gabo Verde; resta pois, como podendo considerar-se devida ás procedências que dão origem aos rendimentos públicos actuaes, apenas a somma de noventa contos aproximadamente.»
Estudos sobre as províncias ultramarinas, João de Andrade Corvo, volume I, Lisboa, por ordem e na typographia da Academia Real das Sciencias, 1883, pp. 17-18
Sá da Bandeira proíbe a importação e exportação de escravos em todo o território nacional.
Como escreveu Maria Manuela Lucas, "Sá da Bandeira, [o protagonista do projecto setembrista de reedificação do império] acabou por encontrar graves obstáculos ao pretender passar à concretização do seu plano. Em simultâneo com as constantes exigências da Inglaterra, [enfrentou], logo a partir de 1836, quando foi decretada a abolição do tráfico de escravos, não só a forte resistência dos negreiros africanos como, de uma maneira geral, a oposição de todos os agentes envolvidos nas malhas do comércio ilegal. A chamada "burguesia colonial" era detentora de um elevado grau de autonomia, que se acentuou ao longo do segundo quartel do século XIX, em virtude da instabilidade política então vivida em Portugal e até da própria legislação liberal de descentralização administrativa." Na verdade, a escravatura no império português foi coisa que se manteve quase indefinidamente.
1837/01/13
JOAQUIM PEREIRA MARINHO, promovido a Brigadeiro, tornou pela 2.ª vez a tomar posse do Governo, em virtude duma Carta Régia de 13 de Janeiro de 1837. No tempo da sua demissão teve ocasião de visitar a Guiné. Ali junto a Bissau fez ao gentio a aquisição do ilhéu do Rei. Activou muito a supressão do tráfico da escravatura, capturando muitas embarcações de negreiros. Foi ele objecto de largas polémicas periodiqueiras, acusado por vezes.
Foi demitido deste Governo por decreto de 2 de Abril de 1839 e transferido para o de Moçambique.
1840
CARVALHO é descrito como sendo o único negreiro a operar no Rio Nunez em 1840.
1842
Últimos embarques clandestinos de escravos da Guiné para Cuba
O navio inglês Pluton, comandado por W. Blount ataca os dois principais entrepostos de tráfico clandestino de escravos: o de JOAQUIM ANTÓNIO DE MATOS, na Ilha das Galinhas, e o de CAETANO NOZOLINI, em Bolama (08/03).
1842/07/03
No dia 3 de Julho firmou-se enfim o célebre tratado em que
as duas nações - Portugal e Inglaterra -
se uniram para pôr termo ao tráfico da escravatura.
1842/11/00
«Chegamos assim ao topo da hierarquia do tráfico negreiro. Como se sabe, os contratadores eram capitalistas (ou seus testas de ferro) que faziam contratos com o Estado para arrendamento de alguns direitos fiscais, por um prazo determinado, em troca do pagamento de importâncias significativas.
Em África, a função que recebiam por contrato, e de onde lhes podia vir a receita mais regular, era a da cobrança dos direitos régios sobre os escravos (e eventualmente outras mercadorias) que saíam dos portos que lhes eram concessionados. Mas o seu negócio ultrapassava muito essa função aduaneira.
Para garantir um volume regular de saídas deveriam assegurar que não faltassem nos portos de embarque os escravos nem as mercadorias com que se comprava os cativos, o que significava o envolvimento em múltiplos negócios. Além disso, pelas cláusulas do contrato, pertencia-lhes assegurar o abastecimento regular da colónia em certas mercadorias, nomeadamente para a construção naval, bem corno em armas e uniformes para o exército.
Para garantir um volume regular de saídas deveriam assegurar que não faltassem nos portos de embarque os escravos nem as mercadorias com que se comprava os cativos, o que significava o envolvimento em múltiplos negócios. Além disso, pelas cláusulas do contrato, pertencia-lhes assegurar o abastecimento regular da colónia em certas mercadorias, nomeadamente para a construção naval, bem corno em armas e uniformes para o exército.
Recebiam, por isso, alguns privilégios, extensivos aos seus procuradores e feitores, incluindo o direito de participarem, em condições vantajosas, no próprio tráfico de escravizados. Entre as condições vantajosas a que tinham direito contava-se, em Angola, o «direito de preferência», que se traduzia no facto de os seus navios terem prioridade na entrada ou saída do porto, em relação a outros navios que já estivessem para entrar ou para sair. Os beneficiários tentavam, e conseguiam muitas vezes, alargar a interpretação desse privilégio à proibição absoluta de saída do porto de qualquer outra embarcação enquanto aí houvesse algum navio de preferência. Isto fazia do arrendatário um elemento-chave no conjunto do tráfico, pois este privilégio traduzia-se em benefícios no porto de embarque, reduzindo radicalmente o tempo morto para carga, e em lucros no porto de destino, onde o navio podia chegar mais depressa, para vender os seus escravos com menor concorrência.
Alguns contratos impunham limites máximos a esse privilégio, mas a tendência era para entender que se aplicava a todos os navios do contratador.
Nesse e noutros campos, os arrendatários beneficiavam, quase sempre, da falta de fiscalização e do conluio com as autoridades portuárias, o que lhes permitia também participar, sem rebuço, no contrabando.
Os contratadores não provinham, de uma forma geral, das cidades ou regiões a que os contratos diziam respeito, onde faltavam aos moradores as capacidades financeiras suficientes. Além de riqueza pessoal e de bom-nome, era necessário garantir um corpo de fiadores credíveis e exigia-se, à partida, capital disponível para os gastos iniciais e para os investimentos necessários, bem como para suprir a falta de receitas em períodos por vezes cruciais.
A maioria dos investidores eram reinóis, e raros eram aqueles que se deslocavam sequer ao lugar do contrato, administrando o negócio a partir de Lisboa ou de Madrid, e nomeando feitores e representantes locais. Dos rendeiros das ilhas de Cabo Verde durante o século XVI e início do século XVII só um era morador na Ribeira Grande (ilha de Santiago).»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg.168-169
1843
De 1843
a 1859 a Esquadra de África da Armada dos EUA, baseada em Cabo Verde, patrulha
as águas costeiras da África Ocidental, em missão anti-esclavagista. O USS
Constitution ("Old Ironsides") serviu nesta esquadra. O
Comandante Matthew Perry foi o último comandante da Esquadra. Algum tempo após,
Perry comandaria a famosa missão dos EUA que abriu o comércio com o Japão.
Apenas 19 traficantes de escravos seriam levados a tribunal em resultado desta
operação ineficaz e em grande parte simbólica que durou 16 anos. Muitos dos
condenados pagaram multas muito leves e cumpriram penas muito curtas.
1844/07/26
Lord Palmerston, na Câmara dos Lordes em 26 de Julho de 1844, mesmo sem nunca ter pisado o solo da África e, portanto, sem jamais ter presenciado as violências cometidas no tráfico de escravos, pôde relatar as agruras vividas pelos africanos como se as tivesse visto com seus próprios olhos:
Quando se aproxima a época da partida das caravanas da costa, homens armados cercam no meio da noite uma vila sossegada, a incendeiam e apoderam-se de seus habitantes, matando os que resistem. Se a vila atacada é localizada sobre uma montanha que oferece mais facilidades para a fuga, os habitantes se refugiam às vezes nas cavernas. Os caçadores acendem grandes fogueiras nas entradas, e os que estão lá dentro ficam entre a morte por sufocação e a captura, são forçados a se renderem; quando os fugitivos se refugiam nas alturas, os assaltantes os obrigam a entregar as fontes e, infelizmente, devorados pela sede, trocam sua liberdade pela vida (...). (27)
27 Apud LACROIX, op. cit. p. 158.
1845
A França, por seu lado, celebrou com a Inglaterra, em 1845, uma Convenção para assegurar a completa supressão do tráfico da escravatura, na qual se previa a fiscalização das águas das costas orientais e ocidentais da África, desde Cabo Verde até 16 graus e 30 minutos de latitude meridional, tendo o Governo Português aceite a referida Convenção, a coberto da qual era inegável a ocupação pela força de toda a Guiné, sem que Portugal tivesse direito a reclamar. Com a sentença arbitral, referente à ilha de Bolama, a “(...) fronteira sudoeste estava, pois, demarcada; as restantes acabaram por ser delimitadas com a França (...)”
1888/05/13
1888/05/13
O idealizador do quilombo foi o português José de Seixas Magalhães,
que dedicava-se à fabricação e ao comércio de malas[2] e
sacos de viagem na Rua Gonçalves Dias, no Centro da cidade. Suas malas eram feitas em uma fábrica com máquina a vapor.
Além da fábrica de malas, Seixas também possuía umachácara no
Leblon onde cultivava flores com a ajuda de escravos fugidos. Seixas escondia os fugitivos na chácara do Leblon
com a ajuda dos principaisabolicionistas da capital do Império,
muitos deles membros da Confederação Abolicionista. A chácara de flores de Seixas era conhecida como o
"quilombo Leblod", ou "quilombo Leblon", nome que fazia
referência ao antigo proprietário da região, o francês Carlos Leblon. Era no
Quilombo do Leblon que Seixas cultivava suas famosas camélias,
que eram símbolo do movimento abolicionista.
O Quilombo do Leblon contava com a proteção da Princesa Isabel.
Como prova de gratidão, Seixas fornecia camélias regularmente ao Palácio Isabel,
residência da princesa, em Laranjeiras (hoje, sede do governo do Estado). As
camélias de Seixas enfeitavam a mesa de trabalho da Princesa e sua capela particular,
onde ela fazia suas orações.
Além das camélias, Seixas também ofereceu a pena de ouro à Princesa Regente
que, mais tarde, em 13 de maio de 1888, seria usada para se assinar a Lei Áurea.
O quilombo deu origem ao atual nome do bairro do Leblon.
1845/09/29
O governador respondeu em 29 de setembro de 1845 á portaria régia que lhe ordenou para remover as auctoridades e funccionarios implicados na protecção do trafico de escravatura, ou meramente suspeitos de o favorecerem, e para substituil-os por individous cujo comportamento e moralidade offerecessem garantias de que o difficultariam.
N'este sentido deu uma portaria circular em 15 de setembro aos governadores de Bissau e Cacheu e commandante dos Presídios chamando a sua attenção para a convenção celebrada em 29 de maio de 1845 entre a Franca e Inglaterra para assegurar a completa suppressão desse trafico. A feição principal desta Convenção foi substituir o accordo dos dois países ao ·direito da visita que anteriormente se fazia pelas embarcações de guerra das duas Nações nos navios mercantes de ambas ellas. Estas forças navaes cruzariam nas Costas Orientaes e Occidentaes d' Africa, desde Cabo Verde· até 16º e 30' de latitude meridional, para o que seriam seus commandantes munidos de instrucções autorizando-os a resolver, de combinação, sobre os meios mais proprios e efficazes a conseguir este fim, que eram tambem os desejos de Sua .Majestade Fidellissima que promulgou o decreto de 10 de setembro de ·1836 e celebrou com a Inglaterra o Tractado de 3 de julho de 842.
E tambem para obstar ao nefando commercio enviou ás auctoridades da Guiné umas instrucções em oito extensos artigos.
O artigo 8.º destas instrucções chamou a attenção destas auctoridades para o artigo 4.º da Convenção de 29 de maio. Este artigo conferia aos comandantes dos respectivos navios de guerra o poder de fazerem Tractados ou Convenções com os regulos indigenas para a suppressão do trafico: e o artigo 6.º considera os casos em que os mesmos commandantes podiam empregar o meio da força e mesmo o da occupação territorial. Sobre este ponto recommendava-lhes o governador:
Em presença das respectivas tentativas que por parte destas duas Potencias sempre se tem feito, e ainda continuam a fazer para nos usurpar as nossas possessões ahi, não deixo de nutrir receios de que, dando uma errada intelligencia aos mencionados artigos se prevaleçam della para tratar com os regulos que são sujeitos aos dominios portugueses, como são inquestionavelmente de Bissau, ou occupar, ainda que digam por limitado tempo, alguma parte dos mesmos dominios, quer de boa fé, quer como no primeiro passo para a realização da projectada occupação, e no caso que isto aconteça cumpre que V. Ex.ª saiba que os referidos artigos não podem, attentos os Tractados existentes, e o Direito das gentes, entender-se senão com os Régulos independentes e com territorios alheios á Corôa de Portugal e então farâ conhecer ao commandante, ou commandantes de qualquer das duas nações que o tiver feito, o erro em que se acham, e obstará por todos os meios de. persuasão a que se realise a cenvenção ou occupação, por ser altentatoria· do Direito das gentes e da Corôa de Sua Magestade Fidelissima, e quando haja persistência da parte delles, fará seu protesto solemne que communicará officialmente ao dito commandante, ou commandantes, e â Secretaria deste Governo.
Com a Convenção de 29 de maio é innegavel que tanto a França como a Inglaterra podiam, pela força, occupar toda a Guiné, sem que tivéssemos direito a reclamar.»
Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de Senna Barcellos, parte V, pgs. 60-61, Lisboa, 1911
1846/11/23
Para que qualquer indivíduo tenha o direito de poder ser
considerado colono da Guiné e gozar assim o favor do tratado de 3 de Julho de 1842
para a repressão do tráfico da escravatura, é indispensável que se tenha ali
estabelecido com intenção de permanecer e levando sua família (se a tiver) e
a fazenda, ou a maior parte dela, ou finalmente que tenha casado no
país, mas devendo em ambos os casos ter
tido uma residência continua de 4 anos, não
podendo sair da Guiné com mais de 2 escravos.
1846/11/26
A partir desta data passou a fazer-se pelo despacho de saída nas alfândegas da Guiné
a verificação se cada escravo lotado ou não, mascavado ou não, que se
transportar da Guiné para Cabo Verde, tem alguma arte, indústria ou ofício,
pois que, tendo-o, passaria a pagar de direitos de entrada em Cabo Verde 12 mil
réis, e 9 mil réis não o tendo, pagando 4 mil réis
as crianças de peito.
1847
CAETANO JOSÉ NOZOLINI estabelece uma feitoria no Ilhéu do Rei.
Disse-nos um seu reitor
que a casa Nózolíni tem cerca de 300 escravos empregados em cultivar quasetodo
o ilhéu, nasofticinas e no carregamento de mancarra (amendoim) parabordo,
principal ramo de comércio da mesma casa. Para facilitaro
embarque deste e outros produtos, há uma boa,aindaque pequena, ponte sobre
estacaria, e para se vencermais facilmente a pequena rampa que conduz aos
armazém da feitorià, assentou-se uma via férrea.
A casa de habitação é
da mais pitoresca aparência, bemedificada e muito cómmoda, dando-lhe os
alpendres de que seacha cercada um tipo próprio daquelas regiões, e
proporcionando-lhe igualmente agradável frescura.
Tem vastos armazéns,
pálios para depósitos, telheiros e orficinasde carpinteiro, serralheiro e
tanoeiro com o maior asseioe a melhor ordem.
A pequena distância da
feitoria os escravos levantaram numerosascabanas, formando uma pequena aldeia.
A pouco mais ou menos
de 500 metros da ponte, na mesmamargem, há os fundamentos de um grande
estaleiro onde nacionaise estrangeiros, embora ainda por um preço
exorbitante, acham meios, há já alguns anos, para reparar os seusnavios.
Entre este estaleiro e
a casa de habitação estende-seumexcelente jardim e boa horta com
grande abundância de água potável.
1847 - O brigue inglês
Rolla desembarcou soldados e marinheirosem Bolama.Estes cortaram, a machado, o
maslro da bandeira portuguesa (Janeiro).
- Os beafadas das duas
margensdo rio Geba revoltam-se e impedema passagem aos barcos portugueses
(Fevereiro).
- O ilhéu do Rei é aforado a CAETANO JOSÉ NOZOLINI, que irá construir aí
a feiroria Nova Peniche.
- Os ingleses atacam
Canhabaque e forçam o régulo António aassinar um documento pelo qual os ponugueses
ficam impedidosde negociar no arquipélago dos Bijagós.
- O brigue inglês Dan
ataca Boiama (29/11 ).
-O governador de Bissau
envia 5soldados para Boiama.
1854
JOÃO LOPES FILHO fala-nos de uma instituição criada pelo Estado
português, em 1854, denominada Junta de Protecção dos Escravos e Libertos que
tinha como propósito “proteger e tutelar todos os escravos e libertos, e
exercer o pátrio poder tanto sobre eles, como sobre seus filhos.”Entre outras obrigações
a Junta tinha que promover a alforria, reprimir os abusos e maus-tratos dos
patrões, ensinar os libertos e prover às necessidades dos que são
desprotegidos.Segundo
o autor, a criação da Junta foi um acto inovador para a época, já que até à
dActa nada se tinha feito para proteger os escravos, mas, no entanto, ela
apresentava alguns pontos contrários ao propósito primário da sua fundação: a
protecção do cativo. Neste
capítulo, também, são nos dados a vislumbrar vários documentos preciosos do
Arquivo Histórico Nacional que desvendam
1854/12/14
O que logo se manifesta
ardentemente no espírito de Sá da
Bandeira, apenas entra no poder, é a intransigencia da sua guerra á
escravatura. O decreto de 14 de dezembro e 1854 libertava todos os escravos
pertencentes ao estado, e ordenava que todos os escravos importados por terra
nos domínios portuguezes seriam.immediatamente libertos.
1856/06/30
Carta
de lei mandando cumprir o decreto que confirma o de 13 de Dezembro de 1854 sobre
a liberdade dos escravos.
Portugal, Torre do Tombo, Leis
e ordenações, Leis, mç. 22, n.0 37.
1856/07/24
Em 24 de
julho de 1856 votaram as côrtes uma lei, declarando
livres os filhos nascidos de mulher escrava, sendo apenas obrigados a servir até á idade de 20 annos os aenhores de
suas mães.
1856/08/18
Carta de lei mandando
cumprir o decreto que considerava livres os escravos embarcados em navios
portugueses ou estrangeiros que entrassem nos portos ou ancoradouros que
menciona.
Portugal, Torre do Tombo, Leis eordenações, Leis, mç. 22, n.0 120.
1856/08/19
Circular nº 2788
Manda Sua Magestade
El-Rei, pela Secretaria d’Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, remeter ao
Governador Geral da Provincia do Cabo Verde para seu conhecimento, e devida
execução, as inclusas copias authenticas das Cartas de Lei datadas de 24e 25 de
Julho último, publicadas no Diario do
Governo nº 178. De 30 do sobredito mez, por uma das quaes são mandados considerar de condição livre
os filhos de mulher escrava, que nascerem nas Provincias Ultramarinas, depois
de publicação da mesma Lei: e pela outra se
faz extensiva aos escravos pertencentes de Igrejas, a disposição contida no
§ único do art.º 6º do titulo 2º do Decreto de 14 de Dezembro de 1854. Paço, em
19 d’Agosto de 1856 = Sá da Bandeira
1857
Daremos finalmente tambem em relação aos escravos, o seguinte:
Mapa do preço dos escravos de ambos os sexos, com designação das diferentes idades e ofícios, calculado pelo valor médio dos mesmos escravos da cidade da Praia em 1 de Janeiro de 1857
«Mas alguns dos aspectos menos palatáveis-por exemplo, aqueles associados ao tráfico de escravos, que era regulado nos tratados entre as nações européias da época da Conferência de Viena-foram convenientemente omitidos pela historiografia oficial. Os acordos de mãe e filho (D. Rosa e Honório Barreto) como comerciantes (de escravos) privados foram completamente obscurecidos por sua carreira política. A evidência de que eram traficantes está contida nos relatórios da comissão anglo-portuguesa encarregada de supervisionar o cumprimento dos tratados que visavam abolir a exportação de escravos da África Ocidental. Eles demonstraram que, a despeito de Honório Pereira Barreto, no final de sua carreira, ter tomado medidas favorecendo a alforria e abolição do tráfico de escravos, ele e a sua mãe tinham traficado escravos em Cacheu nos anos 1830 e ainda na década seguinte.81 Documentos mostram que a escuna capturada pelas autoridades inglesas, que transportava escravos para as Bahamas, era de propriedade de Na Rosa, e que a maioria dos escravos estava registrada em seu nome e em nome de seu filho .82 Na verdade, ela tinha deixado instruções escritas para o comandante do navio sobre do que fazer com sua carga. Uma vez que os escravos foram embarcados na calada da noite, e consignados a um traficante privado (norte-americano) operando na costa, a tentativa de enganar os oficiais britânicos tornou-se clara. Por isso, a correspondência britânica sobre o assunto afirma que o estabelecimento-sede da empresa comercial da família em Cacheu "tem sido freqüentemente indicado ( ... ) como um bem notório mercado de escravos".83 A despeito do declínio de Cacheu como entreposto de escravos durante a primeira metade do século XIX, a casa comercial Alvarenga-Barreto era, de longe, a maior proprietária de escravos da área na década de 1850. Na ocasião do primeiro censo de escravos, realizado em 1857, a casa comercial possuía 147 escravos, sendo 77 mulheres e 70 homens. O clã Alvarenga tinha 290 escravos em Cacheu e Ziguinchor, o que representava mais de um quarto de todos os escravos registrados (1 085) destas localidades.84 Honório Pereira Barreto possuía 61 escravos (47 mulheres e 14 homens), enquanto seus parentes pela linha paterna (os Barreto) tinham 19 escravos. Assim, juntos, eles detinham catorze por cento da população cativa. Os dois clãs controlavam mais de um terço de todos os escravos de Ziguinchor e Cacheu.85 Enquanto isto, a criação de um conselho municipal em Cacheu em 1850 tinha, finalmente, implementado um decreto real que datava de 1605, e que lhe conferia os direitos de "cidade" e, portanto, uma aura de "respeitabilidade" após ter servido por mais de três séculos como porto de escravos.
Em contraste com a sua mãe, não há evidências de que Honório Pereira Barreto tenha se casado,86 uma circunstância interessante, convenientemente ignorada por seus biógrafos, que se abstêm de qualquer referência à sua vida privada.87 Uma fonte chega a admitir que "ele morreu solteiro, mas deixou descendência".88 Após o seu desaparecimento de cena, a influência e autoridade que tinha acumulado junto às sociedades africanas, e que conduziam até a mater familias Na Rosa, foram aparentemente ignoradas pelas autoridades de Lisboa e Cabo Verde, durante a "corrida para a África", como reconhece um autor: "Por morte de Dona Rosa passou esse grande prestígio para o filho e depois para os descendentes. O que teem perdido, por culpa das autoridades locais, que decidiram resolver os conflitos à força de balas, de preferência à intervenção diplomática dessa família, o que seria muito mais útil à prosperidade da colônia para o aumento do comércio e desenvolvimento da agricultura".89
82 Public Records Office (PRO), London, PRO/FO, 84/11 7. Dados gentilmente fornecidos por João Pedro Marques. Para uma perspectiva histórica da abolição no contexto português, vide Marques, Os Sons do Silêncio, op. cit. 83 Ibidem.
83 Ibidem
84 AHU, Fundo do Governo da Guiné, Livro 35
85 Os Alvarengas baseados na ilha de Santiago, em Cabo Verde, também possuíam escravos, embora em número muito menor, vide os dados do censo de escravos de 1856 em António Carreira, Cabo Verde; formação e extinção de uma sociedade escravocrata (1460-1878), Bissau, Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, pp. 512-20. Honório Pereira Barreto também possuía dois escravos na ilha de Santiago (Carreira "Cabo Verde", p. 519), e parentes dos dois "gan" possuíam cerca de trinta escravos. Na época, o maior proprietário de escravos do arquipélago tinha pouco mais de 50 escravos, enquanto os ricos comerciantes da Guiné podiam possuir centenas de escravos. O número total de escravos r egistrados no arquipélago era de 5.182, três quartos dos quais em Santiago e Fogo.
86 Sobre a origem dos gan guineenses, veja George E. Brooks, "Notas Genealógicas de Proeminentes Famílias Luso-Africanas no Século XIX na Guiné'', Soronda, Instituto Nacionai de Estudos e Pesquisa (N EP), Bissau, 9 ( 1990), pp. 53-71.
87 O fato de que só os filhos de sua irmã, Maria Pereira Barreto, casada com o funcionário e comerciante guineense Cleto José da Costa, foram considerados como seus únicos sucessores legais poderia conírrmar isto. Arquivo Histórico Naciona!, Praia, Cabo Verde, Secretaria Geral do Governo, A6/9, Guiné: 21-8-1878.
88 Barreto, História da Guiné, p. 241. Seus descendentes diretos, embora "ilegítimos", (todos homens), foram Rufino António Barreto, Pedro Pereira Barreto, Ludgero Pereira Barreto, Ernesto Pereira Barreto e Heitor Pereira Barreto; eram caixeiros e "nenhum deles possuía qualquer meio de riqueza" AHU, Lisboa, Cabo Verde, Pasta 51,30-9-1871.
89 Senna Barcellos, Subsídios para a História, Il, 3' parte, p. 159» -
A DINÂMICA DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E PARENTESCO NUM CONTEXTO COMERCIAL: UM BALANÇO COMPARATIVO DA PRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A REGIÃO DA GUINÉ-BISSAU SÉCULOS XVll E XIX. Philip J. Havik*,
1858
-O
barco de guerra inglês Trident, comandado por F. A. Close ataca Bolama e prende
o comerciante JOÃO MARQUES, acusado do
tráfico clandestino de escravos (26/08).
1858/04/29
Em 29 de abril de 1858
um decreto fixou, para vinte annos
depois, a epocha da extincção completa do estado de escravidão nos
·dominios da monarchia portugueza.
1858/06/04
Em 4 de junho de 1858 aportou a
Bolarna um vapor de guerra inglês carregado de arroz para
distribuir aos escravos, ali refugiados, dos seus donos, de
Bissau, rio Grande e ilha das Gallinhas. Fazia essa distribuição o preto David Laurence, encarregado de aquella ilha pelo governo inglês.
Depois de aquella data nenhum outro navio inglês visitou Bolama e como o arroz tivesse acabado voltaram á casa de seus donos os escravos. Contestando os
ingleses os nossos direitos á posse de Boiama, á falta de argumentos para provarem os seus, alem da força de seus vasos de guerra,. que para lá mandavam e que
provocavam conflictos com os portugueses, ali collocaram um preto como auctoridade, que promovia uma colonização inglesa com escravos portugueses, fugidos a seus senhores, a troco de umas libras de arroz.
1858/08/07
HONÓRIO PEREIRA
BARRETO voltou ao governo interinamente a 7 de Agosto de 1858 e em definitivo
por decreto de 30 de Novembro.
1858/08/26
Em 26 de agosto de 1858
fundeou no porto de Bolama
o vapor de guerra inglez Trident, commandante F. A. Close, que ali commetteu actos de violencía contra os portugueses, e de isso deu conta o morador José Carlos Rebello Cabral, no mesmo dia,
a Honorio Barreto que se encontrava em
Bissau.
E assim affirmavam
os
ingleses que os portugueses é que faziam escravos quando o governo de Serra Leoa era um
deposito de negros escravisados.
Sobre tão incorrecto procedimento do commandante Close, protestaram as casas estabelecidas,
em Bolama, de Nozolini
Junior & Comp.ª, João Marques de Barros,
José Lourenço de Araujo, Candido
da Silva Ribeiro ; tambem protestou Martinho da Silva Cardoso, proprietario em Bissassema, contra os actos do mesmo commandante.
A casa
Nozolini pediu uma indemnisação de 40 contos de réis, pela expoliação de escravos, da cultura e dos predios existentes. Sem escravos, que eram precisos para as mondas, perdeu a colheita da
mancarra, cultivada
n'uma area de seis milhas quadradas, álem do milho, feijão e purgueira que tinha sido plantada tres mil estacas. O 2.º i\Iarques de Barros
pediu de indemnização 8 contos ; o 3. 0 2 contos e o 4.0 1006000 réis.
O ministro da Marinha e Ultramar
Sá da Bandeira reclamou em 23 de novembro de 1858 para o dos Estrangeiros
relatando-lhe os factos acima
ditos e sobrétudo o de David Lourenço, que se occupava no
trafico da escravatura dos gentios Nalus, e que fora visitado na sua feitoria da
Bissassema por Close, depois de ter sido recebido a bordo por este, como seu conselheiro.
O nosso ministro, em Londres, conde de Lavradio, apresentou a lord Malmesbury um energico
protesto em 19 de janeiro de 1859, reclamando a devida satisfação. Respondeu este em 26 de fevereiro, sustentando os argumentos do visconde de Palmerston de 9 de junho de 1841, que a ilha pertencia á Gran
Bretanha e que o commandante Close procedera regularmente e çonforme
as suas instrucções,
1860
José Alberto Marques é governador interino da Guiné.
Apesar da abolição do comércio de escravos em 1814, Ziguinchor continuou-o, !860, a irmã do comandante do presídio, Rosa Carvalho (Alvarenga) possuía 100 dos 500 autorizados pelo Governador da Guiné. O comércio é quase nulo. O governador era seu filho, Honório Pereira Barreto…
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