quarta-feira, 6 de abril de 2016

COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1690-1699


1690
O Governador relata que vários anos de seca tinham causado cerca de 4 000 vítimas, muitas delas escravos (Duncan 1972: 235-36).
DOMINGOS MONTEIRO DE CARVALHO é capitão-mor de Cacheu. Faleceu pouco depois.
Em 1674, foi publicado o Regimento para os «Armazéns da Guiné e Índia e Armadas» e, em 1690, a sede da «Companhia de Cacheu e Cabo Verde» instalou-se na ilha do Príncipe com o objectivo de fornecer escravos às Índias Espanholas.
1690/01/03
«Segunda Companhia de Cacheu
Para as obras da fortaleza outras despesas foi consignada, em Lisboa, a quantia apreciável de 6.000$000 réis à ordem da nova emprêsa privilegiada que acabava de se formar com nome de Companhia de Cacheu Cabo Verde.
Com efeito, depois de alguns anos de administração directa, regressava-se novamente ao regime de companhias magestáticas.
Fundou-se assim a sociedade acima referida e aprovada por alvará de 3 de Janeiro de 1690, com as seguintes cláusulas:
A Companhia, constituída por Luiz Martins, Gaspar de Andrade, António de Castro Guimarães, Francisco Mendes de Barros e Domingos Monteiro de Carvalho, teria a duração de 6 anos a contar de Janeiro de 1690. O Govêrno nomeava um dos seus sócios, Domingos Monteiro de Carvalho, capitão-mor de Cacheucomércio da Guiné ficava para tôdas as pessoas que licitamente podem ter, assim dos moradores deste Reino como das conquistas, contanto que não sejam estrangeirosA Companhia podia vender os seus escravos em qualquer terra a quaisquer pessoas que não fossem herejes.
sociedade nomeava directamente o seu pessoal, incluindo feitores e administradores, «sem que os governadores ou justiças possam encarregar a pessoa alguma desta administração».  Gozava, além disso, de vários benefícios e isenções ddireitos, pagando apenas à alfândega de Cacheu, segundo tabela antiga que não poderia ser alterada.
Em contra-partida destas prerogativas era a Companhia obrigada a contribuir com 1.200$000 por ano para o pagamento dos vencimentos do governador de Cabo Verde Guinéincluindo 260$000 réis para o sústento de 12 homens da sua guarda.
As condições em que esta nova Companhia foi organizada eram já um pouco diferentes daquelas em que se constituiu a primeira Companhia de Cacheu. Ela não tinha pelo contrato exclusivo do comércio, mas era de prever que na prática ficasse com êste monopólio visto ter ao seu cargo a administração geral em todo o distrito de Guiné.
De acôrdo com as condições do convénio, o sócio Domingos Monteiro foi a Cacheu tomar posse da capitania. Tendo, porém, falecido alguns meses depois, estas funções foram assumidas temporariamente pelo feitor, Manuel de Sousa Mendonça, e a seguir, por Vidigal Castanho.
Com o fim de se levar a efeito as obras da fortaleza e capitania de Bissau fez-se, em 21 de Dezembro de 1695, um novo acordo com a Companhia de Cacheu e Cabo Verde nas seguintes condições:
A Companhia entregava em Bissau ao respectivo feitor ou almoxarife as somas necessárias para as obras até importância de 15.000 cruzados, que os seus administradores gerais recebiam em Lisboa do Tesouro Real. «Que é VMagestade servido que o pôsto de capitão-mór para a ilha de Bissau se proverá com atenção à Companhiapor ser assim conveniente à utilidade e conservação dela».
Os carregamentos saídos da ilha de Bissau poderiam seguir directamente para os seus destinos, sem terem de ir despachar em Cabo Verde.
A sociedade pagava em Bissau as folhas de vencimentos dos empregados civis e militares do presídio recebendo, porém, em Lisboa 800$000 réis em dinheiro do Conselho Ultramarino. Qualquer quantia que a Companhia desembolsasse em Bissaiu além desta verba ser-lhe-ia descontada nos direitos aduaneiros a pagar.
A direcção da Companhia, por intermédio dos seus feitoes, fiscalizaria a aplicação do dinheiro nas obras de Bissau, dando conta ao Govêrno de qualquer irregularidade ou descaminho que notasse.
As condições do novo acôrdo não podiam ser mais favoráveis aos capitalistas, pois seu trabalho consistia apenas em entregar em Bissau o dinheiro que o Estado lhes adiantava em Lisboa, tendo em troca dêste serviço o privilégio de manter nas suas mãos a administração da colónia e a fiscalização do comércio por intermédio dos capitãis-mores de Cacheu e Bissau nomeados por sua indicação.» 
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autorLisboa, 1938, pgs. 127-129
☻ Pois tanto a Companhia de Cabo-Verde e Cacheu criada pelo Alv. de 3 de Janeiro de 1690 e prorrogada aos 24 de Dezembro de 1696, como é a Companhia de Guiné criada por um Decreto de 19 de Julho de 1705 eram meramente Companhias de escravatura, com pouco ou nenhum fim comercial.
O Alvará que estabelece a primeira é bem curioso:
«Eu El Rey faço saber aos que este Alvará vlrem que havendo respeito a ser conveniente à conservação de meus Reinos a frequenciado commercio, principalmente nas conquistas delles, aonde a experiencia tem mostrado, que esta providencia é mais necessária, fui servido resolver por AIv. de 4 de Janeiro de 1690, que para a introdução do commercio nas conquistas de Cacheu e Cabo-Verde se estabelecesse uma Companhia, na qual se interessassem as pessoas que se declaram no dito Alv. e porque a dita Companhia com permissão minha mandou arrematar no concelho de India o assento de introdução de negros em a Nova Hespanha com as condições declaradas na escritura que outorgarão em 12 de Julho deste anno com os Ministros del Rei Catholico, que houve por bem confirmar o dito contracto por Alv. passado em dezassete de Julho assinado por sua mão Real, e em razão de se ter obrigado a dita Companhia a introduzir na dita Nova Espanha dez mil toneladas de negros, reputando-se três peças de Indios por cada tonelada pelo decurso de 6 annos e 8 meses….prorogo…...
Empresto da minha fazenda 800$000 patacas para satisfazer ao pagamento antecipado do direito dos negros estipulado no Contacto, e ordeno que visto grandes desembolsos para o provimento do dito assento, que a mesma fazenda se interesse na dita Companhia em quatro partes nas nove… F. F…..
D. Pedro (Rey)
N.S. da Conceição, Protectora, terá missa solemne todos os anos na Igreja de S. Antão dos PP. Agotinhos, aonde haverá 2000 missas pelas almas dos Indios que morrerem no transporte para as Indias
Que por fazer mercê a esta Companhla, lhe concedo livres em cada um anno da sua duração, e os direitos de fazendas que valiam 40$ cruzados, repartidos pelas casas dos direitos à que pertencerem, porém não gozará esta Companhia deste Indulto, senão no cazo em que despachar por entrada ou sahida para Cacheu e C.V. todos os annos fazendas que importem 30$ cruzados e d’alli para cima.
Que a dita Companhia poderá comerciar livremente em todos os portos deste Reino e suas Conquistas, e fazer feitorias e entradas pelos certões para o resgate dos negros do mesmo modo que costumam fazer os naturaes e mordores d’Angola, e nas partes não compreendidas no contracto d’ Angola.
Que a dita Companhia será obrigada a fornecer as praças de C.V. e Cacheu d’aquelles géneros e fazendas que n’ellas costumam ter consumo, e aos moradores dará praça nos seus navios, para nelles remetterem a este Reino as fazendas que lhe convier, de que lhe pagarão os seus fretes na forma ordinária.
...Que não haja queixa dos moradores….pois mandará proceder como parecer com justiça, …&c.»
Este alvará começou a ter vigor em  1 de Janeiro de 1690 e terminaria em 31 de Dezembro de 1696segundo o contracto assinado por Luís Martins Gaspar de Andrade, António de Castro Guimarães, Francisco Mendes de Passos e Domingos Monteiro de Carvalho, sendo este nomeado capitão-mor de Cacheu, indo substituir Barros Bezerra.
1690/01/08
«A camara da cidade, tendo ainda representado contra o bispo (Victoriano do Porto), que em 1689 applicara o dinheiro das fabricas de outras egrejas na constrncção da Sé nova, e uns tres ou quatro mil cruzados, que um conego havia deixado, para a egreja de N. S.ª da Penha de França, tirando-os do poder de varias pessoas que os tinham a razão de juros, foi o bispo censurado em carta de 8 de janeiro de 1690 por derogar a vontade do testador sem o poder fazer.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 100, Lisboa, 1900
1690/01/19
»Diogo Ramires Esquível nomeado por carta de 19 de Janeiro de 1690, tomou posse em 28 de Fevereiro. O ordenado anual de 600$000 réis, que até ali recebiam os governadores, foi elevado a 940$000 e mais 260$00 para pagamento da guarda de honra, constituída por um ajudante e 12 soldados. Evista de constantes acusações feitas aos seus antecessores, foi consignado na carta da sua nomeação que aos chefes da província era proibido exercer o comércio. Faleceu pouco depois da posse em 16 de Setembro, ficando a governar a Câmara tendo como adjunto o ouvidor geral. bispo foi afastado do governo em razão das reclamações pendentes.» João Barreto
1690/03/01
Posse de DIOGO RAMIRES ESQUÍVEL como governador de Cabo Verde. Morreu a 16 de Novembro desse ano. A Câmara tomou o governo.
Não fugiu muito a este figurino a segunda empresa que se destinava a operar na mesma zona geográfica, a denominada COMPANHIA DE CACHEU E CABO VERDE que o Alvará de 3 de Janeiro de 1690 aprovou. Na linha da anterior, o sócio DOMINGOS MONTEIRO DE CARVALHO recebeu a investidura no posto de capitão-mor de Cacheu a benefício da sociedade e nele se conservaria pelo tempo em que aquela durasse (1).
Todavia, ao contrário da primeira, não gozava de um monopólio de direito no comércio, mas, graças ao ascendente de que dispunha na administração pública, não se afigura inverosímil que detivesse o senhorio do mercado (2). Com a religiosa condição estatutária de não poder vender escravos a herejes. Ponto é que a sociedade encontrasse sempre um comprador católico devoto da evangelização dos negros. De outro lado, se aproveitava alguns favores fiscais, também tinha de lançar nas mãos do governador de Cabo Verde, Diogo Ramires Esquível, a quantia de três mil cruzados por ano (3). Mais tarde, financiou localmente as obras da fortaleza e capitania de Bissau, embora o tesouro estatal a reembolsasse em Lisboa (4). Chegou ainda a contratar com o Conselho Real das Índias o fornecimento de escravos às possessões espanholas (5).
Na Companhia de 1676, António de Barros Bezerra e Manuel Preto Baldes vinculavam-se, em nome dos interessados, ao cumprimento integral do contrato, obrigando as suas pessoas e bens (6). Não existia, pois, uma mera responsabilidade patrimonial (7). Bem menos severo o preceito que contemplava propósito idêntico na Companhia de 1690. Apenas uma cláusula penal velava pelo adimplemento do pacto. Segundo o artigo décimo terceiro, antes de tudo, havia que verificar a causa da violação. Ocorrendo uma conduta culposa por parte dos contratadores, a Companhia teria de pagar em dobro os direitos dos géneros que introduzira livres de impostos nas praças de Cacheu e Cabo Verde. Ao invés, se o facto impeditivo derivasse de uma circunstância fortuita, o incumprimento já não lhe seria imputável (8). Convém acentuar ainda, agora em harmonia com as grandes companhias portuguesas dos séculos XVII e XVIII, a índole autárquica da sociedade de 1690, perante a qual nem os governadores, nem os magistrados judiciais, designadamente o juízo e provedoria dos defuntos e ausentes, podiam interferir na sucessão quer de feitores, quer de administradores. Compreende-se o zelo inibitório. De tal sorte se tutelava uma autonomia expressa na competência exclusiva da sociedade nomear os seus representantes (9).
(1) Neste sentido, ver João Barreto, História da Guiné, cit., pág. 128.
(2) Vide Christiano José de Senna Barcellos, “Subsídios para a historia de Cabo Verde e Guíné”, in loc. cit., págs. 97 e 99.
(3) Para o efeito, firmou-se o acordo de 21 de Dezembro de 1695. Vide João Barreto, História da Guiné, cit., págs. 128 e seg..
(4) Durante seis anos e oito meses, nos termos de um contrato celebrado em Madrid, a 12 de Julho de 1696, a Companhia assegurava uma determinada provisão de escravos a distribuir por certos portos espanhois.
(5) Ver «Assento da Companhia da Praça de Cacheu, e Comerçio de Guine, que por ordem de Sua Alteza se fes no Concelho Ultramarino com Antonio de Barros Bezerra, e Manoel Preto Baldês, e outras pessoas, por tempo de seis annos, que hão de começar do dia, que se tomar posse na dita Praça de Cacheu em diante», cap. 15, no estudo de Cândido da Silva Teixeira, Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné, in loc, cit., pág. 130.
(6) Além disso, se ocorressem queixas que, depois de examinadas no Conselho Ultramarino, denunciassem que os interessados na Companhia excederam os termos do contrato, o rei poderia mandar proceder contra os culpados a seu talante. Ver o assento referido na nota anterior, cap. 16, in loc. cit., pág. 130.
(7) Pode ler-se o texto da condição 13 na obra de Senna Barcellos, “Subsidios para a historia de Cabo Verde e Guiné”, in loc. cit., pág. 98.
(8) Assim o determinava a condição 6, vivamente recomendada ao provedor de defuntos e ausentes e mais oficiais de Cabo Verde e Cacheu por uma Provisão de 21 de Janeiro de 1690. Ver idem, ibidem, págs. 96 e seg., e 99.
(9) Se ninguém se podia intrometer na orientação da sociedade, era de supor que o seu domínio do mercado levasse a verdadeiras imposições de preços. Só que se encontrava previsto um arbitramento régio, caso a Companhia subisse imoderadamente o preço dos géneros que vendesse em Cacheu ou Cabo Verde. 
1690/06/28
CARTA DE DIOGO RAMIRES ESQUÍVEL SOBRE O ESTADO DA GUINÉ (28-6-1690)
SUMÁRIO - Opinião do Bispo acerca da situação religiosa de CacheuO Guardião do convento de Santiago fala de Cabo Verde e da Guiné dando boas noticias do Rei de Bissau. Parece ficar mais caro pretender tirar riquezas da Guiné, tendo a Comganhia de Cacheu resolvido aumentar o comércio. -Haja todo o cuidado com as missões, tanto do servíço de Deus.
Senhor
Por carta de 25 de Dezembro de 1689 ordena V. Mag.de confira com o Reverendo Bispo desta Ilha, D. FREY VITURIANO PORTUENSE, e com o Guardião do Conuento de S. Francisco sobre o que escreuerarn aserqua das mições da mesma Ilha, e senão conuerter nenhum gentio; e tomando todas as informaçoens neçessarias faça relação de tudo com o meu parecer.
Dis o Reverendo Bispo D. Fr. Victuriano Portuençe, na carta q. escreue a V. Mag.de de 24 de julho de 1689, o seguinte: Cacheu está como dantes, e pior, não se conuerte hum só gentio á fêe e ainda q. custe as vidas dos Relligiozos como agora custou huma, os catholicos q. lá vivem só tem o nome de christam, as vidas sam de gentios, dezemganesse V. Mag. de q. tudo quanto lhe aconselhão pª. conservação daquelle estado, he comuiniençia propria, q. sem comquista se não tira o Comerçio e riqueza de Guiné e estão os Francezes yã tam senhores êj. morrendolhe agora m.tos com a doença da terra, nem por isso falta cantidade de nauios seus por aquelles portos, e a alfandega de Cacheu não tem couza alguma.
O mesmo Bispo em outra carta de 24 de julho do mesmo anno diz o seguinte; -A mizeria e perigo que padecem as almas dos q. estam em Cacheu e q. vão lá morrendo missionarios sem se poder resgatar a alma de hum só negro, por falta de Conquista, não sendo muy difficultoza, e a terra muy upolenta, e riqua. Os dois missionarios que chegarão em companhia da frotta e assestirão em Cacheu e Bissau comfere o mesmo q. diz o Reverendo Bispo, isto mesmo hauião dito os missionarios q. vieram o ·anno passado, com os quays faley, em Companhia do d.or Sebastiam Cardozo.
O Guardião do Conuento de S. Francisco da dita Ilha, em carta de 6 de Agosto de 689, dis o seguinte: -ficamos senhor, nesta missão deuididos por Guiné e mais Ilhas de Cabo Verde, com aquelle trabalho na uinha de Christo senhor nosso, q. se pode considerar em hum só Conuento por todo hum Bispado e sendo este em tão remotas partes, deuedido, trago em continua missão por todas ellas os relligiozos separados, logrando com o fauor de Deos bastante fruito do nosso trabalho; Heis aquy senhor temos emcontrado huas Cartas q. escrevem a V. Mag.de o Reu.do Bispo e o guardião do Conuento de S. Francisco e breuemente os verá V. Mag. de unidos e comformes em o mesmo pareser, porque conferindo como V. Mag.de me ordena com hum, e outro a rezam das suas cartas, ambos concordão q. os missionários são de muito fruito na vinha do Senhor, assim nestas Ilhas como um Cacheu e seus Rios.
Emquoanto á Conquista não há rezão pera q. se faça, nem o gentio, nem o Rey de B issao o mereçe[ m] athé gora a V. Mag. de; nem aos relligiozos q. lá assistem; mas antes informandome eu de todos os q. assistirão em Bissau, concordão q. o Rey os trata com veneração sem os offender, e agora de proximo escreve fr. Frey Joseph do Bequo, pregador e missionario, q. asiste em Bissau e diz as palauras seguintes:
Tambem fiz huma lgreya no espiçio com porta pera o povo, q. pera isso alcanssey liéença do Rey, q. ma deu de boa vontade, e hé nosso amigo: estes são os delictos q. o Rey de Bissau tem feito para ser comquistado.
Dis mais Fr. Antonio de Entre os Rios, confeçor e asistente no mesmo espiçio de Bissau, que indo fazer miçois á Serra Lioa, bauptizou mais de 40 pessoas, e confeçara 400, e cazara 7 q. andauão dezemcaminhados e o mesmo fruito fizeram os missionarios q. forão ao Rio de Nanu, e a de Pongo.
Tambem me emformey dos mesmos religiosos deste conuento, se perdera a vida algum violentamente nas missois e as noticias que me deram, foy q. depois q. asistem nesta Ilha com o exerçiçio das miçois, lhe morrerão 2 Religiozos em Guiné, mas q. fora de doenças q. tiueram, e q. morrerão no seu espiçio, e todos concordão q. o Rey de Bissau não empede aos religiozos missionarios a q. preguem a fêe de Christo nem obriga aos catolicos a q. o não seyão. E assim Senhor me parece continue as missois naqueHas partes porque sempre fazem algum fruito na vinha do senhor, ct. ainda q. seja com trabalho hé penção da natureza q. nunqua tem descanso nesta vida, sendo a dos missionarios tam proueitoza pera a outra, donde teram o premio do seu trabalho.
Quoanto em pedir aos francezes a nauegação daquella costa me pareçe materia esta ousioza, e por isso não respondo a ella. Querer tirar de Guiné riquezas por Conquista não sey se custará mays caro a V. Mag.de; o q. me pareçe Senhor êj. por hora tem V. Mag. de dado remedi o pera se poder augmentar o comercio de Cacheu com a novaCompanhia que se formouo que importa agora hé q. a dita companhia meta bem cabedaes em Cacheu e os homens de Cacheu falem verdade a V. Mag. de e aos entereçados na Companhia e que venhão castilhanos de registo a esta Ilha; e se estas couzas faltarem podeçe ser que não bastem grandes remedios pera se conseruar esta Conquista, e quoando desta noua Companhia senão tire o fruito q. se espera, sempre fica tempo pera V. Mag.de fazer o q.for mais conuiniente ao seu seruiço.
São Thiago da Ribeira Grande, 28 de junho de 1690.
Diogo Ramires Esquivel
[Despacho do Conselho Ultramarino, à margem]: - Ao Conselho parece que ao gouemador de Cabo Uerde se deue escreuer, que como esta materia das missoens hé tanto do seruiço de Deos, que nele se haja com todo o cuidado, fazendo com que se frequentem, tendose como Rey de Bissau toda a boa correspondencia, vista a aceitação e bom acolhimento que tem nella os religiozos premetindo que obrem liuremente na conuersão dos seus vassallos, como o guardião insinua, a quem V. Mag. de deue mandar agradeçer o zello com que se há neste particular, recomendandolhe faça com que os seus religiozos contenuem com o mesmo freuor esta missão, como athé gora tem feito.
Lisboa, 22 de setembro de 690.
(Com 4 rubricas ilegíveis.)

AHC - Cabo Verde, cx. 7-A.
1690/11/06
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA SÉ (6-11-1690)
SUMÁRIO - A fazenda real deve à Sé mais de 9. 000 cruzados.O Bispo consignara 1.000 cruzados da sua côngrua para a obra. - Que da alfândega da Madeira se paguem todos os anos 1.000 cruzados. Da alfândega de Cabo Verde outros mil quando lá forem navios castelhanos e resgatar negros.
Senhor
O Bispo de Cabo Verde, D. FREY VICTORIANO PORTUENSE, fez petiçam a V. Mag. de por este Conselho, em que diz que mostrando no anno passado estar deuendo a Fazenda Real â Sée daquella Ilha, mais de noue mil cruzados. Foy V. Mag.e seruido mandar q. se continuassem as obras della, e pera se principiar a pagar aos officiaes se cobrassem os depositos que pertencião á Fazenda de V. Mag.de, os quaes importarão em mais de settecentos mil reis; e porquanto dellas se hia pagando aos officiaes, que hião deste Reyno, e na ditta obra se trabalhava com todo o zello e dispendio, e pera augmento deli a tinha consignado mil cruzados da sua congrua; e para que se vá continuando; e se aiuste a quantia dos dittos nove mil cruzados, Pede a V. Mag. de lhe faça mercê mandar passar provizão, para que dos sobeios da alfandega da Ilha da Madeira se pague todos os annos dous mil cruzados; e que na alfandega de Cabo Verde, na occazião em que forem áquella Ilha Castelhanos a comprar negros, se pague mil cruzados, as quaes quantias seião entregues aos officiaes da Fazenda Real, na forma q. se mandou a primeira consignação, athé se inteirar a ditta diuida dos nove mil e tantos cruzados.
Com a ditta petiçaõ aprezentou duas certidoens do Prouedor, e escriuão dos Contos, e almoxarifado daquela Ilha, de q. consta q. na dita obra se está trabalhando com grande zello, fazendosse as ferias costumadas aos officiaes della, desde 29 de março deste anno, que começarão, athéá ultima feira, q. foi em 4 de Julho do mesmo.
Dandosse de tudo vista ao Procurador da fazenda, respondeo, que estes emprestimos se deuião restituir pelo modo possiuel, como se tinha determinado.
Ao Concelho parece, q. V. Mag.de faça mercê ao Bispo de Cabo Verde de lhe diffirir na mesma forma em que pede.
Lisboa, 6 de Nouembro de 1690.
Conde de Vai de Reis, Presidente - /Tristão Guedes de Queiroz / João de Sepulveda e Mattos.
[Despacho á margem]: - Como parece no q. toca á alfandega de Cabo Verde. E pello q. pertençe á da Ilha da Madeira não ter lugar esse requerimento pelos sobejos não chegarem aos reparos das Igrejas della. Saluaterra 9 de fevereiro de 691.
(Rubrica de D. Pedro II)
AHC - Cabo Verde - cx. 7-A.
1690/12/03
Nomeação de pessoas para a serventia do ofício de Feitor da Fazenda Real da Praça de Cacheu, por tempo de três anos. Foi escolhido António da Costa Couto.
1690/12/23
Dr. Manuel Lopes de Barros - nomeado ouvidor em 23 de Dezembro de 1690, seguiu directamente a Cacheu com missão de proceder um inquérito sobre a revolta que ali se dera contra o capitão-mor Gonçalves de Oliveira. Chegou Santiago em 15 de Julho de 1691.
«O Dr. Manuel Lopes de Barros foi nomeado syndicante das ilhas e Cacheu e teve carta de Provedor da fazenda em 23 de dezembro de 1690.
Este syndicante seguiu logo para Cacheu a fim de continuar com a devassa que estava tirando o Dr. Manuel da Costa Ramalho, por causa do levantamento havido alli, de que resultou prenderem o capitão-mór José Gonçalves de Olivera, a quem quizeram assassinar.
Concluida a devassa partiu o syndicanle para SThiago, onde chegou em 15 de julho. Fez este magistrado um longo relatorio sobre os acontecimentos de Cacheu, onde encontrara servindo de capitão-mór o feitor da fazenda, eleito pelos moradores, pelo fallecimento de Domingos Monteiro de Carvalho, embora estivesse preso por irregularidades nas suas contas. Annullou esla eleição, e procedendo-se a outra recahiu a nomeação em Santos de Vidigal Castanho, que lambem tinha muitas culpas, mas era um benemerito por ter subsidiado o governo com 4:000 barafulas e obrigar-se a conservar em sua vida dois baluartes.
Este capitão-mór era lambem accusado de juntamente com Ambrosio Vaz, Bibiana Vaz de França e o feitor da fazenda Manuel de Sonsa Mendonça prenderem á sahida da misso capitão-mór Oliveira, desterrando-o para Farim, onde esteve recluso n'um escuro corredor da casa de Bibiana durante quatorze mezes, até que conseguiu evadir-se para novamente ser preso.
Na syndicancia provou-se que houve mais culpados, aos quaes o syndicante applicou immediatamente algumas penalidades, sendo a Antonio Gomes Paz, Manuel Rodrigues Falleiro, Francisco Vaz e Diogo Coelho de Eça de pagarem cada um 1:500 barafulas por tres annos; a Domingos Mendes Barros para concertar e trazer bem reparados, durante a sua vida, dois baluartes da praça; Manuel Atfonso Trigueiros a servir o posto de condestavel, sem o soldo de 52$000 réis que tinha, durante seis annos.
Os outros réos, que estavam entregues a vontade régia para serem punidos, tiveram o perdão de El-Rei, e só ficariam livres logo que pagassem a pena pecuniaria applicada pelo syndicante, o qual arbitrou 9:600 barafulas (1:900$000 réis) Bibiana Vaz, 5:000 a seu sobrinho Francisco Vaz, bem como ao irmão da Bibiana, pagando esta todas as despezas, o que todo somma 3:900$000 réis.
Estes presos não seguiram para o reino por opinião do medico, e entre elles estavam no aljube de S. Tbiago: José Moreno e Manuel de Andrade, que por serem pobres deram ambos 1:000 barafulas do sequestro das suas fazendas, as quaes o syndicante applicou para despezas da praça de Cacbeu.
O reitor da fazenda, que tinha sido mandado para o reino e dado entrada no aljube, obteve indulto. Vidigal Castanho não foi confirmado no logar de capitão-mór.
Cacben estava n'um perfeito cabos; a soa população constava de doze pessoas, entre brancos e mulatos.
Os capitães-móres que accumnlavam o cargo de feitor da fazenda deixariam de o exercer quando se deu maior jurisdicção a Antonio de Barros Bezerra, porém este continuou a exercei-o, deixando de escripturar os livros dos rendimentos reaes; este mau exemplo seguiu o novo feitor, persuadido talvez que não encontraria opposição como Barros Bezerra, tambem partidario da ricaça Bibiana Vaz.»
 - Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 101.103, Lisboa, 1900
1691
SANTOS DE VIDIGAL CASTANHO é capitão-mor de Cacheu até 7 de Janeiro de 1692, 1º mandato
1691/01/11
Nomeação de FRANCISCO CORDEIRO SANTOS para a serventia do ofício de escrivão da Fazenda da Praça de Cacheu, por tempo de três anos.
1691/02/09
«Manuel António Pinheiro da Câmara - nomeado por carta de 9 de Fevereiro de 1691, tomou posse em Maio do ano seguinte.» João Barreto
1691/09/21
Nomeação de FRANCISCO PITA MALHEIRO para o governo de Cabo Verde.
1691/10/30
FRANCISCO PITA MALHEIRO recusa ir para o governo de Cabo Verde.
1691/12/20
Foi escolhido o capitão MANUEL ANTÓNIO PINHEIRO DA CÂMARA para governador de Cabo Verde
1692/01/07
JOSÉ PINHEIRO DA CÂMARA capitão-mor de Cacheu de 7 de Janeiro de 1692 a 15 de Março de 1694
1692/01/18
MANUEL ANTÓNIO PINHEIRO DA CÂMARA Governador de Cabo Verde e da Guiné desde 18 de Janeiro de 1692. Entrou em Maio desse ano.
«Em 18 de janeiro de 1692 teve carta de governador e capitão-geral Manoel Antonio Pinheiro da Camara, tomando logo posse; e para capitão-mór de Cacheu foi nomeado Joseph Pinheiro da Camara, que havia ido em 13 de dezembro como capitão de infanleria para Cabo Verde, e que pouco depois de alli chegar relatou ter reedificado a fortaleza.»
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 103, Lisboa, 1900
1692/03/15
Em 1692, foi fundada a capitania de Bissau, tendo sido criada, em 1694, uma Alfândega. A criação da capitania de Bissau era o reflexo do desenvolvimento que aí passou a existir como zona comercial de relativa importância. Ao contrário do que parece, Cacheu foi a primeira zona comercial mais importante da Guiné. Mas, em 1708, foi arrasada a fortaleza de Bissau e extinta a capitania.
As obras iniciadas por Barros Bezerra foram interrompidas por falta de recursos, mas os primeiros passos estavam dados e, por alvará régio de 15 de Março de 1692, foi constituída a capitania de Bissauatribuíndo-se-lhe uma guarnição de 40 praças, um capitão-mor com 200$000 réis de ordenado e um feitor com 120$000 réis, por ano.
BISSAU
Na Torre do Tombo, Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas de Portugal e do Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal e nos Arquivos Militares de Lisboa encontream-se crónicas antigas e fragmentos diversos sobre Bissau. Um dizia o seguinte:

" ... Certa vez, desrespeitando os compromissos assumidos, gentio assaltou e arrasou feitoria. Os barcos deixaram de ter asilo seguro quando ali iam. Ao tempo já se achavam bem distintas as familias da tribo papel, senhora da Ilha, e cada uma sob o domínio de um régulo: Antula, lntlm, Cumura, Bandlm, Saflm, Prábls, Biombo e Bijimita (o mais temido era de lntim, que se dizia de uma ascendência mais nobre e antiga) ... "
Árvore genealógíca da tribo papel. De Mecau, caçador oriundo de Quinara, casado com seis mulheres, e da sua irmã Pungumhum, procede toda a rribo. Cada uma das suas seis «gerações" possui um totem, que lhe serve de apelido
(Desenho e legenda reproduzidos de F. ROGADO QUlNTINO, «Cultura etiópica no ocidente africano», in Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, XVII, 66, 1962, p. 342 ).
Um outro que dizia o seguinte:
" ... Ordenou rei D. Pedro, por alvará de 15 de Março de 1692, construção de uma fortaleza, encarregando dela o primeiro Capitão-mor, JOSÉ PINHEIRO, orçando-a na importância de 15.000 cruzados. A fortaleza tinha quatro baluartes e comportava quarenta praças, um Capitão-mor e um feitor de fazenda. "

Algumas décadas mais tarde e depois da capitania de Cacheu ter passado por diversas vicissitudes, funda-se o presídio de Farim, directamente subordinado a Cacheu, após um conflito armado com os povos da região, presídio este que depois foi ainda elevado a capitania. Meio século depois da fundação da capitania de Cacheu, por Alvará de 15 de Março e 1692, nova capitania se ergue, Bissau, que breve entrou em franco progresso, porque uma forte corrente comercial desde logo ali afluiu.

1692/10/29
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II sobre as cartas do capitão-mor da praça de Cacheu, JOSÉ PINHEIRO, de 26 de Junho e de 1 de Julho, e da carta do seu antecessor, SANTOS VIDIGAL CASTANHO, de 2 de Julho; sobre o mau estado daquela praça e do que fizeram para a reconstruir; mencionando as guerras entre os gentios, os reis da Mata, os Mompatas, os Papeis e os Falupos, e de como agiram para estabelecer a paz entre todos; José Pinheiro alertou ainda para as arbitrariedades do caixa e administrador da Companhia de Comércio de Cacheu, DUARTE RODRIGUES NUNES e solicitou presos e verbas para a defesa das fortalezas de Bissau, de Bolor e de Manguanha, enquanto SANTOS VIDIGAL informou que esperava substituto para o ofício de feitor da Fazenda Real, acusou o seu sucessor de prejudicar os moradores de Cacheu, alertou para os inconvenientes em dar-se a exploração do rio de Jame à Companhia; explicando que tirara devassa do ataque e roubo à casa que ANTÓNIO DE AZEVEDO FONTOURA fizera para recolha da Fazenda Real; o Conselho Ultramarino centrou a sua atenção nos excessos do administrador do contrato, nos preços praticados pela Companhia, na falta de géneros em Cacheu e, consequentemente, dos direitos pagos à alfândega e no sustento dos seus presídios.
Anexo: cartas e bando.
AHU-Guiné, cx. 3, doc. 73, 80, 72, 71, 68 e 70.

AHU_CU_049, Cx. 3, D. 206.
1693













1693/02/16
«Em 16 de fevereiro de 1693 ordenou-se ao governador Pinheiro da Camara que remettesse uma exacta relação das despesas com os officios tanto em Cabo Verde como em Cacheu.
Dádivas, presentes.»
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pgs. 105-109, Lisboa, 1900
1693/03/23
Dr. João Coimbra Soeiro - nomeado ouvidor em 23 de Março de 1693, tomou posse em 20 de· Abril. Em 1696, a Câmara de Santiago solicitou a sua recondução por um novo período de 3 anos.
1693/09/27
«José da Silva Maldonado d'Eça -nomeado em 27 de Setembro de 1793; posse em 24 de Junho de 1795. Recebeu instruções para au;xiliar povoamento da ilha de S. Vicente dirigido por Carlos da FonsecRosadocom algumas famílias .das ilhas adjacentes. Pelo seu falecimento, ocorrido em 10 de Setembro de 1795, a Junta Governativa foi constituída pelo bispo, pelo ouvidor interino, Francisco da Silva Pereira e pelo célebrJoão Freire de Andrade. Como o bispo se conservava em S. Nicolau, o govêrno esteve de facto entregue aos dois últimos.» João Barreto
1693/10/22
«O bispo (Victoriano do Porto), conseguindo da irmandade da Santa Casa todos os ornamentos e calices para a Sé, ficando a mesma irmandade impossibilitada de celebrar o culto, pediu em 8 de agosto de 1693 a El-rei, por esmola, para ser confirmada a resolução da Santa CasaOrdenou-se-lhe em 1694 que guardasse e respeitasse os privilegios d'elles.
Houve grande disputa entre o bispo e o governador sobre o logar que este devia occupar na egreja, a qual foi resolvida por Sua Magestade, que mandou dizer ao governadorvos haveis de assentar em cadeira raza, quando se expõe o Santissimo, e, quando não estiver exposto, em cadeira de espaldar.
Este bispo provocou muitos conflictos, intromettendo-se nas attribuições alheias, a ponto de El-rei mandar dizer ao ouvidor geral em 22 de outubro: E pareceu.me ordenar-vos não deixeis usurpar a jurisdicção real, pois por excessos do bispo tendes já n'essa ilha Juizo da Corda. E ao bispo na mesma data dizia: que por usurpar a jurisdicção real, e aos ministros a facção de muitos inventarios que pertenciam ao juizo secular, obrigando violentamente aos ministros por meio de censuras a que demitissem de si os que lhe tocavam, encommendava-lhe a abstenção n' esta parte, curando só dos meios que permittia o direito.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 110, Lisboa, 1900
1693/03/23
Dr. João Coimbra Soeiro - nomeado ouvidor em 23 de Março de 1693, tomou posse em 20 de· Abril. Em 1696, a Câmara de Santiago solicitou a sua recondução por um novo período de 3 anos.
1693/09/27
«José da Silva Maldonado d'Eça -nomeado em 27 de Setembro de 1793; posse em 24 de Junho de 1795. Recebeu instruções para au;xiliar povoamento da ilha de S. Vicente dirigido por Carlos da FonsecRosadocom algumas famílias .das ilhas adjacentes. Pelo seu falecimento, ocorrido em 10 de Setembro de 1795, a Junta Governativa foi constituída pelo bispo, pelo ouvidor interino, Francisco da Silva Pereira e pelo célebrJoão Freire de Andrade. Como o bispo se conservava em S. Nicolau, o govêrno esteve de facto entregue aos dois últimos.» João Barreto
1693/10/22
«O bispo (Victoriano do Porto), conseguindo da irmandade da Santa Casa todos os ornamentos e calices para a Sé, ficando a mesma irmandade impossibilitada de celebrar o culto, pediu em 8 de agosto de 1693 a El-rei, por esmola, para ser confirmada a resolução da Santa CasaOrdenou-se-lhe em 1694 que guardasse e respeitasse os privilegios d'elles.
Houve grande disputa entre o bispo e o governador sobre o logar que este devia occupar na egreja, a qual foi resolvida por Sua Magestade, que mandou dizer ao governadorvos haveis de assentar em cadeira raza, quando se expõe o Santissimo, e, quando não estiver exposto, em cadeira de espaldar.
Este bispo provocou muitos conflictos, intromettendo-se nas attribuições alheias, a ponto de El-rei mandar dizer ao ouvidor geral em 22 de outubro: E pareceu.me ordenar-vos não deixeis usurpar a jurisdicção real, pois por excessos do bispo tendes já n'essa ilha Juizo da Corda. E ao bispo na mesma data dizia: que por usurpar a jurisdicção real, e aos ministros a facção de muitos inventarios que pertenciam ao juizo secular, obrigando violentamente aos ministros por meio de censuras a que demitissem de si os que lhe tocavam, encommendava-lhe a abstenção n' esta parte, curando só dos meios que permittia o direito.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 110, Lisboa, 1900

   1694


MEMÓRIA do escrivão da Fazenda Real da praça de Cacheu, FRANCISCO CORDEIRO SANTOS, ao rei [D. Pedro II] sobre os sucessos da evangelização naquelas terras, as condições do porto de Bissau, a variedade de mantimentos para o comércio, a antiga casa de comércio da Companhia Real de França, os ataques dos navios franceses para levarem géneros às Índias, a amizade do rei de Bissau com os moradores e o seu desejo de baptismo; propondo várias medidas para fortalecer a presença portuguesa e desenvolver o comércio: a escolha de um capitão-mor fiel e inteligente que acumule o cargo de ouvidor, a reconstrução da fortaleza, da casa-forte e dos baluartes e respectivo equipamento militar, a aliança com os naturais como forma de resistir aos estrangeiros, o impulso no comércio dos particulares e nas condições de negócio com os gentios, entre outras.
AHU Guiné, cx. 3, doc. 99.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 224.
SANTOS DE VIDIGAL CASTANHO capitão-mor de Cacheu, 2º mandato, até 1706
1694/03/17
O novo regimento de 17 de Março de 1694, publicado 44 anos depoisdo que foidado a João Carreiro Fidalgo, de novo confirmava todas as atribuições anteriormente concedidas ao capitão de Cacheu, mantendo-o ainda em directa subordinação ao governador de Cabo Verde.
1694/03/23
CARTA DO SECRETÁRIO DE ESTADO AO GUARDIÃO DE S. FRANCISCO (23-03-1694)
SUMÁRIO - Agradece a carta com a relação-do estado das missões. El-Rei escreveu ao Provincial pedindo mais religiosos e este respondeu que os mandaria em dobro na primeira ocasião. Recomenda-lhe sobretudo a ilha de Bissau.
Recebi a carta de V.P. de 6 de Agosto do anno passado, em que V.P. me dá conta das Missões, a qual fiz logo presente a S. Magestade.Recebi della tão grande contentamento que o não podia ser mayor e nam menos o de S. Magestade, como V.P. verá da carta, que foi servido mandarlhe escrever; e assim mesmo mandou S. Magestade escrever ao P. Provincial, dizendolhe a grande satisfação que tinha de V.P. e dos seus Religiosos naquelle santo exercício das Missões, encarregando o de mandar mais Missionarios. //
Ao que elle respondeo, e especialmente veyo responder dizendo, que os nam podia mandar agora, mas que· os mandaria em dobro na primeira occasião.
O Religioso que veyo doente me pareceo hú vivo retrato de ·N.P.S. Francisco. Eu lhe mandei assistir com todo o cuidado, e o quiz curar em minha Caza, e elle quiz antes ir curarse a sua patria, aonde me dizem que melhorou algúa cousa. Nam tenho que recomendar a V.P. o cuidado das Missões, porque sei que V.P. o tem tão vigilante e activo, como Deos, por particular mercê sua, foi servido que V.P. o tivesse para bem das almas, e exaltação da sua Santa Fé.//
Encomendo porem muito particularmente a V.P. a Ilha de Bissao, porque as armas de Deos são somente as que devem conquistar. Estou para servir a V.P. em tudo o que me mandar. E peço a V.P. me fa a mercê de me mandar em todas as moções relaçam do que obram os Missionarios, para eu ter o gosto de o participar a S. Magestade.//
Deos guarde a V.P. muito annos.
Lisboa, 23 de Março de 1694.//
Mayor servidor de V.P. Roque Monteiro Paim
Senhor Fr. André de Coimbra.
BMP - Fundo Azevedo nº 1: Coronica da Província da Soledade, Tom. II, p. 713-714.
1694/04/25
CARTA-DE MANUEL PINHEIRO CÂMARA A SUA MAJESTADE EL-REI (25-4-1694)
SUMÁRIO - O Rei de Bissau não impede os missionários de pregar o evangelho. Ainda não foi entregue das ordens do Conselho Ultramarino, para proceder nas Costas de Cacheu. – É preciso os contratadores porem mais navios no marDe bem com o Bispo, e com os missionários.
Senhor
V. Mag.de me faz merçê auizar da rezolução q. tomou sobre a Ilha de Bissao; e q. só pelo meio das rumas espirituaes se comseguirá, o milhor fim: e como com esta guerra seião mais seguros os sucessos, espero na bondade de Deos faça naquellas almas efiquaz os seus auxilios, e q. tenha V. Mag. de a gloria de ser o milhor emprego dellas; pois sem controverçia [asei. .. ] aquelle Rey os Missionarios e não empede, a pregaçam do sancto euangelho: e quanto ás ordens q. V. Mag.de me emsinua q. se me remettem pelo Consselho Ultramarino, do q. heide obrar sobre a Costa de Cacheu, e em particular sobre o Rio do Nuno, não fuy entregue dellas, com que a este respeito poderá hauer falta na execução e deue V. Mag.de mandar lembrar ao Consselho, satisfaça a ordem e q. se me remetta na primeira ocazião q. com todo o cuidado porey tudo em effeito; o estrangeiro q. leuou o ouro não o conciderei com cabal emteligencia; porem emtendi q. fosse descobrir com mais exames alguma utilidade: fico com aduertençia pera não desprezar qualquer noticia, q. tiuer e fazella prezente a V. Mag.de Estimo q. fose do agrado de V. Mag.de o meu papel e se os Comtretadores seguirem, em tudo o exordio delle e comtinuarem com excesso os generos bastantes he necessarios, so desta sorte se poderão tirar grandes avanssos com a Companhia e repare V. Mag. De q. as carregações são muito limitadas pera se resgatarem os géneros daquella costa; e hé necessario porem os Comtretadores mais nauios no mar para este fornessimento.
Com os missionarios tenho toda a boa correspondencia, e não hé n1enos com o Bispo, porque fiz nesta ocazião com que fose a Cacheu e coresse aquellas Prouinçias todas porque esperaua do seu zello fizesse algum fruto naquellas almas: com effeito se embarquou; e supposto q. o Bispo me dezeya ocazião a que nos dezunissemos, com tudo dessimullo a cauza, por não faltar ao q. V. Mag. de me manda, que esta hé a negociação e os cabbedaes com que faço conta de me recolher deste .gouerno para minha caza., esperando q. só destes effeitos não só tire os emteresses pera a vida, mas ainda seguros para a honrra.
Guarde Deos a pessoa de V. Mag. de muitos anrios como dezejo, para ser em tudo o. remedio de seus vassallos.
Ribeira Grande, Ilha de S. Tiago de Cabo Verde, 25 de Abril de 1694.
Manoel Antº. Pinheiro Camara
AHC - Cabo Verde - Cx. 8.
1694/04/26
CARTA DO REI DE BISSAU AO DE PORTUGAL (26-4-1694)
SUMÁRIO - Descreve a situação de Bissau, mais de estrangeiros que de portugueses Oferece-se e à sua terra para o Rei de Portugal ali obrar o que houvesse por bem Pede que mande doutrinar o seu filho que envia. – Queria mandar dois mocetões bem formosos, mas não tiveram lugar no barco.
Senhor
A distancia das terras, e muito mar em mejo, fazê que os afectos verdadeiramente se não conheção o meo pera com V. Magestade.Posso dizer que nasçeo commigo mesmo, pois desde que tiue uso de rezaõ sempre amey a V. Magestade e o uenerey como a meo Rej e Senhor natural, e leuado do deseio de que esse conhecimento se fizesse prezente a V. Magestade, tratej aos Senhores Portugueses nesta Ilha de V. Magestade não como a forasteiros, senaõ como a próprios meos filhos, e pera que se perpetue esta minha vontade, com demonstraço~s mais evidentes, emvio a V. Magestade o meo primogénito e herdeiro deste Reino de V. Magestade, quese chama Manoel, em companhia do Reuerendo Bispo de Cabo Verde, pera o remeter a esse Reino, ao qual me faça V. Magestade a honra de dar credito em tudo em quanto disçer, porque suposto não hé muito ladino (1) nê uersado na lingoa portuguesa, com tudo no modo com que se explica dará a V. Magestade larga informaçaõ dos particulares desta Ilha de Bissao; em primeiro lugar, Soberano Senhor, podese dizer certamente que Bissao hé dos estrangeiros e não dos portugueses, porqueolandeses, ingleses, e francezes á porfia ocupaõ sempre o porto delle, com seos negocios e muitas uezes entre elles há debates sobre que hade ser o primeiro, e os ingleses lançaraõ fora os françezes, e /a/o depois os franceses tomarão, e tomarão os nauios ingleses; e como a terra não tem forças ne armas pera acodir pello credito dos Senhores Portugueses fica tudo ao arbitrio delles, a força local de V. Magestade que se fes nesta Ilha está por terra e como lhe faltauaõ monições mais seruia de embarasso que de defeza, porque o estrangeiro se podia ualer della pera nos fazer mal; e os ingleses teriaõ já feito outra mejor, se os franceses os não lançasse fora. Com que dou conta a V. Magestade disto pera prouer como se for seruido, que dias há e agora de nouo offereço a V. Magestade a terra pera nella obrar o que for seruido, e da minha parte naõ faltarej com toda ajuda e obsequio, e posto que digaõ commtlmente que os negocios de Guinee saõ emtereceiros (?}, naõ se entende pera commigo este dito, porque o meo deseio hé muito manifesto; este meo filho depende de doutrina, peço a V. Magestade ó mande doutrinar os poucos dias que lá estiuer, de modo que conserue a affeiçaõ que tem aos vassallos de V. Magestade que desde menino está tã inclinado ao modo português que disque me não hade seruir a mj, senão a V. Magestade que hé seu Senhor e Rey; nós estamos sê armas de fogo neste pouo, e por este respeito não podemos empedir as entradas aos estrangeiros e suas osadias; V. Magestade trate de mandar fortificar a terra, e pôr nella os presidies que lhe pareçer, porque sem defensa continuarão os ingleses, olandeses, franceses e outras naçoes como o fazê com bem sentimento meo, e de todo este gouemo que só queremos aquj aos Senhores Portugueses; do sitio, bondade e qualidade da terra não informo a V. Magestade, por que sej o tem feito sugeitos bê intelligentes; e naõ me offereço para tudo quanto for do gosto de V. Magestade, porque a minha vontade está resignada ás ordens de V. Magestade, cujo vassallo me jacto muito de ser, e assj pode V. Magestade dispor como couza propria desta Ilha de Bissao, de minha pessoa e de tudo quanto pessuho; naõ me foj possiuel remeter nesta embarcaçaõ hfls mossetoes bem fennosos pera o seruiço da Caza porque o mesmo MANOEL TAUARESos naõ quis receber, dizendo n tinha lugar na embarcassaõ, que era pequena e os passageiros muitos; no demais me remetto ao Prinçipe de Bissao que Deus nosso Senhor Ieue em paxá vista de V. Magestade, cuja pessoa conserue nosso Senhor o guarde com felicidades, saude e muitos aumentos.//
[À margem]: Bissao, 26 de Abril 694. Humilde subdito e vassallo de V. Magestade Rej de Bissao BACAMPOL CÓ Pedindo a V. Magestade esta mercê e caridade que V. Magestademe /h/ade fazer mandarme algumas armas de fogo para minha defença, que me hé nesesario para defença da terra, e mais huã cappa daquela que V. Magestade me mandou iá está rota, e mais alguns tamboretes e hü bofete, e algü lejto com seus aparelhos, couza da maõ de meu Senhor, e algü chapeo de sol, que me hé nesesario. V. Magestade me perdoi o atreuimento que tenho para com meu Senhor e peso a V. Magestade que me remeta o meu filho, seruo de V. Magestade, no primeiro nauio e emuiarlhe com o mesmo mestre para G[u]iné e tambem eu protesto a todo /a/quilo que V. Magestade ordenar do seu seruiço, estou pronto a naõ lhe faltar como deuo de obrigaçaõ. Guarde beos a pesoa de V. Magestade, &.ª
AHC - Guiné, cx. 3, Doc. 229. - Original.


(1)  Astuto.
CARTA DO REI DE BISSAU AO DE PORTUGAL (26-4-1694)
SUMÁRIO- Comunica a ida a Bissau do Bispo de Cabo Verde, desejando que ele.ficasse com ele. Quando ele voltar quer fazer-se cristão com todos os seus, estando pronto a levantar igrejasEntrega ao Bispo oito filhos seus.
Senhor
Rey de Portugal meu Jrmaõ, a esta minha Jlha veio o Bispo dos Christans, e eu o ressebi com amor e dezeiaua que elle ficase logo comigo, pelo gosto que tiue de o uer; e como se elle tomar a esta Jlha e me achar viuo me quero lauar minha cabeça e fazer christão, e não só eu maz todoz uassaJloz; pesso e rogo a V. Magestade que o queira mandar com elle algunz Padres pera me ensinarem, e a minha gente o caminho uerdadeiro do Senhor Deos, pera saluaçaõ de nossaz almaz, que estou pronpto e com grande vontade de fazer Igreiaz em que se conhesa e adore o uerdadeiro Deos, pera que seia em tudo maiz venturoso dos que os os Reiz meuz antepassadoz./ I
Ilha de Bissau 26 de Abril 1694, e pera sinal desta palaura dei ao Bispo oito filhoz meuz.
Bacampollo Có
Rey de Bissau
AHU - Guiné, cx. 3, nº 229 - Original.
1694/05/15
«Em 15 de maio de 1694 tomou posse de capitão-mór de Cacheu, das mãos do ouvidor geral de Cabo Verde, Santos de Vidgal Castanho, o qual desmente por completo José Pinheiro, que relatara ter construido esta fortaleza, que a de Bolor fôra construida de paus a pique e a de Zeguíchor era muito utll para evitar que os inglezes se apoderassem d'aquelle ponto tão ambicionado.» -
 Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 103, Lisboa, 1900
1694/07/25
CARTA DO BISPO DE CABO VERDE A EL-REI D. PEDRO II (25-7-1694)
SUMÁRIO- Relação da viagem realizada pelo Bispo Frei Vitoriano Portuense em visita canónica ao sertão de Cacheu e ao Reino de BissauEnvio a Lisboa do primogénito do Rei de Bissau.
A os quatorze de Fevereyro de 1694, parti desta Ilha (1) a visitar a Christandade de Guiné, partes donde nunca chegou algum Prellado Sagrado. Fiz viagem em hum patachinho limitado, que muyto acaso veyo dar a esta Ilha desde a Ilha de S. Miguel, que naõ trazia para seu governo, se naõ hum piloto novato, tres marynheiros, dous mancebos, e tres rapazes. Embarqueime levando somente em minha companhia ao Arcediago (2) por Escrivaõ da Vizita, o Meyrinho Geral, hum pagem, e hum Minino do Coro; e sendo a viagem desta Ilha para a povoaçaõ de Cacheo regularmente de 6 ou 7 dias, gastei nella mais de trinta, por naõ acertar o piloto com a barra, e no discurso destes dias tivemos varios sucessos pelo mar em que se padeceraõ vários trabalhos, de que a bondade divina com evidentes demonstraçoens de sua divina Mizericordia nos livrout já indo de sima de baixos, quenaõ tinhaõ mais, que huma braça /de/ agua junto á Ilha dos Bijagós, aonde fomos parar, já livrando/nos/ dos mesmos Bijagós, e de outras partes perigozas daquella Costa, aonde lançamos a ancora mais de vinte yezes, passando rnuytas noutes com vento rijo á mercê de huã amarrinha, que tinha o pobre patacho; e finalmente por me achar esta viagem desprovido, quanto biamos na embarcaçaõ gastávamos de huns legumes, que eu muyto acazo tinha mandado a bordo para passar a Quaresma nos Rios de Guiné.
2.Chegamos finalmente á barra de Cacheo, donde mandamos á povoaçaõ buscar pratico, e quando nos imaginavamos seguros, entaõ nos achamos em o mayor perigo, pois vindo hum pratico (que por muytas razoês naõ devia exercitar aquelle officio) nos foi meter o patacho em huma braça de agua junto aos baixos do Norte. Vendo eu este dezamparo, ignorando a temeridade que fazia, me meti em o bote com o Meyrinho Geral somente, e quatro moços que remavaõ, e fui para Cacheo, que estava dali 10 legoas; e como me embarquei junto da noute, naõ faltaraõ occazio!s de temor, e passamos como bote por sima de todos aquelles baixos encalhando alguãs vezes, e vendo nos já cercados dos grandes peixes, até que remando contra a maré, a mayor parte da noute, ao romper do sol chegamos á povoaçaõ de Cacheo, donde mandando dous melhores praticos, naõ lhe custou pouco a tirar o patacho donde estava, e metelo no porto.
3. Neste Cacheo nos detivemos poucos dias, por naõ ser conveniente começar entaõ a Vizita pelo dezasocego em que se achava a povoaçaõ com a chegada da não caravella que veyo desse Reyno, e a 24 de Março partimos para a Ilha de Bissao em huma lancha rota, e tais os grumetes que nos encalharaõ em terra dos Balantas bravos, e taõ perto de huma sua povoaçaõ, que todo o tempo que estivemos encalhados os ouvimos chorar, que parecia pranto feito a algum parente defunto, porque nos naõ viraõ, e deraõ algum assalto.
4. A 27 de Março chegamos á Ilha de Bissao: tem esta Ilha 700 christaõs quazi todos de casta Papeis, e naturais da mesma Ilha: no seguinte dia chegamos, demos principio á Vizita; chrismamos quazi todos, prégamoslhes sete sermoes, e cazamos a 16 pessoas, que estavaõ há muytos annos concubinadas.
5. Tanto que chegamos á dita Ilha me mandou vizitar o Bacaõ pelo Có Rey della pelo seu alcaide com hum mimo limitado do fruto de sua terra, e hum bolim de vinho de palma; e no outro dia me veyo vizitar com quantidade de fidalgos, e mais povo: Trazia vestido hum cazacaõ estrangeiro de pano fino, sua cabelleyra postiça, chapeo pardo, meyas de seda, e chinellas com suas luvas, e na maõ huma zagainha pequena, costume que tem os Reys gentios de trazer na maõ, por signal de sua grandeza, e poder. Depois de estar praticado algum tempo, o levei .á Igreja, ouvio a Nossa Missa, e sermaõ, e vio chrismar o povo, mostrando algum agrado do que via, e ouvia; e despois o convidei para ir jantar comigo no hospicio, o que fez com tanta modestia que era necessario que eu o excitasse para beber hum copo de vinho, ou aguardente.
6. Hé este preto muyto bem disposto, e de estatura alto, terá de idade 48 annos, nos olhos muy modesto, os quaes traz regulannente mortificados: hé muy senhoril, e se faz obedecer, ainda daqueles que o naõ querem tratar com muyta submissaõ, porque naõ temem delle por brando as tirannias dos seus antepassados. Ouvi dizer naquella Ilha aos christaõs que este Rey tinha dito há sete annos ao Religioso Fr. Francisco de Pinhel, que havia de ser o ultimo Rey gentio de Bissao, e o primeyro christaõ, donde se pode inferir que .este Rey tem antigas inspiraçoes de Deos para que deixe o Gentilismo; e perguntandolhe eu, se assim era, sorrindo-se me respondeo, que assim fora; e esta devia ser a cauza por que tanto estimou a minha chegada que se rezolveo ao que depois direi; entende muyto bem a lingua portugueza, e poderá fallar o crioulo, se quizera; porem entre todos aquelles Reys gentios está introduzido por gravidade o falarem por interprete, ou chalona.
7. Feita a sua vizita se recolheo para sua caza, hü sitio a que chamaõ o Reyno, distante da povoaçaõ dos christaõs somente dous tiros de mosquete . . Deixei passar hu dia, e em huma quinta feyra primeyro de Abril lhe fui pagar a vizita: Juntaraõ-se todos os christaõs para me acompanharem, fazendo suas bandeyras dos gremiais, e diante o nosso terno de charamellas, atrás o nosso Arcediago com o bago, e eu vestido de pontifical branco, chegamos ao Reyno entre muytos tiros, que se naõ descuidava de os disparar. O cabo da povoaçaõ, e o Rey nos estava esperando com toda a sua gente em a mayor das tres cazas que tem em varios sitios daquelle seu Reyno, sahio fora a pegarme pela maõ, que nunca me largava, se podia, e me deu assento junto de sy em huma cadeyra das que estavaõ cubertas com huns tapetes sobre seus estrados. Tinha cinco negros com outras tantas frautas, e duas negras Inandinguas (3), a quem chamaõ Judias, que tem por officio cantar: e estas, ou ao som das frautas, ou sem e]le estiveraõ por algum tempo em voz muyto alta cantando na sua lingua excellencias ao seu Rey; amayor era que tinha sido mais ditoso de todos os seus antepassados, pois nenhum tinha sido visto, ou vizitado do grande pe. dos Fieis.
8. Fiz signal ao nosso temo que tocaase, e o Rey se alegrava de os ouvir. Depois mandei ao Minino do Choro, que era destro na solfa (4e tem bom tiple (5), que pegasse em huma violla, e cantasse, o que fez por algum espaço; e socegado tudo propuz ao Rey, fidalgos, e mais povo com palavras chans os principaes Misterios da nossa Redempçaõ, e especialmente a vinda do Filho de Deos ao Mundo; e entre outras couzas (o que folgaraõ mais de ouvir) foi o dizer-lhe, que nossos antepassados eraõ tambem gentios, e que os primeyros Bispos do Mundo, Discipulos de Iezus Christo, lhe pregaraõ a verdadeyra feé, e deraõ a conhecer a Deos verdadeyro. Respondeo o Rey, e os fidalgos que tinhaõ ouvido, e folgaraõ de ouvir o que eu lhes dicera, e que na minha volta da povoaçaõ da Geba, me dariaõ a ultima rezoluçaõ;e levando-me o Rey daquelle lugar para junto de outra caza sua, que estava perto,convidou aos christaõs que vinhaõ em minha companhia com hum lingre de vinho de palma, (cabaço grande que teria três almudes) e aceito o mimo pelos que quizeraõ, nos voltamos para o hospício, despedindo-nos do Rey, e mais fidalgos amorozamente.
9. No Domingo seguinte, quatro de Abril, que foi o Domingo de Ramos, feitas as Ceremonias da Igreja, acabamos a vizita desta Ilha; e na maré da tarde nos partimos para a povoaçaõ da Geba, e dous Filhinhos do Rey, que naõ tinhaõ sete annos de idade, se vieraõ comnosco para a chalupa, e foraõ em nossa companhia. Tivemos desde Bissao para Geba huma feliz viagem, sem embargo de ser aquelle Rio hum dos mais perigosos que se navegaõ por aquellas partes, aonde durando a vazante da maré nove horas á enchente dura somente tres, cauza por que nas agoas vivas padecem facilmente naufragios as lanchas dos grumetes descuidados pela grande violencia, e repentina pressa com que entraõ as agoas pelo Rio asima, e a esta apressada inundaçaõ chamaõ os naturais bacareos (6).
10. Chegaados á povoaçaõ da Geba em quarta feira de trevas 7 de Abril, pelas 7 horas da manhaã, fui á Igreja dizer Missa, e lançar a Vizita, e o Deos de toda a consoiaçaõ permitio que houvesse naquela Igreja hum Pelicario em que exposessemos o Senhor na Quinta Freyra Mayor, e nesta povoaçaõ celebramos a Festa da Paschoa, e naõ tive pouca alegria das resurreiçoês espirituais que nella houve.
11.Terá esta povoaçaõ 1200 christaõs, e a quazi todos confirmei; porem como estaõ metidos no sertaõ saõ hum lago de torpeza, e descuidados totalmente do Sacramento do Matrimonio, achei concubinados mais de 128 pessoas, e alguns que passaõ de 60, e 70 annos de idade, porem a todos converteo a Mizericordia Divina, e naõ houve nenhum que se naõ cazasse; e detendo-me nesta freguesia como mais necessaria até 18 de Abril, que era Domínica in Albis, depois de ter prégado nove, ou dez sermoês, nos voltamos outra vez para a Ilha de Bissao.
12. Vindo navegando este Rio da Geba na ultima maré, antes de sair delle encontramos a primeyra das duas embarcaçoes que se esperavaõ da Serra Leoa, a qual vinha carregada de collas, fruta amargoza de grande estimaçaõ, e preço para os gentios; e como viessem na dita embarcaçaõ dez, ou doze denunciados (e especialmente hum que tinha vendido tres diabolicas bolças de semente de fetaõ, as quaes eu tinha tirado do poder dos compradores) mandei o Meyrinho a bordo para que viessem á minha prezença os acuzados; e vindo todos, e dandolhe a correiçaõ fraternal, prometeraõ de ir logo receber as concubinas, e mostrando depois grande vontade de serem chrismados, dizendo que se perdiaõ esta ocaziaõ; naõ teriaõ segunda em sua vida, mandei que se preparassem para se confessarem, e que no seguinte dia os chrismaria. Vindo a seguinte manhã em a terra de Chimb, terra de hum Rey gentio, que dezejava muyto aos christaõs em seu Reyno, fizeraõ com humas vellas do seu navio hum toldo, e mandando eu levantar hum altar, e premitindo a disposição Divina que trouxessemos hostias, e particulas dice Missa, dei Comunhaõ a mais de 30 pessoas, e chrismei a mais de 70, e despois fazendolhe huma pratica, os despedi consollados, e nós tambem poreste bom encontro, viemos e chegamos ao seguinte dia á Ilha de Bissao com bom sucesso.
13. Chegados segunda vez a esta Ilha estava o Rey auzente . duas legoas tratando de sua sementeyra; porem logo se recolheo para o Reyno, e vdnome vizitar com muyta familiaridade, descobrio mais o coraçaõ, dizendo o dezejo que tinha de ser christaõ, que os seus descuidados totalmente do Sacramento do Matrimonio, achei concubinados mais de 128 pessoas, e alguns que passaõ de 60, e 70 annos de idade, porem a todos converteo a Mizericordia Divina, e naõ houve nenhum que se naõ cazasse; e detendo-me nesta freguesia como mais necessaria até 18 de Abril, que era Domínica in Albis, depois de ter prégado nove, ou dez sennoês, nos voltamos outra vez para a Ilha de Bissao.
12. Vindo navegando este Rio da Geba na ultima maré, antes de sair delle encontramos a primeyra das duas embarcaçoes que se esperavaõ da Serra Leoa, a qual vinha carregada de collas, fruta amargoza de grande estimaçaõ, e preço para os gentios; e como viessem na dita embarcaçaõ dez, ou doze denunciados (e especialmente hum que tinha vendido tres diabolicas bolças de semente de fetaõ, as quaes eu tinha tirado do poder dos compradores) mandei o Meyrinho a bordo para que viessem á minha prezença os acuzados; e vindo todos, e dandolhe a correiçaõ fraternal, prometeraõ de ir logo receber as concubinas, e mostrando depois grande vontade de serem chrismados, dizendo que se perdiaõ esta ocaziaõ, naõ teriaõ segunda em sua vida, mandei que se preparassem para se confessarem, e que no seguinte dia os chrismaria. Vindo a seguinte manhã em a terra de Chimb, terra de hum Rey gentio, que dezejava muyto aos christaõs em seu Reyno, fizeraõ com humas vellas do seu navio hum toldo, e mandando eu levantar hum altar, e premitindo a disposição Divina que trouxessemos hostias, e particulas dice Missa, dei Comunhaõ a mais de 30 pessoas, e chrismei a mais de 70, e despois fazendolhe huma pratica, os despedi consollados, e nós tambem por este bom encontro, viemos e chegamos ao seguinte dia á Ilha de Bissao com bom sucesso.
13. Chegados segunda vez a esta Ilha estava o Rey auzente duas legoas tratando de sua sementeyra; porem logo se recolheo para o Reyno, e vdnome vizitar com muyta familiaridade, descobrio mais o coraçaõ, dizendo o dezejo que tinha de ser christaõ, que os seus vassallos haviaõ de fazer o que elle lhes mandasse, que todos os christaõs daquella freguezia eraõ seus nautrais, que elle era como hum minino pequeno para eu dispor delle á minha vontade. E naõ só estas, mas outras couzas me dice em que mostrou huma grande inclinaçaõ á nossa Religiaõ Christaã. Eu o abracei, e dei osculo de paz, e lhe pedi que se apartasse quanto podesse de offender ao verdadeyro Deos, espcialmente com a idolatria, e com effeito assim o fez, por que me constou depois de vir para Cacheo, de que sacrificando o povo a sua China, ele se naõ quizera achar prezente, como costumava.



A missão das igrejas cristãs em África



14. Finalmente rezolveo com seus fidalgos de que queriaõ receber a feé de Iesu Christo, e eu lhe aconselhei, que dessem parte desta rezoluçaõ a V. Magestade, e lhe pedisse Ministros que os viessem catequizar, e mandando fazer a carta, se virou o Rey para os fidalgos, e lhe falou: e perguntando eu ao Chalona christaõ, o que o Rey dizia, respondeo que dizia, que poderia ser que despois de serem christaõs, e os favorecer o Rey de Portugal, teria augmento aquella fortaleza, para que naõ fosse áquelle porto os estrangeiros, isto dice o Rey lastimado do sobre salto que lhe deu hum anno destes huma das naçoes do Norte. Feita a carta, e sendo-lhe lida, ficaraõ muyto alegres, e o Rey pegando della ma entregou. Indo eu dizer Missa, e deixando o Rey com dous Religiozos do hospício, em quanto estive dizendo Missa, pedio elJe huma thezoura, e con sua propria maõ cortou aos outo filhos os cabellos, que me queria dar os topetes, que hostumaõ trazer os filhos dos Reys, em que se distinguem dos filhos dos outros homens, e tanto que sahi da Missa me entregou os filhos, metendo os seus braços na minha maõ, e naõ passando nenhum deles de vinte annos para sima. Hé muyto para admirar a rezoluçaõ com que se apartaraõ do Pay, e se foraõ meter na chalupa.
15. Despedidos naquelle mesmo dia, que foi a 21 de Abril do Rey, e mais fidalgos com muytas demonstraçoens de amizade na maré da noute, indo para embarcar, veyo o Alcaide com hum recado do Rey, em que me pedia tres dos filhos, que me tinha dado, porque suas mãys tinhaõ delles grandes saudades: pelo naõ desgostar lhos mandei dizendo, que lhos largava, por que esperava em Deos, que ainda que ficassem em Bissao, brevemente haviaõ de ser christaõs.
16. Hé este Gentio de Bissao bem inclinado; tem grande propençaõ para a Christandade; o que a chegou a receber, naõ tomou mais a recalcitrar, o que se naõ acha em outras naçoes. O Cabo daquella povoaçaõ trouxe a ser christaõs todos os seus parentes, e naõ querendo vir sua mãy, dizendo que era velha, que tinha mais de 70 annos; respondendo o filho, que se ella naõ viesse, tomaria a vestir a pelle, e ser gentio; convenceo a mãy, e a trouxe comcigo, e eu a chrismei nesta Vizita. Há huma molher gentia, que quantos filhos lhe nascem, manda fazer christaõs, e no dia do baptismo faz banquete.O gentio que tem parente christaõ, sempre lhe daõ algum filho, para que lho baptizem, e prezaõ-se muyto disso.
17. Era tal o respeito que me tinhaõ, que tirandolhe eu do cabello, pescoço, braço, e zagaias as insignias da gentilidade se naõ aggravavaõ, antes se mostravaõ rizonhos, couza que se sefizesse a outra pessoa, naõ lhe bastariaõ muytos mil cruzados para pagar as penas, a que chamaõ chais; e finalmente se eu quizesse trazer o navio cheio de gentios me fora couza muyto facil: E o Rey como alcançado de me mandar pedir so tres filhos dos outo que me tinha dado, chegando hum seu filho de 17 annos da caza do Rey do Cabo, que dista de Bissao mais de 80 legoas, onde seu Pay o tinha morado em signal de amizade com que (7) o Rey aonde o mandou buscar; tanto que me significou a duraçaõ dos seus dezejos, o qual fica nesta caza com cinco irmaõs mais pequenos, e o morgado que há muyto tempo dezejava ser christaõ, e terá de idade 25 annos pouco mais ou menos, remeto a V. Magestade nesta monçaõ. Nesta Ilha achei huma couza particular que foi huma molher branca, que athé sobrancelhas, e (8) Texto idêntico nos dois manuscritos. cabellos tinha brancos, sendo filhos (8) de pays pretos, e cazando teve hum filho da cor de seus avós 18. Partidos de Bissao, e fazendo viagem para Cacheo, chegamos a hum sitio que chamaõ Bolé, povo de gentios muyto amigos dos christaõs, e fazendolhe signal para que nos trouxessem agua de que necessitavamos, vieraõ logo, e entre elles hum Mandinga de quem se tinhaõ valido como Sacerdote contra huma guerra que lhe queriaõ fazer huns negros circumvizinhos; e eu o dezenganei, que era Propheta falso, e que valia nada para com o verdadeyro Deos. sua depracaçaõ, e para o confundir, lhe tirei do pescoço huma bolça em que trazia humas cartas diabolicas, de que uzaõ os Mandingas, que saõ huns feiticeyros que estaõ espalhados por toda aquella Costae os Reys gentios os tem em sua caza como Capellaes, e lhes daõ todos os annos tantas peças de escravos; e esta hé a unica naçaõ que escreve huns mal formados caracteres em que dizem sempre o mesmo, sem novidade, e gastaõ nisto tanto papel, que hé esta para com elles a fazenda de mais estimaçaõ.
19.Chegando a Cacheo a 2 de Mayo, logo no seguinte dia lancei a Vizita, em que me detive 10 dias; préguei 6 ou 7 sermoes: chrismei a 700 almas, que tem aquella povoaçaõ,cazaraõ 14 pessoas que viviaõ escandalozamente, e se dezataraõ alguns nós cegos de outras pessoas que f9raõ comprehendidas. Tive pena de ver que a Igreja daquela povoaçaõ necessita de novos dispendios, tendo-se feito tantos nella no tempo do meu antecessor, porque fazendose a Igreja larga, naõ pedras grossas para as paredes, naõ poderão estas ter maõ no emmadeiramento, e foi forçoso tirar a telha, e cobrilla de palha, e agora trato de sua reedificaçaõ; V. Magestade se compadeça desta Caza de Deos com alguns barris de pregos, e <luzias de taboado, que eu naõ tenho com que acodir a tanto. Mas se tive esta pena, também tive huma grande consolaçaõ de fazer cessar o mayor escandalo que delgados eu digo minha culpa, andava com os olhos buscando hum mais grosso, que me pudesse sustentar, e estando ali por espaço de duas horas, que durou a tempestade com grandissimo vento, trovoês, e chuva, fazendo nossas deprecaçoes, o Deos que nos pennitio o trabalho, nos comunicou logo o alivio, pois em menos de tres horas chegamos a Cacheo com o Rio quieto, e o vento prospero.
22.Chegados a Cacheo a 23 de Mayo, no sabbado seguinte, que era vespera do Espirito Santo, me deu a primeyra febre, sem embargo da qual no dia seguinte dice Missa, e préguei; na primeyra octava repetio a febre com mais força, porem no seguinte dia, ainda que naõ pude dizer Missa, chrismei a mais de 80 pessoas, huãs que tinhaõ (9) de suas viages, e outras que voltaraõ vendo a minha dissimulaçaõ desde a terra de gentio para onde se tinhaõ ausentado com temor do castigo imaginado da vizita; e saindo desta chrisma muyto debilitado por cauza das febres passadas, se augmentaraõ estas de maneyra, que me tiveraõ na cama por muytos dias com onze sangrias, e fiquei taõ atenuado, que ategora naõ dice Missa com a summa fraqueza em que me acho. O meu Arcediago taõbem levou dez sangrias~ e naõ escapou o Meyrinho Geral, e o nosso pagem, que naõ levassem quantidade dellas, ne.m foi para menos os sois rijos, suores quotidianos, aguas differentes, e outros trabalhos, que no mar, na terra, e viages por aqueUes Rios padeceraõ todos; mas resplandeceo a piedade de Deos em nos dar a doença a todos na povoaçaõ de Cacheo, e despois de acabar a Vizita, e a tempo que estivemos capazes, e ainda que muyto fracos, de embarcar para a Ilha.
23. Nestes dias que me detive em Cacheo me veyo ao hospicio o fidalgo principal de Bobol, que he huma povoaçaõ que está junto á barra na boca do Rio de S. Domingos, trazendo em sua companhia outros gentios, e dous christaõs, que vivem entre elles feitos hereges, e me propuzeraõ que lhe desse algum padre, porque queriaõ fazer huma Igreja no seu Povo, e bautizante (10). Reprehendi aos dous pretos prevericados, e recebi com amor aos gentios; pratiqueilhe alguns Misterios de nossa Santa Feé, e ficamos concordados que para o anno que vem, lhe mandaria Sacerdote que lhes assistisse, e os catequizasse. Trazia este fidalgo por insígnia dous dentes pequenos, que diziaõ ser de balea, attados em o braço direyto; porem tanto que lhe dice, que naõ era bem trazer signal de gentio, quem mostrava vontade de ser christaõ, com grande pressa os tirou logo, e mos entreguou, e dandolhe eu hü pano para se cubrir, se despediraõ consollados.
24Neste mesmo tempo me denunciaraõ, que hum branco de Cacheo, querendo-se jactar de rico, e tirar da aljubeira hum lenço com huns reais de ouro, tirou inadvertidamente junto com o lenço duas nominas de Mandigas. Fis auto, e sendo provado o crime, foi chamado, arrependido, absolto, e fez termos de emmenda, e entregando em primeyro lugar as diabolicas bolças, as quais em companhia de outras, e das de semente de fetaõ que trouxe da Geba, vaõ todas remetidas nesta ocaziaõ ao Tribunal do Santo Officio.
25. Finalmente, deixados outros sucessos particulares acontecidos nesta Vizita, por naõ fazer dillatada esta narraçaõ, depois de dadas leis, e varios capitulos da Vizita a todas aquellas Igrejas, porque as naõ tinhaõ, exhortado os Parrochos a que dessem bom exemplo, naõ só aos christaõs, mas ainda aos gentios, chegou a vespera de S. loaõ, em que partimos de Cacheo; porem como a nao caravella trazia mais de 350 pessoas, e vinha empachada (11). Embarquei com o meu Arcediago em ·huã canoa em que viemos athé á povoaçaõ de Bolo: e como a nao caravella se dillatasse dous dias, estes me dilatei naquella pobre fortaleza, aonde logo concorreo a maior parte dos Falupos daquella povoaçaõ a repetir a petiçaõ que me tinhaõ feitem Cacheo, e eu lhe ratifiquei a promessa de lhe mandar Sacerdote na primeyra ocaziaõ, pois o naõ tinha de prezente; ftzeraõ bailhes de rannos balancias, e o peixe que tinhaõ pescado em aquela manhaã nas suas garnboas (12), e ficaraõ alegres, e contentes; e embarcandome em a nao caravella que já estava em o principio da barra com.feliz sucesso, sem embargo de experimentarmos nella tres trovoadas, e com treze dias de feliz viagem (que a naõ ser taõ ditoza se experimentariaõ grandes· damnos pela muyta gente, e carga que trazia a embarcaçaõ) a seis deste mes de Julho chegamos a esta Ilha, aonde tratamos agora de dar satisfaçaõ aos votos que fizemos na ocaziaõ dos nossos trabalhos.
26. Vltimamente, Senhor, o que posso dizer a V. Magestade hé, que se aquella gentilidade se naõ converte toda hé por falta de Ministros Evangelicos, que se entraraõ em Guiné tantos Sacerdotes, quantas barras de ferro entraõ, hé creo que todos aquelles gentios seriaõ christaõs, e para que V. Magestade se compadeça mais daquellas pobres almas, que estaõ pedindo o paõ da Doutrina Christaã, e naõ há quem lho reparta, saiba que todo aquelle gentilismo naõ reputa por brancos se naõ aos Portuguezes, fazendo differença destes entre todas as Naçoes do Norte por mais branco que seja, e tratando muytas povoaçoes de gentios por muytos annos com estrangeiros, nem por isso falia nenhuma a sua lingua; e se se apartaõ da materna, somente pronunciaõ a nossa Portugueza, como se pode experimentar neste primogenito de1Rey de Bissao, que nesta ocaziaõ remeto para beijar os peés a V. Magestade; o que parece prognostico evidenteque V. Magestade, e Sua Real descendencia hade ser o Monarcha daquelle dillatado Imperio; e como naõ só muytos Povos de gentios, mas christaõs que vivem na Serra Leoa, no Rio de Ponga, no Rio de Nuno, no Rio Grande, em Guinalá, e em Iame pedem Sacerdotes que lhes assistaõ, e eu naõ tenho mais do que os que precisamente saõ necessarios para conservaçaõ das Parrochias antigas: Ministros Senhor, e mais Ministros, e logo se colherá daquella seara cupiozissimo fruto, que rezulte em grande gloria de Deos, e merecimento grande de V. Magestade, que Deos me guarde por dillatados, e fetices ànnos. //
Ilha de S. Tiago 25 de luJho de 1694.
BUC-Ms. 620, fls. 266-274v., que se publica. Tem por epígrafe: CARTA 1 Do Bispo. de Cabo Verde D. Fr. Victoriano Portuense para S. Mag. ElRey I D. Pedro II em que dá conta da Missaõ,e vizita do Sertaõ, Cacheo, e  Reyno de Bissáo.
Ms. 504, fls. 204-207v. Epígrafe idêntica.
NOTA - Publicada por António Joaquim Dias, in Boletim Mensal das Missões Franciscanas e da Ordem Terceira, Braga, 1937 (XXX), pp. 19-25, Glórias Missionárias da nossa história, e por A. Teixeira da Mota, in As Viagens do Bispo D. Frei Vitoriano Portuense à Guiné e a Cristianização dos Reis de
Bissau, Lisboa, 1974, pp. 67 e sgs.
(1) Ilha de Santiago
(2) Julgamos tratar·se do cónego ANTÓNIO SOARES VIEIRA ANTÓNIO SOARES VIEIRA, por promoção de GONÇALO COELHO JARDIM, foi apresentado ao Bispo para o cargo de Arcediago, por carta régia de 23-9-1680. ATT - Chancelaria da Ordem de Cristo, liv. 69, fl. 276. Por outro lado, por carta régia de 6-10-1704 é apresentado para o arcediagado o PADRE LUIS DE ARAÚJO, por promoção do "último possuidor" o CÓNEGO SOARES VIEIRA Entre Setembro de 1680 e Outubro de 1704 não há noticia de outro arcediago na Sé de Cabo Verde. ANTT -Ibidem, liv. 94, tl. 201. 
() Leia: Mandingas.
(5) Solfejo, música escrita.
(6) Voz de soprano.
(7) Macaréos
(8) Texto idêntico nos dois manuscritos
(9) Leia: filha
(10) Texto idêntico nos dois manuscritos. Parece ser: vinhaõ de suas viages
(11) Texto idêntico nos dois manuscritos.
(12) Sobrecarregada, demasiado cheia.
(13) Esteiros, criados pelo fluxo e refluxo das águas.
1694/07/29
CARTA DE D. FREI VITORIANO PORTUENSE A SUA MAJESTADE EL-REI (29-7-1694)
SUMÁRIO- Tendo visitado recentemente a sua diocese, dá conta a el-Rei de alguns casos que se lhe depararam: um rapaz que na Guiné fugia dele por ter morto dez ou doze escravos seus cristaos, em Santiago um senhor matou o seu escravo com açoites até que morreu.Não se tem nenhum respeito ao governador. – Os [ .. ] não cumprem seus regimentos, de outro modo não haveria tantos homens casados desligados de suas mulheres.
Senhor
Em os primeiros annos da minha rezidencia neste Bispado, me fez V. Mag.de merçê mandar escreuer algumas cartas, em que me encomendaua que lhe desse parte de quaisquer couzas que uisse dezemcaminhadas. Recomendação do uerdadeiro Monarcha que dezeia a conseruação dos seus estados; e como este anno accabey de uezitar o Bispado todo, e me sinto com alguns Conejos da morte (?), quero dar parte a V. Mag.de de algumas couzas, leuado só do zello e amor que tenho a V. Mag. de, não para q. se castiguê as culpas passadas, mas pera q. se euitem os damnos futuros.
Achei a hum mosso en Guiné q. com rezão fugio de mim, ou porque conheço ij. não merecia ser uisto, ou porque temeo o castigo do seo peccado, o qual mandou matar em sua prezença a dez, ou doze escrauos seus e christaons, com varios generos de morte terriueis, e hum delles queimou vivo vestido com huma camiza de alcatrão, isto só pella prezunpção q. tinha cpntra os escrauos, de q. erão feiticeiros e intentauão de o matar.
Nesta Ilha acontecerão o anno passado outo, ou nove mortes atrozes, e hum Senhor ao escrauo unico q. tinha, lhe lhe deo tantos açoutes athé q. debaixo delles morreo; e nenhu destes matadores athé gora foi prezo, nem castigado.
Ha dous annos veyo hum a mulher das Ilhas de Barlavento, pelo crime de matar seu marido, e estando outra molher sentenceada a degredo por matar a huma negra; nenhuma delas está na cadeya, e ambas em suas cazas; a dita cadeya está rota sem hauer zello pera se concertar, com que se tem perdido o temor à Justissa, cada hum faz o que quer.
Ao Gouemador senão tem nenhum respeito, e dizem q. por fazer uenaes os officios se reformarão os brancos honrrados, e serue os portos a escoria da Ilha. Por conueniencia propria tem o dito Gouemador metido em cabessa a Paulo Cardozo, filho natural de hum Gouemador q. aqui foi, para q. pertenda o gouemo desta Ilha, e pera o dispor o fez Commissario de Caualaria, posto desnecessario, que nunqua houue, e o tal homê não serue pera Gouemador porque hé parcial, e de huma parte tem parentes porque foi cazado nesta Ilha, e da outra emulos.
En Cacheo ouuy muitas queixas sobre a fazenda da Companhia, e Certeficão os moradores que uem falcificada, as barras mui diminutas e os massos de contas, com alguns rnilheyros menos, e tudo leuantado no preço, e q. Jhe metem à força em caza muitas drogas que não tem nenhuma saida no contrato; o q. sey hé q. a todos aqueles habitadores de Guiné achey pobrissimos.
Fez V. Mag. de agora capitam mor de Cacheo a SANCHES DE VIDIGAL CASTANHO, o qual justamente hé feitor da fazenda; este homem está muy empenhado, as diuidas são excessivas, e se hoje morresse já V. Mag.de perderia muyto da sua real fazenda; mas como tem nessa corte· quem por seus interesses proprios o adianta, não reparão en estar mal parada a fazenda Real; Mandelhe V. Mag. de Feitor.
A Cacheo se passão muitos cazados desta Ilha, e da do Fogo, e descuidados da obrigação do matrimonio, uivem por lá annos esquesidos, buscando outras Molheres, e ellas por cà pola larga abzencia, se ocupão com outros homens; e regulannente estes cazados morrem lá no matto ás maons dos gentios, pera os herdarem e pola mayor parte excomungados, como alem de outros succedeo este anno, e os dous passados a tres cazados da Ilha do Fogo, e a outros desta ilha; e se o Gouemador dela fizesse suà obrigação mandando para Cacheo estes vadios, q. nunqua entrão de guarda, e o Capitão mor de Cacheo fizesse o. q deue, e V. Mag.de lhe manda no seu Regimento, de q. procurem os homens cazados e os remeta para suas molheres, não estiuera Guiné tão povoada delles; este anno trouxe outo comigo, e p.or trazer hum que estaua Já há muitos annos, foi necessario pagar por elle quarenta e tantos mil reis. Por hora isto hé do q. faz escrupulo a minha consciencia, e o refiro porque me parece q. o calallo seria offença a Deos êj. guarde a V. Mag.de e o tenha sempre em sua diuina graça.
Ribeira Grande, 29 de Julho de 1694.
FR. VICTORIANO PORTUENSE
Bispo de S. Tiago
AHC - Cabo Verde - Cx. 8.
1694/08/?
NOTÍCIA DA INTRODUÇÃO DA FÉ NA ILHA DE BISSAU (Agosto -  (?)-1694)
SUMÁRIO - Modos propostos para evangelizar os gentios de Bissau e expulsa rpacificamente os estrangeiros que iam comerciar à Guiné.
Senhor
Desejando, com particular e santo affecto a pia, e christiannissima pessoa de V. Magestade hay tanttos tempos, a introducçam á Fé uerdadeira de Christo Senhor Nosso no gentio da ilha de Biçao, & tendo pedido para este tam importante seruiço de Deos vareas informaçoes daquellas partes & tatues immaginando muitas ueses, o como daria fim a este particular, & nam sendo possiuel achar legitima rezam de o executar sa]uo pellas armas da Igreja Catholica, e mostrando como deuemos considerar o pio zelo de V. Magestade particular sentimento de nam conseguir tam grandissimo bem, como o de ganhar tantas mil almas para o Altíssimo, & uerdadeiro Creador Nosso, & estando finalmente com a penosa consideraçam deste pensamento, lhe quiz a V. Magestade este Senhor, que se nam descuida em abundar com sua misericordia, sabedoria e infinita omnipotencia, a exaltaçam de nossa Fé Catholic~ e de encher de grassas aos Monarcas
Christaõs que por ella trabalham, quando mais desconfiado desta empreza, facilitar a boa execuçam della, por meyo de hum tam graue, e exemplar Menistro de Deos, Sagrado Missionayro, que indignos tiuemos.·nesta (como paresse) a ultima das cidades; & teue também V. Magestade, como feliz & uenturoso, entre os Catholicos Princepes, Reizes e Senhores nossos de Portugal: que á custa de tantos trabalhos, perigos, e doensas; soube hir com tam grande feruor de espírito, & fé uerdadeira, arriscar a uida por ganhar almas para Deos, obrado este diuino Senhor por seus meritos, milagres dignos de reparo, quedeixo em sillencio, thé que a fama de sua uertude os publique; sendo finalmente o angelico Embaixador de Deos, que a V. Magestade soube facilitarlhe o caminho de tanta gloria, quanta este Senhor lhe tem preparada, execcutando a feliz empresa de que só deue tratar, encaminhando este particular na forma seguinte: segundo o pareser da minha experiencia, que subjeito ao melhor de V. Magestade, cuja Monarquia nos guarde Deos para o amparo e augmento de nossa santta Fé, & gloria de seus uassallos.
Primeiramente a ilha grande de Biçao, conforme se uê por sua demarcaçam, tem melhor entrada que o nosso rio de S. Domingos de Cacheu para a nauegaçaõ de quaesquer grandes embarcaço~s; hé em sy naturalmente sadia, e abundante de mantimentos: hé o seu porto jeral sorgidouro de todos os rios de honde commummente se tiram os melhores e mayor quantidade de generos de Guiné, marfim, ouro, sera e escrauos, como sam: Rio GrandeRio do Nuno, de Guinalá, da Deponga, da Geba, dos Bijagós, da Serra Lehoa, &ª Nesta Jlha sentaram os Franceses, como V. Magestade já teria noticia, caza de negoçeo, como huma Companhia Real de França, da qual uieram buscar seu porto, & assistencia, para que com mais facilidade commerçearem com os nossos moradores de todos os rios assima nomeados, e por estes tambem com os gentios de dittos rios; de bonde tambem costumaram a hirem fazer suas entradas, em o nosso de Sam Domingos, e Prassa de Cacheu; & como nam acharam resistencia alguma na ditta Ilha se nam occuparam em fortificarse nella (a vulgar entender) ou porque como nella estauam moradores nossos, & com elles precizamente hauia de ser a sua commerçiaçam, e por elles com o gentio; e na mesma forma hauiam também commerçear pellas pouoaçoês dos mais rios: sem embargo de que, quando quiseram prinçipar o ditto negoçeo uieram (como hé patente) apprestados de matereaes para fazerem fortaleza, & pouoaçam: de que deicharam na ditta Ilha enterrada cantidade de cal, que hinda hoje se acha.
Nam há duuida que por cauza de grandes perdas que tiueram, e morte de seus admenistradores, e assaltos do lngles, se diuertiram, e fizeram leuantamento da Mayor parte do ditto negoçeo da Companhia Real; mas sempre frenquentaram a ditta Ilha com negoçeaçam particular, como se uio em o anno proximo passado de 1693, em que entrou em ditto porto o françês, e tirou duzentos e tantos quintaes de marfim em pouco tempo, dos nossos moradores, & gentios nossos amigos, com bem pouco temor das Leis de V. Magestade, & castigos que lhe hauia dado o sendicante Manoel Lopes Barros, o que algum dia terá emmenda, execcutandose a particular de que tratamos, e como tambem se uio neste prezente anno de 1694, em que entrou em ditto porto outro ditto françês, e tirou trezentas pessas de escrauos ' em menos de dous mezes, com que passou para Indias; e de prezente na nossa sabida de Cacheu, ficaua tambem em ditto porto hum nauio inglez fazendo negoçeo.
Hé sem duuida do nosso uenerauel Bispo e sagrado missionairo, approua o ter grande amizade com nossos moradores o Rey de Biçao, & ser notauelmente assim ditto como todo o gentio desta Ilha, particularmente inclinados a nossos portuguezes, como a largaexperiencia nos tem mostrado,. e que summamente dezeja ser christaõ, e que todos seus uassallos o sejam; e que finalmente se dispõe a effeituallo tomando ditto venerai Bispo com segunda missam, pedindo tempo para se dispor para o tal Sacramento.
Tambem a experiencia nos· tem mostrado, e presentemente / justifica ditto Senhor que este Rey dezejou sempre que V. Magestade fizesse na ditta Ilha casa forte, como se fez huma pequena fortaleza em tempo de Antonio de Barros Bezerrade tam pouca seruentia e deffençam, que nunca se respeitou, por falta de cabo, artelharia e sustentaçam de officiaes e alguns soldados, thé que de prezente se acha dignificada(sic), e sem resistencia alguma, para que tendo V. Magestade fortaleza em ditta Ilha como a de Cacheo, tiuessem elle ditto Rey e seus pouos tambem negoçeaçam larga comnosco; de sorte que se pudesem liurar de hauer mister os estrangeiros a quem nam nomeyam por brancos como a nós, e lhe dam diuerso titulo, o que entendemos ser: por ter tido de nós mais antigo conhecimento e melhor amistade, como porque o françês se tem hauido mal com elle, como foy em tempo da Companhia Real de França sobre certa palaura que tiueream, lhe botou o françês gente em terra armada, e dando sobre elle ditto Rey e gentio lhe lhe ficaram notaueis ignominias, de que hinda hoje se mostram pouco amigaueis.
Pello que ditto Rey, e seus pouos (com tambem se justifica, e temos conhesido de seu dezejo, e uontade que mostra o queremos na sua terra) se offeressem a que mandando V. Magestade fazer ditta fortalleza e casa forte, capaz de deffençam da nossa pouoaçam, nos darem poder de suas gentes a que em qualquer rebatte nos acudam, como se fossem infantes, pagos por nossa fazenda, como ditto Rey offerese para a magnifactura da ditta fortaleza, canoas e gente para todo o neçessario; á vista de que, seguese só, dispor V. Magestade os dous particulares, de que tratamos, como o da introduçam da fé neste gentio, que hé a particular, e o da expulçam do estrangeiro, nesta forma.
1. Mandando V. Magestade nauio conueniente, e em que uam doze . pessas de arteJaria com suas carretas, e petrexos, de calidade conueniente, com poluora, baila, murram qué neçessario pareser, sem annas de fogo boas que se poderam reformar pelo espingardeiro que na Ilha temos; ferramenta de pedreiro e carpinteiro, que precisamente for neçessaria, dez ou doze barras de ferro para pregos, ou a ferrajem que neçessaria for. Algum taboado grosso e serrado, telha e tejollo que baste para huma casa que si rua de armazem das moniçoês, eprassa de armas, e o que mais precizo for appontareis; disposto isto.
2. Prouerá V. Magestade de Cappitam mór a pessoa inteligente para este menisterio: aduertindo que importa muito, tenha experiencia do tratto deste gentio: o qual nomee seu alferes tenente e sargento, e sogeito capaz de entender na artheJaria para lá nam fazer tanto dispendio; hauerá em Cacheo quem sirua com nomeaçam do ditto Cappitam mór; e criado este ditto Cappitam mór se lhe entregaram as dittas moniçoês, e matereaes assima dittos; com mais quatro liuros rubricados por qualquer menistro do Conselho Ultramarino, para reçeita, despesa, Rezisto e matricula; ·para que chegado que seja á ditta Ilha elleja hum morador nosso a quem nomee, e encarregue e a occupaçam de feitor da real fazenda de V. Magestade e da mesma fonna fassa e crie sogeito capaz, e fiel que possa seruir de escriuam, da ditta fazenda; os quaes dittos officiaes juntos com ditto Cappitam mór ellegeram hum guarda para os nauios ou lançhas de nossos moradores que a ditto porto uierem, donde se rezistaram, & despacharam por dittos officiaes, e em tudo guardaram dittos officiaes o regimento de V. Magestade, que ditto Cappitam mór mandará uir da nossa alfandega de Cacheo, assim e da maneira que V. Magestade hordenar, ou nouamente for neçessario fazer: o qual Cappitam mór terá tambem o cargo de ouuidor, como o tem agora o Cappitam mór Cacheo, por ser precizo; e hauerá ditto Cappitam mór, e officiaes, e alguns soldados que possiuelmente puder V. Magestade mandar os soldos que possiueis forem, ou V. Magestade quizer dispor nestas partes dous annos, thé que hauendo rendimento na ditta alfandega, tenham e hajam os mesmos que na prassa de Cacheu gozam os cabos e officiaes della, &.ª
3. Poderá V. Magestade hordenar: que os enteressados na Companhia de Cabo Uerde e Cacheo (sendo-lhe neçessairo) metam em ditta Ilha cabedaes, de que tirem taluez melhores interesses que da ditta prassa de Cacheo podem tirar; como se mostrará pellas rezo~s ao diante declaradas; e quando dittos interessados nam uenham neste ajuste, haueram sogeitos que queiram meter fazendas na ditta Ilha; a quem V. Magestade fará as mesmas franquezas que á ditta Companhia faz; para que com este interesse tenham melhor uontade de terem commerçeaçam nesta Ilha, a qual emporta muyto a haja, e melhor sendo nesta nossa creaçam.
4. Poderá o ditto nauio ter bastante carga para a Ilha de Santiago, por nam hir só occupado com dittos petrechos, e materiaes, quando a Companhia nam uenha em ter negoçeo na ditta noua prassa, ou outros quaesquer particulares, que nam poderam faltar hauendo as franquezas assim dittas; & da mesma sorte terá tambem carga para este prezente anno de ficar muita carga de sera, marfim e escrauos aos particulares, e moradores da ditta pouoaçam por falta de nauio, por se nam meter este anno em dittas viagens mais que hwna carauella, o que tambem hé causa, por esta falta, de nam serem largos os negoçeos e commerçeaço~s de Cacheo, e mostramos a experiençia serta que tanto que haja a expulçam de nossos rios ao estrangeiro, precisamente seram neçessairos dous outros nauios nesta , carreira, porque para todos abundará carga; e a causa porque fallo nesta condissam amfibologicamente darey rezam sendo neçessairo.
5. Poderá partir ditto nauio em tempo abil, para que leuando dittos materiaes, e petrechos e fazendas da Companhia ou quasquer outras de nouos enteresados, ou particulares, possa chegar á Ilha de Santiago tomar alguma roupa, & principalmente ao nosso uenerauel missionairo, para cuja companhia e ajuda poderam hir tambem desta cidade os Religiozos e Saçerdotes que possiuel for (a quem nam faltaram occazioes de grandes mereçimentos para com Deos) e hindo nesta forma, bem emcaminhado este seruisso de N. Senhor com esta principal preuençam, e emportante soccorro, possa chegar ditto nauio á Ilha de Biçao a tempo conueniente em que se possa entender na magnifactura de nosso intento, para que esteja executado a tempo • que chegando o françês ou estrangeiro, ache a principal resistência feita; que segundo sua nauegaçam, he o principio de suas entradas, em nouembro; para o que tambern será neçessairo aduertirse que ditto Cappitam mór se aja com particular expediçam de ditta magnifactura.
6. Logo que chegado seja com bem, a saluamento a ditto porto ditto nauio, saltando em terra o Cappitam mór, buscãdo primeiro ao Rey, e proposta a resoluçam de V. Magestade, hauendose com ditto Rey e seus fidalgos, e mais gente com muita affauelidade, e sendo pessoa que saya falarlhes melhor, pedindo lhe licença, tendo também assentado com ditto Rey e seus fidalgos alguma fonna capitular de amistades (parsendolhe a V. Magestade) que será conueniente a respeito de nos nam obrigarem a pagarmolhes as dattas & alcauallas que em Cacheo estamos pagando, tanto pello dispendio da fazenda de V. Magestade, como os mestres dos nauios, & ainda nós os moradores ou assistentes em ditta prassa: saluo sosmentes, fazendo-se ao ditto Rey em cada anno ou monçam de nauio, aquelle mimo que V. Magestade for seruido; e sobre estes particulares disporá o pareser de V. Magestade, e sendo neçessairo darey noticia do que uzamos em Cacheo: para se poder emtender nelles.
7; Feita esta dilligencia fará muito ditto Cappitam mór para que com sua assistencia se lançe em terra ditta artelharia, petrechos, moniçoês & materiaes; & com affabe1idade com dittos gentios, e largueza que possiuel for, dará principio a hum balluarte grande sobre a entrada da nossa pouoaçam e dentro de sua platafonna leuantará huma casa de pedra e cal, telhada, que se apponta na condissam primeira e caualgarã em ditta platafonna outo pessas; e podendo ser logo, entenderá na repairaçam do baluarte. que se fez no tempo de Antonio de Bairros, para que com as pessas que tiuer da parte em que está, hauendo occasiam, tenha alguã resistencia.
8. Logo que ditto baluarte e casa forte estiuer findado, e guarnecido, passará ditto Cappitam mór á Ilheta que fica tiro de falcam fronteira ao nosso porto, sentará contra ditto porto hum baluarte na mais alta paragem ou conueniente lugar que ditta Ilha tiuer, em que porá quatro pessas de artelharia com hum cabo, a quem entregará dez ou doze armas de fogo com as moniçoes conuenientes, e tres ou quatro soldados de satisfaçam, a quem encarregará das uegias neçessairas; e terá ditto Cappitam mór particular cuidado, de mandar premudar dittos soldados no tempo conueniente; como tambem de que em apparesendo uella se mettam os soldados ou gente possiuel em ditto balluarte para que se conhessa a vigilancia e cautella nossa:& tambem será neçessairo que ditto Cappitam mór se haja com sagacidade e afabelidade com nossos moradores, e gentes que o Rey nos der: nestes particulares, digo nesta occasiões. Como ainda também com os nossos escrauos, e gorumettes, sabendolhes grandgear as uontades em o principio para bom fim.
9. Dado caso que chegando ditto Cappitam á Ilha de Biçao, e nella ache nauio françês fazendo negoçeo, se hauerá com cautela em o dezembarque dos materiaes, e moniçoes: e o melhor será rezoluer o como se deue hauer neste particular com ditto ou ditos françeses, porque se presume sahirem este anno com tençam de virem ao mesmo effeito: e sendo neçessairo enformareis da prezumpçam.
10. Feittas a casa forte e baluarte do Ilheo chamará ditto Cappitam mór á ditta casa forte aos nossos moradores e lhes proporá as hordens que de V. Magestade leuará para que se liurem de cahirem em a tentaçam de negoçearem com dittos estrangeirosintimandolhes as pennas que tem os que semelhante cazo obram: sendo também aduertido ditto Cappitam mór de que assente com ditto Rey o que neste particular emporta, que V. Magestade tambem disporá; e na mesma forma mandará intimar dittas hordens aos nossos moradores dos rios atrás declarados, e aos que em ditt-0 porto uierem despachar; & finalmente se disporá tudo na melhor forma que V. Magestade for seruido mandar, examinandose todo o precizo que neçessairo for, em que se poderá entender com mais largueza, com a felicidade que na diuina bondade de Deos esperamos, & com o patrocino de Sua Mãy e Seihora da Conceiçam. &ª.
Feyta finalmente ditta fortaleza e casa forte e criada nouamente huma tam neçessaira prassa e seu gouerno,como esta, e metendose nella a negoçeaçam assima ditta pella Companhia ou particulares dos generos que apontarey sam principaes para estes rios, será tam cultiuada e frequentada de naturaes e moradores nossos e todos estes dittos rios sercumuezinhos, que em breue tempo será igual e hinda mais populosa que a de Cacheu, porque hé legitimamente sadia, porto jeral de todos os rios nomeados, de bonde com menos trabalho se commerçea com todos os gentios destas partes, e hé sem duuida que hauendo nesta Ilha a tal comerçeaçam com os mesmos generos que o estrangeiro costuma leuar, e com moderaçam nos pressos, todos ditos moradores desta Ilha abundando nella o negoçeo fabricaram de nouo muitas embarcaçoês, sem embargo das que hay; poes temos aquy officiaes, gorumetes, & abundançia de madeiras; e hé serto que os mesmos moradores, Rey e gentio, annellam este particular por se liurarem de dependerem de estrangeiro pellas faltas que padessem do que lhe hé nessessairo, poes nam chega a abundarlhe a fazenda que a Companhia mette em Cacheo,&.ª
Nam faz duuida que hé muito neçessairo ser de modo que se apponta a commerçeaçam com este Rey e suas gentes, e magnifactura da fortaleza, introducçam do gentio á Christandade; porque por este modo se dezenganará o estrangeiro de nam hir commerçear a esta Ilha, que corno chaue dos mais rios abunda em tanto negoçeo; e de serto que dittos estrangeiros nam tem que fazer com os gentios, fatalmente os nossos moradores que sam os que os admitem a negoçear com elles; como tambem se deue julgar que dittos nossos moradores se nam attraueram a fazerem huma nem outra cousa á vista de hum seu Cappitam mór e gouernador, sendo cabo a quem respeitem e temam; sendo da mesma sorte o gentio desta Ilha principalmente hauendose tratado deste particular na forma neçessaira, com seu Rey no pacto que com elle ajustarmos, que na condissam 6. aponto (sendo muito preciza esta), e nesta forma com tam facil remedio se expulsaram aos estrangeiros, dezenganados desta pertençam, o que sendo- por outro caminho, se padeceria alguma notaual ruina.
Hé seu duuida tambem util esta noua commerçeaçam nesta Ilha, e expulsam dos estrangeiro para a sustentaçam da prassa de Cacheu; porque logo que a haja uiram á ditta Ilha os moradores e embarcaço~s de ditta prassa, a buscar os generos de que neçessitarem, e hindo negoçear por dittos rios hiram a despachar á sua pouoaçam, e nam teram lugar, de uir della a negociará ditta Ilha com estrangeiro, e com sua fazenda hir por dittos rios resgatar os nossos generos, e tornallos a uender a ditto estrangeiro; e com esta deprauaçam e medo do seu do seu Cappitam mór de Cacheu, se deicharem enuemar por dittos rios e handarem como levantados (como temos conhecido de uarios sogeitos) mas antes estes mesmos, por serem dittos rios sircumuezinhos a esta Ilha se hiram logo delles para ditta sua prassa, e leuaram a ella o que leuauaõ ao estrangeiro. E conhecendo finalmente V. Magestade daquy o grande proueito e bem commum de sua republica e alfandega de Cabo Uerde, e ahinda á desta Corte, pellas cantidades de géneros e direitos que accressenta, & se pode considerar juntamente, que faltando o estrangeiro, será tam larga a commerçeaçam de Cabouerde e Cacheo, que auantejará no proueito a outra Conquista, de que V. Magestade faz taluez mayor conta, o que sendo neçessairo mostrarey por experiencia propria destas partes, deue nam experdissar a occaziam tam feliz que a summa bondade lhe offeresse e mais quando esta (sendo tam dezejada de V. Magestade) de tam emportante, e effectuada na terra por hum esperito do ceo: base em que deue V. Magestade fundar toda a boa esperança, assim da glorea deste triumpho, como da celesteal, que aparelhada lhe es pello grande animo, & dispendio, com que se hay no santo seruiço de Deos e exaltaçam de sua fé Catholica. &.ª
Notiçia para V. Magestade uer
O Escriuam da Fazenda Real da Prassa de Cacheu
Francisco Cordeiro Santos
AHU - Guiné, cx. 3, doc. 229.
1694/10/06
CARTA (minuta) dos interessados na Companhia de Cabo Verde e Cacheu ao rei [D. Pedro II] solicitando escusa no encargo com o presídio de Bissau e o transporte de pessoas, materiais, infantaria e o que mais fosse preciso, em virtude da despesa que tinham na ilha do Príncipe; enumerando os géneros necessários em Bissau e as suas avaliações na alfândega.
Anexo: relações e escrito.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 106 e 107.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 218.
1694/10/08
CARTA DE FREI FRANCISCO DA GUARDA A EL-REI D. PEDRO II
(8-l0-1694)
SUMÁRIO - Relance sobre a Guiné e seus problemas, habitantes e comércio que praticavam, com nacionais e estrangetl'os.
Senhor
Como vaçallo de V. Real Magestade que Deos guarde, de Prouincia tam fauorecida, como obrigada á sua real grandesa, dou as seguintes noticias, que V. Real Magestade manda, com senceridade de intençaõ, e com a uerdade, que no mais ueridico acto, que hé o do Sacramento, o faria, porque os Reis da terra, com igual uerdade que o do Ceo, se deuem tratar, e em matérias graues seria execrando crime, qualquer desuio da uerdade.
Com experiencia dez annos passados nos Rios de Guinéuj o irrecuperauel dano que sua real fazenda recebe da entrada lá de estrangeiros, sendo estes descobertos pelo Senhor lfante D. Henrique, que em santa gloria está, e sempre pelos Auós de V. Real Magestade pacifiquamente possuidos, he a causa dos presentes males o deuirtido das forças de V. Real Magestade em tantas Conquistas, o poder dos estrangeiros, nauios, annas, soldados, generos, actiuidade, jndustria, com que uadeaõ mares, descorrem terras, disfrutandoas com agrauo e perda de seos senhores.
Gouernando a praça de Cacheo os passados annos (eu presente) Joaõ de Sousa Abreo e Lima iá defuncto, e uendo sua passada oppulencia ao summo da miseria redusida, escreueo a V. Real Magestade pello seu Concelho Ultramarino, apontando um de 3 rneos, para o reparo desta roina, e para que a Praça de tantas consequências se não perdesse com o dezemparo de seos moradores, e com buscarem o remedio da uida em outras partes.//
Era o primeiro que V. Real Magestade desse ao menos por alguns annos, entrada franca aos estrangeiros, pois fasião negocio sempre sem uontade de V. Real Magestade e com a perda dos direitos não somente nos rios mais distantes de Cacheo, mas no proprio de S. Domingos fora da artilharia; o 2° que se contratasse com o castelhano que mandasse ao resgate dos pretos ao menos cada anno, a Cacheo; o 3° que se fizesse huã Companhia á imitaçaõ da passada para que metendo seos jntereçados bastantes generos em Guiné, elles tirassem proueito, os moradores remedio, e V. Real Magestade direitos com que sustentar cabo, officiaes, soldados, atc.4. Sendo 3 os meos do ultimo somente se lançou mão; concedo que seria com grande circunspeçaõ e acertado zello, mas tem a experiencia mostrado ser jnutil, porque a Companhia se queixa de perdas, costeos, fraquos interesses, as alfandegas da ilha e Cacheo estaõ tam pobres, que naõ podem pagar aos filhos da .folha seus soldos; os moradores de Cacheo e mais rios de todo perdidos, e choraõ pellos estrangeiros que lhes leuauaõ bons generos muitos e acomodados, e sobretudo lhos fiauaõ annos e annos.
Hé a causa Senhor de tantos males, mandar esta Companhia cada anno hum pequeno nauio somente a Guiné, por cuja causa este anno, ficou em terra á dita Companhia carga, e aos particulares de S. Thiago couros e pel1es leua o nauio, poucos generos baxos nasustancia, altos no preço e sendo á Guiné cada anno necessarios 30 ou 40V (40.000] barras de ferro, appenas leua 10V (10.000].Acrece á pobreza das alfandegas seruirse V. Magestade de perdoar á Companhia parte dos direitos como de suas cappitulaçoes se uê, com que se deue ponderar o zelo, e desapego de tam grande monarca que se contenta com o titolo de Senhor de Guiné, dando os interesses a mercadores que mal conseruaõ a Conquista.
Deixado por impraticauel este tam arduo ponto de dar entrada a estrangeiros, que ministros de V. Magestade lhe tem dissuadido, teraõ dado efficases resoTs para isso, que naõ dariaõ, se naquelas partes uiuessem algCís dias, em que uiriaõ que assi, ou assi os estrangeiros trasem e leuam carga e negoçeaõ, sem que armas, força ou traça possa ualer ao Capitaõ Mor ou feitor da Real Fazenda; perguntesse a o D. Manoel Lopes Barros, sindicante naquellas partes, a Joseph de Oliueira, a Antonio de Azeuedo Frontoura, que por horas uem chegando, e foi feitor na dita Praça.
Resta agora, Senhor, lançar maõ da occasiaõ presente iá que Deos lhe abre a porta, entre por ella,juitará danos, remediará misérias aos pobres que nestas partes uiuem, será Deos seruido, V. Magestade delle remunerado, como instrumento de tanta gloria sua, que na reduçaõ de tantos milhares de barbaros ao christianismo, e na saluaçaõ de tantas almas, se considera, seraõ V. Real Magestade e seos filhos que Deos prospere, senhores algíl dia, de Guiné na realidade, e não somente no titolo, e por consequencia dos dilatados reinos desta Africa. Pede com afinco o Rey de Bissao a V. Magestade fortalesa no seu porto, cabo, soldados que a presidiem, nauio cada anno com os generos que lá saõ de prestimo, Ministros Euangelicos para a reduçaõ de seos vaçallos, que abraçarem a ley da uida, direy o que sinto com aquella jntelligencia que nesta materia alcanço e com aquella uerdade que V. Real Magestade quer, e manda, e meu habitto pede.
Os nacionaes de Bissao saõ muito domesticos, fieis e carinhosos conosco, como gente que do descobrimento de Guiné, conuerçou sempre portugueses. Tem esta ilha de 20 legoas asima, deue ser tam larga como comprida. Suposto a não andej julgo pello que ui, quando de Cacheo fui com huã lancha a bom andar, auistandoa de menhã; na tarde desembarquej no porto iunto á igreia, que deue ser o meo della; há em o coraçaõ desta ilha grandes matos e tem aruoredos de que neste mesmo porto ui fabricar nauios, tem aruores de que corre . oleo curatiuo, tem muitos elefantes, e como passaõ· a nado os rios, que deuidê a dita ilha das terras circumuesinhas, hé força uerem muito mais ds ditas terras; há onças e outros generos de feras, cobras e muito grandes e uenenosas há tambem. Tem vacas, cabras, galinhas muitas e frutas agrestes; tem dentro dessa ilha ribeiras de agora doce para se poder plantar canas, milho grosso (que o naõ usaõ lá) aruores de toda a casta ettc&Seu sustento desta ilha hé milho, arros, funde, inhames, peixe.
Hé nella Rey principal Bacampolo Có, Paj deste Principe, dá este pose a 6 regulos de seos estados dentro na dita ilha, e naõ somente estes 6 lhe saõ trebutarios, mas quantos Reis há de Cacheo a Bissao de huã e outra parte do Rio, que se anda em quatro dias; todos estes saõ papeis de Bissao com pouca em nenhuma deferença no trato e lingoa, excepto naõ serê tam domesticos, como os da Ilha; há em Bíssao de 400 christaos para sima, e os mais da mesma Ilha, daõ os paes graciosamente os filhos para serem christaõs, mas não querem prouar os ditos paes a que sabe tam santa agoa; ex eo que se baptisa hu rapas fica no poder do padrinho ou parente e naõ toma a casa do paj. E se hé de 8 dias depois dos 3 annos que mama na propria may, corre o mesmo, isto hé, hir para casa do padrinho ou parente christaõ. //
Trataõ os gentios com seos parentes christaõs cõ famialieridade, mas em materia da lei naõ arguem, mas delta sentem mal,aliás naõ teriaõ filhos desta Jei, pois saõ dados pel1os paes, a tempo que os filhos naõ tem uso de resaõ; quando morre christaõ, se a doença o achou em casa de gentio, uaj o dito gentio chamar ao Vigairo pera a administraçaõ dos sacramentos, e quando se enterra o dito christaõ os gentios parentes o acompanhaõ athé á porta da igreja. Occasiaõ ouue no tempo em que neste hospício morauaõ padres castelhanos, no tempo iá de V. Magestade, e como morresse huã molher, baptisada de muitos annos na caza de hü gentio, terra dentro; a trouxeraõ gentios â porta da igreja, e como os ditos padres lhe naõ quisessem dar sepultura eclesiastica por naõ ter frequeantado os sacramentos, auia annos, fiseraõ os ditos ameaços aos ditos padres, tezos cõtudo na sua obrigaçaõ, os gentios deraõ á defunta sepultura dentro da igreja; está a dita igreja sempre aberta, ou por naõ ter fechadura, ou por segura, nunca se uio que le furtassem os gentios, ualia de huapalha.
Tem tanto medo âs cençuras da igreja que a mim me pedia Bacampolo Có, Rey desta Ilh~ sendo Vesitador de Guiné, por D. Fr. Victoriano Portuense, Bispo de São Thiago, uja que na materia de castigar aos christaõs comprehendidos, fisesse eu o que entendesse, mas que me pedia que naõ deixasse na sua terra excessam alguã, por ter ouuido ser coisa roim. 11
Viram estes gentios que no tempo dos ditos castelhanos Capuchinhos, auendo naõ somente negado a absoluiçaõ a certo mosso por obrigaçaõ da quaresma, posta ex cessam para lançar fora a amiga, e euitado da igreja o dito mosso, instigado do demonio, encontrando-se com o padre que seruia de vigairo, puxando de hü traçado lhe disse que se naõ o desescomungaua· que ali lhe auia de cortar a cabeça.
Com effeito instou com o dito padre o absoluesse, e pondolhe iá o traçado na cabeça acodiraõ christaõs e gentios, e lutaraõ de suas maõs, quando por iusto iuiso de Deos na tarde do mesmo dia, este mao christaõ tem com outro home no mesmo lugar resoes, com quem puxou e em cujas maõs acabou miserauelmente auida; de tudo fazem os gentios obseruaçaõ para o temor, Deos os traga ao conhecimento de sua bondade.
Se a estes barbaros dessem os alguã roupinh~ chapeo, faqua ou cousa semelhante, o leuariamos sem duuida com tam fraqua prisam onde quisessemossaõ naturalmente muito pegados a qualquer pequeno interesse, mas de qualquer coisita pequena se pagam, sendo tam briosos na fidalguia~ tem baixos pensamentos por ser humildes no aseitar. Nam conhesem estes a Deos, nem ao diabo, não sabem que á gloria ou pena da outra ui da, nada cudam, sendo que se preparaõ com frutto para ella, porque no enterro todos saõ grandiosos; o Rey leua caualo e criados em cantidade á sepultura, enterrando com elle muitos criados, e criadas, e alglls com muito gostoOs carneiros ou iasigos saõ debaxo do chão, paramentados de bons pannos a que na uida pouparaõ; o Rey e Jagras leuaõ peças de ouro, que aproveita para si, quem pera outra funçaõ semelhante abre o carneiro, sendo esta barbaridade tampara sentir, que naõ tem disculpa, por cega, naõ há quem lha faça conheçer.
V. Real Magestade ueja esta lastima, e considere quanto de agrado de Deos será liurar das redes do demonio, Reis e Principes terrenos, que suposto pretos, saõ remidos com o sangue do Senhor Deos, e lhes custaraõ muito no descobrimento da Jndia Oriental e a elRey D. Manuel e a D. João 3.0 seu filho, que em gloria estaõ, se deue; logo se fizeraõ fortalezas, como em Cochim, Çofala, Ormuz, Dio, Malaca, ena. Com . estas se amedrontou o gentio, o moiro se enfreou, com estas se sugeitou o estado. Estas dauão gasalho a os portug/u/eses estranhos na terra, logo que hiaõ, e depois emparo, defença, ett8. A estas se recolhiaõ cansadas ou dos trabalhos do mar, terra, g/u/erras; á fiusa destas se pregou a lei euangelica, obrando-se as marauilhas que ao mundo açombraraõ. Grande premio terá na gloria quem do bem destas almas foi instrumento. Como os gloriosos Reis iá nomeados. E mesmo confio em o Senhor se obrará na presente funçaõ, sendo a poderosa maõ do altissimo em ajuda de tam piedoso Monarqua como hé V. Real Magestade, que o ceo augmente para major gloria de Deos.
Cercaõ a Bissao de todos os lados (excepto do nacente que hé mar) muito dilatados Reinos, a saber: Biafares, Balantas brauos, terra de Antula, Baoula, e Ilhas de Bujagoses, tudo o que dista de Bissao á Geba, pouoaçaõ de christaês, de huã e outra parte do Rio, com muitas naçois de que naõ sej os nomes. Os Balantas brauos, distaõ de Bissao a largura deste Rio e será legoa; tem muito ouro que naõ cavaõ nem delle se seruem por ser gente barbara e tam feróz que beberá o sangue a toda a casta de brancos, e somente trataõ com pretos inda que christaõs, porque eu os ui em B issao nas suas feiras, que saõ hO dia na semana: Compraõ e uendem quando uem, coisas comestiuas sem defferença a brancos e pretos gentios, e cristaõs. II
Todas estas terras daõ marfim, cera, ouro, captiúos ena e a major de todas as resoTs e consequencias desta fortaleza, que se pede hé naõ somente asenhorear toda esta barbaria, mas asegurar a entrada a estrangeiros para os Rios da Serra Leoa, Nuno, Deponga; tudo isto é nosso porque os portug/u/eses o descobriraõ e sempre possuiraõ, mas como naõ há em Guiné bastantes generos, raramente lá uaõ, e fica tudo ao estrangeiro, excepto a colla da Serra Leoa, de que por amargosa, o estrangeiro naõ gosta, nem lhe tem conta para leuar a parte alguã.
Naõ se presume que Frances, menos Ingles, faça g/u/erra a este Reino, inda que lhe empidamos com esta f oratalesa a entrada dos ditos Rios; prouo França nunca tomou posse de Bissao, nem tal intento teue, porque só tratou do negocio que ahi acodia, uisto naõ lhe darem entrada em Cacheo; teue somente em terra huã casa com fasenda e algOs comissarios que a distribuhiaõ há 8 anos a esta parte, se trouxe alguã cal e madeira, Ioaõ de la Fonte, administrador da Companhia de França, mas naõ seruio de cousa alguã; o fim era faserse forte em híl pequeno ilheo que está hindo de Cacheo iá uista de Bissao legoa e mea, com timor do Ingles. Como naõ tinha agoa o dito ilheo não fes mais que 2 casas de vellas por sima, pedras ou ramas pellos lados; a cal e madeira tudo se perdeo.
Teue este Ioaõ de la Fonte ha encontro com os gentios de Bissao á minha uista, em que lhe matou gente com seos soldados, porque estiueraõ entaõ 200 de htl nauio delRej de França, fora os nauios da Companhia (eraõ estes); foi o sucesso no mes de julho, tempo de grandes chuuas, e como na tarde deste dia chouesse, e os soldados franceses estiuessem no campo, pedio Ioão de la Fonte licença ao Cabo da fortalesa que V. Magestade lá tem, por ser cuberta de palha, para se em pararem della; deulha, com effeito, porque naõ auia iá nella soldados nossos, que a respeito das chuuas tinhaõ suas casas fora da fortalesa; ficou com tudo a bandeira de França aruorada na casa em que os ditos franceses tinhaõ sua fasenda, e se neste dia achou João de la Fonte rezaõ pera pedir licença a Manuel de Pina, cabo da fortalesa, para reparar seos soldados da chuua e naõ a tomou podendo, seg/u/esse que naõ querem os franceses Guiné para morar, ou fortificar, mas para tirar dinheiro; mais Ioaõ Bucar ingles, e general de Gambea, deu de todo com os franceses no lodo, porque ueo a Bissao hã pouco tempo e aprisionou os que naõ matou, e só ouue lugar antes que chegasse o dito ingles para o frances meter no nosso hospicio algum dinheiro, o que se lhe permitiu porque sobre ser catholico, hé o nosso bemfeitor; fogiraõ nesta occasiaõ algils escrauos ao Frances, e metidos na ilha se liuraraõ do ingles; ueo dahi algüs meses outro frances e com 200 homes e bastante artilharia, fes tal medo a Bacampolo Có, Rej desta, que lhe obbrigou a buscar seos fogidos escrauos. Esta, com muitas, saõ as resols de pedir o Rey com muitas ueras o patrocinio de V. Real Magestade.
Tem os Rios de Serra Leoa, Nuno, Deponga, muitos christaõs, todos falaõ portug/u/eses (sic) pella communicaçaõ, sangue que delles tem; uaj todos os annos hil Relegioso dos moradores de Bissao, pregarlhes, confessalos, baptisalos, casalos e sempre, inda que muitos fiquem sem remedio, por culpa sua, se seg/u/e bem aos mai•s .
Tornando aos Balantas do ouro, estes com uerem o trato dos Portug/u/eses, fidelidade e uerdade ou se domesticaraõ ou se fará por meo dos de Bissao com elles negocio e quanto naõ as armas fasem caminho quando naõ pode a boa e política cortesiaexperimente o rigor quem naõ conhece e amor em tudo; peço ao author de todos os bens inspire, gouerne, ajude a V. Real Magestade, pera que se logre seu jntento, cuja real pessoa o mesmo Senhor guarde, os annos que seos vaçallos pedimos. //
Lisboa, em 8 de outubro de 1694.
O Menor de seos Capelaês Seruo e Orador.//
Fr. Francisco da Guarda
AHU - Guiné, cx. 3, doc. 229. Original.
1694/10/27
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O REI DE BISSAU (27-10-1694)
SUMARIO - O Rei de Bissau escreve oferecendo lugar para nele se fazerem fortalezas - Pede para ser baptizado - Manda que se faça a Companhia de Cacheu e Cabo Verde.
Senhor
Vendosse neste Conselho as cartas inclusas de 26 de Abril deste anno, escritas a V. Magestade por BACAMPOLO CÓ, Rey de Bissao, sobre o dezejo que tem de se bauptizar, e fazer christaõ com todos os seus vassallos, offerecendo naquelle Reyno lugar para se fundarem nelle Fortalezas para segurança do nosso comercioe se impedir aos estrangeiros a entrada, que nelle fazem, mostrando por provas evidentes de amor que tem á nossa naçaõ, entregar ao Bispo seos filhos para lhos douttrinar, mandando á presença de V. Magestade o primogenito para aquy ser instruído na Relligiaõ Catholica; e vendosse juntamente a rellaçaõ que dá a V. Magestade o mesmo Bispo, do successo da vesita que fez á Guiné, e practicas que teue com o mesmo Rey de Bissao, e outras duas que fazem o Pe. FR. FRANCISCO DA GUARDA, Relligioso da Soledad, e FRANCISCO CORDEYRO Sanctos, que trataõ sobre esta mesma materia; o que tudo com esta e com a carta do gouernador de Cabo Verde se remete ás reaes maõs de V. Magestade.
E querendo saberse da importância desta Ilha, e as consequências que se podiaõ seguir de se occupar, se chamou ao mesmo Conselho a Joseph Gonçalves de Oliueyra, que seruio de Capitão Mor da praça de Cacheo, e a Joam Gomez, pessoa practica naquelas partes, e declaração, que a dita Ilha de Bissao está /.../ de onze grãos da banda do Norte, e terá de circunferência 18 legoas, e que hé pella mayor parte terra baixa, cuberta de aruoredo pella mesma parte do Norte, e que o seu porto é ao Sul, ficandolhe hum Ilheo como da Berlenga em frente quasi meia legoa, e que tem bom surgidouro, e que estaõ nelle seguros os navios em qualquer borrasca do mar; e no tempo das agoas, que correm ventos Sueis, e Suestes não faltaõ na mesma Ilha outros surgidouros, em que se amparem os navios; e que se pode desembarcar na Ilha em varias partes entre ella e a terra firme, de que se divide com hum rio estreyto em partes, de maneira como o Terreiro do Paço, e ainda menos; a terra hé pouco abundante de mantimentos, de maneira que naõ tem os que lhe bastem para sy, porem que das outras Ilhas vesinhas se prouê do que lhe hé necessario; que hé sadia mais que todas, e tem boas agoas; que a gente hé de bom natural, e tem comnosco mais (?) correspondencia, que os outros negros; que naõ temem sy cousa que sirua para o comercio, mas está situada em parte donde o pode ter. //
As Ilhas dos Biiagós, Geba, Rio de Guinala, Rio de Nuno, a de Pinga; e vltimamente Serra Leoa, entendem que a despesa que se fizer na na Fortificação, e com o prezidio delia, se naõ poderá tirar pellos direytos da alfandega, porque seraõ de muito pouca consideração.
Entendem tambem que a praça de Cacheu, ainda que seia de peor clima, hé todavia muito mais [...] pella sua situação, a respeito [...] Sobre o Rio de S. Domingos, que hé navegavel a nauios sessenta e settenta legoas, e em toda esta distancia há muitas escallas,em que se faz grande negocio; e que o que importa hé metter nella grandes cabedaes de dez para doze mil barras de ferro, mil traçados, dous mil maços de conta e outros generos, que daquy vaõ, sendo tudo em quantidade se evitará, a que vão lá os estrangeiros, e que achando os moradores na maõ da compra todo o provimento necessario escuzaraõ de comprar ás outras naçoês, que com mais iustificada rezaõ se lhe prohibirá entaõ.
Ao Conselho parece que sendo a causa que moueo aos Senhores Reys deste Reyno, predecessores de V. Magestade a emprenderem o descobrimento das Conquistas, naõ só a esperança que se promettiaõ dos interesses destes domínios, mas o maior que se dilatasse a Fee, e se convertessem á luz da verdade as naçoens delias, fazendo para este effeito tantas diligencias, e com tanto zello e empenho como saõ prezentes das historias, cuia obrigação se foi continuando em seos successores. Que nesta consideração, offerecendo EIRey de Bissao naõ só a sua redução, e o uso da Relligiaõ Catholica em todos os seos vassallos, entregando como penhores e fiadores da sua inclinaça á ley de Christo Senhor nosso a seos proprios filhos para serem doutrinados nella, e mandando o primogenito á presença de V. Magestade, para ser instruído na mesma Relligiaõ, mas tambem lugar para se edificarem Fortalezas no seu Reyno, por que se possa melhor segurar o comercio dos Rios e terras, que lhe ficaõ circumvesinhas, impedindo por este meyo as entradas ás outras naçoens, que custumaõ frequentar aquelle porto; e pella situaçam em que está, por noticias e informaçoens que se tomarão ser das mais sadias de Guiné, e que para os nossos portugueses será de grande conveniência a assistência nella, cuios naturaes os tratarão sempre com grande amor,é a mayor a consequência de se extender o dominio de V. Magestade. //
Que por todas estas circunstancias se deue abraçar e aceitar a este Rey a offerta que faz. E porque será muito conveniente a Companhia de Cacheu ter para o seu comercio o desta Ilha; que a ella deue V. Magestade emcomendar tome por sua conta este negocio; assim como o faz na Ilha do Príncipe; mas porque naõ poderá fazer todas as despezas que se iulgão seraõ consideraveis nas Fortalezas, que forem necessarias para que possa melhor conservar, e defender aquella Ilha; que V. Magestade deue ser seruido concorrer da sua parte, e ajudallos de maneira, que se possa conseguir o que se intenta; e porque esta materia é de tanta importancia, como se recommenda, que para as dispusiçoens, e introdução delia neste principio; se deue buscar huma pessoa para hir daquy, que seja de toda a intilligencia, capaz, e de authoridade, que possa estabelecer este negocio com prudencia, industria, e cautela, e affeiçoar os animos dos principaes vassallos deste Rey, para que convenhaõ no que for mais conveniente ao seruiço de V. Magestade, ao qual acompanhe hum engenheyro de toda a suficiência para a escolha dos sitios, emque se houverem de edificar as Fortalezas, porque no principio sempre conuem, que se naõ desaserte, porque a experiência tem mostrado em todas as Conquistas, que estes anos por falta de meyos naõ tiuereaõ nunca emmenda.
Lisboa, 27 de Outubro de 1694.
aa) Conde de Aluor / Bernardim Freire de Andrade / Joaõ de Sepulueda e Mattos / Joseph de Freitas Serraõ.
[À margem]: - Como parece, e dos papeis que com esta baixam ficará entendendo o Conselho o que se oferece a fazer a Companhia de Cabo Verde e Cacheoexplicando o conselho tudo o que puder para o sustento do Prezidio desta Fortaleza; o que faltar se suprirá pelos direitos dos géneros que a Companhia mandará para este Reyno, fazendoselhe nelles disconto do que despender no dito Prezidio, a que se aplicarão todos os direitos que resultarem da dita fortaleça e para se edificar procurará o Conselho os efeitos necessários. //
Lisboa, 28 de nouembro de 699.
(Rubrica de el-Rei)
AHU - Guiné, cx. 3, n.° 229 - Original. Cód. 478, fls. 87-88.
FORMULÁRIO PARA O BAPTISMO DO PRÍNCIPE DE BISSAU  
(30-10-1694)
SUMARIO - Aviso aos oficiais da Casa. - Aviso ao Núncio para fazer o baptismo. - Para o Conde Estribeiro-mór, D. Filipe de Sousa, capitão da guarda, para D. Marcos de Noronha e outros avisos que se fizeram para os variados serviços da cerimónia.
Se há-de Baptizar na Capela Real a qual há-de estar com o adorno que costuma ter nas maiores Festas do ano, e a nave do meio há-de estar alcatifada e da teia para dentro da Capela Mór, e há-de pôr pia, e aparador na forma que se costuma pôr, nos Baptizados; e quando se não ponha a Pia de prata, se deve pôr, uma bacia grande que bastará; porque o Baptismo é de aspersão; e esta para que decentemente possa servir ao Sacramento do Baptismo, se branqueará antes; e despois para que fique capaz de servir a qualquer uso profano. No aparador se hão-de pôr todas as cousas necessárias segundo o Cerimonial da Igreja: e há-de estar numa salva dourada com toalha, prato e gomil para Sua Magestade lavar a mão que há-de pôr na Cabeça do Príncipe; e quando não a queira lavar lhe servirá a toalha um gentil homem da Câmara. Que todas as cousas que servirem a este Sacramento hão-de administrar os Capelães e Moços da Capela por ser acto Eclesiástico.
Que El Rei nosso Senhor há-de ser o Padrinho. Que o Núncio há-de Baptizar assistido dos Capelães da Capela Real. Que devem assistir com tochas ao Baptizado Moços Fidalgos, ou da Câmara, segundo Sua Magestade resolver. Que será próprio da grande piedade da Rainha Nossa Senhora, condecorar este acto com a sua Real assistência na Tribuna. Que Sua Magestade deve mandar com coche, não sendo o da Sua Real Pessoa, seja dos melhores, e nele um Oficial da Casa; que vá ao Convento da Trindade a buscar o Príncipe, e que o torne a levar depois de Baptizado, o qual há-de dar a maõ direita ao Príncipe. Que Sua Magestade deve ordenar, que ao Príncipe se dê o tratamento de Ex.a, como se deu ao Príncipe das Pedras. Que há-de ir um segundo coche ordinário para virem os dois Negros, que servem o Príncipe. Que o Príncipe chegará primeiro, e esperará na Sacristia, onde estarão dois Tamboretes, um para ele se assentar, e o outro para o Fidalgo que o  conduzir. Sua Magestade estará em Palácio, e baixará à Capela, e o Príncipe sairá a tempo que Sua Magestade não espere por êle, nem êle por Sua Magestade, e o Núncio estará já revestido assentado no seu lugar; para que se não dilate o acto depois que Sua Magestade chegar.
O Príncipe depois de baptizado há-de beijar a maõ a Sua Magestade, e Sua Magestade como em agradecimento de se haver baptizado, lhe há-de lançar o braço ao pescoço, mandando-o levantar.Sua Magestade, acabado o acto lhe há-de ordenar, que se fique e se retire; e depois que Sua Magestade começar a andar, se há-de retirar o Príncipe para a Sacristia, de onde se há-de ir.
Na Capela parece deve entrar pela porta principal do Páteo: pois parece que contra diz ser o acto público, e entrar por porta secreta, e que o coche em que êle vier, deve entrar neste acto no Páteo da Capela. Que um Moço da Capela lhe deve tirar e pôr a garavata (sic), escolhendo-se deles o que for mais capaz desta função.
Que no mesmo dia, depois de baptizado, lhe deve Sua Magestade mandar pôr um Porteiro da Câmara, ou por um Moço da guardaroupa, uma joia de valor, de três até quatro mil cruzados, e que tenha no meio a cabeça de Cristo Senhor Nosso.
Parece que na Capela deve estar armada a cortina para Sua Magestade fazer Oração; e que Sua Magestade deve baixar à Capela com aquela solenidade com que o faz nos dias de maior festa, fazendo-se avizo à Corte.
REZOLUÇÃO DE SUA MAGESTADE
El Rei Nosso Senhor há-de ser o Padrinho, e baixar à Capela aonde há-de estar armada a Cortina. A Rainha Nossa Senhora tão bem vai à Tribuna a condecorar este acto pela sua muita Piedade. Baptiza o Arcebispo de Rodez, Núncio de Sua Santidade. A nave do meio da Capela, se há-de alcatifar toda. A pia dos Catecúmenos há-de servir neste acto, e se lhe há-de fazer pé, que se ornará ricamente,e se há-de pôr abaixo dos degraus, no meio da teia, para dentro: e de fronte se há-de pôr um bastidor de um só degrau, com toda a prata necessária, para todas as cerimónias deste acto, e para se pôr o chapéu, garavata e espadim do Príncipe.
Tudo o que toca a este acto se há-de fazer pelos Capelães e Moços da Capela Real, e a êle hão-de assistir doze Moços da Capela com tochas, e com aquelas cousas que servem ao Sacramento ministrarão os Capelães; deputando cada um para o que deve fazer, evitando-se desta sorte confusão, e embaraço. O Reitor dos Catecúmenos precisamente há-de assistir a estas cerimónias, por ser mais prático nelas; e há-de ser quem ponha a toalha no pescoço ao Príncipe; porque o saberá fazer melhorO Prestes Pedro Luis é que lhe há-de tirar a garavata, espadim e chapéu, e lhe há-de tornar a pôr: e hão-de estar três Moços da Capela com uma salva dourada para, a garavata, e dois pratos de bastiões, um para o chapéu, outro para o espadim.
A Capela Real estará com ornamentos, e cortinas, como se costuma nos dias de maior festa: na Sacristia hão-de estar dois tamboretes para se assentarem o Príncipe e o Mestre Sala Dom Marcos, enquanto não vier Sua Magestade.Hão-de assistir na Capela os Ministros para o que se fará aviso ao Mordomo Mór.
Far-se-ão avisos aos Oficiais da Casa para que acompanhem a Sua Magestade por dentro à Capela; porque Sua Magestade e a Rainha Nossa Senhora hão-de vir de Alcântara apear-se à Corte Real.
Façam-se avisos aos Títulos para que venham assistir a este acto na Capela Real.
A joia que se dá ao Príncipe vale um conto e quinhentos e cincoenta mil réis.
Este Príncipe de Bissau enquanto esteve em Lisboa andou em um coche de Cavalos, da Casa, mas os lacaios cobertos. A primeira Audiência que teve de Sua Magestade foi em Alcântara aos quatorze de novembro de 1694, às dez horas da manhã, à qual assistiram os Oficiais da Casa; e se lhes fez o aviso seguinte.
AVISO AOS OFICIAIS DA CASA
Sua Magestade que Deus guarde é servido que V. Ex.a se ache amanhã, segunda feira, às dez horas em Alcântara para lhe assistir na Audiência que há-de dar ao Príncipe de Bissau. Deus guarde a V. Ex.a muitos anos. Paço etc.
AVISO PARA O NÚNCIO BAPTIZAR O PRÍNCIPE DE BISSAU
Ilustríssimo Senhor
Amanhã sábado pelas três horas da tarde se há-de baptizar o Príncipe de Bissau, do qual é Padrinho Sua Magestade; e como este acto é de glória para a Igreja Católica, será do agrado de Sua Magestade, que Vossa Senhoria Ilustríssima o baptize; e para o serviço de Vossa Senhoria Ilustríssima estarei sempre com a mais pronta obediência. Deus guarde a Vossa Senhoria Ilustríssima muitos anos.
Paço, 29 de Outubro de 1694. etc.
PARA O CONDE ESTRIBEIRO MÓR
Sua Magestade que Deus guarde é servido que Sua Senhoria ordene, que amanhã sábado, às duas horas, esteja um coche da Cavalariça à porta de Dom Marcos de Noronha, para ir nele conduzir o Príncipe de Bissau, que na mesma tarde se há-de baptizar na Capela Real. O coche há-de ser um dos que trouxe o Marquês de Alegrete, e deles o menos rico: há-de levar as facas negras, que Vossa Senhoria costuma trazer no seu coche: os cocheiros hão-de ir cobertos, e o coche há-de entrar no Páteo da Capela, e hão-de ir dois Moços para desembaraçarem os tirantes se for necessário. Deus guarde a V. Senhoria muitos anos. Paço, a 29 de Outubro de 1694. etc.
PARA DOM FILIPE DE SOUSA, CAPITÃO DA GUARDA
Amanhã sábado, às duas horas da tarde, se baptiza na Capela Real, o Príncipe de Bissau, o qual há-de ir buscar ao Convento da Trindade, em um coche da Cavalariça, o Mestre Sala da Casa Real, e há-de entrar no Páteo da Capela o coche em que êle vier; e como o Núncio o há-de baptizar, disporá Vossa Senhoria o que lhe parecer necessário para que esteja o Páteo desempedido para os coches, pondo-se Soldados da Guarda em todas as portas que têm serventia para o Páteo, para que não entre mais gente, que a que deve entrar; e nas escadas da Capela mandará Vossa Senhoria pôr tambem soldados, para o mesmo efeito. Sua Magestade baixa à Capela a ser Padrinho do dito Príncipe, e ordenará Vossa Senhoria que os soldados da Guarda tenham feito caminho até à porta da Sacristia, aonde o Príncipe há-de estar, e aonde se há-de recolher depois de acabado o acto; e os soldados da Guarda lhe hão-de conservar o mesmo caminho até que saia da Capela Real, e Vossa Senhoria disporá tudo como acerto que costuma. Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Paço, a 29 de Outubro de 1694.
PARA DOM MARCOS DE NORONHA
Amanhã, sábado, às duas horas da tarde, há-de estar à porta de Vossa Senhoria um coche da Cavalariça de Sua Magestade no qual Vossa Senhoria há-de ir ao Convento da Trindade buscar o Príncipe de Bissau, e levá-lo à Capela Real, aonde às três horas da mesma tarde há-de ser baptizado pelo Núncio de Sua Santidade: o tratamento que Vossa Senhoria lhe há-de dar, há-de ser de Ex.ae no coche lhe há-de Vossa Senhoria dar o lugar da mão direita. Os cocheiros hãode ir cobertos e o coche há-de entrar no Páteo da Capela. Tanto que Vossa Senhoria se apear com o dito Príncipe, há-de subir para a Capela, e ir para a Sacristia, aonde hão-de estar dois tamboretes, para Vossa Senhoria se assentar com o Príncipe, dando-lhe sempre o melhor lugar, até que Sua Magestade baixe para a Capela, e tanto que Sua Magestade baixar, há-de Vossa Senhoria de sair da Sacristia em tal tempo, que chegue de sorte à Capela mór, que Sua Magestade não espere pelo Príncipe, nem o Príncipe por Sua Magestade, e com Vossa Senhoria estará um Frade Capucho, que servirá de Intérprete, que veiu com o mesmo Príncipe, ao qualse fará aviso para que esteja na Sarcistia, quando V.S. chegar. No acto do Baptismo hão-de servir os Capelães e Moços da Capela na forma que se tem ordenado ao Capelão Mór e o Príncipe irá instruído da forma em que se há-de haver quando chegar à presença de Sua Magestade, que há-de ser ir ajoelhar para beijar a mão de Sua Magestade, e depois do baptizado há-de repetir o mesmo. Acabado o acto de Baptismo há Sua Magestade mandar ao Príncipe que se retire, porque como fica molhado, o não deve acompanhar; e depois de Sua Magestade começar a andar para se recolher, há-de V. Senhoria de tornar com o Príncipe à Sacristia, e depois de Sua Magestade sair da Capela, sairá V. Senhoria então com o Príncipe, e o levará ao Convento da Trindade. No coche não há-de entrar Pessoa alguma mais que o Príncipe e V. Senhoria. Deus guarde a Vossa Senhoria muitos anos.
Paço, 26 de Outubro de 1694.
MAIS AVISOS QUE SE FIZERAM
Fez-se aviso ao Conde de Pombeiro, capitão da Guarda; e ao Conde de Assumar, Vedor da Casa, para irem conduzir o Núncio em lugar de Dom Marcos de Noronha, e Dom Filipe, que tinham outra função no acto. Fez-se aviso a Lourenço Pires de Carvalho, Provedor das Obras do Paço, para mandar ter o Páteo da Capela varrido; e as portas desempedidas para entrarem os coches. Fez-se aviso ao Mordomo Mór, mandasse assistir na Capela os Ministreis ou as charamelas. Fez-se aviso a Dom Franciso de Sousa, para que deixasse entrar e assistir ao Baptismo a Frei Francisco da Guarda, Religioso Capucho, Intérprete do Príncipe e a dois Negros seus Criados  Fez-se aviso ao Propósito de São Roque, para que mandasse à Capela a pia de pedra em que se baptizam os Catecúmenos.
Lisboa, 10 de Dezembro de 1691.
ATT - Miscelania n.° 171, págs. 278-296.
NOTA - A chegada a Lisboa de D. Manuel de Portugal, para ser baptizado, a realização do seu baptismo, foram relatadas pela Gazette de France de 4 de Dezembro de 1694, nos seguintes termos:
De Lisbonne, le 26 Octobre 1694. Un vaisseau venu de Cacheu pres du Cap Vert a amené un Prince Noir nommé Batonto, fds de Bamcompoloco, Roi de l'Isle de Bissau (1), située entre les branches du fleuve Niger. Son pere l'a envoyé pour le faire baptiser: & on doit faire la cerémonie le 4 du mois de Novembre prochain. Ce Prince demande aussi la protection du Roy du Portugal: qu'il fasse bâtir une forteresse dans son isle; & quil envoyé des Misionaires.
(1)  No original lê-se: Bissan.
No seu numéro de 18 de Dezembro dava a seguinte notîcia:
De Lisbonne, le 9 Novembre 1694. Le 30 du mois dernier, le Sieur [Giorgio] Cornaro Nonce du Pape baptisa dans la Chapelle du Château, le Prince Batonto fils du Roy de l'Me de Bissau', située dans le fleuve Niger, à onze degrez & demi de latitude. Le Roy qui fut son parrain, le noma Emmanuel; & lui fit présent d'une attache enrichit de diamans du prix de huit centspistoles. La reine estoit dans les Tribunes avec les Dames. Tous les grands y assistèrent; & la Chapelle estoit rempli d'une très grande foule de peuple.
Cf. A. Teixeira da Mota, Ob. cit., p. 22.

1695



1695/01/13
Nomeação de ANTÓNIO GOMES MENA para o governo das Ilhas de Santiago de Cabo Verde.
1695/01/15
AO MUITO ILLUSTRE SENHOR
Roque Monteiro Paim, do Cõselho de Sua Magestade, seu Secretario, Deputado da Juncta das Missoes, Senhor de Villa Caís, & dos Reguengos da Maia, & Refoios, &Commendador de Campanhaes na Ordem de Christo, &e.
SENHOR
A CONVERSAM DE ELREI DE BISSAU & o bautismo do Príncipe Dom Manoel de Portugal seu filho saõ de tanta gloria para a Igreja Catholica, & de tanto credito para este Reino, que justamente se anima a minha confiança a por nas mãos de V. M. a relaçaõ deste successo. E com maior rasaõ vendo que grande parte desta felicidade se deve àquelle incomparavel zelo, & desvelo com que V. M. procura a melhor direcçaõ & augmento das Missões, & ao particular cuidado com que attende a esta da costa de Cabo Verde; tomando sobre seus hombros com desvelada applicaçaõ, & trabalho infatigavel todo o peso da Junta das Missões. E sendo os negocios deste tribunal os do maior aggrado  d'EIRey N. S. & aquelles que entre os mais graves cuidados da Monarquia occupaõ sempre o primeiro lugar na sua soberana attençaõ, prudentemente fia S. Magestade a sua expedição da actividade, & zelo de hum taõ grande Ministro, que naõ só acredita as suas disposições com os acertos, mas com a felicidade; como tem mostrado a experiencia assim com o que referimos neste papel, como com o muito que pudera relatar em mais diffusas narrações, que teraõ outro lugar, & tempo, que este so he agora para pedir a V. M. queira nesta relaçaõ attender somente a materia, que refere, que naõ pode deixar de ser grata ao seu zelo, & ao animo de quem a escreve, que he so dirigido a que naõ fique de todo sepultado nas sombras do esquecimento hum successo, que he taõ benemerito das luses da memoria. Deos guarde a pessoa de V. M.
Lisboa 15 de Janeiro de 1695.
Creado de V.M. Antonio Rodrigues da Costa
1695/02/20
Nomeação de ANTÓNIO GOMES MENA no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
«António Gomes Mena - conselheiro, provido em 20 de Fevereiro de 1695, só tomou posse em 21 Abril do outro anoFaleceu em 7 de Junho. Sentindo-se já doente, fez secretamente um acôrdo com a Câmara e ouvidor afim dtomarem conta do govêrno com exclusão do bispo D. Victoriano, que se indispunha com tôda a gente.» João Barreto
1695/12/21
«Em 21 de dezembro de 1695 publicou-se um decreto auctorlsando o conselho ultramarino a encarregar a companhia de Cacheu e Cabo Verde da administração da fabrica da fortaleza de N. Sr:ª da Conceição de Bissau.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 114, Lisboa, 1900
1696/00/00
O régulo Incinhate recusa a submissão às autoridades da fortaleza de Bissau.
Em 1696, por ordem de D. Pedro II, foi formada em Bissau uma feitoria fortificada
JOSÉ PINHEIRO DA CÂMARA é capitão-mor de Bissau, até 1699
Primeiro capitão-mor de Bissau
«Após assinatura do contrato, foi nomeado capitão-mor de Bissau, em 1696, José Pinheiro da Câmara, oficial que residia há anos na Guiné e exercera idênticas funções em CacheuAté aquela data a Praça de Bissau estava entregue a um delegado do capitão de Cacheu
sua autoridade era meramente nominal e dependia da amizade que o régulo principal de BissauBacampolco, mos-trava pelos portugueses.
Esta boa disposição do chefe papel foi aproveitada pelo missionário, Fr. Francisco da Guarda, que o convenceu tomar baptismo, no que foi àuxiliado pela presença em Bissau do Bispo, Fr. Vitoriano da Costa, segundo prelado que visitou o distrito da Guiné.
Por ocasião da retirada do bispo para Santiago, o referido régulo fê-,lo acompanhar de um dos seus filhos e de uma carta ao rei de Portugal, datada de 26 de Abril de 1694, em que manifestava desejos de manter as melhores relações com os nossos, acrescentando:
Para que se perpetue esta minha vonfade com demonstrações mais evidente envio a V. Magestade meu primogenito, herdeiro deste reino que se chama Manuel, em companhia do Rev. Bispo de Cabo Verde .. Em primeiro lugarsoberano senhorpode-se dizer que Bissau é dos estrangeiros e não dos portugueses porque holandeses, ingleses e franceses à porfia ocupam o porto dele com seus negóciose muitas vezes entre eles ha debates quem ha-de ser o primeiro; e como a terra não tem força nem armas para acudir pelo credito dos senhores portugueses, fica tudo ao arbitrio deles ...
Pedindo a V Magestade esta mercê que me há-de fazer, mandar-me algumas armas de fogo para minha defêsa, e mais uma capa daquela qu.e V. Magestade me mandou, e já está rôta e mais alguns tamboretes e um bufe.te e algum .leito e algum chapeu de sol que é necessa·rio» ... Bacampolco rei de Bissau.
Temos de admitir que o redactor desta carta seria algum grumete ou comerciante português que possivelmente procuraria traduzir o pensamento do régulo. Em todo o caso, ela dá-nos uma idea da situação política local. Bacampolco era o principal régulo da tríbu papel, tendo outros. chefes subordinados e estendendo a sua influência além da ilha de Bissau .pela região dos brames.
Seguiu-se-lhe o régulo Incinhate, que se mostrava menos submisso às autoridades da fortaleza. Todavia, em 1696, aceitou também o baptismo pro forma, estando em Bissau pela segunda vez, o bispo D. Vitoriano.» 
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 129-130






O primeiro, pelas palavras de Senna Barcellos, o incêndio do hospício capucho de Bissau em 1696, aquando da estadia de Frei Vitoriano Portuense, bispo de Cabo Verde: "…perdendo este [o bispo] e os frades todos os seus haveres e uma preciosa livraria composta na maior parte de interessantes manuscriptos que hoje nos lançariam muita luz sobre a influencia portuguesa na extensa região da Guiné"
 C. J. de Senna Barcellos, Subsídios…, Parte II (1640-1750), p. 186.
« Para capitão-mór de Bissau foi nomeado José Pinheiro da Camara em 1696, que em 8 de março escrevia, dizendo: “ter encontrado no porto alguns nauios e a ilha em socego, portmi logo qrle os navios sahiram se manifestara hostil o rei Jncinhate, que se mostrava vestido com pelle de carneiro, embora fosse o coração de leão feroz.
Este rei, tornando-se demasiadamente soberbo, logo que se viu investido de tão grande auctoridade passou a inquietar os brancos, e o capitão-mdr não podia prender qualquer, sem que elle viesse reclamar a soltura com modol arrogante, fazen do-se acompatihar de muita gente, como ameaça de que se não fosse atlendido que usaria da força.”
Desde já devemos dizer que a escolha de José Pinheiro para capitão-mór de Bissau ia-nos sendo muito prejudicial; os assassinios alli perpetrados, bem como o de que esteve para ser victima o bispo D. Fr. Victorlano, a elle se devem.
Ouçamos, porém, este capitão-mór: “que para o chão do gentio lhe haviam fugido uns grumetes, aos quaes elle mandou perseguir pelo ajudante da praça, quatro soldados e mais grumetes, a fim de os amarrar, como era do estylo. Ao encontro d'este1 vitt·am 01 gentios, e como o ajudante não desse pekja lançou-
ao rio, bem como dois soldados, que falleceram, ficando os outros prilioneir01, que elle quiz resgatar por 1301$000 réis.”
N'essa occasião, estando alli o bispo, pensou em fazer aquelles resgates, e encaminhando-se para o gentio, acompanhado dos moradores, soldados e grumetes, veiu o rei ao seu encontro para lhe dirigir insolencias, accusando-o de ter sido o culpado de mandar os seus parentes para Lisboa para lhe venderem a sua terra. Valeu ao bispo, o não ter sido assassinado, o capitão Barnabé Lopes, natural de Bissau, que o acompanhava. O bispo recolheu á praça para tirar uma devassa, mas antes de proceder a ella mandou fazer cinco colambas (cadeias) para encerrar os criminosos que fosse apanhando. Prendeu muita gente, e entre esta, alguns parentes dos reis gentios, os quaes vieram ao convento, onde residia o bispo, pedir-lhe para que soltasse duas sobrinhas, e estes rogos fizeram com que o capitão-mór intercedesse para com o bispo, que aos reis respondera affirmativamente, mas a elle, mostrando-se irritado, disse: que se mettessem no seu governo e a melhor mercê que lhe podiam fazer era não o vêr e fazer de conta que elle não estava em Bissau, retirando-se então para sua casa.
No dia seguinte mandou o bispo embarcar as duas sobrinhas dos reis para a povoação de Geba, causando isso muitos prantos aos gentios. e elle visielmente triste encerrou-se em casa, fechando as portas; na madrugada immediata, pelas duas horas, deitaram os gentios fogo ao convento, como vingança, acudindo elle ao incendío, bem como o povo da praça, sem resultado algum, porque se incendiara uma porção de polvora que o bispo tinha no seu aposento, salvando assim mesmo a sua prata e cama.
Apesar das indisposições existentes entre elles, rogara ao bispo para que viesse residir com os religiosos para a casa Fortes, pois que elle, Pinheiro, se mudaria para a da Companhia, offerecimento que foi recusado, indo assistir para o sitio denominado Banana, povoação de gentios e chrislãos, para d'alli a vinte dias lhe tornarem a pôr fogo na casa, sabendo ter sido deitado por uns seus captivos que se queriam evadir.
Por ultimo relata o capitão-mór que o bispo, sem se despedir de ninguem, embarcara para Cacheu.» -   
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pgs. 117-118, Lisboa, 1900
1696/03/19
Para feitor de Cacheu foi nomeado Feliciano de Oliveira, que teve egualmente Regimento em 10 capítulos a 19 de março.
1696/03/26
VIDIGAL CASTANHO, capitão-mór, parte de Cacheu, para dominar a revolta dos mandingas de Farim e fortificar a povoação.
1696/05/29
MANIFESTO DO BISPO DE CABO VERDE AO CAPITÃO-MOR DE BISSAU (29-5-1696)
SUMÁRIO - Manifesto, e palaura, em que se mostrão/as rezoens que há para que Toro Có seja conseruado no Reyno do Bissao por morte de seu Irmão D. Pedro primeiro Rey Catholico da mesma Ilha.
Jezus Maria Jozeph
O Reyno do Bissao se herda pella femea Irman do Rey defunto, ou de seus Auós, pella mesma linha femenina, e o prezente Rey Torocó descende de femea, e hé Irmão de D. Pedro, que herdou o mesmo Reyno, filho da mesma May, e dis que se sua May fosse varão hauia de herdar o Reyno, e que elle reprezentaua sua pessoa; e que Izinhá, que se lhe oppoem ao Reynado naõ tem direito algum, ainda que descenda de femea, porque alem dele Torocó descender de Irman mais uelha, o dicto Izinhá uaj pella outra linha das femeas, herdando a fazenda, e dinheiro dos seus Irmaons mais uelhos, como hé costume.Mais, quando D. Pedro entrou a reinar foi á uista do dicto Izinhá, que lhe naõ impedio, nem perturbou a posse do dicto Reyno, e agora naõ pode fazer a Torocó por ser Irmão do defunto, filhos da mesma May.
De mais que morto D. Pedro, hum gentio fidalgo chamado Antorrêa, a quem pello ser direito pertençe coroar os Reys, coroou ao dicto Torocó, pondolhe sobre os hombros a tenâs de ferro e metendolhe na maõ as insignias do Reyno; e lhe pôs sobre a cabessa o barrete do seu antecessor, como costumaõ; e está constituhido Rey, e de posse de toda a caza de seu Irmão defunto.
Nem obsta dizerse que o Rey de Guinalá mandou barrete ao dicto Izinhá, porque se responde que para o adquerir mandou o dicto Izinhá huâs pessas de escrauos de soborno ao dicto Rey, e se houvesse outro Fidalgo que lhe mandasse semelhante prezente, tambem lhe mandaria outro barrete, alem de que a pressa com que o dicto Izinhá mandou buscar hé a mayor demonstrassão do pouco direito que tinha ao dicto Reyno. Porque estes barretes se mandão pedir ao Rey uizinho depois de serem aclamados por Reys alguns annos, e EIRey D. Pedro reignou mais de dez sem mandar buscar o dicto barrete, e os aclamados por todo este tempo uzão do barrete de seu antecessor, e sem embargo de saber isto o dicto Izinhá o mandou buscar para constituhir nesta diligencia alguã posse e direito; mas quando o mandou buscar já Torocó estaua coroado.
Isto hé quanto ao direito e quanto ao augmento da feé, serviço delRey nosso Senhor, conueniensia e liberdade dos christaons, se entende com euidensia que tudo se conseguirá certamente e com mais facilidade sendo Rey o dicto Torocó, porque tanto que foi Rey logo disse aos Religiosos em prezença de seus vassalos, queera seu escrauo, e estaua como tal com as maõns prezas, e que queria ser christão e estaua prompto para cumprir todas as palauras que seu Irmão tinha dado a Sua Magestade; e na primeira occaziaõ que se offeresseo me escreueo á Ilha de Santiago, e depois que cheguei a este Bissao me tem pedido por algumas uezes que o baptize, porque naõ quer guardar isto para a hora da morte como seu Irmão, e me insta que lhe aceipte os filhos todos de seu Irmão, para que seião baptizados; tem boa prezença, e se mostra summamente afecto aos christaons, e não tanto aos gentios, a quem severamente reprehende, cauza, porque não tem o sequito de alguns. Naõ hé mui inclinado ás cerimonias das chinas nem se conta delle alguma tyramnia; antes quando fidalgo particular, com ser Irmão do Rey, era recolhido em sua caza, e ainda dos seus proprios escrauos poucas uezes uisto.
E pello contrario, o dicto Izinhá que se lhe oppoem hé fero, e por dezeioso de reignar, sem espear o tempo determinado para uer se o elegião, se ueyo meter no matto, e fazer aldeã entre o Reyno e a pouoação dos christaons, para impedir o porto ao dicto Torocó; e para ter sequito se mostra amante dos gentios, e repetidas chinas, e se conta delle que tem feito oito ou noue mortes, nem athegora me tem dicto que se quer baptizar, antes pedindolhe hum filho, me naõ respondeo ao intento. E depois que está intruzo, já tem feito aos christaons alguns acintes, como foi tomar huã possa a Dominguos Mendes, e pôr ley que nenhum christaõ communicasse com o dicto Torocó, nem fosse a cua caza; e o mesmo temos experimentado depois que uiemos, mandando prender a mulher do meirinho da Igreja, porque foi em companhia do Padre Vigario á caza do dicto Torocó, em comprimento da ley que tinha posto, e se uio tambem Dominguo passado, que emquanto o dicto Torocó me esteue uizitando, lhe mandou hir a caza e ferir alguãs pessoas delia, e pello contrario hé tão respeitoso o dicto Torocó que me disse que se naõ fosse o meu respeito já o hauia de ter queimado, como por uezes fizeraõ os Reys seus antecessores, a este Izinhá, por ter sido sempre dezobidiente e rebelde, donde se infere que com o gouerno do dicto Torocó se lograrão melhor nossas esperanças
Não falta quem diga nesta pouoação que o dicto Izinhá esteue rezoluto a se recolher para sua caza e deixar o Reyno, mas que houue christaõ que o aconselhou e fomenta para que naõ deixe a pertensaõ; e se hé uerdade o que se dis, ainda que o naõ hé, que o aduirta quem lhe dá o tal concelho, que fas hü graue damno á Religião christan e que uirá a ser cauza de se naõ augmentar a christandade nesta ilha, nem se fazer com çocego e ajuda dos mesmos gentios a fortaleza de Sua Magestade, e de hauer algüa mortandade entres estes dous parentes, com grande damno á da terra, pois o dicto Toro Có está de posse e enuestido na Dignidade, com as insígnias de Rey, e dis que naõ há de çeder do seu direito, ainda que lhe cortem a cabessa, e todas estas desconueniensias se podiaõ euitar com dar conçelho ao dicto Izinhá que se retire e aquiete; e tenho por certo e infaliuel, que se o Capitam Bernabé Lopes o persuadir, elle se há de retirar; e se assim o fizer fará grande seruiço a Deos e a Sua Magestade; e do contrario entendo que Deos e Sua Magestade se dará por mal seruido.
Senhor Capitam mor, neste papel digo o que sinto, e dezemcarrego para o futuro a minha consiensia; comunique V. Mercê com o Capitam Bernarbé Lopes esta materia, com aduertencia que me há de dar huã clareza e que fes esta diligencia, e para que senão imagine que hé melhor, e mais util para se fazer a fortaleza, o estar este governo em suspenso, que pôr as couzas a que se há de obrigar o dicto Toro Có.
+ Primeiramente há de deixar fazer a Fortaleza no sitio que se escolher.
+ Que há de tractar aos christaons com todo amor, e cortezia.
+ Que há de ser christão, e publicar ley que se façaõ christaons todos os que quizerem.
+ Que dará licença para que se tirem todas as chinas que estaõ na nossa pouoaçaõ.
+ Que os christaons naõ uiuiraõ sujeitos ás leys da terra, senão ás dei Rey de Portugal.
+ Que os gentios não uiuiraõ entre os christaons.
+ Que o gentio naõ poderá herdar ao parente christaõ, como athegora se costumou.
+ Que naõ terão comercio com os estrangeiros, mas antes dará soccorro de gente na occaziaõ dos rebates, para ajudar a defender o porto.
+ Que naõ fauorecerá nenhum christaõ criminoso, e fogido, mas antes o mandará entreguar aos Capitães mores, para serem castigados conforme as leys.
Isto hé o que se offeresse, V. Mercê acrecentará o mais que lhe paresser hé necessário. //
Bissao, 29 de Mayo de 1696.
a) Fr. Victoriano Bispo
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
1696/06/07
Falecimento de ANTÓNIO GOMES MENA, capitão e governador-geral de Cabo Verde
1696/06/10
CARTA do vigário de Bissau, FRANCISCO RODRIGUES, ao rei [D. Pedro II] informando que fora nomeado naquele cargo pelo Bispo de Cabo Verde, [D. frei Vitoriano Portuense], segundo ordens régias, solicitando carta de apresentação apenas por três anos devido à sua saúde, findos os quais se aposentaria para fazer penitência.
Obs.: m. est.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 7.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 233.

1696/06/15
RELAÇÃO DO BAPTISMO DE D. PEDRO REI CRISTÃO DE BISSAU
(15-6-1696)
SUMÁRIO - Relação do feruorozo Baptismo que pedio e recebeo, o venturozo D. Pero Primeiro, Rej Catolico da Ilha de Bissao; e noticia do augmento em que uaj a noua Cristandade de Guiné.
Nosso Rej e Senhor
Quero dar a V. Magestade nesta naratiua a noua de major gosto que pode hauer pera o grande zello que tem da saluaçaõ das almas desta Affrica, sentindo acharme falto de tempo pera expender todaz as circunstancias, que conduzem á expressão de materia tam relevante e tanto agrado pera V. Magestade.
Chegou o Princepe Dom Manuel de Portugal, que Deus tem, a des de Iunho do anno passado a esta Jlha de Bissao, em companhia dos Rellegiozos Missionarios, e fazendo no Setembro seguinte huma viagem á nossa Pouoaçaõ de Geba, faleçeo em poucos dias; e uindo esta triste noticia ao Rej seu Paj, a ouuio (com ser Gentio) com huma paciência cristam, ordenou aos de sua Caza que sentissem a morte de seu filho, e elle o fez tambem com mujtas lagrimas; e pedio aos Religiozos que lhe fizessem Officios e os mais sufrágios que se custumauaõ fazer pellos cristãos.
Antes que o Princepe se auzentasse, e falleçesse, trabalhaua com os Religiozoz, pera que seu Pay sahisse iá das treuas da gentilidade pera o aluor da fee, e puzesse em execução o que mostraua queria, e há mujtos annos dezejaua. O que o Rej ouuia com semblante sereno, e agradauel, e respondia: Bem sei Religiozos Padres, pella mujta comuniquaçaõ que tenho comuosco, que hé tal o uosso zello, que tudo quanto vedes quereis adquirir pera Deus; bem mostra isto o grande cuidado com que andais por esta Costa procurando almaz; este mesmo uos moue a aduertirme o que pera a minha alma mais comuem; e assim que suposto tenho impulsos de o obrar, numca me tenho rezoluido por me parecer que sendo Rej Cristão, impossiuel hé gouernar meus súbditos gentios sem que manche a pureza da Lei Catholica; com o que agora uos pesso hé que me façais lembrado na prezença de Deus, que se elle for seruido darme vida e tempo descubrirâ algum remédio, com o qual nesta Lei que me dizeis, viua puro; pois claramente sei pello que mujtos me tem dito e uós agora me inculcais, que me não hé liçito entregar a Deus parte do meu coração, ficando a outra parte no mundo.
Vindo o mes de Outubro, em que dois Religiozos costumaõ hir á Missão da Serra Leoa, se foraõ despedir deste Rej, e foi pera admirar a pratica que lhe fez, sobre a matéria das Missoins, e comuersaõ das almas, imtimando o muito que estimaua esta ocupação, e pedindo fizessem nella mujto serisso a Deos Nosso Senhor, e que quando se recolhessem os hauia de vizitar, iá que elles o buscauaõ pera se despedirem.
Andando o Rej emtre perplexidades sobre o seu baptismo, multiplicandolhe Deos os auxilios, se delibesou a pollo por obra; e chamando a seu filho Dom Manuel, e a hum gentio de quem mujto se fiaua, antes da sua auzençia pera a Pouoaçaõ da Geba, lhe falou desta maneira, e repito as palauras formais por naõ faltar á uerdade da historia. Bem sabeis az instançias, que o grande zello de vosso Padrinho o Rey de Portugal tem feito sobre o aproueitamento da minha alma, e as grandes aduertençiaz que os Religiozos presentes e passadoz, me fizeraõ sobre o meu bem, mouidoz todos de humaafeição caritatiua sem que pera isto intreuiesse merecimento meu; com que há uista de semelhantes couzas, quando naõ fora mais que só por fazer o gosto a uosso Padrinho a quem tanto deuo, e ao Bispo, que depois que os meus olhos tiueraõ a dita de o uer, naõ deixou o coração de me estar sempre batendo com a sua lembrança, e do que com tanta eficaçia lhe prometi; pois se Deos o naõ trouxera a mostrarmo, e uos leuasse comsigo, numca os meus olhos uos ueriaõ tam prendado do Rey de Portugal, nem eu uiria a hum Anjo, que me pedia a minha alma; com que me rezoluo a receber a agoa do Baptismo, pera me naõ perder, com que uos notiçio com mujto  segredo, em como na minha uontade há deliberação de o executar; porem com todo o recato pera que naõ venha a ser motiuo de discençoins emtre os meus e de hoye em diante uos seia notório, que intento secretamente pedir aos Missionarios, seiaõ seruidos receberme em a Congregação dos mais cristãos, dando me o Baptismo.
Estas palauraz falou o Rey, a que estauaõ atentos os dois ouuintes, e lhe renderão az graçaz, pella uerçê delle comuniquar negocio de tanto pezo, e lhe prometerão ser companheiros em o tempo que o executasse, pera terem o gosto de o uer completo.
Depois de alguns dias, quis pôr o Rey por obra o seu baptismo, porem teue tres impedimentos. O primeiro estarem os Religiozos do Hospiçio quazi todos doentes; o segundo ser tempo das lauouras; o 3o az mortez gerais dos gentios por toda esta Ilha, que ficarão cazas inteiraz despouoadas, e se perderão mujtas nouidades nos campos, por lhe faltarem domnos, e ser preçizo comforme ao seu costume dar o Rey mortalhaz a todoz, e asistir nos choros, e juntamente por lhe morrer hum Iagra seu Irmaõ, erdeiro do Reino, e mais de trinta molheres do dito Rej, e outroz parentez, e finalmente por lhe uir a noua do falecimento do Princepe seu filho.Em todos estes trabalhos se mostrou o Rey, com tam grande sofrimento que fazia admirar aos Religiozoz, portandosse de sorte que parecia hum prefeitissimo Catolico, comformado ora ás disposiçoens diuinas, e como se fosse sciente dos dictames da Ley Cristam, tenha pera sim que estes sucessos eraõ uozes de Deos, que o chamaua, e sem embargo de que pelas sobreditas cauzas dilataua o baptismo, numca o perdia do dezeio e da memoria, e pedia aoz Religiozoz que rogassem a Deos que no meio destas aduersidades o naõ dezemparasse.
Sucedeo que em 23 de Janeiro deste anno, foraõ vizitar dois Religiozoz ao Rey, como muitas vezes faziaõ, e chegado iá o tempo em que o Altissimo Senhor o ueria colher o fructo da semente de auxillio que no coração deste venturozo Rey tinha plantado pera gloria sua, edificação dos Cristãos, e comfuzaõ e exemplo dos gentios, no mejo da vezita sobreueio ao Rey huma innopinada febre, com tanda força que o obrigou a reclinarse; e acomselhandolhe os Religiozoz alguns muitos remédios de que podia uzar; se despedirão, aduirtidos pello Rey, que rogassem a Deos pella sua saúde, e o uezitassem a meudo. Dous dias o naõ foraõ uer, por lhe dizer o seu Alcaide que se achara melhorado; mas passados elles o tornarão a vezitar leuando comsigo o Cabo desta Pouoaçaõ, chamado Barnabé Lopes, que sendo gentio se baptizou há muitos annos, e trouxe sua May e parentes á Cristandade, pera que lhe seruisse de lingoa, e chegados iunto á camado Rey o acharão bem mollestado, e ao tempo de se despedirem sahio o Rey com huma pratica nesta forma, falando com o dito Cabo em o seu idioma natural.
Meu amigo, saõ muitas vezes as doenças embaixadas que Deos manda aos homens, pera a compoziçaõ de sua alma, e pera emenda de sua vida, e bem vos tem mostrado a experiencia que naõ só nesta ocaziaõ, mas na do estrago de minha caza, as muitas que me tem emuiado, comseruando me sempre a vida, sem que semelhantes pezares perturbassem a constancia de meu animo. Agora de me vejo em esta cama e suposto me tinha valido da preuençaõ em mandar chamar o meu padrasto do Lobaque, que como juiz dezentereçado, em a minha doença, me dezemganasse sobre a sua grauidade.
Conhecendo que hauia algum risco lhe aduerti, que sem demora alguma uos certificasse pera que como leal amigo me desses parte ao Pe. Vigário me quizesse receber em o numero dos mais Cristãos, suas ovelhas, e que naõ consentisse sua Caridade se mallograsse o dezeio que tenho de ser Cristão; e assim iá que a minha ventura uos fez nesta occaziaõ ajuntar, estai de auizo, assim uós como elle, porque naõ sei se este trabalho em que uejo será o ultimo, com que Deos me chama. //
Acabou o Rey de falar estas palauras, e todos se despedirão comsolando a sua aflição com lhe dizerem que estiuesse de bom animo, que naõ hauia Deos de premetir que seus intentos se mallograssem, e que elles lhos hauiaõ de executar, ainda que fosse á custa de perder as suas vidas. E vindo pera o Hospício contarão aos mais Religiozos o grande dezeio que o Rey tinha de ser Cristão, e todos de lá por diante se uniaõ a pedir a Deos Nosso Senhor com muita instancia, que fossem bem logrados tam bons propozitos.
Passados alguns dias chegou muito de menham o Alcaide, a chamar da parte do Rey aos Religiozos; e indo a toda a preça o acharão iá emfermo grauemente, e dando parte da sua doença lhe pedio que por sua Caridade vissem se tinhaõ algum remédio; e respondendo os Religiozos que lhe parecia ser a sua emfermidade de sangue e que naõ sabiaõ outro mais que o das sangrias, tornou a dizer o Rey. Bem emtendo que esta vossa palaura hé de temerozos, porque se aos Cristãos, com toda a diligencia acudis com os medicamentos, que a experiência uos tem emsinado, como a mim uos naõ atreueis, majormente querendo eu tambem ser Cristão, e a grauidade da minha doença me obrigou agora a mandar uos chamar pera que desde oye emtregandome em vossas maõs como pays, obreis o que uos parecer com a minha, iá que uos naõ atreueis com a cura do corpo. //
Desta maneira falou o Rey em prezença de alguns Fidalgos, ao que os Relligiozos responderão.Naõ nos cauza pequena admiração este vosso dizer, oh Rey, pois uos hé notorio que em outras occazioins que nos fazíeis certos de vossas malles, tratauamos da vossa saúde; suposto que hé tal a pençaõ de ser Rey na vossa terra, que aos mais experimentados hé dificultozo o aplicarem curas, por serem os filhos da uossa patria taõ superstiçios, que se morrem, afirmaõ que quem lhe aplicou o remedio pera a uida o priuou delia, negando a Deos o poder de dar emfermidades e morrer; e nesta forma sois taõ mizeraueis que ao dezemparo morreis, porque ninguém se atreue a aplicamos remédios, por naõ carecer da boa fama, e por naõ ficar priuado de seus bens, pois todos se confiscaõ pera os parentes do morto; porem naõ hé este o motiuo que prezumis, porque com a mesma igualdade que em outras occazioins nos hauieis de achar nesta; se a medeçina desse achaque do corpo nos fora taõ facil, como hé a que pretendeis pera a vossa alma; e assim que desta nos naõ hauemos de descuidar, mas também haueis de aduirtir a estes vossos Fidalgos que prezentes estaõ, que pretendeis ser Cristão, pera que pellos seus agouros naõ imaginem que a agoa do baptismo uos tirou a uida, e por esta imaginada culpa nos façaõ seus captiuos.
Ouuindo o Rey e os circunstantes estas rezoins, respondeo por todos hum dos Fidalgos. Bem mostra Padres no que falou, a muita experiencia que tendes de nós; porem haueis de aduertir que semelhante mudança, qual hé a de hum Rey gentio, em Rey Catolico, hé negocio de greande pezo; e como tal naõ hé bem que semelhante couza seia deliberada por taõ poucos como nós os prezentes, quando uem a cahir em bem ou mal de hum Reino. E assim naõ nos deixa de magoar o naõ estar executado semelhante dezeio, pois no tempo em que este Rey mandaua com saude, eralhe façilissimo, porem no estado em que o uedes emfermo, naõ deixa de ser muito arduo, por se naõ uzar emtre nós semelhante couza; pois deuem os Reis seguir a seus antepassados; comtudo aduertimos que vendo nós as suas ançias, somos de pareçer, que façais o que uos roga; mas antes que o executeis se háde pôr em Comcelho, por ser negocio mui pezado; e da rezuluçaõ sereis sabedores; e assim que por ora deferi a petição com a espera pera o dia de amenham.
Inquieto esteue o Rey ouuindo estas palauras, e as quis interrõper, mas esperou o fim; e falou desta maneira. A mim me toca por uós Reuerendos Padres responder a semelhante dizer, porque sei como me deuo hauer com os meus; e sentandosse na cama disse peraos Fidalgos. Ouuido tenho e certamente emtendido, a pouca vontade que tendes de me uer Cristão; mas aduerti em o grande cuidado com que costumais pôr em execução as vitimas vontades, que nada uos desuiais do que em suas mortes uos encomendaõ os defuntos, porque tendes por certo como a experiencia uos tem mostrado que elles se uem uingar de uossos corpos e fazendas asando tudo. E se isto executais tanto á risca por temeres os castigos de vossas chinas, que certamente saõ os inimigos infernais das almas, naõ uos pareça que deueis temer menos a vingança do grande Deos dos Cristãos, se a minha alma se perder por vossa cauza; e pera que vos seia mais notório uos torno a dizer que naõ quero morrer gentio, nem que meu corpo seia sepultado com os vossos costumes, em lugar sujo, aonde uaõ os outros Reys, e desde oye me emtrego nas maõs destes Religiozos, pera que obrem comigo o que costumaõ fazer com os Cristãos; e se os outros Reys o naõ fizeraõ foi por falta de vontade, que nem por isso deixarão ser Senhores de sim; mas visto quereres pôr isto em Concelho, seia muito embora, que eu daqui me resoluo a que o meu baptismo, ou publico ou secreto, naõ há de passar do dia de amenham; e podeis estar dezemganados que se athé agora mataueis quarenta ou sincoenta escrauos, e os enterraueis na sepultura do Rey, em comoanhia de hum cauallo, com o mais preciozo de suas alfaias, dizendo ser isto necessário pera o seruisso do Rey no outro mundo, que de oye em diante ao menos, o naõ haueis de vzar comigo; porque daqui vos tiro o domínio de minha pessoa; e assim que Reuerendos Padres, visto este negocio estar em semelhante termo, uos podeis retirar pera o uosso Convento com animo de /que/ me naõ faltareis com a assistencia costumada que Deos há de premitir que se cumpraõ meus dezeios sem a menor offença de uossas pessoas; e vós Fidalgos tratai de rezoluer o que se há de obrar, iá que a minha fortuna chegou a tal extremo que leuantandome há dignidade de Rey, me poz agora em tal estado que estou agora vassallo de meus uassalos.
Deu o Rey fim de sua pratica e os olhos dos Relligiozos deraõ principio ás lágrimas mouidos da penna que lhe cauzaua o uer taõ forçozos impedimentos em o baptismo do Rey; porem asentaraõ comsigo, de lhe naõ faltar com a asistencia pera que naõ morressesem este Sacramento, e despedindosse por entaõ, foraõ a caza do Cabo BernarbéLopes, e dandolhe de tudo noticia lhe pedirão quisesse pôr seruisso de Deos acompanhai los e fazer neste negocio o que pudesse, por ser de respeito pera com os gentios; e uindo nisto com boa uontade se despedirão pera o seu Hospicio.
Amanheceo o seguinte dia em que se hauia de difinir a proposta do paciente Rey, e madrugando os duos Religiozos a dizer Missa, pedindo a Deos Nosso Senhor sua diuina assistencia; acabados seus Sacrifiçios, e se foraõ a caza do dito Cabo, o qual os acompanhou athé o Reino; e chegados tiueraõ logo noticia de que alguns dos Fidalgos se tinhaõ retirado por se naõ quererem achar na discizaõ do cazo.
Com este innopinado sucesso, se mostrou o Rey sumamente aflicto e assustado, porque pella pratica que tinha feito no dia de antes com que os deixou temerozos imaginou que todos hauia de ter da parte do seu dezeio; e agora os uia retirar e fugir, pera nem votaremnem darem por bem o que pertendia obrar. E uendo os Religiozos estes termos, tratarão de consolar ao Rey, e darlhe palaura que naquelle dia ainda que fosse com grande perigo seu, o hauiaõ de baptizar; com que ficou o Rey mais conçolado, e os Relligiozos tratarão de o cathequizar, e propor todas as condiçoins que eraõ necessárias, e as despoziçoins preçizas pera que recebesse fructuosamente a graça do sagrado baptismo, as quais elle aceitou com excellentes demonstraçoins de que queria ser uerdadeiro filho da Ygreya, sem pôr a menor duuida, em tudo quanto os Religiozos lhe prepuzeraõ, os quais por dissimulação, se uoltaraõ pera o Hospiçio; porem logo depois da meya noite do seguinte dia, em que se contauaõ 4 de Feuereiro, sahiraõ, e indo buscar ao Cabo Bernabé Lopez, se foraõ todos tres a caza do Rey, o qual só uigiaua quando todos dormiaõ; e mandando abrir as portas e sendo introduzidos, ordenou o Rey a huns Fidalgos que se leuantaraõ, que se retirassem pera outra caza, e saltandolhe o coração pellos olhos fallou aos Religiozos desta maneira.
Reuerendos Padres, naõ quero ser comprido nesta palaura, porque asaz uos tenho dito o quanto dezeio ser Cristão, e junctamente tendes alcanssado que saõ uerdadeiros os meus afectos; e assim que pella palaura que me tendes dado, hé esta a ora em que hei de uer complectos os meus cuidados; agora só o que uos rogo hé, que a seu complemento naõ sirua de embarasso o temor de meus vassallos, porque Deos como poderozo, uos há de liurar das maõs destes tyranos.
Dizendo isto, se leuantou em pé hum Fidalgo (porque ao sahirem os mais delles pera outra caza, rezeruou alguns de que se fiaua pera serem testemunhas deste acto) e fallou por este modo. Muito me admiro Rey da vossa prudência, que se atreua a executar semelhante couza, quando claramente sabeis que se há de publicar; e sendo nós os que uos assistimos, viremos amenham a ser culpados, majormente que ha vossa doença ainda naõ hé de morte, e quando uos leuantardes delia poreis em execussaõ o que agora pertendeis, e se acazo morrereis baptizado, diraõ que o baptismo uos matou, e que temos a culpa, pois fomos concentidores que se uos desse, e ficaremos metidos em hum laberinto de trabalhos, e assim naõ premita a vossa bondade o metemos em semelhantes angustias.
Quis logo responder o Rey, mas como estaua fraco pedio licença Barnabé Lopes pera responder por elle, o que Rey concedeo com boa uontade, por ser o dito filho da mesma terra, o qual o fez desta maneira. Bem notório uos hé Fidalgos, que sou eu vosso patricio, e parente de muitos de uós outros, e que se me naõ escondem os vossos fingimentos, pois sou bem experimentado nelles;e yá pera mim me naõ cauzaõ admiração como sabeis; mas hauieis de emvergonharuos que este conhecimento fosse notório a estes Reuerendos Padres que naõ faltando a seu zello, a buscamos há tantos annos, lhe uindes dar a conhecer que sois nuns pello rosto e outros pellas costas; deuendo uós emtender que saõ menistros de Deos e que pera elle uos buscaõ sem interesse algum mais que a saluaçaõ de vossas almas. Muitas vezes o tendes asim comfessado pella vossa boca, principalmente quando uos accometeraõ os castigos de Deos na terra, e nos fmctos os gafanhotos; vede a quem acudistes pello auxillio pera com Deos, e quantas vezes os tendes ocupados e se em alguma foi em uaõ a uossa suplica, e conhecendo uós isto a olhos claros, que é o que uos cega quando claramente sabeis que uos condenais, majormente que comforme a vossos ritos, naõ podeis negar a ninguém na morte o que pede; e com major rezaõ a hum Rey que uos naõ leua a terra mas ahi uos fica; dizeis que naõ há de morrer, e que ao despois se poderá baptizar; poruentura o que uós agora lhe naõ premetis lho haueis de concentir depois? Quantas vezes o tendes tirado de pôr isto e execussaõ? Demais que me naõ podeis afirmar que naõ morre, porque todas as vezes que semelhantes pessoas chegaõ entre uós a estado semelhante os deixais morrer ao dezemparo; sabeis porque uzais agora estes emredos? Porque eu naõ tenho agora sincoenta homens de armas pera pôr o fogo a todos os que abrissem a boca, mas naõ temais que uos falte a castigo assim de Deos como dos homens e em rezoluçaõ de contas sabei que os Reuerendos Padres uem expostos a baptizallo, ainda que seja a troco de perder a uida; agora vede se uos atreueis a fazer alguma mollestia áquelles que comfessais, que saõ Deos na terra, tam zellozos das almas que Cristo remio com seu sangue, que naõ contente a sua Caridade que nenhuma se perca, e pera isto uieraõ passar os mares arriscandosse aos perigos delle, e na terra más passagens, deixando sua amada pátria, pais, parentes, e amigos inuiando os Deos pera o nosso remédio.
A esta pratica responderão os Fidalgos que assistiaõ, que falaua uerdade, e que o Rey era Senhor de sua cabeça, e obrasse o que quizesse; e alcançado o despacho, e consentimento dos circunstantes, emquanto Fr. Manoel de Castedo, vigário da Pouoaçaõ, se preparou pera administrar o Sacramento, se occupou seu companheiro opregador Fr. Manoel de Castello Branco, em lhe hauiuar a feé e a detestaçaõ e dor de seus peccados; e estando tudo bem disposto se administrou o baptismo, em o qual seruio de Padrinho o dito Barnabé Lopes, e ficarão os Religiozos admirados da grande reuerençia e piedade, com que o Rey recebeo o Sacramento, porque estando mui fraco preguntou se era necessário que se puzesse em pé ou de yoelhos.
Vendosse iá o que athé agora era Bacampolo, feito Dom Pedro (que este foi o nome com que quis ser baptizado, por obsequio a vossa Magestade) o Primeiro Rey Católico desta Ilha de Bissao, mostrando huma extraordinária alegria, daua mostras de grande consolação, e pera explicalla, tanto que recebeo o Baptismo, falou (contra o seu costume) esta palaura crioulla: Agora mi esta sabe, que hé o mesmo que se dissera, ainda que estiuera no mayor auge da ventura, leuantado em dignides, abundante de riquezas, chejo de conçolaçoins, e finalmente de tudo o que no mundo se pode apetecer,nenhuma destas couzas, nem todas juntas, seriaõ pera meu coração de igual ualor e gosto, como a prenda que agora pessuo; e bem o mostrou, pois acabando de dizer a palaura sobredita pedio o seu rozario, e lançando a maõ a hum Crucifixo que leuaua quando o baptizou, disse. Ia agora Senhor hé tempo de dispores de mim o que melhor for pera a minha alma; e assim que haueis de ser meu companheiro nesta cama, pera que como Pay me apiqueis como a filho a medeçina que melhor uos parecer me comuem; e agora Relligiozos Padres, hé tempo de uos recolhereis pera vossa caza, pois uem chegando a menham de 4 de Feuereiro, sábado, do primeiro dia em que recebi o meu bem todo, a dardes descansso a vossas pessoas; e vós Bernabé Lopes, iá que de hoye em diante sois meu espiritual Pay, como a filho me lançai a bençaõ, naõ uos desandandode mim, iá que naõ tiue a dita de ter hum pay espiritual como meu filho teue.
Despedidos os Relligiozos, se uieraõ pera o seu Hospiçio dando a Deos muitas graças, pella incomparauel mercê que fez, e grande mizericordia que obrou com este venturozo Rey; e depois de tomarem algu descansso voltarão outra vez a assistir a este nouo comuertido, comuieraõ que se lhe hia agrauando mais a sua emfermidade e o consolauaõ nas suas aflicçoins, com a certeza de que aquelle Cristo a quem tinhaõ tomado por companheiro lá escolhia o que era melhor pera a sua saluassaõ; e no outro dia, que se contauaõ sinco de Feuereiro, dia Domingo depois das Ave Marias, deu a sua ditoza alma ao mesmo Cristo.
Diuulgousse a noua de se ter o Rey baptizado, e do que em sua vitima vontade ordenara de que o naõ sepultassem na sepultura suya de seus antepassados, nem lhe matassem escrauos pera o seu seruisso, e se queriaõ sevar a sua tyrania fosse em hum cauallo que lhe deixaua, e tinha comprado por dous escrauos poucos dias antes de morrer; mas como era contra a vontade de muitos o seu baptismo, tambem o foi a sua despoziçaõ, naõ querendo emtregar o corpo pera se lhe dar sepultura eccleziastica, por mais diligençias que pera isto fizeraõ os Relligiozos, por naõ perderem as suas superstiçoins de correrem as suas chinas com o cadauer e gastarem muitas vaquas e bebidas, pelo discurso de hum anno; mas sem embargo disto, lembrandosse da vontade do defunto, e temendo algum castigo de Deos, naõ vzaraõ com este Rey o que custumauaõ com os seus passados, porque somente matarão oito ou noue rapazes e raparigas, costumando quaranta e sincoenta e ainda naõ acabarão sinco mezes, e iá tem acabado o seu choro o seu choro.
Morto o Rey, se meteo em sua caza hum seu Irmaõ, filho da mesma May (porque os reinados em quazi toda esta gentelidade, se erdaõ pella fêmea) o qual se chama Tôrô Cô. E por hum fidalgo a quem pertence a coroação, lhe foraõ postas as insignias de Rey, que vem a ser, o barrete vermelho na cabeça, huma tenaz de ferro no hombro, e outro instrumento de ferro como formaõ de carpinteiro na maõ direita, as quais insignias sempre seruem nesta fünçaõ, porque se prezaõ os Reys de ser ferreiros,e todos os annos pella sua própria maõ fazem na safra que tambem tem, a primeira Daua ou Arado pera abrir a terra e comessar a lauoura.
Vendo hum gentio fidalgo, que moraua no enterior da Ilha, por nome Izinha, parente delRey defunto seu tio introduzir, e fazer huma aldeã grande, entre o Reino donde mora o Rey prezente e a nossa Pouoaçaõ dos Cristãos, pera impedir ao Rey a comunicação do porto, como hé suprestiçiozo, mal acondicionado e summamente amante dos gentios, tem o séquito de muitos, e perturba ao legitimo Rey; e naõ tenho feito pouco em acabar com elles, que naõ rompaõ em guerras athé o verdadeiro Deos dispor o que há desser, e disto dou particular noticia a vossa Magestade em hum papel que remeto a Roque Monteiro Paym.
De todas estas couzas que tinhaõ sucedido me foraõ nouas no pataxo que partio de Cacheu em Março pera a Ilha de S. Tiago, no qual tiue huma carta do dito Rey Tôrô Cô em que me fazia certo das mortes de seu irmão (?) e sobrinho, dizendo mais que queria ser Cristão, emtregarme os filhos do defunto, que saõ muitos, e dar comprimento a todas as promessas, e palauras, que se tinhaõ dado a V. Magestade. E vendo eu a grande mudança, e alteração que em taõ pouco tempo tinha soçedido, me rezolui a embarcar pera esta Ilha, aonde cheguei em noue dias com felicíssima viagem, e aportei nella a vinte e sinco de Majo. Fui recebido de ambos os Reys, com demonstraçoins de amor, e agazalho; e ambos me tem buscado por muitas vezes, mas hé sem comparação mayor o afecto do Rey legitimo, qua algumas vezes me tem buscado pella huma ora depois da meya noite, repetindo as sobreditas promessas, e sobre mandar ao Capitão Mor algum alimento pera os soldados; mandou hum dia destes pera o trabalho mais de setenta pessoas.
Tanto que cheguei o meu primeiro empenho foi que me emtregassem os ossos do defunto pera lhe dar sepultura eccleziastica; e teue este negoçio muitas dificuldades, porque diziaõ que ainda duraua o seu choro, e luto, e que abrir a coua de seu Rey, sem primeiro falecer outro era huma couza nunca vista, nem imaginada, e que naõ hauia de estar capax de se dezenterrar,sendo há tam poucos mezes sepultado; e que finalmente estaua distante desta pouoaçaõ, e que se isto se soubesse se hauia de amotinar o pouo. //
Respondi a tudo o que Deos me inspirou, e acabei com o Rey legitimo (que o Rey intruzo desde o principio o queria emtregar, mas nem elle os podia dar nem eu os queria de sua maõ) que me mandasse mostrar o lugar da sepultura, o que fez depois de muitas persuaçoins e diligiençias a onze deste mes de Iunho, em que sahindo com os Relligiozos, guiados por dous fidalgos caminhamos mais de huma legoa pera dentro do mato; debaixo de humas grandes arvores achamos o gentillico cimeterio, e abrindo a coua, que era alta e redonda; asistidos de luzes e incenssos, foraõ dentro dois Religiozos e o mesmo coueiro que o tinha sepultado; o qual sempre rindo, summamente gostozo com ser gentio; foi em primeiro lugar (depois de me pedir a paga) tirando as alfaias que se tinhaõ sepultado com seu domno, dous caldeiroins, hum traçado, hum dardo, huma partazana, huma azagaya, huã trombeta, e hum cabasso de dinheiro com cristal, e alambre, e huma contas de cristal com huma varonica de ouro, e outras couzas mais que ficarão dentro; e tirandolhe pera fora o corpo emvolto em muitos pannos; e por sima hum de damasco. //
Abrimos tudo, por lhe tirar os sinais de gentio; nas duas arrecadas de ouro que nas orelhas tinha; des ou doze manilhas de prata em cada braço, e cantidade de corais no pescosso. Tirando tudo e emtregue ao coueiro por recomendação do Rey tornamos a embrulhar o corpo, cujos olhos estauaõ ainda organizados; mandei ascender uellas e cantar hum responsso, e recolhendo o em hum caixaõ que pera isso leuauaõ cuberto com hum panno de damasco roxo, asistido de luzes, que se naõ apagou nenhuma, sendo taõ grande a distançia, o conduzi pera a Igreya Matrix de N. Senhora da Cadellaria desta Pouoaçaõ; e pello dobrar dos sinos se comessou a diuulgar este segredo com gosto dos Cristãos, e admiração dos gentios; passados dois dias em que mandei preparar a Igreya do Hospício, com sua essa e muitas luzes, transferimos o corpo, e cantandolhe hü Offiçio lhe dissemos Missa e preguei as exéquias, narrando as virtudes morais que o defunto tinha quando gentio, com que pareçeo obrigara á mizericordia de Deos que lhe desse auxillios efficazes pera que recebesse o baptismo e se saluasse; e celebrando tambem por sua tençaõ todos os Relligiozos lhe mandei dar sepultura, na mesma Igreya do Hospício como elle tinha pedido; e foi taõ ditozo que se uio asistido nestas suas honrras do Arcediago, e hum Conigo, que uaõ de viagem pera a Seé da Ilha de S. Thomé, e de tres Relligiozos Augustinhos descalsos que uaõ pera a mesma Ilha, de quatro sacerdotes seculares, e oito Religiozos deste Hospiçio; e tanto numero de sacerdotes, foi couza nunca vista nestas partes.
Asistio a estas exeguias de seu Irmaõ o sobre dito Rey Tôrô, que vendo disparar a artelharia e os soldados postos em alias, e depois os Offiçios funerais ficou pasmado; e finalmente esteue muito atento ao sermaõ, e acabado tudo veio gentar comigo, e por sobre menza lhe tornei a propor as matérias da feé. E me deu boas esperanças de se fazer Cristão; mas cuido que há de dilatar o consentimento pella necessidade que tem dos gentios pera a sua conseruaçaõ; fico trabalhando neste negocio e Deos N. Senhor por sua infinita mizericordia se compadessa de tantas almas; mas tenho esperança firme da sua redução, pello grande aballo que lhe cauzou o baptismo do nosso venturozo difunto, pera quem pesso a V. Magestade me faça mercê na primeira embarcação que uier pera esta Ilha mandarme hua campa, que traga por epythafio:
AQVI YAS DOM PEDRO PRIMEIRO REY CRISTÃO DESTA ILHA DE BISSAO QUE FALECEO EM 5 DE FEUEREIRO DE 696
Agora me fico occupando em repartir os vestidos que V. Magestade e a Rainha N. Senhora mandou pera os nouamente convertidos, que foi excellente traça per atrahir a estes gentios; que a bandos os vem pedir, e com os dezeio delles se aplicaõ muito a aprender as oraçoins.
Para a Pouoaçaõ dos gentios de Bolor mandei o anno passado dos Relligiozos que iá tem baptizado a muitos meninos, tam espertos que alguns delles sabem iá as oraçoins e ayudar á Missa, e ainda que os Padre os castiguem naõ fogem da escolla; e elles mesmos em seus fracos hombros acarretarão agoa e o mais necessário pera se fazer aIgreja que se benzeo em Março passado.
Agora mando outros dous Religiozos pera a Ilha de Carache, que hé a mais principal das doze Ilhas dos Pretos Bujagoz, porque todos os seus naturais em hum ajunctamento que fízeraõ indo lá dous Relligiozos os tempos passados rezolueraõ que queriaõ Padres a quem dariaõ vaquas e arroz pera ajuda de seu sustento e que lhe entregariaõ todos os seus filhos pera os doutrinarem; e comvertida a dita Ilha, tenho por sem duuida que todas as circumvezinhas se comvertem, por serem estes de Carache de major estimação, e exemplo entre todos.
De tudo o que tenho referido pode V. Magestade conhecer a boa dispoziçaõ em que está esta terra pera se colher delia mui copiozos fructos pera o que hé necessário venhaõ trabalhadores, e sobre tudo hum Bispo caritatiuo e zellozo, como iá em outra occaziaõ disse a V. Magestade e agora o torno a repetir, porquanto o Bispo da Ilha de S. Tiago, naõ pode, ainda que queira, cultiuar a esta noua vinha; e conciderando eu a grande necessidade que tem estas pobres almas de quem lhe reparta o paõ da Doutrina Cristam, pesso a V. Magestade com todo o rendimento me faça mercê aceitar a deixassaõ do Bispado de S. Tiago, pera que vindo naõ Bispo mas Missionário para estas partes, nellas passe o que me resta de vida.
Finalmente na Igreya Matrix desta Ilha de Bissao, se há de fazer percizamente hum baluarte da fortelleza que V. Magestade manda edificar, comforme dis o Cappitam Engenheiro; e trato logo de escolher sitio, e começar a Igreya noua; poderei remedear as paredes e algumas madeiras; porem nada mais, pello que peço a V. Magestade por honrra e seruisso da Santa Caza me mande dar seis pipas de cal pera rebocar as paredes, hum barril de pregos sorteados, oito dúzias de taboado serrado, e quatro dúzias de solho, e seis milheiros de telha; e há de uir tudo na primeira embarquaçaõ, que quero ter o gosto de deixar acabada esta Igreya antes que me recolha pera a Ilha de S. Tiago. O mais de que deuo dar conta, o fasso com cartas particulares; deixando muitas meudezas, porque me naõ dá lugar a breuidade da embarcassaõ, e as muitas occupaçoins em que me uejo.
Guarde N. Senhor a V. Magestade e o tenha em sua graça como sempre lhe rogo.
Ilha de Bissao, oie 15 de Iunho de 1696.
a) Fr. Victoriano Portuense Bispo de S. Tiago
BAL - Cód. 54-X-20, n° 57.
1696/06/16
CARTA DO CAPITÃO-MOR DE BISSAU A SUA MAJESTADE EL-REI
 (16-6-1696)
SUMAR10- Dá conta da sua chegada à Guiné e de como encontrou o reino partilhado em duas facções, sendo lzinha o mais poderoso. - Encontrou Barnabé Lopes, que resolve todas as questões com os gentios, o que merece louvor.
Senhor
Beyo a mão Real de V. Magestade pella grande honrra e excessiva mercê que me fes de ocupar no seruiço desta fortaleza de Bissau, a cuja ilha cheguei a vinte e sinco de Mayo, com feliz sucesso, com os offiçiaes da fazenda e guerra que vieraõ desse Reyno e os quarenta soldados que se alistarão na Ilha de Santiago. E tanto que  cheguei, sem interpor demoras no meo cudado, principiei a levantar cazas para acomodar esta gente e guardar a real fazenda de V. Magestade por naõ aver e ser entrado o inverno. Senhor, assim que cheguei a esta Ilha de Bissau achi os gentios separados em dois bandos, hum delles hé o irmão do Rey que falleceo, que fica nas suas proprias cazas com o cabedal que elle tinha, e o otro está feito tambem Rey, hé hum seu tio, que dis o Reyno lhe cabe a elle e já da otra ves que reynou seu sobrinho D. Pedro, por lhe querer muito o deixou reynar; e este Rey tem tomado o porto e tem mais gente que o de sima porque todos lhe obedecem, e tanto assim que não hé o de sima ouzado a vir a este porto com medo delle; e ambos estes Reys se querem baptizar e fazeremçe christãos e me tem custado muito trabalho acomodallos ambos, enthé que V. Magestade detremine o que for servido, para que hum delles reyne. //
E foi Deos seivido achar viuo nesta Ilha o Capitam Cabo que aqui asestia, que lhe chamão BARNABÉ LOPEZ,que figua agora oor capitam da Companhia da Terra; elle me tem ajutado muito a conseivar este gentio, que como são seus parentes e tios acaba tudo com eUes o que quer. V. Magestade ·lhe está em muito aguardecimento neste particular, porque hé bom christam e mui leal ao seruiço de V. Magestade e obseivador das ordens que se lhe entregão. V. Magestade poderá mandar escreuer a este sojeito se escreua para o obrigar com todo empenho, para que asista nas co11zas do real seuiso, sem embargo de que sempre se mostra leal. Espero por resposta de V. Magestade sobre a superação destes dois gentios, porque ambos estão ateimados a querer cada qual delles ser Rey e conheça V. Magestade que este que tem tomado o porto, que hé o mais velho, que se chama lnssinha, tem mais poder tres tantos que o de sim~ que querendo vir o innão do Rey, chamado Xoró, vizitar o Bispo, o foi encontrar o caminho para o matar, dizendo que não auia [de] pôr pé no porto, onde acodio o Bispo e mais gente da pouoaçam com algtmS soldados meos para auerem de os aquietar.Tenho dado conta a V. Magestade e fará aquillo que for seruido, que. pennitirá Deos que seja com quietação e que tudo se obre com bom susseço, que de minha parte o pesso á Virgem da Conceição que tudo ponha em pez, pois a troxe em minha companhia.
Deos guarde a pessoa de V. Magestade com dilatada vida, que estes seus vassalos avemos mister. //
Bissau, 16 de Junho de 696.
O Capitam Mor JOZEPH PINHEIRO (1)
AHU - Guiné, ex. 3, doe. 241
(1)  José Pinheiro recebeu carta de Capitão-mor de Bissau, em 21 de Março de 1696. ATT - Chanc. de D. Pedro II, liv. 23, tl. lOOv.
1696/10/16
Fortaleza de Bissau
«Primeira Fortaleza de Bissau
Ao mesmo tempo tratava-se das obras das fortificações, encarregando da sua direcção o ajudante de engenheiro das fortificações do Alentejo, João Coutinho, que teve carta de capitão de engenharia de Cabo Verde e Guiné, em Fevereiro de 1696, com o sôldo mensal de 25$000 réis.
Êste técnico passou por Santiago e foi a Bissau com o fim de fazer o projecto da nova fortaleza. O seu primeiro· traçado, excessivamente grande para os recursos da colónia, foi reprovado pelo capitão José Pinheiro e pelo bispo D. Vitoriano, que ao tempo se encontrava em Bissau.
Foi, por isso, substituído por outro mais modesto, tendo-se lançado a primeira pedra em 16 de Outubro do mesmo ano na presença do prelado, que colocou a fortaleza sob a protecção da N .ª Sr.ª de Conceição. O engenheiro João Coutinho era falecido um mês antes, notando o capitão Pinheiro que «tinha sido uma providência porque daria cabo de todos os cabedais, por querer meia Bissau por fortaleza».
Extraíram-se pedras das localidades próximas e fizeram-se fornos para a preparação de cal, que custava mil e quinhentos réis por cada pipa. No período de 4 meses estavam prontas as construções mais indispensáveis e, em Março de 1697, informava a El-Rei .o capitão José Pinheiro que a fortaleza era importante para aquela terra, com os seus 140 pés de cada comprimento, que faz em redondeza 560 pés, com 4 baluartes com suas pontas de diamante, dois para a banda do mar e dois para a terra; cada um deles pode levar 8 peças de artilharia, fora uma cortina para o mar entre os dois baluartes, que pode levar 12 peças.
Todavia, pouco depois o capitão de Cacheu, Vidigal Cast anho, referindo-se à mesma construção dizia: «A fortaleza é de pequena capacidade, feita de pedra e terra; dizem. os que entendem que promete pouca duração e pouca defesa ... E será necessário mandar V. Majestade socorrer o dito capitão-mor de Bissau de alguns oficiais e soldados, por lhe terem fugido a maior parte deles».
As obras da fortaleza continuaram sob a direcção de José Pinheiro da Câmara. Em Dezembro de 1697, surgiram no pôrto dois patachos ingleses que pretendiam negociar com os indígenas.
O capitão-mor intimou-lhes a saída no prazo de 24 horas, no que foi prontamente obedecido. Mas o régulo Incinhate, desgostoso com o embargo das transacções, mandou pedir explicações ao capitão Pinheiro, respondendo êste que se limitava a cumprir as ordens do rei de Portugal, que mandara construir aquela fortaleza para a defesa contra os estrangeiros e que os indígenas podiam abastecer de mercadorias dentro da Praça.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 132-133
«Para construcção da fortaleza mandou-se um engenheiro, que falleceu em 26 de agosto de 1696.
O capitão-mor Joseph Pinheiro dizia n'uma soa carta de 9 de março de 1697 que linha mandado arrancar muita pedra para essa fortaleza, e tinha sido uma providencia a morte do engenheiro, porque daria cabo de todos os cabedaes, por querer meia Bissau para fortaleza, ao que se oppoz o bispo, convencendo-o a que apresentasse o desenho do que se poz em execução. Seguindo
esse desenho começou o capitão-mór a dirigir a construcção em 16 de outubro de 1696, pondo-a o bispo sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Dizia Joseph Pinheiro: esta fortaleza, Senhor,é muito bastante para a terra, tem 140 pés em cada comprimento, que faz em redondeza 560 pés, com quatro baluartes com suas pontas de diamante, dois para a· banda do mar e dois para a terra; cada um d'elles pode levar oito peças de artalheria, fóra uma cortina para o ma,. eml'e os dois baluartes, que pode levar doze peças; ao fazer d'utanca um baluarte da banda da terra acabado em tnuralha; da banda da terra feito com sua cortina entalhada para poder laborar a escopetaria: para a banda do mar ficam os dois baluartes meio feitos e vou redondando a muralha e me custa muito agora no secco a tirar pedra e muita cal, que me .custa trabalho a (areia por não haver embarcaoes n'este Bissau que acarretem os materiaes necessarios, porque não tem a sahir uma pipa de cal a Vossa Magestade mais que 1$500, e n'esta fórma poupa Vossa Magestade muito cabedal; eu só o que padeço trabalhos pelo muito sol que apanho e sereno que me tem custado mais de sessenta sangrias, por vezes, coisa que Vossa Magestade se ha de mandar informar, e se quizer mandar vir engenheiro o pode mandar, o qual estimarei por me alliviar de bastante trabalho, que, supposto não é minha profissão essa, tenho corrido muito mundo e visto muitas fortalezas e um tanto curioso.
Como jâ dissemos, o rei Bacampolco tinha offerecido a El-rei, na sua carta de H de ahril de 1694., terreno para construir fortificações com o fim de alli não se consentir negocio aos estrangeiros. Em dezembro jâ a fortaleza se achava em estado de oppôr resistencia; succedendo entrarem no porto dois patachos inglezes com negocio, e vindo os capitães a terra para os permutar, (oram intimados pelo capitão-mór para cm vinte e qnatro horas sahirem, sob pena de os meller a pique. Cumpriram a ordem, deixando o porto.
O rei Incinhale, vendo sabir os navios, mandou perguntar ao eapiUto-mór, pelo seu alcaide e fidalgos, se era elle o senhor da terra, pois que estava tolhendo o negocio aos estrangeiros; a isto respondeu o capitão-mór: que não obrava mais que aquillo que El-rei meu senhor me mandava e que para isso lhe mandava fazenda para esla praça para elles negociarem e fazerem a fortaleza para os defenderem; que bem viram na outra occasião a vir um navio francez de guerra e querer matar o rei Bacampolco.
Voltando os mesmos da parte do rei com a mesma pergunta, disse-lhes então o eapitão-mór: que se fossem embora, que no tocante a negocio se não havia de fazer emquanto eu tiver a cabeça em pé; foi-se mui enfadado dar parte ao rei; querendo-me precatar mandei atirar pera de rebate e tocar caixa de guerra; acudiram todos os christãos que em minha companhia vieram, tão chegando a tres dos filhos da terra, que estes são os que aconselham o rei, dizendo-lhe que e como eu tiver a fortaleza feita os hei de açoitar e tomar a terra; ouvindo elles e o mi estas razoes fizeram consultas entre si; por duas vezes me tiveram dado sentença de morte, que se não fora o capitão-tenente d'esta fortaleza já estivera morto porque áquelle abaixo de Deus é que devo estar a estas horas vivo e acabo o que quer com o rei e mais gentio, e egual a elle havia Vossa Magestade de ter quatro hommens d'este lote em qualquer praça. Vendo o rei que me não podia matar me poz em franquia, tolhendo-me a agua com que trabalhara as obras, alé a de beber, e juntamente os mantimmtos, etc., etc.
O capitão-mór era mal visto pelo rei desde que elle se manifestou vilmente contra o bispo e accusando os gentios de terem deitado togo ao convento. Não ignorava essa inimizade, e por isso estivera sempre prevenido com mantimentos a mais para sotfrer qualquer cerco à praça. Realisando-se este, mandou Joseph Pinheiro pedir soccorro ao eapilão-mór de Caeheu, Vidigal Castanho, e para Geba em 26 de dezembro, dizendo-lhe que o socorresse logo com todas as embarcações e gente que na praça estivessem, e todos os mantimentos que fosse possível enviar, por lhe terem o rei e mais gentio posto sitio e prohibido de continuar com o trabalho da fortaleza, fosse sem demora, porque se não chegasse a tempo acharia todos degolados. Não se fez esperar Vidigal Castanho, chegando a Bissau em 2 de janeiro de 1697, levando três lanchas com noventa e dois homens, á sua custa, e com os mantimentos necessarios. O que se passou contou elle n'oma carta para El-rei, datada de 24 de março de 1697 (Ver carta).
Logo que chegou veiu o rei buscai-o, pretendendo agasalhai-o, o que não acceitoo, e de commum consenlimenlo dos prineipaes fidalgos d'aquelle reino se ajustou, não só que se continuasse com a obra da rorlaleza, mas que se fizesse na sua terra tudo o que El-rei quizesse, com a condição, porém, de se tirar d'alli o capitão-mór Joseph Pinheiro, por lhe molestar o seu governo, resolvendo-se que elle sahiria, porque o governador de Cabo Verde remediaria tudo.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pgs. 124-126, Lisboa, 1900
1696/11/00
«D. Vitoriano foi sem dúvida um dos prelados mais activos e zelosos, mas a sua presença na ilha de· Bissau deu origem a um conflito sério que se agravou devido a inimizades pessoais com o capitão-mor, José Pinheiro. Do relatórío dêste oficial e doutro mandado elaborar pelo bispo ao pároco, seu subordinado, ambos evidentemente parciais, deduzem-se bem os e.fêitos desastrados dessa rivalidade e conf)ito de jurisdição entre as autoridades portuguesas com prejuízo da boa administração e prestígio nacional.
Em Novembro de 1696, tendo fugido para o chão dos papeis, alguns grumetes que o comandante da Praça querià prender, forám perseguidos por um oficial, 4 soldados e alguns grumetes civis.
Os indígenas, porém, opúseram-se à prisão, atacàndo a fôrça enviada e aprisionarão 2 soldadós e alguns civis. O comandante José Pinheiro entrou em relações com o régulo para obter o seu resgate, màs os. indígenas exigiram à quantia de 130$000 réis, que o comandante recusou por achar excessíva.
Entretanto o bispo Vitoriano, que se 'encontràva em Bissau instalado no hospício dos missionários, entendeu dever tratar do assunto e dirigiu-se a Antula, àcompanhado· de numeróso séquito.
Foi, porém, recebido· agressivamente pelo régulo e corréu o risco de ficar ali prêso, se não fôsse a intervénção amigável do grumete Barnabé Lopes, natural de Bissau.· Recolhéu o prelado a Bissau e, em desagravo da ofensa, prendeu alguns parentes do régulo e entre êstes duas sobrinhas que mandou desterrar para a povoação de Geba.
A decisão do bispo irritou os indígenas, que na mesma noite, pelas duas horas da madrugada, lançaram fogo ao hospício onde o prelado se encontrava hospedado. Como se encontrasse indisposto com o comandante da Praça, o bispo recusou alojamento dentro da fortaleza e foi residir no sítio denominado Banana, bairro indígena, numa casa de côlmo, que foi também incendiada 20 dias depois. Descorçoado com os acontecimentos, D. Vitoriano retirou-se para Cacheu e dali para Cabo Verde.
No inquérito feito pelo padre Francisco Castelo Branco, houve testemunhas que atribuíram o incêndio às instigações do comandante José Pinheiro, o qual teria o projecto de assassinar o bispo. Se esta acusação parece não ter fundamento, serve no entanto para nos revelar o estado de espírito dos dois grupos adversos em que se dividira, naquela ocasião, a população de Bissau.
O bispado de Cabo Verde recebeu mais tarde, do Estado, uma indemnização de 1.000 cruzados pelos paramentos e artigos de culto inutilizados nos dois incêndios.»

João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pgs. 130-131
1696/11/03
«Marcelino António Bastos tomou conta do govêrno em 3 de Novembro de 1796. Promoveu a cultura do café e de uma maneira geral o fomento agrícola da colónia. Da metrópole foram remetidas sementes de louro, pinheiro bravo, castanheiro, cedro etc., tendo-se desenvolvido apenas o louro.
O governador Bastos conseguiu melhorar por uma forma notável a situação financeira da província. As receitas, que anos atrás não passavam muito além de um conto de réis, em 1801 importaram em 10.160$000. No ano seguinte subiram a 19.670$000, orçando as despesas em 11.460$000. Faleceu em 29 de Novembro de 1802. Por alvará de 20 de Janeiro de 1798, foram estabelecidas carreiras regulares de correios marítimos, ou paquetes do ultramar, entre as ilhas e Portugal.» João Barreto
1696/11/05
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE A SUCESSÃO DE BACOMPOLO CÓ (5-11-1696)
SUMÁRIO- Ponderam-se as razões do Bispo e do Governador a favor de Toro Có e de lzinhá. - Que el-Rei deve mandar uma nau de guerra para favorecer o pretendênte eleito e défendêr a eleição. - Que mande presentes de vestidos e aguardente, que eles muito apreciam.
Senhor
Por decreto de 13 do mes de Nouembro proximo passado, hé V. Magestade servido que vendosse neste Conçelho a consulta incluza da Iunta das Missoez, sobre o que escreveo o Bispo de Cabo Verde, em ordem a se mandar proteger para a sucessaõ do Reynno de Bissao, a hum Innão do Rey defunto, se consulte o que pareçer ..
E satisfazendose ao que V. Magestade ordena.
Pareçeo reprezentar a V. Magestade, que sobre este mesmo particular de que deu conta o Bispo Dom Frey Victoriano Portuençe, escreue tambern a V. Magestade o Capitão mor de Bissao JOZEPH PINHEIRO, e que embos se encotraõ nos pareçerez, porque este Prelado ensinua que a sucessaõ daquelle Reynno, pertençe legitimamente a Torocó, por ser lnnão do defunto, e ter por sy naõ só estar com elle em grao mais proximo, mas lhe competir, conforme aquelle mesmo estillo e leys que entre sy obçeruaõ aqueUez negros, e que alem de ser melhor direito ao Reynno, ser de muy diferentes costumez e mostrar muito mayor amor ás materias da relligiaõ, que o outro competidor, e pertendente Inzinha. //
E o Capitaõ mor alega, que Inzinha hé Thio do Rey defunto, e que a seu fauor cedera o Reynno, na occaziaõ em que o ellegeraõ, e que tinha muito mayor poder que Torocó, e que dava grandes mostras de abraçar a ley de Deos, querendo baptizarçe./
E porque este negoçio, pella qualidade delle (de tirar, ou dar Reynnos) hé muy escrupolosissimo, e de cá se naõ possa examinar, nem averiguar a quem verdadeiramente possa competir o da suc.essaõ de Bissao, o meyo que offereçe para se poder conçeliarem estas dezunio!s entre estes pretendentes, hé mandar V. Magestade huã não de guerra com gente annada, para ajudar a meter de posse aqueBe Rey a quem se reconheçer toca a sucessaõ daqu1le Reynno, e quando o outro se opponha naõ só para o defender, mas para impedir a oppoziçaõ do seu contrario. E se faz prezente a V. Magestade que tomandosse algumas notiçias sobre esta mesma materia huã pessoa muy pratica, e com grande conheçimento destes mesmos negros, reprezentou que bastaria para compor as suaz diferenças, que V. Magestade ordenasse fossem alguns vestidos, e agoa ardente, e outras couzas,. de que IJes fazem grande aceitaçaõ, e que este seria o instromento mais eficas para reduzir a estes pretendentes áquella Coroa, a obrarem tudo o que fosse em mayor conveniençia do serviço de V. Magestade. E supposto que se naõ deva de desprezar este arbítrio, naõ tira este de que se vze sempre de que se acompanhe de forças, porque no cazo que se não possão com estes benefiçiossoçegar os animos destes competidores, possão então valler das armas. E sempre o Conçelho julga por muito conveniente que V.·Magestade mande escreuer as cartas que pede o Bispo, e Capitaõ mor, entendendo tambem que por este caminho se poderá vencer esta negoçiaçaõ. //
Lisboa, S de Nouembro de 1696.
aa) Conde de Aivor, P. /Joseph de Freitas Serraõ
[A margem]: O Conselho recomendará ao Bispo e ordenará ao Gouernador que nesta materia se hajam com toda a prudencia, não se intrementendo no direito da subçessaõ deste Reyno de Bissao, e procurando persuadir com a rezaõ e conselho aquelle que parecer será mays fauorecedor da Christandade, que teraõ cuidado de saber o que tem melhor partido para que sendo Rey o não deixem queixoso; e ao outro mandarse estes presentes para se conciliarem as vontades.
Lisboa, 10 de Janeiro de 697.
(Rubrica de el-Rei) AHU - Cabo Verde, cx. 6. - Cód. 478, fl. 99v-100.
1696/11/16
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE A CONVERSÃO DO REI DE BISSAU (16-11-1696)
SUMÁRIO - Manda escrever ao Bispo agradecendo quanto tem obrado para bem da Fé e quanto à Junta das Missões mandará /ratar o que for para maior bem delas.
Senhor
Dom FREY VICTORIANO PORTUENSE, Bispo das Ilhas de Cabo Verde,em carta de 15 de Junho, deste anno, dá conta a V. Magestade como pella Rellaçaõ incluza lhe seria prezente da venturosa conuersaõ de O. Pedro, 1 º Rey Catholico da Ilha de Bissao, para que V. Magestade e seus Ministros começê iá nesta vida a lograr o premia do seu ardente zello da propagaçaõ da nossa Sancta Feé, no grande gosto que teraõ de ver as suas despezas bem logradas, e já com fructo as flores dos seus bons dezejos, reseruandosse para o outro mundo o condigno galardaõ de soliçitarem tanta gloria para Deos.
Ao Conçelho pareçe fazer prezente a V. Magestade o que escreue o Bispo das Ilhas de Cabo Verde, e relaçaõ que remette do que sucedeu na conuersaõ do Rey de Bissao, e sua morte, e do que hé necessário se lhe mande; e que V. Magestade deue mandar aguardeçer a este Prelado o zello, e espirito com que se tem hauido neste particular, tanto do seruiço de Deos, e de V. Magestade. E que esta conta que dá, que V. Magestade ordene se veia na Junta das Missoês, onde a materia della espeçialmente tocca. //
Lisboa, 16 de Nouembro de 1696.
aa) Conde de Alvor, P. I João de Sepulueda e Mattos I Joseph 'de Freitas Serraõ.
[À margem]: - Como pareçe, e pello que toca á Junta das Missoens se mandará tratar e dispor o que for conueniente para maior bem dellas. Lisbo~ em 22 de feuereiro de 697.
(Rubrica de el-Rei)
AHU - Cabo Verde, cx. 8. Cód. 478, fl. 96. Cód. 489, fl. 134.
1696/11/21
«Em sua portaria de 11 de novembro ordenou ao vigario e ouvidor da vara de Bissau, conego Francisco Rodrigues Castello Branco, para proceder a uma devassa sobre o incendio do convento ou hospicio dos religiosos capuchos, realisado em 21 de novembro, ás 2 horas da manhã.
O fogo havia sido posto na camara de fóra, onde estava o altar-mór, ardendo as imagens e todos os ornamentos, e passando depois ao dormitorio se ateou de tal fórma que tudo reduziu a cinzas, salvando-se milagrosamente os frades.
A devassa começou em 28 de novembro pelo capitão Barnabé Lopes, que ignorava as causas do incendio; contou, porém, que tendo ido a Antulla com o bispo para resgatar umas pessoas captivas dos Balantas, por culpa do capitão-mór, e regressando o bispo á praça, recebera este um aviso de que os negros da povoação o esperavam no caminho para o maltratarem, e para evitar este perigo chegara á praça por outro caminho.
Todas as testemunhas que depozeram foram unanimes em declarar que o capitão-mór havia sido quem induzira o rei a assassinar o bispo, quando vinha de Antula para a praça; que fôra elle o auctor do incendio, a ponto dos gentios quererem tomar agua vermelha para mostrarem a sua innocencia; e mais se provou que o rei Incinhate pedira perdão ao bispo de o querer matar, e que a Isso fôra levado pelo capitão-mór; que os cumplices do incendio foram, além do capitão-mór, o capitão Mendes, Pedro Gonçalves e Aleixo Pinheiro, filho do capitão-mór. Os balantas haviam feito exigencia a José Pinheiro de doze barras para conceder o resgate dos captivos, e como este achasse demasiado respondeu-lhes que os matassem, cosessem e comesem.
Teve então o bispo que iutervir, sahindo da praça para esse fim, e de Antulla escrever ao caixa da Companhia, José Pacheco, pedindo-lhe as barras. Este mandou a carta ao capitão-mór, e como o rei estivesse presente leu-lh'a e pediu-lhe que não consentisse n'isso, pois devia impôr a sua autoridade como rei, e que o bispo lhe vinha damnar a terra e os frades nunca eram bons.
O rei procurou o caixa, fazendo-o recolher as barras, e reunindo o gentio foram esperar o bispo no caminho. O capitão-mór, que previamente estava combinado com o rei, para mostrar que desapprovava qualquer procedimento hostil contra o bispo, mandou tocar a rebate, e mandando carregar uma peça ordenou que se apontasse ao coração do bispo, quando o advertiram que não se podia fazer fogo por causa do prelado.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pgs. 118-119, Lisboa, 1900
1696/12/17
NOTIFICAÇÃO DO BISPO DE SANTIAGO A IZINHA REI DE BISSAU
(17-12-1696)
SUMÁRIO - Notifica o Rei lzinha a declarar se obstou a que se continuasse a obra da fortaleza. dizendo ele que não e que a tem continuado, deixando dê trabâlhâr devido às ameaças do Capitao mor José Pinheiro.
Porquanto tendo noticia que alguns mal intencionados, vendo que nos não podem arguir da menor culpa que toque na fid'elidade que deuemos a el Rey nosso Senhor, tem levantado que de nós procede o mandar o Rey desta Ilha parar as obras da fortaleza, sendo tanto pello contrario que por muitas vezes lhe temos rogado que as deixe continuar, tanto assim que para o obrigar lhe mandamos mostrar a Relação que se imprimiu em Lisboa, que trata da conuersão do Rey Bacampolo e do baptismo do principe Dom Manoel seu filho, na qual está incluzo o trelado ·da carta que o dito Rey tinha mandado a sua Magestade, e dizendolhe que aduirtisse que elle estaua obrigado a guardar palaura e cumprir a promessa de seu antecessor, e que el Rey nosso Senhor o podia castigar se elle impedisse as obras da sua fortaleza; e para que se conheça esta uerdade rogamos a Francisco Lourenço, escriuão do Almoxarifado, que uá em companhia do padre Bertholameu Homem da Costa, escriuão ecclesiastico, ao sitio do Reyno, e falem com o dito Rey, e lhe perguntem o que se terá passado nesta materia, elhe pessão da nossa parte a sobredita Relação, que ainda tem em seu poder, eque motiuos tem para fazer parar as obras, e da sua reposta pasem certidão ao pée. //
Desta Bissao, de Dezembro dezasete, de mil seis centos nouenta e seis.//
Frey Victoriano, Bispo de Sanctiago
Certifico eu abaixo asigriado, em como a rogo do lllustrissimo Senhor Dom Frey Victoriano Portuense, Bispo das Ilhas de Sanctiago e Guiné, fui eu com o Padre BertholameuHomem da Costa, escrivão do Juizo Ecclsiastico e com Pedro Alures, homem cazado, natural desta Ilha, perante o Rey della, que entende bem a sua lingoa, e fomos ao lugar do Reino e achamos ao Rey Zinháa em sua casa com alguns fidalgos e lhe perguntamos pela dita chalona ( l ), que perante nós recebeo o juramento dos Sanctos Evangelhos da mão do dito Senhor Bispo, pera que o bem e fielmente traduzice em portuguez as repostas do dito Rey, pello qual foi respondido que nunqua elle dito Senhor Bispo lhe dissera que fizesse parar as obras da fortaleza, antes lhe tinha rogado por muitas ueses que as deixasse correr, porque do contrario se daria por mal seruido o Senhor Rey de Portugal, e que pera melhor o emduzir e meter temor, lhe mandara mostrar a Relação que tras de hila carta que o Rey antes delle tinha mandado ao dito Senhor Rey de Portugal, e que faria seus vassallos a todos os naturais desta Ilha, mas que elle Rey, sem embargo de temer muito o dito Senhor Bispo lhe não fez isto que lhe pedio, porque o capitão mor Joseph Pinheiro o tem ameaçado com guerra e que uindo nauio do Reino e.tendo caualgada a artelharia os hade queimar; e que deixou trabalhar na fortaleza pera a parte do mar e mandou trabalhar com muita deligencia na cortina que está pera a parte da terra, para caualgar a dita artelharia e que uindo pera estrouar os estrangeiros e augmentar esta Ilha o não fas asim, e elle Rey e seus vasalos pello justo temor que tem de seus ameassos lhe impede a continuação das ditas obras;e dandonos a Relação que o dito Senhor lhe tinha mandado, nos despedio e nós a trouxemos e entregamos ao dito Senhor; e por passar na uerdade passamos a prezente, em que se asignou o dito Padre escriuão do Ecclesiastico e o dito Pedro Alures, que reconheço serem seus os ditos signais por serem pessoas de mim conhecidas e pelos uer escreuer, e eu me asignei de meu sinal custumado, aos dezassete dias do mez de Dezembro de mil seis centos e nouenta e seis annos.//
Francisco Lourenço escriuão do Almoxarifado em testemunho de verdade, Padre Bertholameu Homem da Costa, escriuão do Ecclesiastico, Pedro Atures Rodrigues.
Lisboa, 10 de Dezembro de 1691.
AHU - Cabo Verde, ex. 8. Devassa do incêndio do Hospicio de Bissau, fl. lOv. Intérprete .
1697/00/00
O régulo Incinhate pede explicações ao capitão Pinheiro sobre um suposto embargo decretado por este.
1697/01/02
INSTRUMENTO DE VENDA, CONTRATO E COMPRA (traslado) do lugar de Bissau, entre o capitão-mor de Cacheu, SANTOS VIDIGAL CASTANHO, e o capitão-mor de Bissau, JOSÉ PINHEIRO, de um lado e do outro, o rei Izinhá, o seu morgado e alcaide, sendo testemunhas o capitão-tenente da fortaleza de Bissau, JOÃO ALMEIDA COIMBRA, o escrivão da Fazenda Real de Bissau, FRANCISCO LOURENÇO, o sobrinho do rei, capitão PEDRO ALVARES, e o alferes FRANCISCO FERNANDES; o contrato destinava-se a fixar a passagem da terra do rei de Bissau ao de Portugal para evitar controvérsias futuras.
Obs.: o nome do rei “Incinhate” é Izinhá, ver MOTA, A. Teixeira da – As viagens do bispo D. Vitoriano Portuense a Guiné. Lisboa: Publicações Alfa, 1989.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 11.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 236.
1697/01/14
CARTA DE INZINHATE REI DE BISSAU A ANTÓNIO GOMES MENA (14-1-1697)
SUMÁRIO - Amargas queixas contra o capilao-mor José Pinheiro. - Que o Rei de Portugal pode fazer quanto quiser na sua terra, mas que quere o Capitão Santos Vidigal para governar Bissau.
Sfir Governador, fasso a V. S.ª esta para lhe falar muita mantenha (1) e dizer-lhe que eide folgar muito que V. S.ª tenha boa saude e que quero ser seu Parente e filho d'EIRei de Portugal, porque lhe quero seruir como seu Irmão e quero que saiba que quando ueio Joseph Pinheiro me não deu recado d'EIRei de Portugal nem de V. S.ª, nem ueio com nenhuma Cortezia, nem ueio pedir nada e só ueio tomar por força, eu lhe sofri e ajudei ao trabalho da Casa e lhe ajudo em tudo, mas elle não quer ser meu amigo, ueyonos botar nossas chinas e diz que elle só he que tem terras, e ueio e fez cousas mal feitas, mandou aos soldados d'EIRei de Portugal amarrar balantas e lá lhes matáraõ e os que ficaraõ catiuos estou para os resgatar, e o primeiro dia logo quiz resgatalos e o Capitão mor não quiz, disse que deixasse que os balantas cortassem a cabessa e mandou ali um branco que chamão Manoel da Vila, perdeu a lancha e ficou captiuo, e quando o Sf'lr. Bispo foi resgatar a gente mandoume chamar que o fosse atalhar ao Sôr. Bispo, para que não fosse resgatar aquel la gente que estaua catiua, que os deixace lá estar pois não quizerão peleiar e jndo eu aencontrar com o Sftr. Bispo nos atirou com huma bala de artelharia para nos matar, e me está ameaçando que me ade fazer guerra na minha terra, não se perde nada, os seus catiuos fogem, tornolhos a dar, os seus negros e seus soldados andão furtando, se alguem lhes uai fazer queixa manda meter na colamba (2), ueio lancha de Ingres, não deixar uender nossa vaquas, quer que uendamos a elle pera elle uender os Ingreses, nos não temos marfim só temos vaquas, cabras e mantimento, tudo quanto faz diz que ElRei de Portugal é que lhe manda, quando se queimou o Conuento disse que eu he que tinha queimado, fui com minha China Jurar para lauar minha cabeça, tirou devassa entre os christãos, ficou nelle, os seus soldados que trouxe disserão na deuassa que elle he que poz o fogo, agrauousse com os soldados e disse que os hauia de pôr em boca da pessa, lhe que os soldados fugirão, toda a gente da terra se queixa delle muito, não quer deixar hir os brancos Christãos buscar sua vida, como algum Christão morre faz Inuentario, então toma o dinheiro todo, si se não uiera o Capitão Santos, que fez tomar o dinheiro, comera todo. //
(1) Termo do crioulo que em Cabo Verde e Guiné significa "dar muitos cumprimentos", "falar muila mantenha".
(2) Cadeia
Chegou aqui o Pinheiro, nem me falou mantenha, nem os fidalgos nem a gente da terra, ueio o Capitão Santos e o dinheiro que elle gastou he mais que todo o dinheiro que Pinheiro comeo em Bissao emté gora, o Pinheiro senão queixou de lhe faltar nenhuma cousa sua, eu não quero criar onssa que me ade morder, não quero mais o Pinheiro na minha terra, quero o Capitão Santos ou outro que V. S.ª mande que tenha o Coração Limpo como elle, auemos mister algum ' que nos ajude a bambu (3) nossos filhos e· não algum que uolo uá botar nas pedras, ter Irmão he cousa que sabe muito, eu quero que ElRei de Portugal seia meu Irmão · e que faça na minha terra tudo quanto quizer que eu não nego, mas o Capitão Santos Vidigal he melhor para Bissao, porque todo o pouo iá custuma com ele, ·porquese não fora com elle iá a terra estiuera danado e eu estiuera iá morto da mão do Pinheiro; quando o Strr. Bispo foi resgatar aquella gente mandou chamar que o fosse atalhar pera que se fizesse o resgate, ElRei de .Portugal lhe auia de cortar a cabeça a elle e que se o Sflr. Bispo não quizece tomar para traz que fizece eu o que quizece, eulhe respondi que nenhum Rei de Bissao matou christão na sua terra e · agora aprofia e diz que não mandou matar, e mandou pôr fogo no hospício e disse que o gentio he que lhe tinha posto e diz que cousa he o Bispo, que he só para dizer missa e Bautizar e fazer christão, não nego tudo quanto ElRei de Portugal queria e quizer fazer na minha terra, eu sou pobre, não tenho nada e quero que V. S.' me mande alguma cousa para uestir, porque V. S.ª he meu Irmão, torno a dizer a V. S.ª quq se quer ser meu Irmão e meu parente, mande logo tirar Joseph Pinheiro, porque se eu tiuer aqui o Capitão Santos auemos de estar muito contentes e o dinheiro da Companhia folgo muito que esteia na minha terra, que está muito seguro, que nenhuma só banda não se ade perder hum branco que ueio de Portugal, que se chama Engenheiro, lhe dezia sempre que consertace a terra, elle nunca quiz, guerrearão hum dia e logo morreo, e sempre fez pouca conta do morgado da terra, nem de ninguem, quero tudo quanto ElRei de Portugal quizer na minha terra, nada nego, mas quero que V. S.ª mande tirar este home e que mande esta carta a ElRei de Portugal, porque não posso escrever outra, tomo a dizer pelo amor de Deos me mande o Capitão Santos para gouemar Bissao, porque depois que ueio Pinheiro, esta Terra como se lhe deitou fogo, que mande alguem que lhe deite agoa, guarde Deos a V. S.ª. li
(3) Expressão crioula que significa: levar ou trazer às costas.
Bissao, 14 de janeiro de mil seiscentos nouenta e sete annos.//
O Rey de Bissao Incinhate
BOCV - Nº 112, de 25 de Outubro de 1845, p. 418, tirada de original ou cópia então existente na Secretaria, iniciativa de Sousa Monteiro. – Publicada por Sena Barcellos, Subsídios para a Historia de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1900, II, p. 142· l 43. Como a carta não tem qualquer pontuação, mantendo uma grande fidelidade ao ritmo da oralidade, tomãmos a liberdade de lha pôr. Cf. A. Teixeira da Mota, Ob. cit., p. 171-172.
1697/01/20
Padre FRANCISCO RODRIGUES era vigário de N. Senhora da Candelária de Bissau.
1697/03/08
CARTA do capitão-mor de Bissau, JOSÉ PINHEIRO, ao rei [D. Pedro II] sobre a deslealdade do rei Izinhá e os actos desse monarca contra o Bispo [de Cabo Verde, D. FREI VITORIANO PORTUENSE] aquando da prisão de vários parentes seus após devassa, tendo incendiado o convento dos religiosos e levando o Bispo a abandonar a ilha em direcção a Cacheu; informando que o signatário tudo fizera para evitar conflitos, porque não tinha meios de defesa, mas que o Bispo ficara indisposto com ele.
Obs.: o nome do rei “Azinhate” é Izinhá, ver MOTA, A. Teixeira da – As viagens do bispo D. Vitoriano Portuense a Guiné. Lisboa: Publicações Alfa, 1989.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 12.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 237.

1697/03/14
Em 14 de Março de 1697 solicitaram os moradores de Cacheu a El-rei para conceder por mais três anos a capitania a Santos Vidigal Castanho, petição deferida em 21 de Novembro do mesmo ano.
1697/03/24
«Em 24 de março de 1697 dizia o capilão-mór de Cacheu, Vidigal Castanho, que em 17 de agosto de 1696 intentara o rei dos Mandingas, de Canicó, circumvizinho á povoação de Farim, dar n'esta um assalto para a destituir de moradores e forros christãos, que eram muitos, e roubar-lhes ao mesmo tempo as suas fazendas. Para esle intento entrou manhosamente na povoação, envolto n'uma certa capa de amizade, dizendo que vinha visitar os brancos, para que a empresa lhe fosse mais facil, pois que contava que a sua gente cahiria no dia seguinte repentinamente, e a tomada da povoação se realisaria sem grande custo.
Para que esta traição não ficasse sem ser explicada, conseguiu arranjar um conflicto, tentando amarrar um negro forro e christão, o que· não levou a effeito por acudirem os brancos, que lh'o tiraram das mãos; e como o rei empregasse resistencia, auxiliado por dois filhos seus e por um dos seus soldados, foram estes mortos e aquelle preso.
Estava assim declarada a guerra á povoação. Poucos eram os elementos para a sua defesa contra uma invasão de milhares de gentios, que representados por diversas tribos, mais ou menos aparentadas, não tinham compromisso algum, nem com o governo de Cacheu, nem tampouco com os moradores de Farim, para soccorrerem os moradores, que ainda havia quatro annos foram alli dar começo a essa nova povoação no sitio de Tubabodaga, na língua dos naturaes.
Pediu-se auxilio ao capitão-mór de Cacheu, que, tendo conhecimento do facto em 22, sabiu com duas lancbas e sete canoas carregadas de gente, na maioria negros Papeis de Cacheu, que prefaziam 172 homens, chegando a Farim em 26.
Esta expedição, que foi sustentada á custa do capitão-mór, entrou logo em fogo, destruindo a principal povoação dos Mandingas. Ao cabo de onze dias foram estes auxiliares mandados regressar ás suas terras, substituindo-os o capitão-mõr por Balantas, que por serem vizinhos era menos dispendiosa a sustentação da guerra. Com esta nova expedição de brancos e Balantas mandou o capitão-mór queimar por duas vezes . tres aldeias, distantes de Farim umas tres lego.as, mas nunca se conseguiu alli chegar, porque as chuvas eram
abundantes e a palha muito alta não deixava perceber nem os trilhos, nem os pantanos.
A povoação de Farim era aberta, e os moradores soffriam por isso grandes vexames, sendo obrigados a pagarem tributos ao rei de Canicõ. Restava. portanto ao capitão-mór deixar a povoação em estado de se defender de qualquer investida dos gentios, e obrigar estes a respeitar a nossa auctoridade.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pgs. 136-137, Lisboa, 1900
1697/03/25
CARTA DO CAPITÃO-MOR DE CACHEU SOBRE OS REIS DE TONHI E BARRA (25-3-1697)
SUMARIO- Convidado pelos Reis de Tonhí e Barra a arvorar a bandeira portuguesa no llheo possuido pelos franceses, não o faz com a escusa de ter de ir a Farim - Teve segundo aviso dos mesmos Reis, esperando aviso de Sua Magestade.
Senhor
Em o mez de Agosto do anno proximo passado tiue huã carta do Rey de Tonhi, e do Rey da Barra, Senhores do Ryo de Gambia, em que em pediraõ, e requereraõ da parte de V. Magestade que Deos guarde, que logo fosse aruorar huã bandeira com as armas de V. Magestade naquelle Ryo, porque queriaõ ser de hoje em diante vassallos de V. Magestade, porque seus auóz o foraõ, e naçaõ Portugueza os tinha criado, e já que os Francezes tinhaõ tomado o Ilheo aos Inglezes os naõ queriaõ mais naquelle Ryo, e os queriaõ deuertir prohibindolhes mantimentos e agoa, e que aruorando eu a bandeira de V. Magestade naquelle Ilheo prometiaõ defendella com a uida de seus filhos té se dar a V. Magestade conta, naõ só me ui mui preplexo, mas conf uzo na rezoluçaõ, mas para que de todo não ficasse esta offerta com alguã sa.tisfaçaõ me rezoluia naõ reparando notrabalho de minha pessoa, e dispendio de minha fazenda a hir pessoalmente agradecer aos ditos Reys a offerta que a V. Magestade faziaõ, e asegurarlhe daua a V. Magestade conta, e entanto uer se poderia conseguir e conduzir todos os christaõs Portuguezes que estaõ naquelle Ryo a huã só morança para melhor se facilitar a empresa quando comuenha ao real seruiço de V .. Magestade lançar maõ da offe~ porque se os estrangeiros saõ senhores do Ilheo os Reys o saõ da sua terra, e podem dalla a quem quizerem, e ficar por este caminho facil a entrada naquelle Ryo, porque no tempo que os
Inglezes tinhaõ pouoado o Ilheo, com prohibiçaõ naquelle. Ryo a todos os vassallos de Ingalaterra os Francezes entrauaõ livremente e hiaõ a suas feitorias que tinhaõ enterra, e depois que foy a prohibiçaõ leuantada todos liuremente hiaõ fazer negocio no dito Ryo, e parece que os vassallos de .V. Magestade com mayor rezaõ o podiaõ fazer, porquanto os moradores que lá uiuem, e christaõs filhos filhos da terra que lá há, todos saõ Portuguezes. //
Naõ consegui o que intentaua, porque no mesmo tempo fuy chamado pellos moradores de Farim, como já dey conta a V. Magestade em carta particullar, me pareceo mais justo acudir ao que já de muitos annos está feito, do que deixalo perder por acudir ao ·que inda naõ tem principio. Estando na dita pouoaçaõ tiue dos ditos Reys segundo auizo, e esperaõ com effeito a rezoluçaõ de V. Magestade.
A carta que me escreueraõ hé a que acompanha esta. V. Magestade disporá o que for mais de seu real seruiço. A Real pessoa de V. Magestade guarde Nosso Senhor corno seus vassallos lhe dezejaõ, e haõ mister.//
Cacheu, 25 de Março de 1697.
[Autógrafo]: .;.._ Leal vassallo de V. Magestade
Santos Vidigal Castanho
AHU - Guiné, cx. 3, doc. 249. - Original.

1697/06/17
CARTA DO BISPO DE CABO VERDE SOBRE O BAPTISMO DOS ESCRAVOS
(17-6-1697)
SUMÁRIO - O Bispo critica a nova carta de resolução sobre o baptismo dos escravos, mais fácil de escrever que de executar - Desacordo entre o administrador da Companhia de Cacheu e o Prelado sobre o mesmo assunto.
Senhor
Por carta de V. Magestade de 5 de Março deste anno, uejo a rezoluçaõ sobre os Baptismos dos escrauos, que prouuesse a Deos que fosse taõ facil a pratica, como foi a especulaçaõ nesta materia. Hé certo que os adultos ainda no artigo de morte, se naõ podem baptizar sem o Cathecismo; e hé certo tambem que este se lhe nam pode fazer em Guiné, assim pello pouco tempo, como pella grande rusticidade dos escravuos e incapacidade delles, pois a sua meditação hé buscar meyos de quebrar as correntes e grilhoes, e tomarem para as suas terras; e isto mesmo succede quando chegaõ a esta Ilha de S. Tiago, porque ainda que perdem as esperanças da patria, saõ taõ buçaes que passaõ muitos mezes e muitos annos sem fallarem palavra crioula, e depois que a comesaõ de falar hé que entra o· ensino; e como os nauios da Companhia se naõ podem deter, hé sem duuida que daqui por diante a mayor parte dos escrauos que se embarcarem haõ de hir sem baptismo, dizendo seus Senhores, que tem uindo por escala; e eu já com esta rezoluçaõ fico com a consiensia quieta, e sem entender nesta materia, que por dar execuçam á primeira ordem de V. Magestade incorri em grande crime com os interessados na Companhia, o qual castigaõ com me naõ embarcarem nos seus nauios os materiaes necessarios para acabar a Sée. li
A minha queixa do anno passado foi que tendo o administrador da Companhia em seu poder e de seus amigos mais de hum anno seruindo os escrauos della, os quizesse depois embarcar sem serem baptizados, e esta falta de charidade hé que meressia estranhada, e que se lhe puzesse remedio; mas paresse que Deos lhe castiga com os muitos que lhe morrem gentios. Nem me será possiuel nas embarcaçoes que os leuarem mandar Clerigos, porque se as que uem desse Reino, onde há tantos sacerdotes dezocupados os naõ trazem, como hiraõ desta Ilha, onde saõ tampoucos, quanto mais que os escrauos que naõ estaõ capazes de serem baptizados quando embarcaõ, hé impossiuel que se capacitem na uiagem; tomaraõ eles em lugar da doutrina, agoa da fonte, e hirem mais dezafogados, que no pataxo em que agora me recolhi de Guiné, o arquearaõ em o mesmo numero de escrauos que hauia na pouoação para embarcar, que eraõ perto de quatrocentos, e logo o sahir da barra, lê começaraõ a dar somente de beber huã ues no dia; serue muitas uezes o resgate de os mandar mais sedo a penar no outro mundo.//
E se por algum modo se poderão cathequizar os escrauos em Cacheo, seria se houuesse huá Caza grande cuberta de telha que seruisse de escrauaria, onde estiuessem livres dos incendios e onde os achassem juntos os Religiosos e Vigairo (?) para os ensinar, obrigando aos Senhores que os puzessem nella; naõ em caza dos gentios (como fazem muitos) athé á hora da partida,( ... ). //
Finalmente das clauzulas da carta de V. Magestade o que uejo estar na minha maõ hé fazer com que os Mestres dos nauios leuem certidam dos que naõ uaõ baptizados, que será a mayor parte da armaçaõ; e se Deos nosso Senhor quizer mais alguã couza a fauor daquellas pobres almas, poder tem para lhe dar remedio. O mesmo
Deos guarde a V. Magestade. / I
Ilha de S. Tiago, de Junho 17 de 1697.
a) FR. VICTORIANO PORTUENSE
Bispo de S. Tiago

AHU - Cabo Verde, cx. 8.
1697/08/22
«Somos forçados a retroceder alguns anos para se reatar a história da capitania de Cacheu. Após a revolta .de Bibiana Vaz, fôra nomeado, ·em 1691, capitão-mor de Cacheu Vidigal Castanho, qüe conseguiu manter a ordem naquela região, menos com o emprego da .fôrça do que com uma certa política de contemporização com os indígenas.
Mas os mandingas de Canicó, que até .ali nenhumas dificuldades tinham levanta.do aos comerciantes de Farim, tentaram em Agosto de 1697 expulsar os brancos daquela povoação. Com êste fim, o respectivo régulo .apresentou-se em Farim e, segundo o plano previamente combinado, provocou um conflito com um morador cristão que pretendeu amarrar.
Opuseram-se a esta violência os outros moradores, entre os quais se encontravam alguns ·comerciantes brancos, acabando por prender o régulo. Deu isto origem a uma guerra declarada pelos mandingas.
O comandante Vidigal Castanho, assim que teve conhecimento dos factos, saíu de Cacheu, em 22 de Agôsto, com duas lanchas e 7 canoas transportando 172 homens, na maior parte grumetes e brames.
Não obstante as suas fôrças diminutas, Vidigal Castanho conseguiu impôr a paz aos mandingas, que «para poderem viver em segurança vieram todos os reis daquelas aldeias apanhair-me terra e falar-me mantenhas, (a) pedindo-me paz ·e se sujeitaram a todos os preceitos que lhes puz, ·como foi de não entrar, nem os próprios reis, com armas na povoação e de não lhes pagar mais tributo que se lhes pagava».
Desde essa data, na povoação de Farim, fundada por Gambôa Ayala, passou a estacionar uma pequena fôrça armada sob o comando de um oficial subalterno. Tratou-se de a proteger com estacadas e construíram-se três baluartes guarnecidos com um cabo e 3 soldados cada um.
Para fazer face ao acréscimo de despesas, · sujeitaram-se os seus moradores a pagar um tributo especial sôbre as mercadorias importadas, fazendo-se um acôrdo com os moradoires de Cacheu que ficou conhecido pelo nome de Regimento de Farim, aprovado superiormente em 22 de Novembro de 1698.
Segundo êste Regimento, o presídio de Farim passava a ter um comandante com o sôldo de 50$000 réis por ano, um sargento com 28$000, um cabo com 24$000, um escrivão com 20$000 e 9 soldados com 21$000 cada um. Total das despesas anuais, 3 17$000 réis.
Ao capitão de presídio foram conferidas atribuíções indispensáveis para a manutenção da ordem, podendo prender os criminosos e levantar autos para ser·em julgados pelo capitão-mor de Cacheu, que segundo o seu regimento, exercia algumas das funções de ouvidor.
Determinava-se que o comandante de Farim não consentiria que os régulos cobrassem chão, quere dizer, cobrassem impostos que antigamente exigiam aos comerciantes e moradores. O imposto complementar que o comérdo de Farim pagava era cobrado ou em moedas, barafulas com o valor de 200 réis, ou em panos de Cabo Verde que também serviam de padrão nas trocas.
Assim uma barra de ferro ou um. barril de cola pagava um pano; um barril de vinho pagava dois panos. Uirna vez por ano no mês de Novembro o comandante de Farim iria a Cacheu prestar contas. da sua gerência.
(a) Note-se o emprêgo do vocabulário crioulo. Apanhar terra é uma prática indígena que representa um sinal de submissão. Mantenhas significa cumprimentos
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 145-147
1697/11/04
«D. António Salgado - nomeado em 4 de Novembro de 1697; posse em 13 de Abril do ano seguinte. Requereu ao rei autorização palra negociar com a Guiné sob pretexto de a Ccmpanhia de Cacheu e Cabo Verde não satisfazer às necessidades da província. Sem embargo da informação favorável do Conselho Ultramarino, El-Rei indeferiu a pretensão. Isto não impediu que D. António Salgado fosse um dos gove'rnadores mais criteriosos e activos, tendo cuidado da defesa militar não obstante a falta de recursos financeiros. O governador Salgado, por ocasião do seu regresso a Lisboa em 1702, trouxe consigo amostras da planta de anil que se desenvolvia em Sant'Iago, resultando daí as providências adoptadas para o fabríco da tinta em Cabo Verde.» João Barreto
1697/11/08
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II sobre a carta dos moradores de Cacheu, solicitando a recondução do capitão-mor de Cacheu, Santos VIDIGAL CASTANHO, pelo bom serviço que demonstrara nos casos de Bissau e Farim, no muito que fizera à sua custa para o bem de todos, na conservação da paz e na administração da justiça.
Anexo: bilhete, cartas.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 17 e 14.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 238.
1697/11/09
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE OS REIS DE TONHI E BARRA(9-11-1697)
SUMÁRIO - Louva-se o procedimento do Capitão-Mór em não ir hastear a bandeira no Ilheo, devendo procurar contudo a boa amizade dos mesmos Reis.
Senhor
Vendosse neste Conselho a carta inclusa do Capitaõ Mor de Cacheu, Sanctos Vidigal Castanho (1), escritta a V. Magestade em 25 de Março deste anno sobre o avizo que lhe fizeraõ o Rey de Tonhi e o Rey de Barra, Senhores do Ryo de Gambia, para que lhe mandasse aruorar huma bandeira naquelle Rio com as armas de V. Magestade, porque queriaõ ser vassallos de V. Magestade como o foraõ seos Auós, e iá que os Francezes haviam tomado o Ilheó aos lnglezes, os não querião mais naquelle Rio; a qual carta com esta se emvia ás Reaes maos de V. Magestade.
Pareceo dar conta a V. Magestade do que escreue o Capitaõ Mor de Cacheu; e que se lhe deue escreuer obrou.bem em naõ hir assenhorearse do Rio de Gambia, como pertendaõ os Reis de Tonhi, e da Barra, como tambem em os conseruar tendo com elles toda a boa correspondencía, pellos interesses que disto pode resultar, porem que de nenhuma maneira deue lançar mão da sua offerta pelasconsequencias, e dannos muy periudiciaes que neste particular se consderaõ.//
Lisboa, 9 de Nouembro de 1697.
aa) O Conde de Aluor / Duarte Teixeira Chaues / Joseph de Freitas Serraõ
[A margem]: Como pareçe. Lisboa, 19 de Dezembro de 697.
(Rubrica de el-Rei)
AHU - Guiné, cx. 3, doc. 247. - Original. Códice 478, fl. 101
(1)  Vid. documento de 25 de Março de 1697, p. 383-384.
1697/11/12
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O BAPTISMO DOS ESCRAVOS (12-1 1-1697)
SUMÁRIO- Os adultos não se podem haptizar sem catecismo, o que se lhe não pode fazer na Guiné. - Incapacidade e rusticidade dos escravos. - Como os navios da Companhia se não podiam deter, a maior parte dos escravos irão sem baptismo. - Os directores da Companhia vingavam-se do Bispo não carregando nos navios os materiais necessário às obras da Sé. Não havia clérigos que fossem nos navios. - Devia haver em Cacheu uma casa para recolher os escravos, onde os achassem os religiosos e vigários para os ensinar.
Em virtude da rezolução de V. Mag.de tomada a margem da consulta incluz.a, se ordenou em 5 de Março passado ao Bispo de Cabo Verde a forma que deuia hauer no Baptismo dos escrauos; ao que respondeo q. era serto que os adultos ainda no artigo da morte senão podião baptizar sem cathesismo, e tambem que este se lhe não podia fazer em Guiné, assim pelo pouco tempo, como pella grande rustiquez dos escravos, e da incapaçidade, pois a sua meditação era buscar meyos de quebrar as correntes, e grilhões para tornarem para as suas terras, e isto mesmo suçedia quando chegauão áquella Ilha,porque ainda q. perdião as esperanças da patria são tão blisais q. passauão muitos mezes, e muitos annos sem falarem palavra crioula, e depois que a começauãc;> de falar hé que entraua o ensino, e como os nauios da companhia senão podião deter era sem duuida, que daqui por diante a mayor parte dos escrauos que se embarcarem hãode vir sem baptismo, dizendo seus Senhores que tem vindo por escalla: e elle Bispo com esta rezolução ficava cõ a consciencia quieta, e sem entender nesta materia, que por se dar execução á primeira ordem de Vª. Mag. de encorrera em grande crime com os enteressados da companhia, o qual castigauão com lhe não embarcarem em os seus nauios os materiaes necessarias pará acabar a Sée; que a sua queixa do anno passado fora que sendo o Administrador da Companhia em seu poder, e de seus amigos mais de hum anno, seruindo os escrauos della quizesse depois embarcar sem serem baptizados, sendo esta falta de charidade a que merecia estranhada, e que lhe puzesse remedio, mas parecia q. Deus lha castigaua com os muitos que lhe morrem gentios; nem lhe seria possiuel nas embarcaçoens que os trouxerem mandar clerigos, porque se as que vão deste Reyno onde havia tantos sacerdotes dezocupados os não leuão, como virião daquella Ilha onde são tão poucos, quanto mais que os escrauos que não estão capazes de serem baptizados quando emb~rcão, era ,impossivel ·que se capacitassem na viajem, e que tomarão elles agoa da fonte e virem mais dezafogados, porque o pataxo em que se recolhera de Guiné o arquearão em o mesmo numero de escravos, que hauia na pouoavação para embarcar, que serão perto de quatro centos, e logo ao sair da barra lhe comessarão somente a dar de beber hua vez no dia, servindo muitas vezes o resgatte de os mandar mais sedo apenas no outro mundo; que se por algum modo se poderião catiquizar os escrauos em Cacheu, seria se ouuesse hua caza grande cuberta de telha que seruisse de escrevaria onde estivessem liure dos insendios, e onde os achassem juntos os Relligiozos, e Vigarios para os· ensignar, obrigando aos Senhores que os puzessem nella, e não em caza dos gentios, como fazião muitas vezes athé á hora da partida do nauio, e que finalmente das clauzulas da carta de V. Mag. e o que via estar nasua mão, era farça, com que os Mestres dos nauios tragão certidão dos que não vierem baptizados que seria a mayor parte da armação.
Ao Conselho pareçe, consideradas as rezoens que representa este Perlado, e ser esta materia de que trata mui digna de toda a attenção, e iusto que nella se dé toda a prouidencia necessaria, pois se encaminha a bem da saluação dos mizeraveis escrauos, que nesta parte deve V. Mag. de ser servido ordenar que nas ilhas de Cabo Verde, e Praça de Cacheu haja Catequistas, assim como ha em Angolla, e que seião praticos nas lingoas dos negros de toda aquella Costa, para que nas suas proprias Lingoas os possão instruir, e capacitar para receberem a agoa do baptismo sem se esperar a que aprendão a nossa lingoa, pois não dar occazião a q. entretanto morrão sem se conseguir o fructo glorioso a que a piedade de V. Mag. de tanto attende, e que para este effeito sejão obrigados os Senhores dos dittos escrauos assim como chegarem a qualquer daquelles portos as a naçoens deles de lhes darem recado para os hir ensinar, e catequizar na Doutrina Christam, pagandoselhe este ensino por aquilo que se arbitrar merecem justamente por este trabalho, e todo o que forsar a esta delligensia obrando o contrario, que os Governadores mandem proceder contra elles, com aquella demonstração de castigo condigno ao seu delicto, e que isto mesmo se pratique com os dos nauios que aly chegarem, e tiuerem alguma demora ainda que vão com escala para outra parte, e que neste cazo que os catequistas vão a bordo e fação todo o possiuel por doutrinar e instruir aos negros que aly vierem embarcados; e porque o Administrador que a Companhia de Cacheu tem em Cabo Verde, proçedeu neste particular, que refere este Perlado com grande dezatenção, e descuido, e ainda com pouco temor de Deos, deichando sem baptis~o os seus negros, despois de estarem hum anno em terra: que V. Mag.de lhe deue mandar estranhar muy seueramente o q. obrou, e que fique advertido para que daqui en diante sucedendo semelhante demora, que deve procurar remedear este dano, pondo todo o cuidado a que os seus escrauos depois de intruidos recebão a agoa do baptismo; e porque hé muy conveniente que em todas as naus que nauegarem para aquellas partes vão Capellães pelo bem espiritual que disto rezulta, que V. Mag. de deue ser seruido mandar pella parte a que tocca a éj. os obriguem a que infalliuelmente os leuem.
Lisboa, 12 de Novembro de 1697.
aa) Conde de Alvor/ Duarte Teixeira Chaues. I Joseph de Freitas . Serraõ.
margem]: - Como pareçe e o Conselho ·mandará q. sendo possiuel se faça a caza, e se mandará tomar informação sobre a queixa q. o Bispo faz na sua carta. Lisboa, 30 de Dezembro de 697.
(Rubrica de D. Pedro/!)
AHC -Cabo Verde, cx. 8. Cód. 478, fls. 103-104.
1697/11/19
CARTA RÉGIA A SANTOS VIDIGAL ( 19-11-1697)
SUMARIO - Assalto do rei dos Mandingas à povoação de Farim e resposta enérgica do Capitão-mor - Fortificação da povoaçlio.- El-Rei agradece-lhe o zelo com se houve naquela ocasião.
SANTOS VEDIGAL CASTANHO&. ª hauendo uisto a conta que me destes do asalto que quis dar á pouoação de Farim el Rey dos Mandingas, a quem destruistes a ferro e fogo huã das suas principaes aldeias, e da cauza por que lhe não continuastes mayor dano, e de hauerdes mandado fechar esta pouoação, leuantando nella três baluartes, e pondo-lhe a artelharia, e presidio neçessario; euendo tambem as despesas que nesta occazião fizestes com a gente que leuastes em uossa companhia, e o quanto conuem que os capitães mores dessa Praça conceruem esta pouoação no estado em que hoje se acha.//
Me pareçeo agradeceruos por esta o zello, e desposição com que uos houuestes nesta occazião tanto á custa da uossa fazenda, cujo seruiço me fica muito na lembrança, para folgar de uos fazer toda a mercê quando tratardes de uossos requerimentos. E no que respeita ao trebuto que se impôs nas fazendas que uão despachar a Alfandega dessa Praça, que se applicou para se conceruar a pouoação de Farim (como auizaes) me pareçeo dizeruos deueis declarar a forma delle, e que importa o seu rendimento, e como se destribue nas fazendas e arrecadação que tem e se entra na fazenda real fazendosseas despesas, confonne manda o Regimento, para que com esta noticia possa aprouar o que se obrou nesta parte, e por se entender ser de grandes conçequençias a ditta pouoação pello grande negocio que se faz nas vezinhanças desse certão, de que se tirão importantíssimos interesses, em benefiçio de meus vassallos, vos encomendo, e aos mais capitaês mores que uos sucederem, ponhais todo o cuidado nas suas melhoras, e trateis muito da sua conceruação, uisto a sua importançia, e o que pode rezultar de a sustentarmos.//
Escritta em Lisboa, a 19 de Nouembro de 1697.// Rey. AHU -Cód. 489, fl. 136v.-137.
1697/12/00
Em Dezembro de 1697, dois patachos ingleses fundearam nas águas lodosas do Geba e pretenderam desembarcar vários produtos para transacções comerciais. O Capitão José Pinheiro não consentiu e intimou-os a abandonarem o porto, o que foi cumprido.
No entanto, este acto legítimo do Comandante da Praça de Bissau levou à primeira revolta dos indígenas da região, que, sob a chefla de um novo régulo, chamado lncinhate, cercaram a povoação, impedindo o reabastecimento de viveres.
O Capitão José Pinheiro viu-se na necessidade de pedir socorro aos moradores dasargens do Geba e ao capitão-mor de Cacheu VIDIGA! CASTANHO, que, prontamente, acorreu a Bissau com 92 soldados transportados em três lanchas.
Contactado o régulo rebelde, segundo o relatório de Vldlgal Castanho, datado de 21 de Março de 1698, este provou a sua amizade a Portugal e o seu consentimento para a permanência do forte. No entanto. queria, em troca. a substituição do Capitão-mor JOSÉ PINHEIRO DA CÂMARA e que lhe fosse pago o terreno onde se construíra a fortaleza, além de lhe ser garantido o livre comércio com a navegação estrangeira.
1697/12/09
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O INCENDIO DO HOSPICIO DE BISSAU (9-12-1697)
SUMÁRIO - Incendiou-se o hospício de Bissau estando nele o Bispo, havia onze meses em visita, queimando-se-lhe os pontificais branco e vermelho, ficando privado de continuar a visita e opta o Conselho se lhe dêm 400.000 réis. - Sua Majeslade decide que o próprio Conselho envie 1.000 cru;ados.
Senhor
Por decreto de 26 de Novembro deste anno, V. Mag.de se veia e consulte neste Conselho, o q. parecer sobre huma petição de D. FR. VICTORIANO PORTUENSE, Bispo de Cabo Verde, em que diz, q. hindo em vezita á Guiné, estando no Hospício de Bissao, succedeo nelle hum incendio tão repentino e furiozo, que mal pode liurarse sahindo a grande risco menos composto do necessario~ queirnandoselhe todo o mouel de seu uzo, e os Pontificaes branco e vennelho, e todos os mais paramentos, por cuia cauza está impossibilitado para o uso dos Sacrificios Pontificaes, e ainda de aparecer em publico com grande desconsolação propria, e de seus subditos, obrigado por este modo a faltar ás obrigaçoens do Culto Diuino, e Doutrina de seus subditos; e porque a V. Mag.dc como Rey e Senhor, e Protector daquella Igreia, incumbe prouer de remedio respeitando a impossibilidade com q. se acha, pera restaurar estes paramentos depois da grande despeza da vezita de onze mezes, q. gastou naquella Costa de Guiné.
Pede a V. Mag. de lhe faça mercê de huma aiuda de custo competente para resarcir o danno do incendio, e poder continuar as obrigaçoens Pastoraes.
Dandosse vista ao Procurador da Fazenda respondeu, que ao Supplicante fizera V. Mag. de merçê mandar dar pellos sobejos da Ilha da Madeira duzentos mil reis, em satisfaçam dos gastos da primeira vesita q. fizera ao seu Bispado, por não hauer nos de Cabo Verde, com q. ser pago; e nesta segunda vesita não tiuera menos trabalho mas mayores gastos com o incendio de Bissao, e parecia que V. Mag.de lhe devia mandar dar mayor soccorro pela mesma parte, em êj. só o podia conseguir.
Ao Conselho parece representar a V. Mag.de, que este Prelado ·se faz digno de achar na piedade de V. Mag. de, toda a attenção, é iusto q. se lhe dê com que possa fazer os Pontificaes, e mais paramentos que lhe são necessarios, pois hé muy notorio que perdeotodos os q. tinha na ocasiam do incendio, que houue no Hospicio de Bissao, mas q. por este Conselho não pode ser socorrido pera esta despeza; porque supposto se acha com alguns effeitos, não são os que bastão pera o muito que tem q. acudir no prouimento das Conquistas; e porque se reconhece a necessidade do Bispo e q. se faz precizo a q. a gr~ndeza de V. Mag.de o acomode com algua aiuda de custo, pera della se ualler pera a factura dos ditos paramentos, q. V. Mag. de haia por bem, pel1a parte que for seruido, de que se lhe dem quatro centos mil reis para este effeito.
Lisboa, 9 de Dezembro de 697.
Conde de Alvor. / Duarte Teixeira Chaues. I Miguel Nunes de Mesquita
[A margem]: - Como pareçe, mas o Conselho pelos effeytos q. tiuer mays prontos, mandará dar estes mil cruzados. Lisboa 19 de  Dezembro de 697.
(Rubrica de D. Pedro II)
AHC - Cabo Verde - Cx. 8.
1697/12/17
«Limitou-se portanto Santos Vidigal Castanho a caminhar para Farim e a pedir instrucções para a côrte. Durante a sua estada alli ainda teve outro pedido dos reis da Gambia, que anciosos esperavam pela resolução regia. Esta foi contraria ao que se esperava, negando El-rei em seu despacho de 17 de dezembro de 1697 que se fizesse essa occupação, fundando-se na informação do conselho ultramarino, asslgnada pelo conde de Alvôr, Duarte Teixeira Chaves e Joseph Serrão, que diziam: “que o capitão-mór obrou bem em não ir as-senhorear-se do rio de Gambia, como pretendiam os reis de Tonhi e da Barra, como tambem em os conservar, tendo com elles toda a boa correspondencia, nos inleresses que d’isto pode resultar, porém que de nenhuma maneira deve lançar mão da sua offerta pelas consequencias e damnos mais prejudicias que n'isto se comidera. Lisboa, 9 de novembro de 1691.”
A degeneração dos portuguezes era manifesta.
Uma carta do rei de Tunhi, Gambia, de 5 de agosto de 1696, para o capitão-mór de Cacbeu, mostrava a este desejos de que n'essa região se arvorasse a bandeira portugueza é se expulsassem os inglezes d'alli.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pgs. 141, Lisboa, 1900
1698/00/00
Cerco à fortaleza de Bissau, seguindo-se uma guerra contra o presídio.
1698/01/01
«Em resposta, o régulo apertou o cerco à povoação, dificultando a entrada de géneros e impedindo os seus moradores de se abastecerem de água. José Pinheiro pediu socorro aos moradores de Geba e ao capitão-mor de Cacheu, Vidigal Castanho, que chegou a Bissau em 1 de Janeiro, com 3 lanchas e 92 soldados.
Pode dizer-se que foi esta a primeira das inúmeras guerras que houve mais tarde entre os papéis e o presídio de Bissau.
No relatório que enviou para Portugal em 24 de Março de 1698, Vidigal Castanho diz que o régulo Incinhate o acolheu com demonstrações de amizade concordando com a continuação das cbras do forte, mas com a condição de ser substituído o comandante José Pinheiro. Vidigal Castanho respondeu aos indígenas que o seu pedido só poderia ser satisfeito pelo governador de Cabo Verde.
Além disso, queixando-se o régulo de que nada havia recebido em paga do terreno cedido para a construção do forte, propôs-lhe a compra do terreno e assinatura do respectivo contrato em papel, com tôdas as formalidades porque, sem embargo da pouca constancia que todo este gentio tem nas suas palavras aquelas que chegam a dar nesta forma nunca a quebram e porque tôdas as vezes que chegam a tomar dinheiro pela coisa que vendem em nenhum tempo inovam em ordem a adquirir direito nela (a).
Em 2 de Janeiro efectuou-se a compra do terreno pela quantia de 300 barafulas (6o$ooo) tomando-se em consideração alguns presentes que anteriormente tinha recebido em nome do rei de Portugal. Nesse mesmo dia foi lavrado o competente auto por José Correia de Sá, escrivão de Fazenda Real e do Judicial e de Notas, no livro do registo da alfândega. de Bissau.
Estiveram presentes o dito régulo Incinhate, um seu sobrinho baptizado com o nome de Pedro Alvares, um parente do régulo Francisco Fernandes que servia de intérprete, o capitão-mór José Pinheiro, o capitão-tenente da fortaleza, João de Almeida Coimbra, e o escrivão de Fazenda Francisco Lourenço, além dos ministros do régulo e vários grumetes.
Serenados os ânimos e feitas as pazes, o capitão Vidigal Castanho retirou-se para Cacheu em meados de Fevereiro. Poucos dias depois o comandante José Pinheiro provocava novo conflito com os papeis, impedindo que êstes negociassem com, uma fragata holandesa que surgira no pôrto de Bissau.
É certo que a fragata vinha armada de 26 peças de artilharia e as suas intenções não se limitariam talvez a simples transacções comerciais, mas as circunstâncias aconselhavam prudência ao capitão-mor de Bissau.
Êste, porém, não se conteve e fazendo uso da sua artilharia começou a atacar o navio holandês, que já havia desembarcado algumas mercadorias. A fragata não respondeu; mas no dia seguinte, Incinhate cercou a fortaleza com a sua gente de guerra, enviando um emissário dizer ao capitão-mór que se continuasse na sua teimosia derrubaria as muralhas, cortando as cabeças aos moradores.
O capitão José Pinheiro mandou tocar a rebate e preparou-se para a defesa, mas foi dissuadido pelos moradores de Bissau e pelos missionários que foram de opinião que se deveria consentir o comérdo com os estrangeiros enquanto a Praça não fosse bastante forte para impôr a sua lei.
Não obstante todos os seus excessos e arrebatamentos, pode dizer-se que se deve ao capitão-mór José Pinheiro da Câmara o estabelecimento do Presídio de Bissau, a construção do antigo forte e o seu municiamento. Segundo o orçamento elaborado para o ano económico de 1696-97, as suas despesas importavam em 2.371$000 réis assim distribuídos:
Era êste o pessoal designado para a capitania, mas o quadro raras vezes esteve completo e ainda neste caso compreende-se que uma guarnição de 40 soldados era insuficiente para conter a arrogância dos papeis. Tôda a história da ocupação da ilha de Bissau e ainda do resto da colónia girou em volta dêste conflito entre a fortaleza e a tribu aguerrida dos papeis, que só acabou de ser dominada por completo no século XX com a campanha do heróico capitão Teixeira Pinto.
Em conseqüência de várias reclamações, o Govêrno central viu-se obrigado a exonerar José Pinheiro da Câmara de capitão-mor de Bissau, substituíndo-o por Rodrigues de Oliveira Fonseca, que estava servindo na guarnição de Cacheu.
(a) O régulo pepel receb!a além disso todos os anos uma farda encarnada, meias, sapatos e chapéu armado. Êste costume manteve-se até princípios do século XIX
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pgs. 133-135
1698/01/07
CATEQUIZAÇÃO DE ESCRAVOS EM CACHEU (7-1-1698)
SUMÁRIO - Manda fazer uma casa em Cacheu para receber os escravos ao chegarem, onde seriam catequizados por quem soubesse a sua lingua, e que os senhores fossem obrigados a mandá-los para lá logo que desembarcassem.
Eu EI Rey vos invio muito saudar. Havendo visto o que o Bispo Dom FREY VICTORIANO PORTUENSE me reprezentou sobre a forma que devia haver no baptismo dos escravos como se lhe ordenou, apontando os emconvenientes que se lhe offerecião a se dar á execução a dita ordem, asim pello pouco tempo que os escravos do resgato estavão em terras de Guiné, como pella sua rudeza para se poderem catequizar e pôr capazes de receberem a·agua do baptismo, como a experiencia tinha mostrado á Companhia resgataua, carregando os navios de tal maneira que a maior parte lhe morrerão na viagem sem baptismo, por não trazerem Sacerdotes, pela falta que há delles nessa Ilha, e por não ser possivel catequizaremse na viagem, pello mao trato que nella tem, e que só se podia remediar havendo huma caza grande em Cacheo cuberta de telha, que servisse de escravaria, onde estivessem livres dos encendios, aonde os achassem juntos os Relligiosos para os ensinar, obrigandoce aos senhores que os ponhão nella, e não em caza de gentios,como custumavão; e por ser digna de toda a atenção esta materia, e justo o que nella se dê toda a providencia necessaria, pois se emcaminha ao bem da salvação dos mizeraveis escravos, fui servido rezolver, que nessas Ilhas e praça de Cabo Verde haja catequistas, como em Angolla, e que sejão pratices nas lingoas dos negros, de toda essa costa, para que nas suas proprias linguas os possão instruir e capacitar para receberem a agoa do baptismo, sem se esperar que aprendão a nossa lingua, por se não [perder] occazião, a que entretanto morrão sem se conseguir o fructo gloriozo, e que a minha piedade tanto attende, e que para este efeito sejão obrigados os senhores dos ditos escravos, asim que chegarem a qualquer destes portos, as annaçoins delles de lhes darem recado para os hir ensinar e catequizar na doutrina christaã, pagandoselhe este ensino por aquillo que se arbitrar merecem justamente por este trabalho, e que todo o que faltar a esta diligencia obrando o contrario, que os governadores dessa Ilha mandem proceder contra elles com aquella demonstração de castigo condigno ao seu delicto, e que isto mesmo se pratica com os dos navios que ahy chegarem, e tiverem alguã demora, inda que vão coni escalla para outra parte, e que neste cazo vão a bordo os catequistas, e fação todo o possível para lhe ensinar a doutrina aos negros, que vieremembarcados, e para o effeito de algum modo serem catequizados os escravos em Cacheo; ordeno que sendo possivel se faça a caza que o Bispo aponta na mesma forma e com as circunstancias que insinua, para que juntos nella os escravos, os fação os catequistas doutrinar, de que vos avizo, para teres entendido a rezolução que fui servidotomar sobre esta materia, que deveis executar pontualmente. //
Escrita em Lisboa, a 7 de Janeiro de 1698.
Lisboa, 1 O de Dezembro de 1691.
Rey
AHU -Cód. 489, fl. 137-137v.; BADE, Cód. CXVI, 2-10, nº 2, fl. 29v.
ARQUIVO DE CABO VERDE, liv. 42, fls. 39-39v., que se publica.
CARTA DE EL-REI D. PEDRO II A D. ANTÓNIO SALGADO
(7-1- 1698)
SUMÁRIO - Manda ao Governador fazer uma Casa de telha para escola de catequistas dos escravos, em Cacheu. - Resposta do governador a esta carta, dirigida ao Bispo. - Resposta do Bispo à carta do Governador.
Gouemador e Cappitam geral da Ilha de Cabo Verde, Amigo. Ev ElRey uos enuio muito saudar. Hauendo visto o que o Bispo dessas Ilhas, DOM FREY VICTORIANO Portuence me reprezentou sobre a forma que deuia hauer no baptismo dos escrauos, como se lhe ordenou, apontando os inconuenientes que se lhe offereçiaõ, a se dar execução á ditta ordem, asy pello pouco tempo que os escrauos do resgate estauaõ em terra ein Guiné, como pella sua rudez para se poderem catequizar, e pôr capazes de receberem a agoa do baptismo, como a experiençia tinha Ill:Ostrado, nos que a Companhia resgataua, carregando os nauios de tal maneira que a may or parte lhe morreraõ na viagem sem baptismo, por nazo trazerem sacerdotes, pella falta que há delles nessa Ilha, e por naõ ser possiuel catequizaremsse na viagem peito mao trato que nella tem, e que só se poderia remediar hauendo huã caza grande, em Cacheu, cuberta de telha, que seruiçe de escriuaria (sic ), onde estiuessem liures dos incendios, aonde os achassem juntos os Relegiozos e Vigairos para os ensinar, obrigan, dosse, aos Seihores que os ponhaõ nella, e não em caza de gentios, como custumauaõ fazer athé a ora da ·partida do nauio; e por ser digna de toda a attençaõ esta materia, e iusto que nella se dê toda a prouidençia necessaria, pois se encaminha ao bem da saluaçaõ dos mízeraueís escrauos. Fuy seruido rezoluer que nessas Ilhas e Praça de  Cabo Verde haja Catequistas, asy como há em Angola, e que sejaõ praticos nas lingoas dos negros de toda essa Costa, para que nas sauas proprias lingoas os possão instruir e capacitar para receberem a agoa do baptismo, sem se esperar a que aprendaõ a nossa lingoa, por se não dar a ocazião a que entre tanto morraõ sem se conseguir o fructo gloriozo, a que a minha piedade tanto atende, e que para este effeito seião obrigados os Senhores dos dittos escrauos, assim como chegarem a qualquer desses portos as a naçoes, delles, de lhes darem recado para os hir ensinar e catequizar, na doutrina christam, pagandose lhe este ensino por aquillo que se arbitrar merecem justamente por esse trabalho, e que todo o que faltar a esta delligençia, obrando o contrario, que os gouernadores dessa Ilha, mandem proceder contra elles, com aquella demonstração de castigo condigna ao seu delicto, e que isto mesmo se pratique com os dos nauios que ahy chegarem, e tiuerem alguã demora, ainda que uão com escala para outro, e que neste cazo vão a bordo os Catequistas, e façaõ todo o possiuel por doutrinar e instruir aos negros, que vierem embarcados e para o effeito de poderem de algum modo catequizados os escrauos em Cacheu; ordeno que sendo possiuel se faça a Caza, que o Bispo aponta, na mesma forma, e com as circunstançias que ensinuei para iuntos nellas os escrauos, os possão os Catequistas doutrinar, de que uos auizo para terdes entendido a rezoluçaõ que fui seruido tomar sobre esta materia, que deueis executar pontualmente.//
Escritta em Lisboa, a 7 de Janeyro de 1698. /
a) Rey
a) Lopes de Laure
COPIA DA CARTA DO GOUERNADOR SOBRE ESTA MATERIA
Por carta de 7 de Janeiro de 698, manda S. Magestade que nestas Ilhas haja Cathequistas como há em Angola, que sejaõ praticos nas lingoas do gentio de Guiné, que os ensinem nas proprias lingoas, como as sircunstancias que a dità carta declara como V.S.ª verá neJla; e que em Cacheo se faca huã Caza de telha podendo ser, para os escrauos: digame V.S.ª se nesta Ilha há pessoas que saibaõ as lingoas da Costa de Guiné para serem Catequistas dos negros, de donde se lhe deue pagar, e quantos haõ de ser para responder a S. Magestade; e este anno tenho scripto á Guiné sobre a Caza de Telha; e por carta de 6 de Nouembro de 698 hé S. Magestade seruido mandar se façaaqui huã Caza para os escrauos que naõ souberem a doutrina christan; declareme V.S.ª o tamanho de que há de ser esta Caza, e os meyos com que se haõ de guardar os escrauos ne11a, e por onde se há de tratar delles, se há de ser para os que moraõ nesta Ilha, ou também para os que vierem de Guiné sem doutrina, e a quem se há de encarregar esta para com toda a certeza responder a S. Magestade, que Deos guarde,&.ª//
D. ANTONIO SALGADO (1)
RESPOSTA DESTA CARTA
Sr. Gouernador. Vi a carta de 7 de Janeiro que trata dos Cathequistas, e digo que ainda que não há homens forros que saibaõ as lingoas dos escrauos, há comtudo muitos escrauos que por virem das suas terras já crecidos, se lembraõ da sua lingoa materna, e tambem falaõ esta crioula; e nesta Caza se achaõ alguns destes capazesde ensinar os principios da doutrina christan a todos os que vierem das suas naçoes; e assim como há estes se acharaõ outros se se buscarem; e como se há de pagar ao que for Catequista bem podem ter os escrauos esta ocupaçaõ, de que rezulta aos Senhores proueito, e elles descanso. E quantos háõ de ser e o quanto se lhe há de dar, hé arbitramento (sic) que V.S.ª há de fazer, ou comigo.só, pois sempre se acha bem com as suas rezoluçoês, ou com os do seu Conselho; que nós os Frades só podemos ter voto no altar, no pulpito, ou no confessionario.
Vi a carta de 6 de Nouembro, e tiue outra do mesmo theor, com o treslado que V.S.ª trouxe o anno passado sobre este particular, que hé da Caza de telha para escola dos escrauos busaes, que tantos há nesta Ilha, que só na freguezia de S. Nicolau (2) ficaraõ o rumo passado mais mais de 20 por dezobrigar do preceito annual; e alguns de 70 annos de idade. Agora pergunta V.S.ª o tamanho da dita Caza, e os meyos da guarda dos escrauos, e quem há de ter coudido delles; nada disto me pertence, nem fui nunca arquitheto; propus a S. Magestade a necessidade spiritual das almas; agora toca o mais a V.S.ª como seu Ministro, pois se acha com bastante experiencia da terra; e se se multipuicarem as dificuldades, estou iá composto com Deos, e com as obrigaçoes da consiencia; o mesmo Deos guarde a V.S.ª &ª.
a) Fr. Victoriano, Bispo.
AHU - Cabo Verde, cx. 8. -Arquivo de Cabo Verde, Liv. 42, fls. 38-39, para a carta régia
(1) D. António Salgado recebeu carta de Governador de Cabo Verde, dada em Lisboa, a 4-3-1698. -ATT- Chancelaria de D. Pedro 11, liv. 42, fls. 78v.
(2)  S. Nicolau Tolentino ou S. Domingos.
1698/01/21
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINOSOBRE OS PADRES DA SOLEDADE (21-1-1698)
SUMÁRIO - Que se dêm aos Religiosos da Soledade os ohjectos pedidos, pois tendo o hospício de Bissau sido incendiadao, não têm possibilidades de os comprar.
Senhor
FR. DIOGO DA BARCA, Procurador geral da Prouincia da Soledade, e dos Relligiozos Missionarios, assistentes no Hospicio de Bissao, fez petiçaõ a V. Magestade por este Conselho, em que diz que a V. Magestade hé prezente o miserauel estado, em que ficou o dito Hospício com o incendio que nelle houue, o qual para se tornar a pôr no estado em que estaua, necessita de muitas couzas para sua reedificaçaõ e o que mais por ora lhe hé necessario saõ as couzas incluzas no rol junto, que com esta se emvia a V. Magestade. E como a grandeza e piedade de V. Magestade se digna tanto de favorecer aos Relligiozos Missionarios do ditto Hospício, pello grande serviço que fazem a Deos nosso Senhor na conuersão das almas.
Pede a V. Magestade lhe faça esmolla e mercê de mandar se lhe comprem as cousas do rol junto, cuia despeza se leuará em conta ao thezoureyro a quem V. Magestade for seruido cometer a despeza.
Dandosse vista ao Procurador da Fazenda respondeo, que esta petição era de graça muito digna da Real clemencia de V. Magestade.
Ao Conselho parece, que tendo V. Magestade respeito ás rezoens que representa o Procurador Geral dos Relligiozos da Província da  Soledade e ser muy notorio, que tudo o que havia neste Hospicio de Bissao se consumio com a ocasiaõ do incendio, que nelle houue; é justo que piedade de V. Magestade concorra para a despeza que se insinua na memoria inclusa, pois saõ huns Relligíozos que naõ tem meyos para se aiudarem nestes ornamentos, de que necessitaõ que V. Magestade haia por bem de que se lhe comprem as cousas de que fazem mençaõ. //
Lisboa, 21 de Janeiro de 1698.
aa) O Conde de Aluor I Duarte Teixeira Chaues I Joseph de Freitas Serraõ /(Rubrica ilegível) I Miguel Nunes de Mesquita
[À margem]: Como parece. Lisboa, 25 de Janeiro de 698:
(Rubrica de el-Rei)
AHU - Guiné, ex. 3, doe. 56. - Original.
1698/02/22
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II sobre uma carta do capitão-mor de Bissau, [JOSÉ PINHEIRO], e uma do capitão-mor de Cacheu, SANTOS VIDIGAL CASTANHO, sobre o início da obra da fortaleza, o ataque dos naturais de Bissau ao capitão-mor por este proibir o comércio com os estrangeiros, e do socorro do capitão-mor de Cacheu, em embarcações, gente e mantimentos; a carta do capitão-mor de Bissau refere ainda a morte do engenheiro [JOSÉ COUTINHO], a ajuda que teve do capitão-tenente [JOÃO ALMEIDA COIMBRA] contra os gentios; refere ainda a devassa tirada aos que negociavam com os estrangeiros, tendo apanhado MANUEL NUNES, o cabo MANUEL FRÓIS FALEIRO e o morador ANTÓNIO CABRAL; solicitando soldados e autorização para os moradores de Bissau negociarem no Rio de Geba; a carta do capitão-mor de Cacheu continha várias queixas do rei de Bissau contra José Pinheiro, informando que o feitor governava mal a ilha, pelo que mandara fazer livros para anotar as despesas, reforçando o pedido de soldados para Cacheu.
Anexo: consulta (minuta) e cartas.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 26, 27, 13, 16.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 244.
1698/02/00
Em Janeiro de 1698, sendo presentes., além do Capitão-mor JOSÉ PINHEIRO e do capitão-tenente JOÃO DE ALMEIDA COIMBRA, os escrivães FRANCISCO LOURENÇO e JOSÉ CORREIA DE SÁ e o régulo lncinhate, seus acólitos e intérprete, foi lavrado, no Livro de Registo da Alfândega de Bissau, o auto da compra do terreno onde fora construída a fortaleza, adquirodo pela Importância de 300 barafulas, ou seja. 60$000 réis.
Precisamente um mês depois desta cerimónia, um novo episódio, relacionado com o comércio livre, provocou outra rebelião dos indígenas.
O comandante de uma nau holandesa, armada com 26 peças, sob o pretexto de comerciar com os nativos da região mas com a finalidade de formar, em território sob a nossa soberania, uma feitoria, fundeou nas águas do Geba. O comandante da fortaleza intimou o navio estrangeiro a levantar ferro e, como não fosse obedecido, atacou-o a tiro de canhão, obrigando-o a retirar-se.
No dia seguinte a fortaleza estava cercada e um emissário dos rebeldes Informou o Capitão-mor que «se continuasse na sua teimosia (o régulo), derrubaria as muralhas, cortando a cabeça aos moradores.
A paz só se conseguiu através de várias concessões, entre as quais a autorização de livre comércio e a substituição do Capltão-mor JOSÉ PINHEIRO DA CÃMARA pelo Capitão RODRIGUES DE OLIVEIRA FONSECA.
1698/04/15
ANTÓNIO SALGADO Governador de Cabo Verde e da Guiné desde 15 de Abril de 1698.
Quando recolheu a Lisboa, trouxe uma amostra d planta de anil, de que resultou sahirem as Cartas Regias de 24 de Maio e 20 de Setembro de 1703, dirigida ao seu sucessor, determinando se colhesse toda a planta, quando fora sazonada; se manipulasse por conta da Fazenda em tanques, e se remetessem as amostras.
Indigo. Há mais de 150 annos, que se começou a cultivar n’estas ilhas o anil, e ensaiar a sua manipulação. O Governador D. Antonio Salgado regressando desta Provincia a Lisboa, trouxe uma amostra, a primeira, e que pelos resultados foi julgada insufficienteue o Governo de Portugal ordenou ao Governador GONÇALO DE LEMOS MASCARENHAS, pelas cartas Regias de 24 de Maio, e 20 de Dezembro de 1703, para que se recolhesse a erva estando sazonada, e se manufacturasse o anil em tanques, com regularidade e methodo, e anualmente remettesse as amostras; tudo por conta da Real Fazenda.
As primeiras amostras sendo ainda más, mandou o Governo, que dirigisse a fabrica um MIGUEL DE COTTON, Francez residente na ilha de S. Nicoláo. Faltaram porém meios pra stabelecer em forma uma fabrica regular; e o Governador representou então que por falta de meios pecuniários, não se podeiam construir os tanques; e que se devioa incumbir a empresa a algum particular.
1698/05/26
CARTA DO REI IZINHATÉ AO GOVERNADOR D. ANTÓNIO SALGADO (25-5- 1698)
SUMÁRIO- Quase pelas mesmas palavras escreve ao Governador como escrevera ao Rei. queixando-se ainda amargamente da acçao de José Pinheiro.
Ao sr. Jrmão Antonio Salgado
Estimarey muito que estas minhas fraquas regras ache a V. Mercê com muito boa saude, como eu pera min a~im dezeio. Eu o que de prezente me alegro hé boa pera seruir a V. Mercê como este seu Jrmaõ.
Sobre o Cappitam mor que V. Mercê me trata na sua sobre o preposto que Sua Magestade deu a V. Mercê pera escolher a qualquer pessoa bem, bem fes V. Mercê de me mandar o Capitam mor Rodriguo de Oliueira, por que hé pessoa que sempre tiuemos conhecimento, se bem que despois da sua chegada a esta minha terra, eu tiue alguma desconfianssa polas couzas que outro Capitam mor Jozeph Pinheiro me tinha feito em lauantar gerras contra min, sem auer cauza entre nós. Raprezentej todas estas balias que me tinha atirado cá no meu Reino ao sr. Capitam mor desta praza para enconztar todas as maldades que sua mercê me fazia. //
Senhor jrmão bem sabe V.M. que nada de meu jrmão Rey de Purtugal posso negar, sendo com boa pax e quetasaõ, porque naõ quero ter nenhuma maldade com aqueles que hé meu Amiguo sobre os negosios do estrangeiros que os Capitaiz mores naõ nos querem deixar fazer negosios qua nesta terra. E bem sabe V.M. que sou hum Rej pobre que qua na minha terra não requere senão fazenda estrangeira, que hé ferro, agoardente, trasado e a companhia de V.M. que aqui está; elle qua não me uende bebida nem ferro nem tem fazenda que hé bastante para esta minha terra e bem sej que elle não negua mais a fazenda que elles lhes mandão, não hé bastante pera esta minha terra nem não hé fazenda boa oomo do estralheiro que qua hé nessesaria pera estas terras; e bem sabe V.M. que o prezo do estranlheíro me acomodo milhor de que o prezo que quase me pagaõ na Companhia por minhas pessas. //
Senhor, naõ tenho mais nada que relatar a V. Mercê nem tenho alguma couza que possa remeter a V.M. agora nesta ocaziaõ, mais confio em Deos que se Deos me der vida e saude mandarej a V. Mercê algum mimo de minha pobreza. Senhor Jrmãojá diguo a V.M.que se eu puzer a escreuer couzas que o Capitam mor Pinheiro me tinha feito não auerá papel no mundo que eu possa escreuer suas couzas ruinz que me tem feito. Athé na huma ocaziaõ chegou deprender o meu alcaide com corrente e grilhão, sem cauza por ser hum homen como elle era, que não demitia rezezão (sic).
Deos a V.M. guarde por muitos annos; oie 25 de maio de 1698 armos.
Bissaõ, de uós Amiguo
O Rey Hisinha The
. NOTA- Escreve também ao capitão Rodrigo de Oliveira da Fonseca, dizendo-lhe que não podia dar-lhe palavra para ele governar a sua terra, tão escamado estava a~nda da acção de famoso Pinheiro.
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
CARTA DO REI DE BISSAU IZINHA TÉ AO CAPITÃO·MOR RODRIGO DE OLIVEIRA (25-5-1698)
SUMÁRIO - Diz-lhe que não haoo-de consentir seus vassalos, pelo exemplo dado por outro Capítão anterior, que ele os governe, confessando-se seu amigo e de el-Rei de Portugal.
Ao Sr. meu Jrmão CAPPITAM RODRIGO DE OLIUEIRA
Nesta hora recebi huma de V. Mercê por honde estimej muito com sua boa chegada de V. Mercê, eu com saude estou para seruir a V. Mercê naquillo que eu puder.
Senhor Jrmão sobre o que V. Mercê me trata em como V. Mercê veyo qua para gouemar esta praza bem sabe V. Mercê que os meus bazallos não hande consintir tal, por ofensa que outro Cappitam lhes tinhaõ dado, a esta cauza diguo que não posso dar a V. Mercê palavra de soltar aquy neste porto para gouemar, a não ser isso V. Mercê bem sabe claramente que sou muito seu Amigo de V. Mercê, quanto mais nas couzas de el Rej de Portugal meu Jnnão, que não posso negar nada seu senaõ ele hé o êfado que temos sobre a molestia que o Capitam mor tinha molestado os meus bazallos, em lhes tirar com as balas e matar suas vacas.
Não tenho que emcareser a V. Mercê, deste seu Jrmão de V. Mercê.
O Rey de Bissao Hisinha Te
1698/06/07
CARTA DE VIDIGAL CASTANHO AO GOVERNADOR DE CABO VERDE (7-6-1698)
SUMÁRIO- Dá pormenorizadas noticias de Bissau e Cacheu e da. acção negativa do Capitão·Mor de Bissau José Pinheiro.
Senhor
Depois de ter escrito a V.S.ª me chegaraõ de Gambia as nouas que a V.S.ª faço prezentes. V:ieraõ duas naos francezas a Goré e mandar pôr Caza com fazendas em Gorege, aonde em algum tempo a tiueraõ os ditos franceses e jnglezes, e juntamente em Albadar, que hé na boca do Ryo de Gambia e posta foi recolhida para Goré para uir em duas naos que o estauaõ esperando, a Bissau fazer fortaleza no llheo piqueno a que chaamõ Debande, e pôr Caza com fazendas na mesma Ilha do Bissau e este frances se chama Monsiur Castanho, que hé baqueano destas partes e conhece tudo muito bem.
Tambem me pareceo dar a V:S.ª conta de que hu Miguel Mendes Ramos, que está nessa Ilha para passar para o Reyno assistia no .Ryo de Nuno no seruiço dos jnglezes, aonde o tinhaõ com caza e fazendas que administraua, e hü frances de nasçaõ já tanto introduzido no nosso portuguez se tinha jurado nesta Praça, indo ao dito Ryo os negros delle o mataraõ e dizem alguns jnglezes que foi por industria (I) Baqueano é justamente o que confilece bem uma região e serve de guia aos viajantes. do dito Miguel Mendes Ramos, ao que me naõ persuado nem hé divno de crer, porque recolhendose o dito Miguel Mendes para esta Praça dice sahira do dito Ryo taõ apreçadamente por se temer que os mesmos negros executacem nelle a mesma tirania que uio executar no dito frances e que lhe roubacem a fazenda como o tinhaõ feito ao dito. Bem dezejei aueriguar a certeza desta duuida, mas naõ me foi possiuel por não hauer thé o prezente embarcaçaõ para aquella parte, mas como em ·nouembro faço conta mandar duas embarcaçoes, espero para o anno neste tempo poder infonnar a V.S.ª da uerdade deste cazo.
Na Magre Bomba tem os ditos jnglezes fortalleza e nella e nella hé General Thomas Charcher Caualleiro e de boníssimo natural, e como tal sempre deo e mandou dar boas passagens a todas as embarcaçoes que daqui mandamos á Serra a benefficiar colla; deste tal escreueo o dito Miguel Mendes á Companhia de Inglaterra o que · lhe pareceu em desabono do dito General, o qual offendido grandemente ueyo este anno a Bissau com desinio de o apanhar, assim peHas ditas rezoês, como por dizer que o dito· Miguel Mendes Ramos lhe fogira com fazendas e recolhendoce e achando nauio na Caza com noticia de que o mandauaõ chamar, se antecipou e se foi no dito nauio para Inlaterra, dizem que a dar conta de sy, e como este homem hé Caualheiro, e tem hum lrmaõ dentro de Palacio, que assiste a S. Magestade de Ingalaterra com oficio particular e tem hu thio oujrmaõ em Portugal que hé estribeiro da Senhora Rainha da Oram Bertanha (síc), teomoque por querer dar conta de sy se mandem fazer alguãs diligencias por este homem a Portugal e que sobre· o mesmo tenha
V.S.ª e eu alguãs ordens de S. Magestade que Deus guarde, pareceume ser obrigaçaõ minha fazer a V.S.ª este auizo ..
O mesmo General se achou em Bissau na occaziaõ em que os negros prenderão e remeteraõ a esta praça a Jozeph Pinheiro, e indo leualo á sua fortalleza como já a V.S.ª auizei, o mesmo General me deo adju orio de gente para o poder fazer sem perigo, e depois de me recolher para esta praça o dito jngles se pôs a caualo e foi buscar o Rey a fim de o congraçar e fazer amigo com o dito Pinheiro, leuandolhe seu mimo, o que naõ pode efectuar.
Nesta praça estaua hum Jozeph Pereira, filho dessa Ilha, ao qual deuem os francez.es huãs mil e tantas patacas do tempo que lhe seruio e pedindome licença para passar a Bissau a uer se achaua passagem para hir cobrar o dito dinheiro a França lha concedi.
Chegado uezitou o Cappitam Mor e lhe deu cartas e parte da uiagem que hia fazer e depois de recolhido ao nauio do General o mandou o dito Pinheiro chamar, dizendolhe fosse para terra seruir a ElRey, porque estaua falto de gente e aliás o auia carregar de grilhoes e correntes; respondeolhe o dito que em terra tinha estado e na sua maõ estaua naõ o deixar embarcar, e que á uista dos rigores com que o ameaçaua e de o naõ deixar sair da fortalle~ podendo hir cobrar a sua fazenda, sendo hü moço pobre, temia por estas rezoês hir a terra. //
Mandou segunda uez pedir ao General lê entregace o dito portuguez, ao que lhe deferio o naõ fazia, porque lhe constaua naõ era soldado e que a sello o naõ consentiria no seu nauio, antes daria toda a ajuda que podece, lhe fosse pedido ao seruiço delRey de Portugal, como já o tinha feito, offerecendo sua pessoa e gente na occaziaõ de sua prizaõ e mandando a terra o seu surgiaõ e mercador a cobrar noue ou dez peças que lhe restaua de negocios que com elle auia feito, e não só lhe naõ fez dito pagamento mas prendeo ditos jnglezes, e mandando o dito General pedillos, e a cauza porque os tinha prezos lhe respondeo os naõ auia largar thé com effeito lhe naõ puzecem o dito portuguez em terra; á uista desta reposta mandou o General a sua gente armada enterra a pedir rezolutamente os ditos prezos, a cuja rezoluçaõ o dito Cappitam Mor os largou logo, e se recolheraõ para bordo e se fizeraõ sem demora á uella, indo a outro porto da mesma Ilha a acabar de se fornecer do que lhe era necessario; dizem lhe escreuera o dito Cappitam Mor huã carta dizendolhe que o primeiro jngles que apanhace o auia de enforcar; offendido deste dizer se recolheo para a Serra o dito jngles e mandou huã lancha ao ryo aonde temos as nossas a fazer colla, e reprezou o que lá tinha o dito Cappitam Mor Pinheiro, com seu filho, obstando os forros em terra o leuou a elle e dita lancha, a cuja execuçaõ acodio o dito Jozeph Pereira, dizendo se naõ fizece que elle se obrigaua a satisfazer a dita diuuida e passaria escrito para pagar nesta praça e que de sua companhia naõ sahiria sem pagar, e naõ sey o que mais passou neste particular, mais do que a noticia que tiue de sua abzencia, sem embargo de que antes se chegace a este ponto se me dice por serto o naõ fizera.
Se S. Magéstade que Deus guarde puzer os olhos nos auizos que lhe faço no particular do estrangeiro, hé sem duuida se mal lograraõ em muita parte os disinios dos ditos francezes: tudo está em S. Magestade abrir os olhos, e em que queira dar o remedio, na fonna que lhe noticio como seu leal vassallo, em ordem a seo real seruiço.
V.S.ª se lhe parecer naõ deixe de dizer ao dito Senhor que hé muito conueniente assim a seu real seruiço, como á conseruaçaõ desta Conquista, darce o remedio aos danos que podem rezultar a sua real fazenda e ao despacho das da Companhia.
E todas as desordens sobreditas e outras similhantes só nacem de hum taõ grande talento, como era o dito Cappitam Mor, mas hé sem duuida, que se elle o naõ tiuera, e não fora capaz, o Senhor Bispo o naõ auia inculcar a S. Magestade para o mandar por Cappitam Mor daquela Ilha, para lhe fazer taõ exorbitantes despe7.a5 de sua Fazenda, sem obra, proueito, nem utillidade; tenho dado a V.S.ª noticia de tudo o que a obrigaçaõ de meu cargo em obriga. Garde nosso Senhor A V.S.8 &ª.//
Cacheu, 7 de Junho de 1698.
[Autógrafo]: Menor Criado de V.S . .
a) Santos Vidiga1 Castanho
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
1698/07/01
CARTA DE ANTÓNIO SALGADO GOVERNADOR DE CABO VERDE
(1-7-1698)
SUMÁR10 - Escreve sobre a carta de Vidigal Castanho e intenções de os franceses construírem fortaleza no ilheo em Bissau. - Porque é o homem que melhor conhece a Guiné, que se tenham em conta os meios que ele aponta.
Senhor
A carta do Cappitam Mor de Cacheu, Sanctos De Vidigal Castanho (1), junta com esta, gue dá noticia mais clara dos nayios francezes que andaõ pondo Cazas com fazendas por aquella Costa, intençaõ fortalleza no iJheo em Bissao, insinua apontar a V. Magestade meyos para se desvanecerem os intentos dos francezes; e as boas noticias que tenho da muita inteligencia e conhecimento que o dito Cappitam Mor tem das couzas de Guiné me anima a poder dizer a V. Magestade que dos meyos que apontar o dito Cappitam se deve fazer muito cazo, por.que daquella parte tenho alcançado naõ tem V.
Magestade vassallo que mais noticia tenha, nem mais amado e respeitado seja do gentio.//
No que me dis de Miguel Mendes Ramos naõ me pareceo achar materia capás para proceder contra elle em couza alguma, em sabendo com certeza em que embarcaçaõ passa ao Reyno darej conta a V. Magestade, que mandará no seu particular o que for seruido. O mais que contem a dita carta se refere a imprudencias do Cappitam Mor Jozeph Pinheiro, perdoelhe Deos que tantas dezenquietaçoens buscou para todas aquellas gentes e para sy, e ainda depois de morto deixou formento para os que lhe sucedesse~.//
Guarde Deos a real pessoa de V. Magestade. //
Cidade da Ribeira Grande, o primeiro de Julho de 698 annos.
a) D. Antonio Salgado
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
(1)  Recebeu carta do Capitão de Cacheu, dada em Lisboa, a 23-1-1694. -ATT Chancelaria de D. Pedro li, liv. 38, fl. 389.
1698/09/27
CONSULTA DO CONSELHO ULTRAMARINO SOBRE O COMERCIO DA GUINE (27-9-1698)
SUMÁRIO - Diz que o comercio dos estrangeiros se não pode impedir nos Rios de Guiné, porque nem temos força em terra nem no mar que o possa suster. - O meio a opôr-/hes é a Companhia de Cacheu meter ali fazendas por tal preço, que não necessitem da dos estrangeiros.
Senhor
Foy V. Magestade servido ordenar, por carta de 28 de Fevereiro deste anno, ao Governador de Cabo Verde Dom Antonio Salgado, o informasse do negocio, que faziaõ com os estrangeiros os moradores da Ilha de Bisao, vassallos de V. Magestade, e principalmente os do Rio da Geba, contra as ordens de V. Magestade que sobre esta matéria se tem passado.
A esta carta responde o ditto Governador em outra de 17 de Julho, que fazendo esta diligencia pellas vias que lhe foi possiuel, achara, que naõ só estes vassallos de V. Magestade, mas em todas as partes de Guiné se negociava com estrangeiros, assim pello que o Capitam Mor RODRIGO DE OLIUEYRA lhe dezia nas suas cartas, como por outras imformaçoens que tomara; e tambem tinha por irremediauel este danno pellas poucas forças que havia em terra para impedir ao gentio leuasse as fazendas aos navios estrangeiros, que daõ fundo naquella Costa, e nenhumas no mar para os afastar delles, que sem hum destes dous remedios, se naõ poderá conseguir; porque desviandosse os nauios estrangeiros das nossas Fortalezas davaõ fundo em toda aquella Costa, e o gentio nas suas canoas, lhe leua as suas fazendas, e de alguns vassallos de V. Magestade, e em troco lhe tomavaõ as suas dos estrangeiros, e os gentios trespassavaõ aos chistaõs as que lhes tocavaõ, pellas que lhe entregaraõ com cautella, que suposto se conhecesse, se naõ poderia averiguar nem impedir, por falta de forças no mar, e na terra.
Ao Conselho parece representar a V. Magestade que o negocio que os estrangeiros fazem nestes Rios se naõ pode impedir, porque naõ temos naquella Conquista as forças necessarias para este effeitto, nem as cousas da Europa se achaõ em estado, que o haiamos de intentar no tempo presente, que o meyo que se offerece mais conveniente, para que aquelles moradores assistentes nos domínios de V. Magestade naõ negoceem com elles, hé meter a Companhia de Cacheu tantas fazendas, e dandolhas por hum preço tal, que naõ necessitem do comercio dos estrangeiros, mas como lhes não introduzem as que bastem, e essas poucas que levaõ, lhas vendaõ em taõ grande exorbitancia e excesso, impossibilitandoos para a compra, que nestes termos naõ só tem elles iusta rezam de queixa, mas ainda os mesmos Reys e negros daquellas terras, como se comprova da carta do Rey de Bisao que com esta se remete ás· reaes maõs de V. Magestade, reconhecendosse que isto lhes faz lugar assim aos nossos, como aos mais, a buscarem os seos interesses por outra via, seguindosse desta descaminho hum grande danno á fazenda de V. Magestade na falta dos direitos, que pudera ter, se os interessadoz mandassem aque11es generos, que se podem gastar naquellas partes, tendosse por ser duuida, que se naõ houuera este assento que fora liure aos mais vassallos de V. Magestade vsar daquelle comercio, e poderem mandar com carga as suas embarcaçoes áquelles portos que naõ só seria mayor o crecimento para a Fazenda Real, mas que seria muito em mayor abundancia e provimento dos generos que saõ necessarios que se mandem para o negocio daquelles Rios; e que nesta consideraçam deue V. Magestade hauer por bem mandar . emcomendar á Companhia de Cacheu que daquy em diante naõ só proveia diferentemente aquellas partez, mas que as fazendas que mandar nauegar para ellas seião de boa qualidade, dando os por aquelle preço racionavel, porque por este caminho naõ só teraõ mais seguros os seus interesses, mas será este o instromento mais efficaz, para que os vassallos de V. Magestade e os negros se apartem do comercio das naçoens, que custumaõ frequentar aquelles portos. li
Lisboa, 27 de Settembro de 1698.
aa) Conde de Alvor, P. I Joseph de Freitas Serraõ I Miguel Nunes de Mesquita . .
[A margem]: Quando a Companhia se naõ afaste com o Conselho lhe que satisfaçaõ a condiçaõ vinte e quatro do novo assento e o Conselho tenha entendido que pelas mesmas condiçoês se acabou o estanco, e que hé licito a cada hO mandar o que quisere a aquellas Conquistas.
Lisboa, 20 de nouembro de 698.
(Rubrica de el-Rei)
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
1698/10/24
REGIMENTO DO CAPITÃO·MOR DA ILHA DE BISSAU (24-10-1698)
SUMÁRIO - Construção de uma fortaleza em Bissau. - Propagação do fé principal intento dos reis de Portugal. - Favoreceria os ministros da Igreja. Trataria com justiça os gentios. - Procuraria atrair os tangomãos a irem povoar.
Eu ElRei. Faço saber a vós JOSÉ PINHEIRO (1), que por ser conveniente .a meu serviço que com effeito se faça a Fortaleza, a que já em outro tempo se mandou dar principio na Ilha de Bissau, aproveitandome agora daquella boa vontade com que ElRei de Bizáo se offerece, e me pede que mande fazer esta Fortaleza, para com ella evitar o comercio com os estrangeiros, que frequentão muito aquelJas Ilhas, e se entender que a dita Fortaleza, não só temporalmente serã de augmento. Ao comercio, e de segurança ao das Ilhas de Cabo Verde e Cacheu, mas que tão bem espiritualmente resultará a desposição para se converterem á nossa Santa fée os gentios habitadores daquellas Ilhas:
Fui serviço resolver que com e:ffeito se fizesse a dita Fortaleza; e por que para dar principio ás disposições, e introducção delta, era necessario pessoa de toda a intelligencia e capacidade, e pratico naquellas partes; e por concorrerem em vós todas as que comvinhão, vos nomeei para o posto de Capitam mor della, para cujo efeito guardareis no exercicio do dito cargo o Regimento seguinte, e o mesmo farão todos os que daqui em diante vos succederem.
4.º E porque o principal intento com que vos envio á dita Ilha he para augmento de meus vassallos, e para os que nella quiserem hir viver, tanto dos que se acchão espalhados por todo o Guiné, como dos mais que das outras partes quizerem ajudar a povoalla, e dos mais que a elle forem, serem governados em paz, e Justiça, e procureis assim, tratando em primeiro lugar das couzas da fée, e favorecendo os Ministros da Igreja, e Missionarios para pregarem o Evangelho, e baptizarem os que de novamente se converterem, e instrohirem nas couzas da nossa Religião, o que vos encomento muito em particular lhe deis toda ajuda e favor para poderem exercitar estes actos tanto de serviço de Deos, e bem das almas.
5.º O bom tratamento dos gentios vos hey por muy recomendado, e que se lhes não fação vexações, e se guarde igualmente justiça a todos, tratando de os compor amigavelmente nas duvidas que tiverem, de maneira que escuzandoas quanto for possivel haja cada hum seu.
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Avizar-me heis particularmente pello dito Conselho, das pessoas que andarem feitas tangomãos, e dos que tiverem encorrido nessa culpa, e de suas qualidades, e que utilidade receberá meu serviço delles, se se reduzirem, e vierem povoar, e viver na povoação, e se convirá, ou haverá algum inconveniente em se lhe perdoarem as culpas que tiverem, e com que condicções se lhe deve conceder perdão, e do beneficio que elles disso receberão, com o mais de que vos ' parecer informar.
Manuel Gomes da Silva o fez em Lisboa, a 18 de Março de 1696. O Secretario André Lopes de Lavre o fiz escrever.//
Rey.
AHU - Regimentos de todas as Conquistas, Cód. 169, fl. 89v.-91v
(1) Carta de Capitão de Cacheu, dada em Lisboa, a 10-1-1692. ATT- Chancelaria de D. Pedro!!. liv. 49, tl 415v.
1698/11/04
Nomeação de D.ANTÓNIO SALGADO no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde. Até 1702.
1698/11/10
PROVISÃO A FAVOR DOS RELIGIOSOS QUE TRABALHAM EM BISSAU
(10-11-1698)
SUMÁRIO - Manda pagar aos sindicos dos Religiosos da Ilha de Bissau todo o tempo que exercitarem suas ocupações de vigários e tesoureiros, quer na dita Ilhâ quer em qualquer outra parte.
Eu El Rey. Faço saber aos que esta minha Provizaõ virem, que tendo respeito ao que me reprezentou o Bispo das Ilhas de Cabo Verde, Dom Frey Victoriano Portuense, por carta de seis de Julho deste anno, acertada duvida que os officiaes de minha fazenda daIlha de Bissao poema se pagar ao Padre FREY MATHIAS DO MAÇAÕ, que está servindo de Vigario na Igreja Matris da mesma Ilha, e a FREY JOSÉ DE VILLA NOVA DO PORTO que serve nella de Thezoureyro, as suas congruas que lhes tocão com os ditos cargos, e levão na folha os taes beneficios por serem Relligiosos, e não terem Prouizaõ minha; e tendo considerado a haver permettido ao dito Bispo o mandar partochiar ·as Igrejas pelos Religiosos Missionarios, pela falta que há de Sacerdotes capaces naquella Ilha, e ao que sobre esta materia respondeo o Procurador de minha Fazenda a que se deu vista.//
Hey por bem se pague aos sindicos dos taes Religiosos todo o tempo que executarem os taes officios, não só na dita Ilha de Bissao, mas em qualquer outra parte, que os beneficiados são filhos da folha:
Pello que mando ao meu Governador e Capitam Geral da Ilha de Cabo Verde, e ao Capitarn Mor de Bissao, Provedores de minha Fazenda, e mais officiaes della, cumprão e guardem esta provizaõ, e a fação cumprir e guardar inteyramente como nella se conthem sem duvida alguã, pela qual com conhecimentos de recibos dos síndicos dos taes Padres será levado em conta ao Thezoureyro, Almoxerif e ou Recebedor de minha Fazenda, o que assim pagarem nas que derem de seu recebimento, e vallerá como carta, e não passará pela Chançellaria, sem embargo da Ordenação do Livro 2º, títulos 39 e 40 em contrario, e se passou por duas vias. 
Manoel Phelipe da Silva a fez em Lisboa, a 1 O de Novembro de seis centos noventa e outo. O Secretario André Lopes de Lavra a fez escrever. //
Rey
Conde de Alvor
Por despacho do Conselho Ultramarino de 5 de Novembro de 1698. Registado a folhas 3 em o Livro de Provizoens que serve em a Sacretaria do Conselho Ultramarino. Lisboa, 25 de Novembro de 1698. André Lopes de Lavra.
ARQUIVO DE CABO VERDE - Liv. 42, tl. 12.
1698/11/20  
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II sobre uma consulta da Junta das Missões acerca do pagamento de mantimentos aos religiosos capuchos pelo tempo que serviram de párocos; mencionando as culpas de JOSÉ PINHEIRO [capitão-mor de Bissau] e do seu filho no incêndio do hospício, de que fez devassa o corregedor do crime da Corte, GASPAR DE ALMEIDA, remetendo-a ao governador e capitão-general de Cabo Verde, D. ANTÓNIO SALGADO; aludindo ao castigo que se devia dar ao rei de Bissau por ter prendido o capitãomor e ao mercador da Serra Leoa, João Compernes, por ter vendido aos ingleses um moço forro e cristão de nome Marcos Gonçalves.
Anexo: decreto, consulta (minuta).
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 32.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 247.
1698/12/06
CARTA DO SECRETÁRIO DE ESTADO AO GUARDIÃO DE S. FRANCISCO(6-12-1698)
SUMÁRIO- Refere o incêndio que devorou o hospicio de Bissau com lodo o seu recheio. - Diz que os missionários novos ntio poderão ir no navio em partida, mas que irão brevemente. - Recomenda-se às suas orações.
Tambem eu nam tenho mais alegres novas, que as que V.P. me dá, e os vossos lrmaõs Missionarios, quando chegam os navios dessa parte, e suppostos que o sentimento de suas molestias me causa grande pena, se suavisa muyto com a noticia do fruto, que colhem para Deos por meyo de seus vassallos. //
Estranho e não esperado caso foy o de Bissao, e cruel ficou sendo a tirania do Rey, nam só contra o Capitam mor, que a padeceo, mas contra os Christãos e os Religiosos (1), que actualmente a padecem, e daqui venho a inferir, que o fim há de ser bom, e que o Demonio pelas difficuldades que lhe poem no caminho de se conseguir. Tudo se há de vencer, mediante a graça de Deos, dando forças de espirito aos Operarios de sua santa lei.//
Nesta ocasião se não poderão embarcar os Religiosos, porem ficam para ir no primeiro navio, que partirá brevemente e também com elles iram todas as couzas que se pedem e são necessarias para o reparo das Igrejas e Hospicios de Cacheu, Bissao, e demais disso o emprego de húa ajuda de custo, que Sua Magestade manda dar para sustento dos Religiozos de Cacheu. //
Eu me encomendo nas orações de V.P. rogandolhe se lembre de mim e de meus filhos para pedir a Deos, nos dê o que for melhor para o bem de nossas almas. Deos guarde a V.P. muytos annos. //
Lisboa, 6 de Dezembro de 1698.
Senhor FR. JOSEPH DO BECO. Guardiam do Convento de Cabo Verde.// 
Muyo affectuoso Irmam e Venerador de V.P. Roque Monteiro Paim
BMP- Fundo Azevedo nº 1: Coronica da Provincia da Soledade, ob. cit., Tom. II, p. 716-717.
NOTA-D. Pedro II escrevia em 5 de Dezembro ao mesmo religioso a carta seguinte:
Eu El-Rey vos envio muyto saudar. Sempre faço grande estimaçam das noticias que me daes sobre as Missões, e do zello com que nellas se empregam os vossos Religíozos. Ao P. Provincial mandei ordenar enviasse nesta ocasião mayor numero delles e por via de Roque Monteiro Paim vos será prezente, como nam só as congruas e viatico se pagam, mas tambem se mandam dar ajudas de custo, que se pediram para Cacheu e Bissao. li
Escripta em Lisboa, a 5 de Dezembro de 1698.
Para o Guardião do Convento de Cabo Verde
Jb,, p. 716.
(Rei)
(1) Referência ao fogo posto ao hospício dos Relígiosos em Bissau, mandado edificar por D. Vitoriano Portuense, bispo e franciscano da Provincia da Piedade, crime da responsabilídade do capjtão-mor, em ódio ao bispo e aos frades, JOSÉ PINHEIRO do seu nome. FR. MANUEL DA BARCA, FR. CASTELLO BRANCO e FR. MARCOS DEAZURARA perderam tudo no incêndio, inclusive os seus preciosos livros e relatórios das missões.
1699
MANUEL PEREIRA era urn comerciante de Cacheu no final do seculo XVII.
O licenciado JERÓNIMO DE TEIVE fora encarregue de “ir a Cabo Verde em uma diligência a meu serviço”(587). Com MANOEL LOPES DE BARROS, destacado, em fins de 1690, para realizar “várias diligências” em Cabo Verde, o sigilo é absoluto, sendo proibida a toda e qualquer autoridade local, icluindo o governador e o ouvidor das Ilhas, exigir “o Regimento nem ordens que para as ditas diligências a que o mando [...] nem o obriguem a registá-las
RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA é capitão-mor de Bissau, até Dezembro de 1707. A capitania de Bissau foi extinta nessa data. Até Novembro de 1753 não houve capitães-mores em Bissau.
1699/03/06
OFÍCIO do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao governador [de Cabo Verde, D. ANTÓNIO SALGADO] sobre o estado daquela praça e a paz que vivia com os negros, apesar dos abusos que praticavam na cobrança dos delitos e no comércio com os estrangeiros; avisando da chegada, em 22 de Fevereiro, de três navios franceses que tomaram um navio holandês e do seu intento de para fazer fortaleza e Feitoria na ilha de Bolama; referindo as tentativas dos franceses para negociarem com o rei de Bissau e de como era impossível impedir algo se os negros o desejassem.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 33.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 249.
1699/03/22
CARTA do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao rei [D. Pedro II] sobre a conveniência de permitir o comércio com os estrangeiros como forma de livrar os moradores das vexações que viviam, aumentar a praça e obter na alfandega os direitos que antes se pagavam em Cacheu, podendo assim sustentar o presídio, fortificar tudo devidamente, estabelecer outras povoações na costa da Guiné e impedir a construção de Feitorias aos franceses; propondo que o negócio fosse tratado com as coroas e estados estrangeiros para que não aleguem desconhecimento.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 34.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 250.
CARTA do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao rei [D. Pedro II] sobre o mau estado e a falta de recursos daquela praça: carretas, pólvora, murrão, pedras, mantimentos e soldados; sugerindo o aumento de soldo e uma farda para evitar as constantes fugas dos soldados e o estado miserável em que viviam; informando da conveniência de se enviar para ali mais gente cada ano para fazer face às necessidades e à mortalidade; dando conta da maior desobediência dos moradores quanto maior fosse o seu afastamento da fortaleza, e da necessidade de substituir o escrivão da Fazenda e os demais oficiais cujo tempo de serviço já terminara.
Obs.: carretas são as bases de madeira em que se apoiam os canhões, murrão é o pedaço de corda que serve de pavio às peças de artilharia.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 35.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 251.
1699/03/23
 CARTA do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao rei [D. Pedro II] sobre o estado de paz que vivia com os negros apesar dos abusos que praticavam na cobrança de delitos e no comércio com os estrangeiros; informando da chegada de três navios holandeses e de dois dinamarqueses e que em 22 de Fevereiro os franceses tomaram um navio holandês; declarando que não pudera evitar o comércio dos franceses em Geba e que eles diziam que era tudo possessão do rei de França entre o Cabo Branco e a Serra Leoa; declarando que a falta de gente e mantimentos era a causa de não poder cumprir todas as ordens régias e de não ter maior obediência dos negros, que conhecendo essa fraqueza chegavam a vender cristãos e forros, sem ele o poder evitar.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 36. AHU_CU_049, Cx. 3, D. 252.
1699/03/28
OFÍCIO do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao governador de [Cabo Verde, D. ANTÓNIO SALGADO] sobre os negros não quererem a fortaleza por temerem perder a sua liberdade e da pouca serventia que ela tinha, não se conseguindo impedir a navegação das embarcações estrangeiras, porque os rios eram navegáveis para a Serra Leoa, Rio de Ponga, Rio de Nuno, Rio Grande, Cacheu, Rio de Geba; enumerando as fazendas que se obtinham nestes lugares: cera, marfim, cates [panos brancos], ouro, escravos, tinta, golozãns [roupa de algodão]; descrevendo o comércio de Geba, das ilhas de Bijagós, dos portos junto de Cacheu, do Rio de Jame e de Casamansa.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 37.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 253.
CARTA AO GOVERNADOR DE CABO VERDE (28-3-1699)
SUMÁRIO - Razão da conservação da fortaleza de Bissau - Trata do comercio que se fazia nos portos livres da influência estrangeira.
1. Vendo a carta de Vosa senhoria em que me trata dos particulares de Bisau, e a informasam que Sua Magestade que Deos guarde quer se lhe dê desta Ilha pera a conueniensia da conseruaçam desta fortaleza, digo que a conueniençia que se segue de se conseruar não hé mais que a de liurar estes poucos christaons que aqui há, da ira do negro, a que os não uenda e roube as suas cazas cõ as chais que lhes está cobrando, e mal ou bem com ella aqui lhes tem algum respeito e hé a cauza porque o negro não quer  consentir que esta fortaleza tenha forças, pello reçeyo que tem de que lhe impessaõ a liberdade em que estaõ de terem sopiados esses miseraueis christaons; e hé só a conueniencia que acho ao espiritual; e ao temporal a que não entre o estrangeiro, prinçipalmente o françês a uir aqui fazer fortaleza e pôr caza do negoçio em terra, e hé só o porque esta fortaleza se pode conseruar, que lucros nenhus tira Sua Magestade daqui, antes muitas despesas, que naõ serue de utilidade nenhuma, a empedir as embarcasoins para que deixem de nauegar para huma e outra parte, porque hé isto hum Rio que tem tres ou quatro legoas de largura.
2. Emquanto á situaçaõ do comerçio pellos Rios desta costa, hé que daqui se nauega para todas as partes de toda a costa aonde há ,negoçio, porem naõ há aqui embarcasoins que naueguem fora dos Rios, nem menos piloutos pera sahirem ao mar largo e o mais longe que fazem suas viagens hé á Serra Lioa, a buscarem colla, que hé o negoçio de lá, e isso ainda por dentro de Rios e quando uaõ por fora hé á uista da terra e o mesmo hé pera o Rio do Nuno, de Ponga, Rio Grande, que tudo lhes fica no caminho pera a parte do sul, e pera o norte se nauega pera Cacheo por dentro de Rios e o mesmo hé pera o Rio de Geba e a mais longe que chegaõ hé sincoenta seçenta legoas.
3. Emquanto ás fasendas que destes se tiraõ da Serra hé só colla, que dos Rios naõ dista muito pella terra dentro e pera o resgate desta se lhes leua roupa de a1godaõ a que charnaõ golorans, tintas, panos brancos, facaiia, algum coral e pano vennelho, que hé o milhor dinheiro que lâ uay.
4. No Rio de Depomga se resgataõ huns panos brancos a que charnaõ cates, que só serue pera o mesmo negoçio de colla, marfim, algum ouro e poucos escrauos, que tudo uem muito da terra dentro a buscar áquelles portos o que se lhes leua, he panos altos, baciame, estanho, contaria, facaria, tarçados, pano vennelho e algü sal e bebidas de agoardente, e isto hé na Depomga
5. Emquanto ao Rio do Nuno a que deUá se tira, que hé huma palha que lá há, com que se tenge em todo este Guiné a roupa a que charnaõ golorans, tintas, e isto uem tudo muito da terra dentro. O que se lhes leua pera este negoçio hé o mesmo que na Depomga, porque hâ pouca diferença e distancia de huma parte a outra, e no negoçio hé o mesmo e em toda aquella costa.
6. No Rio Grande se tira alguns escrauos e o marfim, que uem muito de terra dentro, e o mais negocio deste Rio uem pera este Bisau  a buscar os estrangeiros, porque está distante daqui 1 O ou 12 legoas, e o que se lá leua pera o resgate hé ferro, baçia, estanho, panos altos e alguns galenhados e agoardentes e algwn pano uennelho, que em toda parte de Guiné corre.
7. No Rio da Geba se nauega por elle asima com embarcasoins piquenas, perto de quarenta legoas; e a uinte andadas está a pouoaçam dos brancos, que terá trezentos christaõs entre homens, mulheres e meninos; há por todo çertam asima muita cantidade de negros de uarias naçoins, todos estes conhecidos de branco, trabalhaõ nas suas terras algodaõ, muitos mantimentos, que uendem os brancos bastantes, negros bastantes, marfim e çera, algum ouro, panos brancos que traze os negros muito de terra dentro a uirem buscar colla, que hé lá o milhor genero. //
Os christaons andam por todo o certam buscando sua vida, trabalhaõ os brancos muita roupa a que chamaõ golorans e jugalados; os generos que se gastam por todo este certam saõ panos altos azulados, ferro, alambre, coral, fio uermelho, muito sal e finalmente toda a casta de genero se gasta entre os brancos e agoardente ual lá bem; e todos estes generos que se tiraõ do çertam hé pera os christaons, porque lá naõ uaj o estrangeiro, saluo com algumas embarcasois piquenas, leuadas pellos mesmos moradores, e os panos brancos em toda parte de Guiné tem boa reputaçaõ.
8. Tambem na boca da barra deste Rio de Bisau há 15 ou 20 Ilhas dos Biiagoz, destas se tiraõ cantidade de negros pellos moradores de Guiné, que de toda a parte uaõ com suas embarcasoins a resgatalos; e ainda os mesmos gentios deste Bisau uaõ lá com suas canoas a resgatallos; os generos que se lhes leuaõ sam ferro, golorans, tintas e debandas, estanho, baçias, canecas, baetas, panos vermelhos, facas, agoardente, bandas brancas pera se lhes dar, porque com estes negros se faz muito gasto e ás uezes com poucp proueito. E tudo isto que digo e dou notiçia fica pera a parte do sul desta Ilha, exçepto o Rio de Geba, que fica a leste.
9. A norte desta Ilha há uarios portos e Rios pera a banda de Cacheo donde os brancos uem a comprar negros e ás uezes alguma ponta de marfim e mantimentos, e os mesmos generos que corre/mi neste Bisau, assi hé thé Cacheo onde se gasta tudo quanto há de mercaansias a respeito dos brancos, que tudo compraõ; e pello Rio asima de Cacheo fica a pouoasam de Farim quinze ou desaseis legoas e por todo o çertam asima athé Farim se gastam os mesmos géneros que no Rio de Geba e della sae o mesmo que na Geba, porem mais çera; ual lá o colla muito e todos os negros daquelle Rio de huma parte e outra sam conheçidos dos brancos, que das suas terras uem os mantimentos com que se sustenta Cacheo; e uaj este rio pella terra dentro 20 ou 30 legoas.
10. Tambem no Rio de Janu fica ao norte de Cacheo em terra de Banhiís; hé donde se tira a cantidade de çera que uaj deste Guiné; os generos que se gastaõ pera o resgate della hé ferro e mais ferro, conta preta e branca, alguns azulados, agoardente pera os christaons gastare com o gentio; há nesta parte muita cantidade de christaons por se fazer lá bom negoçio, há muit~s mantimentos e baratos, os negros saõ mansos; fica distante do rio de Cacheo pera a parte do norte caminho de pé andar de hum dia, tem sua barra, que hé aonde chamaõ Cazamansa, e de Cacheo se nauegaõ as embarcasoins a elle a leuar o ferro e trazer a çera, que se naõ pode conduzir caminho de pé.//
Este Rio se poem todos os annos na praça por parte da Fazenda Real e se arremataõ aos moradores que nelle lançaõ, e estes prohibem que outra pessoa Já naõ meta fasendas sem que lhe pague quatro ou sinco por cento, porque estes rendeiros sam obrigados a sustentarem o prizidio que lá há, de des ou quinze soldados; e isto hé o que conheço do negoçio de Guiné que os Portuguezes fazem na costa de Guiné, porque o mais hé dos estrangeiros e hé a notiçia que posso dar a vosa senhoria e Santos de Vidigal, como o màis dilatado entre os negros gentios; poderá dar mais larga enformaçaõ a vossa senhoria, a quem Deus guarde, ett. ª
Bisau, 28 de Março de 699.
Subdito e seruo de Vossa Senhoria
a) Rodrigo de Oliueira da Fonseca
AHU -Guiné, cx. 3 - Original, nº 269.
NOTA-Tem à margem, da mesma letra: Senhor Gouemador.
1699/04/04
CARTA do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao rei [D. Pedro II] sobre o intento dos franceses fazerem uma fortaleza e casa no ilhéu de Bandim, tendo pensado fazer lá um baluarte mas não conseguiu por lhe faltar gente e o auxílio do capitão-mor de Cacheu [SANTOS VIDIGAL CASTANHO]; informando que a 22 de Fevereiro chegaram três navios que diziam ser do rei francês preparados para construir fortaleza na ilha de Bolama, assistidos por ‘monsieur Castanho’, que tentava convencer os negros a comerciar com eles; descrevendo a ilha de Bolama.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 38.
AHU_CU_049, Cx. 3, Doc. 254.
CARTA DO CAPITÃO-MOR DE BISSAU A S. MAGESTADE EL-REI (4-4-1699)
SUMARIO- Precauções tomadas contra os franceses em Bissau – Pretendem fazer uma fortaleza sua em Bolama- Produções da Ilha de Bolama e sua configuração.
Senhor
Desde o anno passado tiue noticia em como os Francezes se preparauaõ pera uirem a este Bisau a fazerem huã fortaleza no Ilheo de Bandi e pera porem huã Caza aqui em terra, e á mayor cautela me redifiquei nesta fortaleza o milhor que pude, caualgando toda a artelharia que achei apiada, pello que podia soçeder, em rezaõ de que tal naõ hauia de consentir e no mesmo tempo quis tratar de pôr no dito Ilheo de Bandy hum beluarte com quatro pessaz, por eles naõ terem lugar de fazere fortaleza, porem naõ me foi posiuel por naõ ter gente nem officiaes pera o fazer, porque mandando hum percatorio ao Cappitam mor de Cacheo pera que me mandasse os soldados e os officiais de pedreiro que daqui tinhaõ fugido e se achauaõ na suajurdisam, me naõ mandou nenhum nem ainda dinheiro á Companhia pera se poder pagar algum gasto que nesta obra se fizesse, e como assi fosse não tiue lugar pera nada.
Estas nouas se certificaraõ em 22 de Feuereiro, que chegaraõ a este porto tres nauios da Companhia de França, e entre elles linha hum de mayor força, que diziaõ ser dEIRey de França, o que naõ certifico porque naõ ui ordens suas por elles me naõ quererem mostrar, e com sua chegada se declaraçaõ uinhaõ com petrechos e auiamentos pera fazerem huã fortaleza na Ilha de Bulama, pera que traziaõ ordem dEIRey de França e logo aqui trataraõ de procurar piloutos pera lá os leuarem, e como quer que eu lhes negasse e elles o entenderaõ assim, se puzeraõ mal comigo ameasando que hauiaõ de tomar as lanchas dos portuguezes pera lhes tirarem os piloutos, porem athégora o naõ fizeraõ.
Elles se foraõ logo com suas embarcasoins á dita Ilha e dizem saltaram em terra e achando alguns negros e a Ilha ser grande se lhe dificultou o mandarem çonduzir os nauios pera darem prinçipio á obra, em rezaõ de naõ terem gente bastante pera o prizidio, porque se receyaõ dos negros da terra firme por lhe ficarem muito uezinhos; e assi se recolheraõ outra ues a este Rio e dizem mandaõ buscar gente pera darem prinçipio e tinhaõ trazido ingenheiro e offiçiais de todos os offiçios, porque athé nauios dizem querem lá fazer.
E como quer que entre estes uenha um françes chamado Musu Castanho muito pratico de Guiné e foi assistente neste Bisau sinco ou seis annos e benquisto dos negros, anda tratando de uer se pode acabar com o negro a que lhe deixe pôr fazendas em terra, porem athé o prezente o naõ tem conseguido nem creyo que o negro lhe dará essa faculdade, pello que aiustou comigo, indo eu pessoalmente buscalo ao seu Reino, dizendolhe naõ conuinha os admitisse em suas terras e lembrandolhe. o mal que algum tempo pasarão em seu poder, como tambem que eu o naõ hauia consentir e o auia defender com as armas nas maõs; a· isto me respondeo perdesse eu o cuidado que tal naõ hauia fazer, nem menos o dar1he piloutos e que disso me daua s'lla palaura; porem esta naõ hé muito de fiar, porque o intereçe os uençe muito, ehá o reçeyo que tenho â uista das nouas que aqui correraõ, que Vossa Magestade manda a1euantar isto como pretexto de alguã satisfaçam e correraõ estas antes de aqui chegarê as cartas de Vossa Magestade, e nesta forma se deixaõ ficar dous nauios destes françeses neste Rio a faserem seu negoçio, fazendose neutrais, a uer se se larga isto pera elles entrare, que Jhes naõ hade ser dificultoso, a respeito de que todos querem o seu negoçio, tanto os christaons como gentios.
Tambem estes françezes no dia em que chegaraõ se deixaraõ ficar fora da artelharia e mandaraõ hum tenente em terra a dizenne que eraõ nauios dElRey de França, se os hauia de saluar, tiro por tiro e senaõ se deixariaõ ficar; pergunteilhe pellas ordens e patentes que tinhaõ de seu Rej, e como mas naõ apresentase lhe dise naõ era custume das fortalezas de Vossa Magestade saluarse tiro por tiro, nem menos tinha ordem pera isso; ao que me uieraõ com exemplos de que nesse Reino se lhe faziaõ essa onra, e por me naõ parecer iusto não çedi do que tinha dito, e nesta forma se recolheraõ a seu bordo e se deixaraõ ficar sem uirem saluar, e neste particular deue Vossa Magestade auizar a estas partes a forma que se hade ter nas saluas dos nauios dEIRej de França e tudo sam molestias e enfadas e há mister muita paçiençia pera se sofrerem os françezes, porque sam demasiadissimos em falar.
A ilha de Bulama pera onde lles dizê uem, dista desta sete ou oito legoas pera a banda do sul e fica na boca do Rio Grande, terras de Biafares. Hé mais comprida do que larga, fas tres pontas como triangulo e em toda sua circonferencia terá treze ou quatorze legoas, tem muita agoa e a major parte della arrodeada de pedra, tem muita madeira de toda sorte e dizem ser muj fertil de tudo que se lhe semea, e tem muita cassa a que cham/ão bufres, gazellas e alguns elefantes que uem da terra firme e corre por comprimento leste ueste. Há alguma dificuldade em hir daqui lá porque tem muitas coroas de area; e só com embarcasoins piquenas se uaj lá; na sua barra dizem há canaltam fundo que o major galiaõ pode lá entrar; e nesta forma se resolueraõ em mandar! auizar a França o que por cá se passaua, e tambem pedirem çento e sincoenta homens que dize tanto lhe sam necessarios pera o prizidio daqella Ilha; e hé o que por ora se ofereçe.
Vossa Magestade mandará o que for mais conueniente a seu reâl seruiço, e Deus guarde·a pessoa de Vossa Real Magestade. //
Bisao, 4 de Abril de 699.
a) Rodrigo de Oliueira da Fonseca
AHU - Guiné, cx. 3. -Original, nº 270.
1699/04/23
CARTA do capitão-mor de Bissau, RODRIGO OLIVEIRA DA FONSECA, ao rei [D. Pedro II] sobre a chegada de MARIA SOARES numa lancha carregada de cola, da Serra Leoa, da qual não quis pagar direitos, invocando os costumes dos gentios; informando que o rei de Bissau não permitia inventários aos bens dos cristãos falecidos, apropriando-se deles, ameaçando o signatário se interviesse, como no caso do testamento de BRITES DE CASTRO; dando conta que a ousadia dos negros era tanta face à impotência defensiva dos portugueses, por falta de gente e mantimentos, que tinham vendido aos “Balantas” um negro crioulo que o signatário trouxera de Cabo Verde.
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 39.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 255.
1699/05/12
CARTA DO CAPITÃO-MOR DE CACHEU A S. MAGESTADE EL-REI
(12-5-1699)
SUMÁRIO - Parecer contra a construção da fortale:a de Bissau e suas razões- Grande negocio de negros dos estrangeiros - Fabricar um baluarte na boca do rio Geba, no lugar chamado Chim - Pagar cinco por cento de todas as mercadorias não comestíveis para o seu sustento.
Senhor
Foi V. Magestade que Deos guarde seruido ordenarme por carta de 28 de Nouembro de 698, que diga o que se me offerecer sobre se auer de conseruar ou demolir a fortaleza (1) de Bissau, declarando as consequencias de utilidade ou de prejuízo que podem rezultar, da sua conseruaçaõ, ou da sua ruina, e o que conuirá mais a respeito do comercio dos estrangeiros, con todas as indiuiduaçoês que tiuer por conuenientes, e os meyos que conciderar pera o sustento do seu prezidio, e se poder acabar a obra.
Sempre me pareceo de nenhuã utilidade ao seruiço de V. Magestade fabricarce naquella Ilha a fortaleza a que se tem dado principio, e porque V. Magestade me ordena diga neste particular o que se me offerecer, me parece receber a Fazenda Real de V. Magestade grande perda em a mandar continuar, e ser só conueniente ao seruiço de V. Magestade que se conserue hum baluarte, e huã Cazaque está feita, e nella hum Cappitam, seis soldados, hum cabo e hum sargento, e isto somente em ordem a que o estrangeiro naõ ponha Caza no dito porto, porque enquanto nelle se sobstentar huã bandeira de V. Magestade nenhuã naçaõ confederada a hade enuioJar, e quando em algum tempo alguã naçaõ tenha alguã rezaõ pera o fazer, será menos a perda que se receberá no limitado, do que a que se pode receber no grandiozo, com taõ larga despeza como a de que se necessita pera tal obra, alem do seu fornecimento que não importará em menos, porque como nunca poderá ser prezidiada com gente bastante pera a sua defença, em rezaõ do clima e impossibilidade de se lhe naõ poder asistir com os socorros, a tudo fica sugeita.
As consequencias de utilidade que se daõ em ficar a fortaleza somente como digo saõ, porque pera se poder sustentar o prezidio de que carece, hé necessario que V. Magestade ó mande pagar desse Reino, e continuamente fazerse esta despeza, sem esperança de nenhuã conueniencia, o que me parece rigorozo, tudo por naõ poder auer na dita Ilha rendimento algum na alfandega de V. Magestade, por ser ser terra de nenhum negocio e incapaz de habitada de moradores que o possaõ fazer com tal largueza que o interece do largo e breue despacho obrigue aos estrangeiros apagarem direitos, e tanta utilidade recebemos emquanto ao negocio de auer na dita Ilha fortaleza grande, com largo prezidio, com auendo somente o limitado que digo, porque se com a dita fortaleza fica prohibido o porto principal, lhes não impede que mais abaixo os negros e todos os mais os procurem, e com elles uaõ fazer negocio, porque ainda que a fortaleza tenha muito grande prezidio, nunca pode dominar o gentio de maneira que lho prohiba, e muito menos aos que uaõ de fora em suas embarcaçoês, por cuja rezaõ fica inutil a dita fortaleza, e sem consequeica alguã de proueito, antes de muito grande prejuízo á Fazenda Real de V. Magestade, pello largo dispendio que pede a dita obra e o seu sustento, como tambem por não ter V. Magestade naquela Ilha vassallós que poder conseruar debaixo da protecçaõ daquela fortaleza, porque os que há saõ huns negros e negras christaõs, parentes e escrauos do Rey, e mais gentios que moraõ, e uiuem entre elles, e suas aldeas, sem conhecerem outro Rey nem. outro Senhor, mais que o Rey do Bissau, nem terem acçaõ nem mouimento fora da sua uontade, o que hé peito contrario nesta praça, porque hé uma pouoação mistica e habitada de moradores cristaõs com suas cazas e famílias, e debaixo da proteção delta se conseruaõ as mais que V. Magestade tem neste domínio, e muitos christaõs pelos matos, que todos se recolhem a ella e della tomão a sahir a tratar das suas e nossas conueniencias e despachos, e assim estes como os moradores asistentes com suas molheres, famílias e cabedais uiuem todos debaixo da protecçaõ real de V. Magestade, porem em grande dezemparo pella pouca ·segurança com que uiuem pella falta de prezidio e fortificaçaõ cabal que os defenda.
Desta praça se procura o negocio de todas as partes, assim do certaõ como de marem fora, Geba, Ryo Grande, Bijagós, Ryo de Nuno, Deponga, e Serra Leoa, e as mais partes e buracos onde se offerece o negocio, e a mesma Ilha de Bissau, e todas as mais suas circunuezinhas, e este sitio hé o que de ab initio está escolhido por bom, e hé só o que V. Magestade deue conseruar, pois só nelle tem utilidade, e se naõ carece da assistencia de Bissau pera se fazerem estas entradas, ainda que tiuera todo o necessario pera a conseruaçaõ das embarcaçoês, o que nella se naõ acha.
E suposto que os estrangeiros assistem no porto daquela Ilha, e delle tiraõ a abundancia de negros como este anno fizeraõ, não são só os que compraõ da dita Ilha, porque estes só consistem em algum que amarraõ por seus chais, e em outros que adquirem com as guerras que uaõ fazer, e os mais saõ os que os forros da dita Ilha uaõ fazer aos Bijagós, de Agosto em diante, e como estes e o mesmo gentio não achaõ naquella Ilha dinheiro nosso, nem as nossas embarcações chegaõ a tempo, os uendem ao estrangeiro, e este interese hé que faz asistir os estrangeiros naquelle porto, e por ser acomodado, e capazde poderem delle abrir as azas, mandando suas embarcaçoes ás mais partes que podem e principalmente á pouoaçaõ da Geba, onde mandão fazer entradas a comprar toda quanta roupa há naquella pouoaçaõ, com que nos fazem a mayor guerra ao negocio.
Os moradores desta pouoaçaõ saõ coatro brancos, e os mais .filhos da terra, e muitos forros com que se faz a mais dillatada das que V. Magestade tem neste dominio, e como está fora de maõ, com pouco temor, e menos respeito procuraaõ os estrangeiros no porto de Bissau, e lhes uaõ uender toda a roupa, e mais negocio que adquirem quando elles os naõ uaõ buscar, abraçando a sua conueniencia no barato que todos tem das fazendas estrangeiras: esta hé a utilidade que os ditos estrangeiros tem da assistencia no porto de Bissau, e o negocio que nelle os faz asistir, e cortandocelhe o paço lhe fica impossiuel a sua assistencia no dito porto, ou ao menos não com tanto rigor como o fazem.
Para se euitar este danno hé o remedio muito facil, como já o anno passado a V. Magestade dei conta, e sem grande custo da Real Fazenda de V. Magestade, mas com o limitado dispendio de hum baluarte em que possaõ estar tres pessetas, com huã bandeira de V. Magestade, hum Cappitam e hum Cabo de escoadra com seis soldados, isto fabricado na boca do Rio da Geba, em hum lugar a que chamam Chim, por sy defençiuel (sic), e capaz de habitado, e tanto que me persuado (como de facto) que os _brancos moradores da dita pouoaçaõ da Geba uiraõ pera elle morar, porque o desejaõ. E com este lemitado baluarte se segura, o que não era possiuel se segurasse com a urandioza fortaleza que V. Magestade mandaua fabricar no Bissau; porque o Rio em sy hé muito estreito, e prezisamente, seja lancha ou canoa, hade passar pello pé deste baluarte, e com elle se prohibe a entrada das lanchas estrangeiras na dita pouoaçaõ, e se atalha a sahida que os moradores della podem fazer em busca delles, e nesta fonna inda que os ditos estrangeiros assistaõ no Bissau nos não podem fazer grande danno, porque como preçizamente lhes hé necessario roupa era fazerem os negros nos Bijagós, e esta fazem na dita pouoaçaõ com as fazendas estrangeiras, com o dito baluarte se lhes prohibe a entrada dellas, e se lhes impossibelita o seu despacho, e a nós se nos augmenta, porque ficamos senhores de todo o negocio daquelle certaõ, que elles thé gora lograõ.
E pera se poderem conseruar estes dous lemitados prezidios, e naõ as faltas neste que continuamente se exprementaõ, rezaõ porque nunca há soldados bastantes que o façaõ respeitar, nem dinheiro pera se consertar hum baluarte, nem fazer hum reparo, por cuja cauza está tudo no cham, como já a V. Magestade por uarias uezes tenho dado conta, me parece ser conueniente mandar V. Magestade que se pague por entrada nesta alfandega sinco por cento de todas as fazendas, que está em uzo naõ pagarem, como saõ uinhos, agoas ardentes, e linhos que uem das Ilhas, e desse Reino, e todas as maisfazendas ( excepto as comestiuas) que estas saõ as mais, e as de que se paga saõ as menos.
E os soldos com que se deue assistir a estes soldados seraõ os mesmos com que se assiste aos desta praça, e aos Capitaes, com sincoenta mil reis cada hum, como se fas ao de Farim, e Zeguichor, e quando os direitos rendaõ em tanta coantidade que se lhes possa satisfazer aos ditos Capitaês mais, por ser este soldo lemitado, faraõ entaõ o seu requermiento, porem pagos todos com o dinheiro competente a praça em que se seruem, porque a ambiçaõ dos Capitaês Mores que uem gouemar esta praça, fas destruir tudo no seruiço de V. Magestade, como a experiencia o tem mostrado.//
O que tenho dito hé o que se me offerece. V. Magestade mandará o que for mais conueniente ao seu real seruiço. A real pessoa de V. Magestade guarde Deos, como seus vassallos o dezejaõ e ande mister. //
Cacheo, de Mayo 12, de 1699.
Leal Vassallo de V. Magestade
a) Santos Vidigal Castanho
Do C. Mayor de Cacheo. AHU - Guiné, cx. 3. -Original, nº 272.
(1) O autor escreve invariavelmente: fortoleza.
1699/06/24
CARTA DO BISPO DE CABO VERDE A ROQUE MONTEIRO PAIM
(24-6-1699)
SUMÁRIO - Dá notícias de Bissau, de Cacheu, de Boiama, indo muitos navios das nações do Norte àquelas parles. - Não é possivel impedir-lhes o negócio. - Quis visitar pastoralmenle a Misericórdia, mas impediram-no os mesários, proibindo o Prelado aos clérigos que ali celebrassem. – Abusos dos moradores para com os espanhóis. - Não se fez casa para os escravos.
Tive estes dias hum triduo na nossa Sé, e fui hoje dia de São João a fazer Pontifical, e pregar a húa Matriz fora desta Cidade, e recolhendome á noite, me dizem, que se despacharão os dous pataxos para irem amenhã com hua brevidade extraordinaria, que me parecia, que se guardasse a ordem que há de S. Mag.de, para que os não deixem partir senão a tempo que demandem as Ilhas 3.as na occazião das frotas, mas como por estas partes senão vive do espirito do dito Senhor, faz cada hum o que quer; porem assi cansado, tomo por alívio fazer estas regras a V.M.; que me não soffre o coração deixar de o fazer, appelando para a segunda via, se vier a nau Caravela da Companhia de Guiné, e só nesta darei algumas. breves noticias, poes não dá o tempo mais lugar, que só as ocupações da Igreja podião ser a cauza de eu não ter escrito antecipadamente a V.M.
Do estado de Bisao vão noticias, e por algumas que tenho o Cappitam mor de Cacheu, quere que se tire aquella fortaleza, e o de Bissao quer que se conserve, e sou desta segunda oppinião, por muitas rezões, que não posso expender, e hasta somente o saberse que se nós sahirmos, infalivelmente entrão logo os Francezes; que se os trez navios seus que lá chegarão com materiaes, e fazendas este anno, não achassem a Ilha occupada com as nossas annas, hé certo que edificavão, e punhão lá a sua Companhia, e chegando· os ditos navios mais abaixo á ilha de Boiama, como os Gentios naturais della tivessem já noticia, lhe impedirão com annas que tomassem terra; que nenhuma nasção tem a fortuna da nossa em ser em qualquer parte ademitida dos gentios.
A conservação de Bissao sempre hé necessaria, assi pera · conservar aquelles christãos, como porque sempre há baptismos, quando não nos grandes, nos seos filhos, e o morgado da Ilha deo este anno hum para se baptizar, e sempre se faz serviço a Deos, e sobre tudo a esperança com que vivemos de que háde chegar hua ditoza hora de conversão daquella Ilha.
Aqui estava pregando com grande espírito o Innão Fr. Manoel da Barra, e dizendome que tinha propensão natural, ou espiritual para o Bissao, onde já tinha estado na ocazião do incendio, em que lhe não escapou, nem o Breviario, lhe dei a Benção, e se embarcou com mais dous, dos que vierão este anno, e já tenho notiçia que chegou lá com felis viagem. Nosso Senhor o ajude para lhe converter algúas daquelas Almas.
O dito Bissao se acha em grande quietação, e por hora se deve sobster qualquer rezolução militar, poes o Rey se acha diferente do que era, e o cazo do Pinheiro está esquecido, e tenho para mim que reportarse o Rey foi porque o Rey de Guinala que lhe deu o Barrete foi morto pelos seus vassallos, e mandando saber o de Bissao a cauza, lhe responderão que por ser ruim, pelo que se acha temerozo, ainda que a condição he má, e como lhe falta o temor de Deos sempre tomará a reincidir nos seus desmanchos, e já me dizem que na partida do navio prendeo hum moleque do serviço do Hospício, e se sospeita que foi pello ~rezidente conduzir a telha de Cacheo, que não sofre que o Hospício se cubra com ella, por entender que lhe querem tomar a terra, fazendose cazas, que mostrão pennanencia. Emfim o tempo ensinará o como deve ser tratado.
·Como estas Naçoens do Norte vivem em paz são muitos os navios que vão aquellas partes de Guiné; dizem que dezassete fizeram lá negocio; tanto assim que não vem hum dente de marfim nestes pataxos, e escravos muito poucos. S. Mag.de pode mandar considerar se seria mais conveniente a darlhe entrada nas suas praças, e pagarem os direitos; que quanto impedirlhe que fação negocio não hé possivel, e no Bissao o fizerão logo abaixo da Fortaleza, e ainda com os mesmos Portuguezes.
Como ainda não tem chegado a nau da Companhia que vai pera Indias, nos achamos embaraçados; V.M. me diz que S. Mag. De manda fazer o Seminario; todos os dias cresce a necessidade desta obra, poes agora faJecerão mais dous vigarios, e se vão acabando os clerigos, e dos naturaes não há quem queira estudar. Não sei se o Conego de Castelo Branco que mandei o .anno passado, vem na sobredita nao, se hé que ficou nessa Gorte; V.M. por serviço de Deos o mande chamar, e encaminhar para por este negocio corrente, que hé o mais precizo; que agora vai bastante fazenda das Ilhas de São Niculao, e Boa Vista, e já podem vir este anno os materiaes, e em falta do dito Conigo fiz procurador a hum Sebastião Franco de Carvalho, que mora a S. Paulo, que o Bispado não tem com que mandar todos os annos procuradores a essa Corte.
Veja V.M. nessa carta incluza o que me aviza o Bispo da Ilha dos Assores, no acento que se tomou no pleito, que trazia com a Caza da Mizericordia da Ilha Terceira, e fazendo eu escrupulo, de materia grave, senão vezitasse esta Igreja da Mizericordia o quiz fazer,e não consentirão os da meza ~mparados do Governador a vezita no espiritual, de que nasceo por eu hum Cappitulo que nenhum clérigo dissesse missa na dita Igreja, poes me não querião mostrar os ornamentos com q. se havia de celebrar, de que nasceo agravarem para o juízo da Coroa; e ficãose os papeis preparando pera hirem na segunda via; porem imagino que há misterio na brevidade com que fazem partir estes pataxos, sabendo que eu não tenho escrito, e espero que não tratem ao Bispo da Ilha 3.ª como filho, e a mim como enteado, porque EIRey Nosso Senhor hé o mesmo em todos os seos Tribunaes, e havendo a mesma rezão se hade dar a mesma dispozição de direito, e ainda eu espero que tomem acento mais a meu favor, porque tenho tensão mais bem fundada na Mizericordia desta Ilha, que foi feita por hum Bispo, e com bens eccleziasticos, e não realengos, n~ da Republica, e servindo sêpre de Sé, todos os actos que nella se obravãoera com licença dos Prelados, como tenho provado.
E se o P.e Bartolomeu de Quental, de boa memoria, introduzia nos Ministros o escrupulo a favor do Bispo da Ilha 3!, como já se achão constituidos nelle, espero que me fação justiça.
Se V.M. vir que o Gouemador desta Ilha escreve q1,1e sou regulo, ou couzas semelhantes, não se desconsole, antes louve a Deos nosso Senhor, que permitte que se padeção persseguiçoes por amor da justiça; o conto hé largo, pelo que fica para a segunda via, e para V.M. ter algua noticia o rezumo em breves palauras.
Arribou a esta ilha em Setembro passado hua nau Castelhana, que levava o Gouemador para Boinos Ayres, que foi meu hospede hum mez, e depoes se foi aliviar para o Convento com doze P. es da Companhia, seus Companheiros, que lá estavão. Comprou o Cappitam da nau os mantimentos necessarios para seguir viagem, e como os Gouemadores desta Ilha custumão vender as rezes aos estrangeiros, este nosso comprando as rezes a oito, e dez tostões, lhas vendeo a nove mil reis, e da mesma sorte alguns destes moradores os demais mantimentos com tanta carestia, a respeito do preço comum da terra, que os hespanhoes forão bem escandelizados, e me disse o Cappitam que pelo verem em necessidade lhe querião beber o sangue.
Chegou o tempo da vezita, depoes que elles seguirão a sua viagem, e conhecendoo grand_e escandallo, que houve nestas uzuras, mandei publicar hum manifesto sobre os ditos preços, para que, ou me respondessem a elle, ou restituíssem o que se levou mais do justo preço á caza da Mizericordia; e a Bulla da CnJzada, e sem embargo de que lhe alvidrei a cada res seis mil reis; muito a favor do dito Governador, como tivesse vendido cem rezes, vendosse obrigado a restituir trezentos mil reis, se esquivou de mim de maneira que foge totalmente do meu trato, e nem entra na Sé, e dizem que escreue o que lhe parece. Na 2ª. via tenho tensão de dar conta disto pelo Conselho Ultramarino, para que, ou lhe mandem restituir, ou me liurem do escrupulo que tenho formado neste particular; e quando não me parece que o Cura da Sé lhe não hade administrar os Sacramentos, já esta quaresma lhe disse que tratasse de mandar vir pareceres juridicos a seo favor, ou que visse como havia de ser.
Estimulado disto se poz da parte da Mizericordia e dizem que fomenta este negocio, e está tão amigo destes naturaes e os sofre tanto, que lhe chamão estes pretinhos o paciencia, e porque elles não quizerão gastar nada na fabrica de hua caza, que S. Mag.de mandava fazer para se porem nella os escravos buçaes, aprendendo a doctrina, lá manda desculpas para que senão faça a dita caza, que era obra tanto do serviço de Deos, como se verá na segunda via, quando remeter o numero dos escrauos que ficarão sem se confessarem esta quaresma por falta de doctrina.
Tambem quiz hum mercador seu amigo, embarcar huns escrauos que não estauão baptizados, contra hua ordem que tenho de S. Mag. De eu lhe rezisti, mandoume dizer que os embarcava; respondi que o não havia de defender a espada; que se os mandasse embarcar ElRey nosso Senhor lhe pediria conta; com o que se resolveo a embarcallos, mas contentou ao mercador com dizer que se punhão, e tiravão leys, d~do a entender que a dita ordem viria este anno revogada. Não sospeito da sua christandade que fale neste particular; e ainda que fale, que se lhe não hade defirir, e quando seja ouvido chorarei a morte dos Filhos de Abrahão, vendo que não ha quem zelle a Salvação das Almas, pelo vil e caduco interesse dos bens do Mundo. Estes, e outros muitos embates padece hum pobre Bpº. por estas partes tocando com estes encontros cheos de penas nos mesmos que o havião de ajudar a fazer o serviço de Deos e de Sua Magestade.
Roque Monteiro Paim
AHU - Cabo Verde, cx. 8.
1699/11/29
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei [D. Pedro II] sobre as informações solicitadas ao governador e capitão-general de Cabo Verde, D. ANTÓNIO SALGADO, e ao capitão-mor de Cacheu, SANTOS VIDIGAL CASTANHO, acerca da demolição ou da conservação da fortaleza de Bissau; o governador defendeu a conservação da mesma devido à proximidade à Serra Leoa, ao Rio de Nuno, ao Rio Deponga, ao Rio Grande, a Cacheu, ao Rio de Geba, ao Rio de Jame e aos Bijagós, e apesar de Bissau não ter mantimentos, gente, soldados, pilotos e embarcações para navegar, tinha a melhor fortaleza da Guiné, faltando apenas prender o rei e substituí-lo pelo seu opositor, Tôro-Có; o capitão-mor declarou-se a favor da substituição da fortaleza por um baluarte devido à sua pouca utilidade e aos elevados custos de manutenção, para além do rendimento na alfândega ser nulo e não permitir o sustento do presídio, defendendo que Cacheu poderia centralizar os negócios daqueles rios.
Obs.: Tôro-Có era irmão do rei Bemcapolo-Cô, já falecido, ver MOTA, A. Teixeira da – As viagens do bispo D. Vitoriano Portuense a Guiné. Lisboa: Publicações Alfa, 1989; anexo: parecer (minuta), cartas e cartas (cópias de capítulos).
AHU-Guiné, cx. 4, doc. 43, 42, 41 e 40.
AHU_CU_049, Cx. 3, D. 256.








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