sexta-feira, 18 de março de 2016

COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1600-1609






1600
 - «O P. FERNÃO GUERREIRO () escreve no princípio do século XVII: «No [porto] de Balola moram ordinàriamente os Lançados e Tango maus». Semelhante linguagem parece-nos significar duas categorias diferentes de pessoas, as dos «lançados» e as dos «tangomãos». Outro escritor da época, ANDRÉ ÁLVARES DE ALMADA (2), utiliza igualmente a palavra «lançado» como substantivo comum e, embora sem usar o termo «tangomão», parece conhecê-lo ao referir-se às «tangomas». Eis as suas palavras:
«Entre estes negros [do Rio Grande, terra de «beafare] andam muitos que sabem falar a nossa língua portuguesa. E andam vestidos ao nosso modo. E assim muitas negras ladinas, chamadas tangomas porque servem aos lançados. E estas negras e negros vão com eles de uns Rios para os outros e à Ilha de S. Tiago e a outras partes».
Pelas muitas referências aos lançados e tangomãos (com diversas grafias) nos documentos e literatura dos séculos XVI e XVII, podemos obter uma ideia do que eram. Se o sentido da palavra lançado é óbvio, o mesmo não sucede a tangomão, termo que suscitou controvérsias entre filólogos e historiadores. LEITE DE FARIA (3), por exemplo, anota que o termo tangos maus foi usado na Ordenação I. tít. 16, § 6 do Rei D. Manuel com o significado de português que vive cafrealizado na Guiné e nesse mesmo sentido aparece alguma que outra vez em textos do século XVII. BENJAMIM PINTO-BULL, por seu lado, aventa a hipótese de o vocábulo derivar de tanga mala, porque estes portugueses se vestiam à maneira africana, apenas com uma tanga (4). SOUSA VITERBO, em 1896, aproxima o trango mango, duma velha cantiga, com o sentido de malfazejo, da palavra tangomão; pela mesma época, TEÓFILO BRAGA considera o nome de qualquer divindade ou espírito maligno; EDMUNDO CORREIA, em 1944, fá-lo ministro do culto de tschyntschyn da Serra Leoa; MARIA NOLASCO DA SILVA (5vai pela origem africana do termo, partindo do seguinte texto de P. FERNÃO GUERREIRO:
«Tangos maus [ ... ) são uma sorte de gente que ainda que na nação são portugueses e na religião ou baptismo cristãos, de tal maneira porém vivem como se nem uma coisa nem outra foram, porque muitos deles andam nus e para mais se acomodarem e conaturalizarem com os gentios da terra onde tratam, riscam o corpo todo com um ferro, ferindo-o até tirarem sangue e fazendo nele muitos lavores, os quais, depois do consumo de certas ervas, lhes ficam parecendo em várias figuras como de lagartos, serpentes ou outras que mais querem e desta maneira andam por todo aquele Guiné, tratando e comprando escravos por qualquer título que os podem haver, ou seja bem ou seja mau, andando tão esquecidos de Deus e de sua salvação, como se foram os próprios negros e gentios da terra, porque passam nesta vida os vinte e trinta anos sem se confessarem nem se lembrarem doutra vida nem mundo mais que disto de cá, nem também, ainda que se queiram confessar, têm confessor com que o possam fazer, nem que alguma hora acertem de o ter quando vem abaixo às povoações onde há igrejas, é de suficiência que os possa encaminhar e declarar-lhes o mau estado em que andam e reduzir a melhor vida: e destes confessaram os padres [jesuítas] alguns que aqui [ilha de S. Tiago] vieram» (6).
Salvo melhor opinião, podemos ainda ver na palavra tangomão, que nos surge em pleno século XVI, uma evolução lenta dos trucimãos de que nos fala ALVISE CADAMOSTO. em Le Navigatione Attlantiche ( efectuadas em 1455 e 1456), e de Truchemens, uns normandos que no Brasil desdisseram da civilização europeia para viverem como os naturais mais selvagens. Traduzimos de CADA.MOSTO:
«Cada um dos nossos navios tinham trucimãos negros, trazidos de Portugal. Estes trucimãos são escravos negros vendidos por aquele senhor de Senegal aos primeiros cristãos portugueses que vieram descobrir o país de negros. Estes negros fizeram-se cristãos em Portugal e aprenderam bem a língua espanhola. Obtínhamo-los do seu senhor por estipêndio e soldo de dar-lhe uma cabeça por cada um em toda a nossa viagem pelo seu trabalho de trucimania. E dando cada um destes trucimãos ao seu senhor quatro escravos, libertam-nos, e assim, por este meio, muitos escravos receberam carta de alforria» (7).
Eram estes intérpretes negros os primeiros a saltar em terra para entabular conversações, nem sempre bem sucedidas, pois não raro, conforme nos conta CADAMOSTO, alguns trucimãos pagaram com a vida a aventura. Com o andar dos tempos, a estes trucimãos sucederam os aventureiros brancos, sobretudo cristãos novos (judeus convertidos ao Cristianismo). De simples agentes comerciais dos grandes armadores passaram a aboletar-se e a fazer vida irregular, a ponto de a justiça cair-lhes em cima não só durante a vida mas até após a morte, pois todos os bens deixados pe!os tangomãos pertenciam ao Hospital de Todos os Santos, em Lisboa. Numa relação datada de 9 de Janeiro de 1532 podem-se ler os seguintes nomes de lançados falecidos cujos bens passavam para o dito hospital: VICENTE CAIROS, JoÃo CARNEIRO, GOMES EAi'IES , DIOGO ROIZ, PERO ANES, PERO MARTINS e SIMÃO CARERO (8).
(1) Relação anual das coisas que fizeram os Padres da Companhia de Jesus nas suas Missões nos anos 1600 a 1609, nova edição dirigida e prefaciada por Artur Viegas, tomo I, p. 406.
(2) Op. cit., p. 58.
(3) Relação do Porto de Rio Senegal feita por João Baptista Lavanha, em Boletim Cultural da Guiné Portu9uesa, n.0 55 ( 1959), p. 366, nota 2.
(4) Cf. Bulletin de l'lnstitut Fondamental d'Afrique Noire, série B, Dakar,
t. XXIX, Jul.-Oct., 1967, p. 500, nota 1.
(5) Op. cit.
(6) P. FERNÃO GUERREIRO, Relação Anual, p. 100 s.
 (7) Texto original em italiano em P. Al\'TÓNIO BRÁSIO, Monumenta Missionária Africana, 2.ª série, vol. 1, Lisboa MCMLVIII, p 342. Brásio, à frente, na p. 679, nota 1, dá à palavra trusimanes do texto português do manuscrito de Valentim Fernandes o correspondente «turgimãos: intérpretes». Ainda no mesmo volume, p. 694, nota 2, informa que a palavra «trusimã» (nova grafia do texto de Valentim Fernandes) provém do árabe tordjman, francês truchement. E acrescenta: «A palavra que prevaleceu por muito tempo para designar o intérprete foi língua». Por nosso lado, informamos que Fr. André de Faro, em 1663-1964, na Relação, usa correntemente a palavra chalona para designar intérprete, bem como Lemos Coelho, em 1669, na Descrição, por exemplo na p. 43.
(8) Cf. M.ª NOLASCO DA SILVA, Op. cit.»
Henrique Pinto Rema, As primeiras missões da Costa da Guiné, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol. XXII, N.os 87-88, Julho-Outubro 1967
«Outras vozes incomodadas com a escravatura surgem noutros pontos do império. Cerca de 1600, o padre carmelita e bispo de Cabo Verde, D. frei Pedro Brandão, escrevia ao rei D. Filipe II, defendendo que fosse concedida liberdade imediata a todos os escravos que se convertessem à cris. Baseava-se, para isso, entre outros argumentos, na ilicitude dos cativeiros:
«Porque humanamente se não pode atalhar aos muitos modos com que injustamente os cativam. Porque uns são furtados por força ou engano, outros condenados sem culpa a cativeiro ( ... ), outros tomados em guerras injustas ( ... ), outros vendidos por seus pais, sem necessidade bastante; ( ... ), e outros por outros modos injustos. De sorte que, dizem os práticos, que de mil escravos que vêm ao Reino, novecentos são mal cativos.»
Ao juntarmos aqui as objeções à legitimidade da escravatura por parte de alguns representantes da Igreja, pode parecer que se trata de uma corrente de opinião com algum peso no conjunto das elites dos séculos XVI e xvn. Nada mais errado. O tráfico negreiro e o trabalho escravo tinham ganhado uma dimensão tão significativa e faziam movimentar interesses tão avultados que já não era apenas um assunto que interessava a um pequeno grupo de negreiros em busca de fortuna ou ao Estado, que dele fizera uma importante fonte fiscal. Toda a sociedade, na Europa ou nos territórios coloniais, adequara os seus quadros mentais à nova realidade socioeconómica e tanto o «infame comércio» como a exploração do trabalho forçado eram vistos como a realidade natural das coisas desde o princípio do mundo. E as elites intelectuais, nomeadamente a Igreja, garante da ideologia dominante, ao mesmo tempo que não desprezavam participar nos benefícios económicos do negócio negreiro, produziam a argumentação que o justificava e lhe garantia continuidade.
O sofrimento pessoal e a injustiça social inerentes à escravatura não deixavam de ser considerados, por muitos, corno factos lamentáveis, mas esse juízo acabava por ser secundarizado por aquilo que se julgava ser uma necessidade social irrefragável.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg. 47-48
Quel tableau peut-on dresser de cette communauté de «juifs hollandais», cette «nova gente qui commnerce avec les Flandres» (1)? Leur arrivée sur la Peti.te Côte daterait des années 1600-1610. Elle était concomitante de l'autorisation faite, en 1601, par Philippe II aux nouveaux-chrétiens de s' installer dans les territoires d' outre-mer contre le paiement de 200 000 cruzados annuels à la Couronne. Le Procureur du Roi Sebastião Fernandes Cação, dans un texte daté du début du XVII• siecle et conservé à la Bibliotheque da Ajuda à Lisbonne, énumérait une vingtaine de judaysants portugais installés à Rufisque, Portudal et à Joal, trais localités du littoral de la Petite Côte (aussi nommée Côte du Wolof) distantes entre elles de 9 lieues:
- Estevão Rodrigues Penso originaire de Elvas qui arriva en Guinée à bord de la caravelle de Duarte Garcia, originaire de Santarém. Il s' en retouma en Flandres puis revint dans le navire de l'un de ses parents avec beaucoup de marchandises qu'il échangea contre des peaux, du cuir, de l'ivoire et de la cire;
- Felipe de Sousa, originaire de Lisbonne qui alia au fleuve de São Domingos sur un navire appartenant à Diogo Lobos de Leitão et de là il alia en Flandres et revint à !adite Côte;
- Son frere Diogo de Sousa qui partit de Lisbonne à destination du Rio Grande et de là il alia en Flandres d' ou il revint avec d' autres hommes portugais juifs dont l' un se nommait Simão Rodrigues Pinhel, né à Lisbonne, lequel passa ensuite en Angleterre et en Flandres d' ou il revint avec un navire remplit de marchandises;
- Luis Fernandez Duarte, originaire de Faro, qui vint également de Flandres en compagnie de Gaspar Nunes, un neveu de sa femme;
- Pero Rodrigues Veiga et son frere Gaspar Fernandez Diaz vinrent aussi de Flandres. Tous ces hommes susnommés judaysent;
- Vinrent encore Diogo Martins Bom Dia qui partit de Lisbonne à bord du navire de Baltazar Lopes de Setubal, feitor de São Domingos [Cacheu], et de là il alia à la Côte puis en Flandres; et Jorge Carneiro, originaire de Portalegre, qui venait également sur lena vire du dit Gaspar (sic) Lopez de Setubal;
- Vinrent encore de Flandres à cette Côte sur un navire armé par Jeronimo Freire, originaire de Tancos, et surnommé Jaco Peregrino, Jeronimo Nunes, originaire de Alter do Chão dont le pere est apothicaire à Portalegre et deux hommes dont je n' ai pu savoir les noms;
- Vint encore un navire de Flandres avec à son bord deux hommes, originaires de Tornar, qui chargerent du vin à l'ile de Palma et alierent à la Côte acheter des cuirs [ ... ], l'un se nommait Antonio Nunes, l'autre Lourenço Francisco ou João Lopez da Costa, tous judaysent ouvertement. (2)
Parmi ces hommes, deux sont expliciternent désignés comme étant les meneurs et les guides spirituels: João Freire et Luís Fernandes Duarte, «rabbins récemment arrivés de Flandres» et accusés d' avoir introduit «de nombreux ouvrages défendus, de leur secte damnée» et de vouloir «attirer [ convertir] d' autres catholiques avec de l' argent» (3)
Le premier, João Freire, était originaire de Tancos (village de l' Alentejo), ou il s' était marié. Il avait exercé l' activité de laboureur avant d' avoir été ernployé de balcon (de commerce) chez un dénomrné Estevão del Cairo
Arrivé à Amsterdam au toumant du XVII• siecle, il y effectua son retour au judaysme avant de débarquer à Joal en 1610 ou 1611, à bord d'un navire hollandais, en compagnie de trois de ses fils: l'un majeur et des deux autres âgés de 11 et 12 ans. Passé en Afrique, il s' em pressa de prendre pour nom Jacob Peregrino (Jacob le Pelerin). Les témoins le présentaient comrne le «rabbi de tous les juifs qui résident en Guinée sur la Côte» (4), , envoyé pour répandre «l'écriture sacrée» et soulignaient son action dans la conversion d'un certain nornbre de Blancs.
Un des marins embarqués sur le navire qui le conduisait de Lisbonne en Afrique l' acusa d' avoir en sa possession «12 bibles hébrüques pour enseigner à qui voudrait être juif, des instruments pour pratiquer la circoncision selon la couturne juive» (5)
Plusieurs autres térnoins mettaient par ailleurs en avant son rôle dans la fondation d' une synagogueà Joal. L'implantation de João Freire au sein de la comrnunauté était bien assiseet aprês sa mort la continuité fut assurée par son fils Manuel Peregrino. Ainsi, en 1635, Gaspar Dias Robalo, nouveau-chrétien originaire de Moncorvo (Trás-os-Montes),débarqua à Joal «et là il se prosterna pour baiser la Terre, et il la déclara terre sainte». Ensuite, il «Se rendit à Portudal ou résident quelques homrnes juifs qui suivent la loi de Moise, dont un certain Manuel Peregrino qui le circoncit>>. Le rnalheureux Gonçalo Dias Robalo ne survécut pas à la circoncision et aux violentes fiêvres. II fut enterré selon les rites judai'ques. (6) Par ailleurs, le missionnaire capucin Alexis de Saint Lô qui séjourna sur la Petite Côte entre novernbre 1634 et rnai 1635 se rendit: «chez un Juif nomrné Peregrin et qui est comrne le Docteur des autres juifs de la Coste: à peine nous fusrnes en sa cabanne qu'il nous apporta la Bible pour disputer de la venue du Messie: mais comrne nous allions entrer au principal de la dispute, le Roy arriva» (7)
Le second, Luís Fernandes Duarte, nouveau-chrétien originaire de Faro, était pour sa part connu en Guinée sous le norn de Jésu Israel. II était accusé d' avoir converti son serviteur mulâtre au judaisme ainsi que le Portugais Felipe de Sousa dont le frere, Diogo Vaz de Sousa, était marié à la soeur du dit Luis Fernandes Duarte. Felipe de Sousa possédait <<Uil livre composé par un certain Jacob Israel, recueil en castillan de priêres et rites judai'ques de l' Ancien Testamenb> (8) et Luis Fernandes Duarte avait suspendu en sa demeure un «calendrier indiquant les fêtes de la loi ancienne et les priêres de la Reine Esther» (9)  Parmi les autres figures importantes figuraient Pero Rodrigues Veiga, Portugais né à Anvers qui se faisait appeler Abram Touro, et Jerónimo Gomes da Silva originaire de Alter do Chão ou Portalegre, qui était aussi passé par Amsterdam ou il s' était forrné en Médecine.
Ainsi, la petite comrnunauté s' organisait autour de Luís Fernandes Duarte et surtout de Jacob Peregrino, guide spirituel qui fut, semble-t-il, à l' origine de l' édification de la synagogue de Joal 48. Au préalable, un premier lieu de culte avait fonctionné chez Diogo Vas de Sousa o Velho (10) , chez leque! Jacob Peregrino et desmembres de la comrnunauté «se réunissaient pour discuter. Et ils mangeaient et buvaient. Et dans la dite maison ils récitaient leurs priêres et faisaient leurs cérémonies».

Un autre lieu de priêre fonctionnait chez un dénonuné Simão Rodrigues de Évora chez lequel: «ces Juifs effectuaient leurs priêres et réunions les vendredis aprês-midi et ils revêtaient des chemises lavées et chantaient à haute voix leurs obscénités». ou encore «ces Juifs faisaient leurs cérémonies et priêres à voix haute les vendredis aprêsmidi. Le samedi était un jour férié comrne s' il s' agissait d' un dimanche, ce qui provoquait une grande indignation chez les Catholiques».
Les membres de la communauté jouissaient d' une certaine aisance économique qui reposait sur les bénéfices tirés de l' exportation vers les Pays-Bas de matiêres premières africaines (cuirs, cire, ivoire, etc.). Cette prospérité se nourrissait aussi des aliances construites avec certains hauts représentants de la Couronne en place au Cap-Vert, dont un dénomrné João Soeiro, contratador du Cap-Vert entre 1609 et 1615. En charge de l' exportation officielle des esclaves vers les lndes, João Soeiro avait en toute illégalité autorisé: «son frere, installé à Amsterdam, à envoyer des navires aux ports de Guinée et il avait déclaré qu'il ordonnerait aux facteurs de les approvisionner. De sorte, que beaucoup de navires se rendirent au Rio de Guinée [Cacheu ], parmi lesquels un navire qui chargea du vin sur l'ile de Palma [Canaries]. Le capitaine en était un certain Lourenço Francisco et il était accompagné de son frêre Antonio Nunes, tous deux originaires de Tomar, ville qu' ils avaient fui pour échapper à l'Inquisition. Un autre navire arriva en Guinée, avec pour armateur Pedro Rodrigues Veiga. Il venait de Flandres et l'un de ses frêres nommé Gaspar Nunes l' accompagnait».
(1) lnquisition de Lisbonne, Liv. 205, "Escornunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a ella", fl. 579.
(2) Biblioteca da Ajuda, Manuscrit 51-VI-54, nº 38, "Memória e relação do resgate que fazem franceses, ingleses e framengos na Costa da Guiné, do rio Sanaga até a Serra Leoa", fls. 146-147 .
(3) Inquisition de Lisbonne, Liv. 205, "Relação das coisas de Guiné feita pelo conego Anrique Hieronymo da Cunha (1615)", fl. 387.
(4) lnquisition de Lisbonne, Liv. 205, "Contra João Soeiro contratador do Cabo Verde, e hum traslado da petição do conego Francisco Gonsalves Barretto, e mais papeis que o viserey mandou a este Santo Officio", fl. 116 .
(5) lnquisition de Lisbonne, liv.; 205, "Escornunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a ella", fl. 589 v.
(6) Jnquisition de Lisbonne, Liv. 217, "Treslado dos papeis que acreserão sobre a fazenda de Gaspar Dias Roballo", fls. 471-3.
(7) Pere Alexis de Sainct-Lô, Relation du Voyage du Cap Verd (1637), reproduction INALCO, Paris, 1974, p. 21.
(8)lnquisition de Lisbonne, Liv. 205, "Escornunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a ella", fl. 591 v. 47 Ibidem, fl. 592.
(9) Plusieurs térnoignages, dont celui du pere jésuite Baltasar Barreira, rnentionnent l'existence d'une synagogue à Joal. Cf. également Inquisition de Lisbonne, liv. 205, "&comunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a ella", fls. 579-579 v.
(10) Oncle de Felipe de Sousa et de Diogo Vaz de Sousa, rnentionnés supra.

ANTÓNIO FERNANDES DE ELVAS e a tentativa de monopolização do tráfico
A nível peninsular, António Fernandes de Elvas foi um dos homens mais ricos e influentes do seu tempo. E veio a ser também um dos grandes «magnatas do tráfico negreiro» (para utilizarmos o título de um hvro de José Gonçalves Salvador), tendo quase conseguido monopolizar o comércio atlântico de escravos nas pnmeuas décadas aoséculo xii.
A mfluência de que dispôs, deveu-a, em grande parte, aos laços familiares. António Fernandes de Elvas provinha de uma família endinheirada de cristãos-novos, com fumos de nobreza. O avô, António Fernandes de Elvas (a quem o neto foi bus(ar o nome), além de abastado homem de trato tinha sido fidalgo da Casa Real e tesoureiro da infanta D. Maria, filha de D. Manuel 1. O pai, Jorge Fernandes de Elvas, casado com Branca Mendes Coronel, era também mercador conhecido e fidalgo da Casa Real. Deixou ao filho, além da riqueza móvel, do bom-nome e do crédito comercial, dois importantes morgadios, que incluíam várias propriedades em Lisboa e noutros pontos do país. Entre as propriedades que pertenceram a António Fernandes de Elvas (neto) contava-se a Quinta das Mil Fontes, em Camarate, que ostenta, até aos nossos dias, um belo edifício de traça manuelina. Como o pai e o avô, também António será fidalgo da Casa Real, por alvará de 1566, confirmado em 1573.
O casamento aumentou-lhe o património e aprofundou-lhe os contactos no meio financeiro. A mulher, Helena Rodrigues Sólis, filha do rico negociante Jorge Rodrigues Sólis (também ele e os filhos associados ao tráfico de escravos), trouxe para o matrimónio, como dote, uma renda de cerca de 5000 ducados. Diga-se desde já que não trouxe só isso: era uma mulher inteligente, forte e decidida que participará nos negócios ao lado do marido.
António Fernandes de Elvas, pelo nascimento e pelo casamento, mas também pelas afinidades de caráter religioso e pelos interesses económicos, estava inserido numa vastíssima rede de amizades e de cumplicidades com outras famílias ·de mercadores como as dos Coronel, dos Veiga, dos Rodrigues de Évora, dos Sólis, dos Mendes de Brito e dos Ximenes, para só citar algumas, todas elas com ligações ao comércio ultramarino.
Será esse também o seu caminho.
Em 1606 tinha tido o arrendamento dos direitos das naus da índia e em 1612 interveio em negócios de pimenta. Por essa altura, porém, já os seus interesses estavam mais virados para o Atlântico e para o tráfico negreiro, sobretudo a partir de Angola.
A primeira tentativa de António Fernandes de Elvas para arrendar o asiento para fornecimento de escravos às Índias Espanholas remonta ao final de 1610. Embora tenha ganho o concurso do asiento que deveria ir de 1612 a 1622, o mesmo acabou por ser anulado por pressão do setor mais antiportuguês da Casa de Contratación, optando-se pela administração direta da Coroa. Os resultados foram desastrosos e em 1615 vóltou-se ao processo de licitação pública do asiento, a que, mais uma vez, apenas concorreram portugueses. Entre os interessados, o que se apresentou com maior crédito foi Fernandes de Elvas, sendo aceite a sua proposta, embora nem sequer fosse a de valor mais elevado:comprometia-se a pagar anualmente 115 000 ducados.
O asiento devia iniciar-se a partir de dia 1 de maio de 1615 e terminar no fim de abril de 1623, podendo e devendo, no total desses oito anos, ser introduzidos nas Américas 28 000 escravos africanos, a um ritmo anual de 3500. Tolerava-se, no entanto, que fossem vendidas, anualmente, licenças para mais 1500, para compensar eventuais perdas, por mortalidade, na viagem a partir de África.
Os navios do trato tinham de ser obrigatoriamente registados e inspecionados em Sevilha ou Cádis mas, por razões de operacionalidade, podiam navegar diretamente entre a África e o continente americano.
Os portos autorizados na América Espanhola eram os de Cartagena e de Vera Cruz mas permitia-se também a entrada de um pequeno número de escravos através do rio da Prata, um destino sempre ambicionado pelo acesso que possibilitava ao metal precioso que dava nome ao rio. Outra novidade: os representantes do assentista podiam levar osescravos por terra até ao interior, caso não houvesse na costa compradores suficientes. Ficava aberta a porta para todos os abusos.
Um ano depois de ter conseguido o exclusivo do tráfico de escravos para as Américas, eram também arrematados a Fernandes de Elvas, por oito anos, os contratos de Cabo Verde (por 14700$000 réis anuais) e de Angola (por 24 000$000), o primeiro a começar em 1 de janeiro de 1616 e o segundo em 24 de junho de 1616. O contrato de Angola excluía Benguela, com um movimento ainda quase insignificante, mas incluía o Congo e o Loango.
Isto significava que, pela primeira vez, se concentrava nas mãos de uma única pessoa praticamente todo o comércio negreiro legal do Atlântico. Só ficava a escapar-lhe o arquipélago de São Tomé e Príncipe, mas a verdade é que essas ilhas já não eram, então, o grande entreposto comercial que tinham sido no século XVI. E de qualquer forma, o contrato respetivo também estava, então, entregue a negociantes cristãos-novos, os irmãos Rodrigues da Costa (Jorge, primeiro, Fernão Jorge, depois), cujos interesses deviam estar próximos dos da família Elvas. Não é, aliás, impossível que, junto de Fernandes de Elvas, no projeto de domínio do tráfico atlântico de escravos, estivessem outros comerciantes e banqueiros cristãos-novos, eventualmente com relações internacionais, nomeadamente ao Norte da Europa.
Fosse como fosse, a dimensãb tricontinental do empreendimento, o volume de capitais envolvidos, a necessidade de ter agentes de confiança numa multiplicidade de cidades-portos, tudo isso tornava a empresa difícil de administrar. Sempre que pôde, António Fernandes de Elvas colocou os familiares em lugares-chaves: um dos cunhados, Jerónimo Rodrigues de Sólis, foi seu procurador e feitor em Cabo Verde e em Angola, e outro cunhado, Francisco, mais tarde preso pela Inquisição, foi seu representante em Cartagena das Índias. E o próprio filho, Jorge Fernandes de Elvas, irá à América Espanhola como guarda-mor do asiento, levando consigo o feitor António Vidal.
Mas continuava a não ser uma tarefa fácil. Os pagamentos das elevadas importâncias que era necessário satisfazer, periodicamente, em Lisboa ou em Sevilha atrasavam-se com facilidade, algumas vezes talvez de forma intencional, outras pela dificuldade em sincronizar transferências a tão grandes distâncias .. Por outro lado, com orientação superior ou não, os seus agentes (como forma de obter dividendos rápidos?) não resistiam à tentação de recorrer, sistematicamente, ao contrabando.
Nos anos de 1617, 1618 e 1619 entraram na América Espanhola mais escravos do que em qualquer outro período. Em grande parte devido ao contrabando, .gue atingiu valores nunca vistos. No rio da Prata, por exemplo, foram introduzidos mais quatro mil escravizados africanos do que estava estabelecido no contrato. No porto de Cartagena das Índias, para contarmos só um dos casos relatados pela historiadora Enriqueta Vila Vilar, quatro dos navios que aí entraram em 1619, procedentes de Angola, traziam registados, com os respetivos direitos pagos, 80 escravos cada um deles. A realidade era muito diferente. A carga efetiva era, navio a navio, de 206, 246, 422 e 623 cativos, nem mais nem menos•
As coisas vão começar a correr mal para António Fernandes de Elvas e, se as razões económicas são fundamentais, há que também ter em conta que a dimensão do seu sucesso lhe trouxera, em igual proporção, invejas e inimigos que tudo farão para o prejudicar. E, em Sevilha, continuava a ser uma voz incómoda o partido dos que defendiam junto das instituições de governo das Índias, o afastamento dos mercadores portugueses, identificados como intrusos e cristãos-novos.
Em 1621, embora os maus rumores já viessem de 1618, tudo se precipita. Alegando atrasos insustentáveis nos pagamentos, o Conselho das Índias, informado pelo Conselho da Fazenda de que nem tudo corria bem com o assentista, declara-o, em Agosto do ano de 1621, falido e incapaz de satisfazer os compromissos assumidos, suspendendo de imediato o contrato e embargando-lhe todos os bens. Uma das acusações era a de que nessa altura o assentista já despachara 20 582 licenças (cada licença correspondia a um escravo) e ainda não pagara nada.
O acusado e os seus representantes irão contestar essa decisão, argumentando que pagamentos feitos nas Américas, e ainda não contabilizados em Sevilha, cobriam a alegada dívida e que não se justificava a declaração de falência (quiebra), uma vez que ele estava na posse de toda a sua fortuna e não tinha perdido dinheiro em nenhum dos seus negócios. E que o crédito que mantinha na praça podia ser gravemente afectado por esta situação, provocada por gente que queria apenas desprestigiá-lo. E que se se provasse que tinha dívidas do asiento se comprometia a pagá-las de imediato e a pronto. Em carta em que recorre para a corte de Madrid puxa dos galões familiares: •os meus pais, os meus avós e eu tivemos muitos contratos em Castela e Portugal... e sempre havemos cumprido».
As autoridades espanholas não aceitaram, no entanto, os argumentos de defesa e iniciaram, de imediato, o processo de abertura para a licitação de um novo contrato, que viria a ser entregue a Manuel Rodrigues Lamego, outro próspero e notório cristão-novo.
Já, nessa altura, acamado e muito doente, Fernandes de Elvas não conseguiu resistir à pressão a que foi sujeito e à ameaça que isso significava para a sua respeitabilidade individual e a sua solvência comercial. Faleceu em Lisboa em Agosto de 1622. Mas não há de ter sido só a depressão que o fulminou. Os médicos que o assistiram (Jorge Rodrigues da Costa e Cosme Damião) atestaram que estava atacado por «uma espécie de lepra e chagas que tinha por todo o corpo».
A mulher e os filhos de Manuel Fernandes de Elvas continuaram a luta pelo bom-nome do marido e pai e para que fosse levantado o embargo que pesava sobre os rendimentos pertencentes ao contrato e sobre os imóveis do falecido, incluindo as suas casas em Lisboa. Foram particularmente veementes os protestos da viúva, D. Helena Rodrigues Sólis, que chegou a propor ser ela a ficar, por oito anos, com o asiento que ia ser posto a licitação. Tanto o Conselho da Fazenda como o Conselho das Índias consideraram que ela'tinha solvência e considerável crédito (esqueceram-se de falar na coragem ... ) mas rejeitaram-lhe a proposta•
MANUEL BAPTISTA PERES Negociar na Guiné, enriquecer no Peru
Durante o século xvn, mormente durante a União Ibérica, muitos cristãos-novos portugueses procuraram a América Espanhola em busca de fortuna e de tolerância. Em geral, foi mais fácil conseguir a primeira do que a segunda, uma vez que tiveram de confrontar-se não só com preconceitos religiosos como também com uma crescente animosidade contra os estrangeiros.
Em relação ao enriquecimento, uma boa parte deles encontrou no tráfico d a mais rápida de acumular capital. A biografia de Manuel Batista Peres , nesse campo, é exemplar.
Nasceu cerca de 1591 em Ançã, distrito de Coimbra, numa família de cristãos-novos. Órfão de mãe muito cedo, foi levado para Lisboa pelo pai, Francisco Peres, junto com outro irmão pequeno, João Batista Peres. Vão ser criados pela tia materna, Branca Gomes, esposa de um mercador, cujo filho (João Vaz Henriques) seria sempre muito próximo de Manuel Batista Peres.
Com os tios e o primo foi para Sevilha aos 11 anos e por lá ficou até perto da maioridade, altura em que regressou a Lisboa. Não tardaria a embarcar para a Guiné; fixando-se no porto de Cacheu (1612?), onde já vivia o irmão mais velho, João Batista Peres. Dedicam-se a comprar escravos e a exportá-los para as Índias de Castela. O negócio parece ter-lhes corri o em feição, pois não tardaram a ter navios próprios na travessia do Atlântico.
Em 1618, depois da inesperada morte do irmão no ano anterior, Manuel Batista Peres resolveu abandonar a costa de África. Não era a sua primeira viagem para Cartagena das Índias, mas desta vez ia com a firme decisão de se fixar no Novo Mundo, trocando o tráfico atlântico pelo comércio inter-regional americano, no qual o acesso mais fácil à prata era um poderoso acicate.
Não foi de mãos vazias. No navio em que partiu de Cacheu (a nau Nossa Senhora do Vencimento), de que era dono e capitão, transportava, à sua conta, 509 escravos. A viagem não correu bem e, durante a travessia, morreram 90 cativos ( 17% ), o que comprometia a rentabilidade da empresa. Mostrando o seu caráter empreendedor, vendeu em Cartagena a nau em que atravessara o Atlântico para poder fretar outra embarcação do lado de lá do istmo do Panamá e levar a Lima o seu carregamento de escravos, de forma a ressarcir-se das perdas.
A cidade de Cartagena era, à data em que Batista Peres lá desembarcou, um dos mais animados centros económicos das Américas. Antes de mais, pela qualidade do porto. Escrevendo ao rei, em 1570, um capitão espanhol da «frota da Terra Firme» afirmava perentoriamente que «O porto de Cartagena era um dos melhores da América e talvez do Mundo» •
Fundada em 1533, sobre um antigo povoado indígena, protegida, mais tarde, por fortes torres e bons panos de muralhas, a cidade conheceu um crescimento permanente ao longo dos séculos XVI e XVII. O afluxo de metais preciosos, de pérolas e de esmeraldas, bem como os negócios de tabaco e de plantas tintureiras, ajudaram Cartagena a tornar-se uma cidade dinâmica e cosmopolita.
Uma das principais atividades, ou mesmo a principal, era, porém; o tráfico de escravos. Nesse tráfico, eram os grandes comerciantes portugueses que dominavam, sobretudo a partir de 1580, quando os Habsburgo (afinal também reis de Portugal) estabeleceram com eles chorudos contratos monopolistas, abrindo transitoriamente mão do, regime de administração direta pela Coroa.
Os «assentistas» lusos instalaram, então, os seus representantes oficiais em Cartagena, montando paralelamente toda uma rede comercial que assegurava a reexportação de mão de obra cativa, abastecendo grande parte do Caribe e do interior do continente (vice-reinados do Peru e de Nova Espanha) e permitindo negócios recompensadores a muitos portugueses•
A cidade caribenha tornou-se, assim, o principal entreposto esclavagista das Índias Ocidentais. Em cálculos por alto, estima-se que. Entre 1595 e 1640, os «assentistas» portugueses tenham importado. Através de Cartagena, 150 000 peças «legais», além de um número indeterminado introduzido através do contrabando• Uma parte desses escravos era retida na cidade e seus arredores (principalmente em trabalhos domésticos e agrícolas), mas a maioria, como já dissemos, era reexportada para outros pontos das Américas.
Um dos principais destinos era a cidade de Lima, capital do vice-reinado do Peru, considerada a Cartagena do Pacífico. As minas de prata, que animavam por si só a economia da região, consumiam grande quantidade de trabalhadores escravos. Mas Lima funcionava também como plataforma de distribuição de mão de obra servil para toda a região peruana e ainda para o Equador e para o Chile. Não admira, por isso, que os escravizados atingissem preços elevados e o seu comércio proporcionasse lucros significativos. Um escravo comprado em Cartagena por 270 a 300 pesos podia ser vendido em Lima pelo dobro dessa importância, o que era importante, apesar dos riscos e dos custos acrescidos.
Os escravizados descarregados em Cartagena eram embarcados para Portobelo (Panamá) e daí faziam, por terra, durante três ou quatro dias, a travessia do istmo até ao porto de Perico, já no Pacífico, percurso que havia que vigiar com mil olhos devido ao perigo de fugas
FRANCESCO CARLETTI, um florentino no tráfico de escravos
Quando se ouve falar em Francesco Carletti não é ao tráfico de e cravos gue o seu nome é normalmente a associado. Ele é considerado o primeiro europeu a dar a volta ao Mundo a título meramente privado, entre 1591 e 1606, utilizando meios de transporte que não lhe pertenciam. Por outro lado, há quem lhe atribua a introdução, em 1606, da técnica de fabrico de chocolate em Itália, o que não é pouco. No entanto, não é da viagem de circum-navegação nem de cacau, mas antes da sua participação no comércio de mercadoria humana, que falaremos aqui.
Francesco Carletti nasceu em Florença em 1573, numa família de negociantes. Quando fez 18 anos, o pai, que tinha negócios com Portugal e Espanha, enviou-o para Sevilha, para fazer aquilo a que hoje chamaríamos um estágio de formação, junto de um compatriota conhecido, Niccolô Parenti, há muito fixado na cidade do Guadalquivir, excelente lugar para quem se queria iniciar nas oportunidades do comércio a distância. Dois anos depois, o próprio pai veio juntar-se-lhe em Sevilha, e, como tinham capital disponível, alguém lhes soprou a possibilidade de um bom negócio: levar escravos de Cabo Verde para as Índias Espanholas.
Houve, primeiro, que vencer a burocracia. A monarquia espanhola, nessa altura em dimensão ibérica, não permitia que negociantes estrangeiros acedessem aos seus territórios coloniais. O jovem Francesco conseguiu ultrapassar o problema tomando-se procurador de uma senhora sevilhana, por acaso ( ! ) casada com um mercador italiano. Fretou depois um navio de 85 toneladas, obteve o despacho da Casa de Contratación de Indias, registou-se a ele próprio e à tripulação e comprou licenças para introduzir 80 escravos nas Américas, passo indispensável dado o regime de monopólio em vigor.
Partiu, finalmente, a 8 de janeiro de 1594., de San Lúcar de Barrameda, rumo a Cabo Verde. O pai, António Carletti, que não dispunha de autonzaçâo para entrar nas tridias de Castela, se ia escondido no navio.
Chegados, passados 19 dias, à Ribeira Grande, na ilha de Santiago, alugaram casa e fizeram saber publicamente, através de pregão que estavam compradores de escravos. Primeiro balde de água fria. Havia outros navios a carregar no porto e os proprietários ue traziam escravos para vender exigiam preços muito mais elevados do que aqueles que os Carletti aviam previsto em Sevilha, «no papel», quando planearam o negócio. Assim, em vez de 50 ou de um máximo de 60, tiveram de pagar, no mínimo, 100 escudos florentinos por cabeça. E só conseguiram comprar 75 escravos, sendo, como convinha, dois terços de homens e um terço de mulheres, mas sem distinguir novos e velhos, pequenos e grandes, «ao uso da terra»,
Com alguma hipocrisia, Francesco Carletti espanta-se de se ver a ele próprio a participar num negócio em que se compram pessoas ao rebanho, como se fossem gado, «com todas as precauções e verificações para que estivessem de boa saúde e tivessem boa constituição e nenhum defeito físico».
A verdade é que leva o seu papel a sério e não hesita em ser ele a marcar a fogo os seus escravos com um ferrete de prata aquecido na chama de uma vela de sebo. Os escrúpulos são tardios: «Quando me lembro de a ter feito [a marcação], por ordem daquele de quem dependia [o pai?], não deixo de sentir uma certa tristeza e problemas de consciência, porque, para dizer a verdade, este tráfico pareceu-me sempre inumano e indigno da fé e da piedade cristãs[ ... ]. Este negócio nunca me agradou.»
No entanto, essas justificações são muito posteriores, e os problemas de consciência também. Na altura, a preocupação era outra: obter o maior lucro possível. Francesco assumiu a direção da tarefa. Separou os escravos por sexos e dividiu-os em lotes de dez, cada lote sob a direção daquele que lhe pareceu mais capaz e que estava encarregado de distribuir a alimentação (legumes secos cozidos com sal e um pouco de óleo) duas vezes por dia. Homens e mulheres andavam nus ou, quando muito,com um bocado de tecido, de couro ou mesmo de folhas de árvores a cobrir-lhes o sexo. Depois de comentar que andavam assim sem qualquer pudor, acrescenta que alguns homens usavam, a seu modo, de certa galanteria e prendiam o membro viril com uma fita ou um fio vegetal e, puxando-o para trás, entre as coxas, escondiam-no de tal forma ue não se sabia se eram homens ou mulheres. Outros adornavam-no com o chifre de algum animal ou com conchas marinhas. Outros ainda cobriam o sexo com múltiplos anéis de osso ou fios entrelaçados ou pintavam-no de vermelho, amarelo ou verde.
Francesco teve de interromper, no entanto, as observações antropológicas e a tarefa de cuidar dos escravos, pois caiu fortemente doente, provavelmente com malária, já que era o seu primeiro contacto com os trópicos. As sangrias a que foi sujeito, durante sete dias, não lhe trouxeram quaisquer melhoras.
Quando chegou o momento de partir para Cartagena das índias, o porto de destino, a sua debilidade era total e estava incapaz de se mover, tendo encarregado dois portugueses de tomarem conta dos escravos dele.
Estes foram embarcados no pequeno navio que os Carletti tinham fretado. Os homens foram instalados na coberta, tão apertados e comprimidos uns contra os outros que mal se podiam virar. As mulheres espalharam-se pelo convés, o melhor que puderam.
A viagem entre a ilha de Santiago e Cartagena durou um mês e foi feita em conserva com um outro navio negreiro que seguia na mesma direção. Em grande parte do percurso, conseguiram pescar uma enorme quantidade de peixe, que lhes serviu para poupar víveres e alimentar, com ele, a tripulação e os escravos.
Francesco Carletti atribui, aliás, ao facto de os escravos comerem um certo tipo de peixe mal cozido, ou quase cru, a doença que afetou alguns deles, que morreram de «fluxo de sangue».
Uma noite, já à vista das Antilhas, o navio que os acompanhava, maior e mais pesado, foi embater contra eles, por inadvertência do marinheiro que seguia ao leme, causando alguns danos e só por milagre não provocando o naufrágio da embarcação mais pequena. Mas o embate teve pelo menos uma vantagem: o choque e o enorme susto que ele lhe provocou curaram Francesco Carletti da doença que o atormentava, livrando-o, de um momento para o outro, da febre que até aí nunca o tinha largado.
À chegada a Cartagena das índias houve alguns problemas com as autoridades espanholas, mas que se resolveram de forma satisfatória.
Até a situação do pai António Carletti, que se mantivera escondido no navio, pôde ser legalizada, mercê de algumas cartas de recomendação e mediante o pagamento de 500 reais, cerca de 45 escudos florentinos.
Dos 75 escravos embarcados em Cabo Verde só chegaram vivos 68, mas a maioria doentes e muito maltratados. Os Carletti tudo fizeram para que eles recuperassem a boa forma, «não por caridade, é preciso dizê-lo, mas para não perderem o valor e o preço que representavam», conta o filho, num rompante de sinceridade. Apesar da melhoria detratamento, alguns deles, não sabemos quantos, acabaram por morrer pouco depois do desembarque.
Economicamente, a expedição tinha sido um desastre e não correspondera minimamente às expectativas risonhas que os seus promotores tinham projetado em Madrid. Carletti faz as contas. Na ilha de Santiago, em vez de por 50, cada escravo tinha sido comprado por 100 escudos ou mais. Cada licença para introduzir cativos na América custara 25 escudos. Os direitos de saída de Cabo Verde, 16. O transporte até Cartagena, a alimentação e outras despesas, 21. Tudo somado, cada escravo ficara, segundo o mercador, em cerca de 170 escudos. Como tinham morrido sete na viagem e mais alguns já em terra, só haveria algum lucro se cada um dos sobreviventes fosse vendido por cerca e 300 escudos. Ora. o preço máximo a que foi possível negociá-los foi de 180. Segundo Francesco Carletti, tinham perdido nesta aventura 40% do capital investido. O florentino aprendia à sua custa que o negócio dos escravos, além de desumano, não era tão seguro nem tão lucrativo como muitas vezes se pensava
MARTIM RODRIGUES TENÓRIO
MARTIM AFONSO TENÓRIO DE AGUILAR
(Castela, século XVI - Paraupava, São Paulo 1608 ou 1610)
De acordo com José Gonçalves Salvador, Martim pertencia a wn grupo de cristãos-novos que contraíram matrimónio com cristãs-velhas, no ensejo de obter prestígio social. Em São Paulo, casou com a viúva de Damião Simões, Susana Rodrigues, a 30 de Julho de 1589, de quem teve oito filhos. Entre os seus genros figuravam os nomes dos mineiros Clemente Álvares e Cornélio de Arzão.Recebeu o baptismo já adulto, no dia 18 de Agosto de 1601. A partir desse ano, tornou-se membro da Confraria de Nossa Senhora do Carmo, do Santíssimo Sacramento e da Misericórdia.
Letrado, no seu inventário de bens são referidas várias obras, entre as quais figuram Instrução dos Confessores, O Retábulo da Vida de Cristo, Mistérios da Paixão, o panegírico de Gonçalo Córdova e Crónica do Grão Capitão.
A actividade mercantil de Martim, sertanista e traficante de escravos, foi exercida a partir de São Paulo, onde era residente. Muito rico, ocupava-se de várias activ1dades comerciais, sendo proprietário de várias casas no termo de São Paulo, assim como de uma fazenda na mesma cidade. Ainda ali, Martim também desempenhou alguns cargos administrativos. Possuía um engenho em Ibirapuera e, em 1608, decidiu-se a penetrar pelo interior da região paulista de Paraupava, acabando por lá perecer como os restantes que o acompanhavam.
Apenas em 1612 é que a notícia da sua morte foi conhecida pelos seus familiares. Uma vez que Martim nunca dera a conhecer o testamento, estes acabaram por dividir os seus bens da forma que lhes pareceu mais conveniente.
Estudos
José Gonçalves Salvador, Os Cristãos-No1•os e o Comércio no Atlântico Meridional (Com e1?foq 11e nas Capitanias do Sul 1530- 1680) , São Paulo, Pioneira Editora/MEC, 1978, pp. 77, 78, 82, 92, 102, 104 e 125.
Idem, Os Cristãos-Novos. Po1•oa111 enlo e Conquista do Solo Brasileiro (1530- 1680), São Paulo, Pioneira/U nivers idade de São Paulo, 1976, pp. 7, 14, 62, 92, 95 e 229.
JOÃO SOEIRO (n. sec. XVI, m. sec XVII)
Fidalgo da Casa Real e mercador ligado ao comércio negreiro, João Soeiro ganhou notabilidade ao se trornar contratador dos direitos de Cabo Verde e Rios da Guiné entre os anos de 1609 e 1614. recebendo uma renda anual de 16 contos de réis. Ao obter este contrato, adquiriu também autorização para fazer deslocar as suas embarcações até às Antilhas e outros locais.
Somente João Soeiro empregava no tráfico legal, como no sub-reptício, mais de 30 navios transportadores.Enquanto contratador, fez-se rodear de outros cristãos-novos gue lhe serviam como intermediários, armadores, agentes e feitores. Entre os seus feitores contavam-se os nomes de Pedro Rodrigues da Veiga, Filipe de Sousa Corcovado, Estevão Rodrigues Penso, Baltasar Lopes de Setúbal, Diogo Taborda Leitão e Heitor Cardoso.
O contrato de João Soeiro esteve longe de gerar o pleno apoio da população de Cabo Verde. Aliás, em 1610, surgiu uma controvérsia entre este e os moradores do arquipélago, fruto do processo de importação de alimentos da Guiné, o gual havia gerado uma anotação fraudulenta dos montantes de víveres que entravam em Santiago.
Os moradores, encabeçados nos seus protestos pelo governador de Cabo Verde, NICOLAU CASTILHO, acusavam Soeiro de furtar muitos direitos à fazenda real, de canalizar os carregamentos para os seus contratadores, feitores e parentes e de desviar da feitoria de antiago todo o rendimento, de forma a poder provar o alegado prejuízo no contrato.
Segundo o capitão da infantaria da ilha de Santiago, JOÃO MENDES, esse prejuízo nunca chegou a existir. Este alegou que, desde o contrato de João Soeiro, nunca haviam faltado navios a circular pelo arquipélago, contando um total de mais de trmta, uns gue seguiam de Lisboa às Canárias e dali até aos Rios dã Guiné, outros que faziam o percursodirecto a partir de Sevilha e ainda ou tros que iam directarnente de Lisboa até à Ilha de Santiago. Ora, segundo o mesmo testemunho, cada navio carregava, em média, entre 300 e 400 escravos por ano e, desta forma, nunca até então existira um contratador gue tanto tivesse ganho quanto Soeiro. JOÃO MENDES provou igualmente como os negócios do contratador se estendiam até à Flandres. Um irmão de Soeiro que lá residia mandara para a Guiné uma nau que foi carregadã de vmhos na ilha da Palma e dali seguiu para a costa, onde se abasteceu de couros, marfim e cera, acabando por rumar até ao Norte Europeu. Toda esta acção havia contado com o favor de João Soeiro.
As contendas com os moradores eram a prova de que o prejuízo alegado era fraudulento e conduziram ao termo do seu contrato em Agosto de 1614. Filipe li ordenou a apreensão da fazenda de Soeiro em Cabo Verde e mandou o governador Nicolau de Castilho proceder à apreensão dos seus feitores. Mas este revelou-se um processo moroso e, em 1625, João Soeiro ainda não havia apresentado os papéis das despesas relativas ao arrendamento, nem pagara as suas dívidas, apontando, por outro lado, queixas sobre a forma como o litígio se desenrolara. Aliás, sempre defendeu a sua inocência ao justificar que as quebras no cumprimento das suas obrigações se deviam à alteração das condições, causada pela provisão de 10 de Junho de 1611. Esta provisão decretava que os carregamentos de escravos não podenam seguir drrectos de África até ás Índias, tendo gue passar antes por Sevilha. Contudo, esta defesa não convenceu o rei.
João Soeiro não ficou imune à acção do Santo Oficio. O mesmo João Mendes alegou que, desde que ele obteve o contrato de Cabo Verde, houve um aumento dos cristãos-novos judaizantes na Costa da Guiné. António de Proença, nobre morador em S. João da Praça, acrescentou que Soeiro se judaizou publicamente depois de ter obtido o contrato. Estes testemunhos repetem-se na voz de outros denunciantes, nomeadamente o mercador veneziano JOÃO ANDRÉ POYOLO, ANTÓNIO NUNES DE ANDRADE e ÁLVARO COELHO, mestre na carreira da Guiné. São poucas as informações sobre a sua vida antes do contrato de 1609-1614. Um alvará da Chancelaria de D. Filipe l, datado de 2 de Junho de 1593, atribuía a um João Soeiro o estatuto de morador da cidade de S. Jorge da Mina. A guestão levanta-se este João Soeiro e o biografado seriam o mesmo indivíduo ou apenas homónimos.
Estudos José Gonçalves Salvador, 0.1 Cristãos-Novos e o Comércio 110 Atlântico Meridional (Com enfoque nas Capitanias do Sul 1530-1680), São Paulo, Pioneira Ed itom/MFC, 1978, pp. 259--260 e 318.
Maria Emília Madeira Santos (coord.), llistória Geral de Cabo Verde, vol. li, Lisboa/Praia,llCT/lnstituto Nacional da Cultura de Cabo Verde, 1995, pp. 29, 36, 40-45 e pauim.
Outras vozes incomodadas com a escravatura surgem noutros pontos do império. Cerca de 1600, o padre carmelita e bispo de Cabo Verde, D. frei Pedro Brandão, escrevia ao rei D. Filipe II, defendendo que fosse concedida liberdade imediata a todos os escravos que se convertessem à fé cristã. Baseava-se, para isso, entre outros argumentos, na 1hc1tude dos cativeiros:
«Porque humanamente se não pode atalhar aos muitos modos com que injustamente os cativam. Porque uns são furtados por força ou engano, outros condenados sem culpa a cativeiro( ... ), outros tomados em guerras injustas( ... ), outros vendidos por seus pais, sem necessidade bastante;( ... ), e outros por outros modos injustos. De sorte que, dizem os práticos, que de mil escravos que vêm ao Reino, novecentos são mal cativos
No início do século xvn, a Mesa da Consciência e Ordens, o conselho régio criado em 1532 por D. João III para a resolução das matérias que tocassem a «obrigação de sua consciência», debruçou-se por várias vezes não apenas sobre o problema do batismo dos negros adultos que da África eram levados às Américas, mas também sobre a necessidade de esses batismos «serem verdadeiros e com notícia e conhecimento dos que os recebem».
RELAÇÃO DE LOPO SOARES DE ALBERGARIA SOBRE A GUINÉ DO CABO VERDE(c. 1600)
SUMÁRIO - Cristianização· da Guiné ~ Povoação no porto de Cacheú, com sua igreja Confraria da Misericórdia- Casa para Religiosos e Seminário para os nativos.
Sendo o Guiné do Cabo Verde o primeyro descuberto que todos os mays Reynos de Congo, Brasil e Jndiá, e o primeyro que começou a tender e dar proueyto á Coroa deste Reyno ê que tanto ajudou ao descobririmeto dos outros por nelle irem as armadas deste  Reynos fazer seus apercebimentos e agoadas, como se vê nos letreiros que há na Serra Lioa, no Rio do Matlmbo, escuipidos em pedra uiüa. Com ser este aquelle Guiné, está. Hoje tam esquecido no qué toca a suá Christandade e conuersam daquella gente, que parece serviço de Noso sénhor e de· S.Mâgestade lembralo a VV. Senhorias pera que parecendo-lhe.ser éste.queyram dar disto cõta a S. Magestaqe para que mande acudirlhe- como for seruido.
Temos em onze graos e dóus séixtos o Rio de S. Dorriingos,no qual concorrem estas ilaçóes de negros, Banhus, Cassangas,:Buramos, os quaes por a continuaçàm e comunicação que tem cõ os· no·sos portugueses, sam mui ladinos e falam muitos a lingua portuguesa. E muytos reée~m agoa do Baptismo i)or suà vont~de, indose fazer christaõs á Jlha de S. Tiago. E agora há mays aparelho pera com menos trabalho se fazer no dito Rio muyto fruyto, porque os Portugueses que nelle residem fizeram sua pouoaçam ao longo do Rio, no· porto que se chama Cacheu, e agora se chama· Bom Uencimento. Lugar mays sadio que no dito Rio há, descoberto do amoredo e mato, sete  legoas da entrada da barra, terra prouida de bõs mantimetos, assi de carnes como de pescado, de tudo · farta e abastada. E no dito lugar se fez hu forte, o qual os assegura dos negros. //
E fizeraõ ao longo do Rio huã igreja muyto boa com sua capella, coro, samcristia, patio, casa sobradada pera o Clerigo. Nesta se celebram os officios diuinos quando há Padres. Em alguãs Qu[a]resmas há seiscentas pessoas de cõfissaõ, entre pretas e brancas. E tem sua cõfraria da Misericordia, don~e prouê os pobres, e· alem disso acodem cõ muyta esmola á Misericorclia da Jlha (1). Aqui se podia fazer alguã casa ou recolhim~to pera Religios<JS Padres da Companhia ou Frades uirtuosos, que com a doutrina que pregare e esinarê faram muyto fruyto.
(1)Referência à ilha de Santiago.
Está nesta mesma terra huã aldea de negros Çapes, cujo Rey hé christaõ, e sabe ler e escreuer. Os mays dos negros da sua aldea sani christaõs, e o mesmo manda faze·r áscriãças que naçem. Todas as noytes se ensina a doutrina christã na sua aldea em voz alta, a qual apredem ta.mbem outros negros gentios.
Podiasse tamb!em fazer hü Seminario ou Collegio nâ mesma Jlha de Santiago, como ao Bispo do Cabo Verde· pareçe, dos Padres da Companh~a, ainda que naõ fosse de mays que de seis ou sete, onde podiam ir pregar e fazer residencia ao dito Rio de S. Domingos e ás mays pouoaçoes que parecesse necessario. E pera se manter este Seminario ou Collegio naõ hé necessario desembolsar S. Magestade cousa alguã, nem dar de no:uo de sua fazenda, porque com os duzentos mil reis que S. Magestade dá pera o Seminario de moços que se ouuer de fazer na dita Jlha, que ategora se nam fez, assim por faltade moços pera elle, como po·r naõ se acabar de fazer a casapera.elle. Dos quaes e~ ordinarias de officiaes e mestres se gastam sesenta e tantos mil reis, que todos se podem aplicar pera o dito Collegio, aonde os mestres seram os mesmos Padres, e se criarã . 4 ou cinco moços, que pera a terra bastam, nem .auerá lá mays que se possam recolher. E com os trezentos mil rei~ mays que S.. Magestade poem de ordinarias no contrato do mesm~ Cabo Verde, que se pode e deue aplicar pera este Collegio, poys do rendimento da mesma terra sae, se poderá .manter o Collegio e por agora acomodarse a casa com tres ou quatro mil cruzados que estam iun.tos, dos depositos das rendas deste Seminario que se recebe e deposita, sem se gastar em nada mays que nos officiaes como está dito, pera o que nã hé mays necessario po·r ora que querer S .. Magestade que se faça e VV. Senhorias Iembrarlho, e eleger quem com effecto o mande pôr por obra.
AE:SI - Lus., cód. 83, fls. 345-345 v.
NOTA - Conhece-se um fidalgo da Casa. :Real e do Conselho de Estado, nomeado Deão da Capela Real por D. Manuel de Seabra p~sar a Bispo de Miranda (confirmado em 12-5-1593), onde tinha de residir, com o nome de Lopo Soares de Albergaria. Cfr. ATT- Chancelaria 'de D. Filipe /, liv. 32, fl. 44. Será este personagem o autor da presente relação? Não nos foi possível confirmá-lo.
1600/04/16
 Nomeação de FERNÃO DE MESQUITA DE BRITO no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
PROVISÃO DE VENCIMENTO AO VIGÁRIO DE CACHEU (16-.4-1600)
SUMÁRIO - El-Rei manda prover o Padre Femando Novais de Queiroga dos vencimentosdevidos como vigário de NossaSenhora do Vencimento de Cacheu.
Eu El Rey como gouernador e perpetuo administrador que sou da ordem e caualaria do mestrado .de noso Senhor Jhesus Christo. Ett.ª Faço saber aos que este meu aluará virem, que auendo respeito ao que na petição aqui junta diz Fernão Nouais ·de Queiroga, que ora nouamente apresentey por vigairo da igreia de nossa Senhora do Vençimento do rio de são Domingos, porto de Cacheu, do Bispado de Samtiago da ilha do Cabo Verde e a informação que se delle ouue na minha Meza do despacho da Consiençia e Ordens, per dom FREI PEDRO BRANDÃO, bispo do dito bispado, do meu conselho ey por bem e me prás que o dito FERNANDO NOUAIS DE QUEIROGA tenha e aja da minha fazenda cada anno o seguinte:
Quarenta mil reis de mantimento ordenado cada anno, cõ o cargo de vigairo da dita igreia e híí moyo de farinha e hum quarto de vinho, cõ a tezouraria della, que hé outro tanto como tem as tezourarias da ilha do Fogo e da ilha de Santiago, como declara o dito Bispo na sua informação, o que tudo comesaria a vençer de treze de março do anno de quinhentos nouenta e oito em diante, em que lhe fiz esta · mercê e lhe será pago á custa de minha fazenda pello rendimento das rendas da dita ilha do Cabo Verde, com certidão do dito Bispo ou de seu vezitador, de como serue e cumpre com suas obrigasoins; pelo que mando ao almoxarife ou reçebedor do almoxarifado da dita ilha que ora.hé, ou ao diante for, que do dito tempo em diante pague ao dito Fernão Nouães o dito mantimento ordenado· por este só aluará geral sem mais outra prouizão, o dinheiro ao quarteis e o· moyo de farinha em farinha, e o vinho em -yinho, a vendo [o] na dita ilha e não no avendo nella farinha nem vinho lho pagarão a dinheiro, ao preço que valer pola terra; e pelo treslado deste aluará, que será registado no livro de sua despeza pelo escrivão de seu cargo e conhecimento do dito Fernão Nouães e certidão do Bispo ou de seo vezitador, de como serve e cumpre cõ suas obrigasõis e dá ostias e vinho necessario pera as missas que se dizem na dita igreia, mando que seia leuado em conta ao dito almoxarife ou reçebedor o que lhe pela dita maneira paguar.
E este Aluará se asentará no liuro da fazenda ·da· dita Ordem, o qual quero que valha e tenha força e vigor como se fose Carta feita e1n meu nome por my asinada .e selada do selo pendente, sen embargo de qualquer regimento ·ou prouizão em contrario. / /
Manoel Vaz o fez em Lisboa, a dezasseis de . abril ·de mil e seis centos. Eu Ruy Dias de Menêzes o fiz.escreuer; o qual Fernião irá logo seruir seu cargo .na primeira ern barcaçãoque .ouver pera a dita ilha do Cabo Yerde ..
Rey.:
AHU·- Cabo Verde, ex. 1.
1600/05/05
 - CONSULTA SOBRE HENRIQUE DE LUGO (5-5-1600)
SUMARIO- Prático das coisas da Guiné e da terra dos Fulos, indo informar-se sobreo Rei de Fulo e Jalofo declarando que era falso tudo quanto o negro dizia.
A 5 de mayo 1600
Senor
HENRIQUE VAZ DE LUGO
Por ser pratico das cousas de Guiné, e particularmente da terra dos Fulos, e Jalofos, se lhe cometeo que desde ajlha de Cabo Uerde (onde he morador) passasse aquellas partes, a se informar se era uerdadeira a relação que de sy fazia aquelle Negro que dezia ser Rey de fulo e Jalofo, e que fundamento se podia fazer do que propunha.
Fez o dito Henrique Vaz esta deligencia, e gastou nella tempo, auerigoando finalmente que era falso quanto o dito Negro dezia, e pera informar disto veo a Lisboa, e daly a esta Corte por mandado de Vossa Magestade e nella está. E pede a Vossa Magestade lhe faça mercê de ajuda de custo por estes caminhos e despesas que tem feito.
( 4 rubricas)
[À margem]: Pareceo que se lhe faça mercê de trezentos cruzados em dinheiro por hua vez de ajuda de custo (Rubrica).
· [A seguir]: lo que parece (Rubrica dei rei)
AGS - Secretarias Provinciales, 1iv. 1460, fl. 85.
1600/06/30
 CONSULTA SOBRE HENRIQUE DE LUGO (30-6-1600)
SUMÁRIO - Foi mandado à Guiné por Francisco Lobo da Gama, informar-se, apurando que o que dizia o Rei negro era falso e outro negro que se fez cristão, e confessa o mesmo.
Sendo necessario tomarensse em Guiné informações de· que dizia o negro que se fazia Rey de Fulo e Jalofo, se mandou ao Capitão daquelas ilhas FRANCISCO LOBO DA GAMA, que enuiasse a isto áquellas terras hüa pessoa conueniente, e elle escolheo ao dito HENRIQUE VAZ, que pello serviço de Vossa Magestade aceitou a jornada, e andou occupado nella dous anos, passando ás ditas terras com despesa de sua fazenda e risco de sua uida, pello perigo do caminho e desertos delle, e trouxe informação que tudo o que o dito negro dezia era falso. E em sua companhia pera testemunha disto outro negro natural da dita terra:> que se fez christão na dita ilha e se chama FRANCISCO LOBO. E por ordem do dito capitão veo com elle a Lisboa e daly a esta corte a fazer relação do que achara, como a tem feito e dado alguns apontamentos sobre cousas de Guiné, de muito serviço de Vossa Magestade. E pello que elle nisto tem feito, e outros que diz que sempre fará, pede a Vossa Magestade lhe faça merçê dohabito com trezentos cruzados de entretenimento na dita ilha.
( 4 rubricas)
[À margem]: Pareceo que se lhe dê carta para o capitam e gouemador do Cabo Verde o occupar em algtla servintia de officio que nelle caiba e do foro de cauleiro fidalgo, que diz que teue seu pay, justificando que o teue e que tem elle as qualidades necessárias para o dito foro.
(Rubrica)
[A seguir]: assi (Rubrica dei rei).
margem abaixo]: Por este homem alegar que não hauia de tomar ao Cabo Verde, e que tinha seruido bem e feito muita despeza na jornada que fez a Guiné para saber a uerdade do negro que se dezia ser Rej do Fulo e em uir a esta corte pareceo no conselho que se lhe deue fazer mercê da promessa de hum officio no Rejno e de dozentos cruzados em dinheiro por hoa vez de ajuda de custo, pagos no thezoureiro mor.
(Rubrica).
[A seguir]: como pareçe (Rubrica dei rei).
AOS - Secretarias Provínciales, liv. 1460, fl. 94.
Boi. Cultural da Guiné Portuguesa nº 96 (Out. 1969) p. 843-844.
A.Teixeira da Mota, Un document nouveau pour l 'histoire des Peuls au Sénégal pendant les xv.eme et XVI. eme siec/es.
RELACION Y BREUE SUMA DELAS COSAS DEL REYNO DEL GRAN FULÓ, Y SUCCESO DEL REY LAMBA, QUE OY ES CRISTIANO, POR LA MISERICORDIA DE DIOS, CUJAS NOTICIAS CARECEM DE TODA DUDA(Anónimo. e. 1600)
El Reyno dei Gran Fulo está 450 leguas dela costa y barra de Lisboa, ala Costa de Herguin (1). Es reyno grande y mui poderoso y casi Imperio. Es rico y mui abundante de carnes, arroz, mijo y aues. Es algo enfermo por la calor y muchas aguas que en el hay.
Tiene gran suma de pozos de oro, almizele, ambar, algalia y marfil. Tratan en el ingleses, franceses y flamencos, y alguná parte portuguesa.
El trato que en el y la tierra adentro tienen es Jleuarles q·uentas biancas, azules, verdes, y de otras colores de vidrio, que acostumbran trazer las mugeres de el en la caueza y garganta; lienzo dela India, paftos verdes y colorados, vino, sal, coral y grana fina es lo mas apreciable entre ellos, y algun papel. Por todas estas mercadorias rata por cantidad, dan oro, marfil, ambar, almizele, algalia y corambre que es la principal mercaduria de ingleses.
La gent~ de este Reino es algunos blancos y los mas de color mulata membrillo cocho. Son gentiles, sin ley ni secta alguna; aun que de pocos aiios a esta parte, por confinar este reyno con Ja costa de Herguin, donde hay Moros Alarues que tratan con los Fulos, se uà introduciendo la secta mahometana.
(1)Leia: Arguim.
Este Reyno es de gente belicosa y fuerte en gran numero y cantidad de caualleria; no tienen armas algunas de fuego, sinó solamente flechas y arcos, lanzas, adargas y unas azagayas que son à manera de dardos, con que se diftenden y ofenden sus enemigos, que son negros y tienen iguales armas. No han consentido en este Reyno que entre en el ningun blanco de otra nación, porque no vea las riquezas y minas de oro que en el hay, aun que no han faltado algunos que han estado en el y lo han visto, de quienes se ha sauido con toda certidumbre las riquezas, calidad y templanza dei dicho Reyno.
Este Reyno dei Gran Fulo tiene diez y ocho Reynos a el sujetos que le contribuyen y obedecen, que son Jalofo, Reyno de poco oro, pero de mucho almizcle y algalia, y los naturales de el mui negros. El otro es Tuerohory, dela misma calidad. Otro Aleram, mas rico que los otros. Otro Baruanam. Otro Burguebil. Jaom, Dagacundir, Fulugasar, Leye, Galam. Fulguefolofo. Hualo. Lamptuna. Guirora. Jaca. Jacali. Jeromó. Huagadumt que cada uno tiene muchos lugares y villas, muchas minas de oro y tas <lemas riquezas que tiene el Fuló.
La gente de ellos no tiene numero. Todos estes reynos tienen trato con el Fuló, y su feria y mercado donde venden los sefiores a sus vasallos y de ellos vienen los negros a Portugal y Castilla. Por este Reyno baja um rio caudaloso que viene desde Tumbocotum, teirra rica de mucho trato, y de donde se proueen de oro y marfil la casa de Meca y Turquia, y tambien el camino de Jerusalem, y el dicho rio se llama rio Niltonaga por el qual se camina rio arriua 200 leguas. Este rio tiene muchos brazos que vienen de outros reynos, y de todos tiene dos principales que aluno llaman rio Sto. Domingo~ que hoy tratan portugueses; y ai otro rio del Jambra (2), que es donde hay todo el trato dei dicho Reyno Gran Fulo, y de otros reynos que hay por alli, de donde se lleva oro, almizele, ambar, algalia, marfil, corambre y negros.
(1)  Leía: Gâmbia
Aqui em Jambra comercian ingleses, franceses, flamencos y portugueses, y en este puerto hay negros, mulatos y criollos naturales de las islas de Santiago y Cauo Verde. Ay muchos portugueses que viven alli casados, alos quales Haman tangomagos(3) que siruen de lenguas o interpretes para los mercadores y senores de aquellos partidos, y entre estos portugueses hay algunos que venden 1500 quintales de marfil y saben todas las lenguas por el mucho trato que geralmente tienen.
(3)Tangomãos, lançados.
Deste Reyno dei Gran Fuló fue rey Tem Alá, que reynó paficicamente 48 anos. Tubo entre otros hijos tres que reynaron despue de el, y el mayor de ellos fue Coly; el segundo Lava; y el tercero Tambalamo (4). Coly, hijo primero, heredó el dicho Reyno y reynó 25 aflos ·pacificamente; tubo dos hijos que fueron Guelaybambi y Laba. Por muerte de Coli, reynó Laba, hijo segundo y poseyó el Reyno 28 af\os; tubo dos hijos, el uno se llamó Perocala, y el outro Lamba, que despues fue christiano.
(4) Samba Lamo.
Por muerte de Laba, reynó dos af\os Tambalamo, que murió sin hijos, por cuia muerte reynó Guelaybambi, hijo primero de Coly, alguns anos, y por muerte de este reynó su hermano Galayatabara, que lo tubo diez anos, y por muerte de este reynó su hermanoGalayatabara, que lo tubo diez afios, y por muerte de este Perocala, hijo primero de Laba, hennano de Don Thomas Laua, hoy principe christiano.
El Reyno Jeloffo, que prirnero se llamó Janajo, fue del rey Jayagi, dei qual vino subcediendo hasta Gilen, que reynó ocho afios y por su muerte reynó Bumy Gilem, abuelo materno de Don Thomas Laua. Casó con una seõora llamada Vermes, en quien tubo ocho hijos. Viromhumy, Chuculy, Tace, Tamba, Lagueterrey, Dembayay, Peróo, AJiyay; asi mismo tubo quatro hijas, Joranyay, Cumba, Pemayay yAcitamiyay. La primera casó con Laua, hijo segundo de Tem Alá, padres de Don Thomas Laua, principe christiano.
Este rey Bemoy, reynando en Portugal D. Juan e1 segundo, tubo algunos rebeliones con sus gentes y vasallos, de los quales se le reuelaron muchos, y por la notícia que tenia delas cosas de Portugal por relacion de un mercador portugues, que alli auia, hizo un rico presente de oro, almizcle y negros aJ rey D. Juan, y le suplicó le diese socorro para sujetar sus vasallos, y no le respondió a su deseo, con lo qual el Bemoy Gilem pasó con otros príncipes negros ai Reyno de Portugal, donde fue mui bien riciuido y regalado, y despues de auer tratado de sus pretensiones, trató de su bauptismo y fue hecho christiano, siendo su padrino el rey D. Juan, y delos otros príncipes otros caualleros, y le puso por nombre D. Juan Bemoy, ai qual el dicho rey D. Juan Ie dio veinte carauelas de gente de socorro, y por cauo de ellas a un fulano Carauallo ( 5), el qual de miedo y temor de morir en las dichas tierras, por entender que heran enfennas, mató sin ocasion alguna ai dicho principe Bemoy y los demas principes y echo a la costa se boluió a Portugal, sin que este delito fuese castigado por el dicho rey D. Juan, en cuia Coronica está este successo y historia.
5) Os cronistas chamam-lhe Pêro Vaz da Cunha
Este Reyno Fuló y lo <lemas, reynando en Portugal el rey D. Seuastian, tubo noticia de ellos y quiso conquistarlos mandando hacer armada, y por ocason della empresa de Africa se quedó en aquel punto; y despues reynando D. Henrique boluió a subscitarse esta conquita, y tratando de ella, y hauiendo nombrado capitanes, murió, y todo quedó desuanecido con la toma que hizo Castilla dei Reyno de Portugal.
Reynando pues Perocala, hennano del principe Don Thomas, a los dos anõs que fue coronado por rey, Dom Thomas Lamba tubo deseo de ber la Casa de Meca, que hallá es romeria como entre nosotros Santiago de Galicia, y para ello pidió licenza al rey suhermano, tomó su camino y fue por Tumbocotum y duró su viaje seis meses. Llegó á Meca bueno y estubo siete aftos apreendiendo á leer, escriuir y otras curiosidades que alli se ensetla, que en sus Reynos no las sauen ni tienen quien las ensetle. En este tiempo su hermano Perocala adoleció, y viendose cercano a la muerte, despachó correos a Meca allamar a su hermano para que tomase sus Reynos, no por falta de hijos, sinó que en estes Reynos de Fuló e Jelofo se usa que todos los hijos lexitimos de un rey, reynen empós de otro, aun que el otro tenga hijos, y despues de auer reinado los tales hijos dei rey, vienen heredando y reynando los hijos dei heredero maior, y asi succesive se guarda. A cuio respeto este príncipe Lamba oy christiano hera y es heredero lexitimo deJos dichos Reynos. Viendo pues este príncipe christiano la instancia que se le bacia, se vino para el Gran Fuló, y llegó à Tumbocotum, adonde halló nuevas que su hermano hera muerto, y por su muerte y falta de este príncipe tomó el Reyno Galaya, primero hijo de Coly, hijo de Tem Ala y tio de Don Thomas, el qual con noticia dela murte de su hermano vino con el cuidado dela desorden que con su falta auia de hauer en los dichos Reynos, y llegado a ellos halló que Galaya su primo ( 6) com su poder y com industria de Galagoga (7), português natural de Lisboa, enemigo mortal de este principe, que hauia muchos anos que estaua en aquellos Reynos, sin obras de christiano, siendo tangomago, que le haiudó he hixo coronar he usurpar el Reyno. Y pidindole entregase sus Reinos como heredero lexitimo que hera de ellos, no quiso.
(6) Acima diz-se que era tio.
(7) O "Gangogue" de Alvares de Almada, no Tratado Breve, cap. li.
Este príncipe juntó sus amigos y los Jalofos, que sempre le ouedecieron, y con ellos hizo guerra a su contrario diez y ocho dias continuos, sin reconocer ventaja por alguna parte; ai cauo de ellos este principe fue desuaratado y salió mui mal herido de ocho flechazos, dos lanzadas y tres azagaias, y se retiró a los Alarbes, quelo recojieron y curaron, y vino á Herguin, entendiendo hallar nauio en que poder venir á Portugal, y pedir socorro a sua Magestad, y no hallandole, pareciendole que hera mucho detenimiento aguardarle, se fue á Marruecos, que es la corte de Berueria, y donde residiaMuley Bacá, rey a quien dio quenta de su llegada y pidió le diese socorro para poder cobrar sus Reynos, e que por eito le daria cierto gaje y tributo. Muley Bacá le reciuió com mucha honrra, le hospedó y agasajó como su higual y luego dio orden de socorrerlo, y pera ello le dió su prouision y carta para que dela gente de guarnicion que el tenia en Gago, le diesen 30 Moros escopeteros e 500 mosqueteros, que com estos facilmente podria tomar los dichos sus Reynos.
Estando já para partirse este Príncipe y tomar la gente, agradecido dei socorro y capitulado lo que auia de dar a Muley Bacá, supo su contrario Galaya como lleuaua este socorro,y pretendendo estoruar el dano que le aguardaua, hizo a Muley un rico presente de 30 cauallos, mil negros y 40 camellos cargados de marfil, ambar,almizcle y oro, pidiendole que no diese socorro à Lamba, rey de Fuló, que estaua en su corte, sinó que le hiciese prender y se le imbiase, y que haciendolo assi le daria de pension y tributo en cada un ano otro tanto mas de lo que ahora le ernbiaua.
Muley Bacá, mouido con el rico presente y codicioso dela promesa, no solo pretendió hacer lo que le pedia Galaya, sino que resoluió no curnplir la palabra que hauia dado y que su prouisión no tubiese efecto, y llamando a un alcayde de quine el se fiaua; le dijo que luego que el principe Laba llegase à Gago y pidiese la gente que le auia piandado dar por su provisión, por elJa mesma le prendiese y tubiese.a buen recado, hasta que el mandase otra cosa.
Este alcayde, movido de caridad o por amistad, auisó de ello al principe Laba, el qual, como lo supo, sin aguardar cauallo ni criado, si no solo y a pie y desnudo, se fue huiendo la vuelta de Mazagran. Sauida su bida por Muley Bacá, despachó luego tras el, y aun que la gente que hiua en su seguimento le encontró y preguntó por el mismo, como hiua solo y tan desnudo lo desconocieron y pasaron adelante, que Dios lo quiso guardar para su santo seruicio. Caminó diez y ocho dias, con mui mal tiempo de agua y frio, lleuando para su alimento solamente 50 tamaras, que son datiles, y de ellos comió solo 30, y 20 que le sobraron los dió a Diego Lopez Carualho, alcayde de Mazagran, que le acogió, honrró y regaló, y desde alli escribió a S. M. y pidió le diese licencia para hir a basarle las manos.
S. M. mando veniese á Lisboa, y para eso fue un navio y le trajo afio de 1595, hauiendoja estado en Mazagran afio y medio. Venido á Lisboa, los Gouemadores se holgaron mucho de verlo, le honrraron y dieron renta con que pasó dos afios, ai cauo delos quales fue a la corte de Madrid, y le bessó las manos á S. M. y le suplicó por su despacho. S. M. le reciuió mui bien, estando en el Pardo, y se holgó de verle y mando le hospedason alli aquella noche, y a otro dia le mando fuese a Madrid, que S. M. hiria luego y le despacharia, como lo hizo dentro de seis dias, y le mandó dar una mui buena ayuda de costa, y su despacho para los Gouernadores de Lisboa, ante los quales se hizo averiguacion de sus Reynos y puso proposiciones, las quales fuerono:
Que Su Magestad le haga merced de darle dos mil hombres mosqueteros y arcabuzeros, con todos los pertrechos de guerra que les corresponde y algunas piezas de campana para tomar posesion de sus Reynos; y que le dé asi mismo frayles y clerigos que conviertan tanto numero de almas que en ellos estan perdidas por falta de euangelio y quien las alumbre.
Que deuajo de pleito omenaje que de hecho su hermano en armas para. socorrerle y ayudarle quando tubiere necesidad, y queriendo S. M. ganar la Casa Santa de Jerusalem (que por sus Reynos es facil) ó la Casa de Meca ó destruir a la Africa le dará paso por sus tierras y le haindará con su persona, hacienda y vasallos.
Que por este socorro y merced que S. M. le hiciere, le dará (estando en posesion delos dichos sus Reynos) el Reyno de Jalum, fertil y abundante de todo y consentirá que S. M. baga una fortaleza en la entrada dei rio Senaga (8) y que la tenga con guamicion christiana, y que el pagará la gente y les dará los mantenimientos que fueren necessarios.
(8) D. João Bemoins concedera também que se construísse uma fortaleza na foz do Senegal.
Que dará a S. M. quinientos mil ducados en cada uno aõo, com tal que no los pueda gastar ni gaste si es en guerra contra infieles principalmente contra Inglaterra.
Que Su Magestad le baga merced de veinte hauitos, los cinco de Santiago y los demas de otras ordenes de Castilla y Portugal, para que el pueda hacer gracia y merced alas personas que mejor te uvieren seruido, siendo limpios de toda raza y maula.
Estando este principe en estas proposiciones, el Espiritu Santo le elumbró con su diuina gracia, y dijo que por conocer mui claro que la ley de saluacion, y la mas pura y limpia y verdadera era la de los christianos, el queria serlo, y para ello suplicó á S. M. le mandasse dar el Santo Bauptismo, y S. M. mando que estubiese algunos dias en algun monasterio, pera cathecumenarse. Y por auer este príncipe visitado os de Nra s.ra de Jesus, que es de religiosos terceros de San Francisco, se metió en el y fu su ministro el padre fr. Luís de Figueredo, gran predicador, docto y de buena opinion, el qual le doctrinó y impuso en lo necesario, y en 18 de Nov.re del afto de 1600 (9), juebes por la tarde, · los Gouernadores dieron orden debauptizarle, mandando para estoque D. Pedro de Almada, dei Consejo de Estado, persona de gran calidad, con otros caualleros fuese ai dicho monasterio donde estaua el principe, para tal efecto preuenido, y lo trajesen por las calles principales con chirimias y trompetas, cosa mui graue en aquel tiempo. E así lo trajeron á palacio, y subió a la Sala de Gouiemo, donde estauan el Conde de Portoalegre, capitan general, el Arzobispo de Lisboa y eJ Conde de Santa Cruz y el de Sabugal, merino maior, todos quatro Gouemadores dei Reyno, y entrando dentro lo hicieron sentar entre ellos dando le e1 parabien, y despues, en medio dei de Portoalegre, y el Arzobispo, le bajaron com mucha honrra y gente, lleuando el rigidor Feman Tellez el baston en la mano delante, que fue otra grandeza notable de esta suerte. Llegaron ala Capilla Real, donde estaua el Obispo de Irlanda de pontifical, el qual le examinó y bauptizó, sonando mucha musica de cantores, organo y chirimias, y acauada la funcion, con 1a misma grandeza le boluieron ala Sala de Gouierno, donde estubo media hora en conversacion, y mandaron ai dicho D. Pedro le boluise a su casa, siendo ja una hora de noche. Mandose que se le pusiese casa, pagar sus deudas, despachar una carabela con esta noticia a Zenaga, y otras cosas particulares. Y en medio de esto está este príncipe con mucha incomodidad y miseria, confiando en Nuestro Seflor verse pacificamente con sus Reynos, para que por su medio se salben tantas almas como en ellos hay sin bautiso ni luz dei Santo Euangello.
(9) O baptismo efectuou·se em 19-11-1598, segundo o.doe. seguinte: A 19 di Nouembre [de 1598] y nella Capclla Reale di Lisbona fu battezato iJ Re di Fulo Africano, presenti li Gouernatori, li posero nome Tomasso et fú compare l 'Arciuescouo di Lisbona. Farto il battesimo li detti Gouematori I 'accompagnarono alia sala dei Gouemo et doppó di esser stati un poco con esso lui lo mandarono accompagnato ai Castello doue gli hanno assegnato un buono appartamento, si prepara un uascello per andare ai fiume di Fulo a riconoscere il sito et pigliar pratica con li altri Re conuicini. Arquivo do Vaticano, Fondo Borghese, Série 1, vol. 715, tl. 73. - ln Teixeira da Mota, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nº 96 (Out 1969), p. 840.
BNL-Ms. 3564 (F.G), fls. 133-150, publicado por A. Teixeira da Mota no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nº 96 (Out. 1969) p. 821-828, e em Agrupamento de Estudos de CartografiaAntiga, Lisboa, 1969, nº LVI.
1600/08/01
 «Fernando Mesquita de Brito - nomeado em I de Agôsto de 1600 com o título de capitão-governador e com o ordenado de 600$000. Chegou a Sant'Iago somente em 1603João Barreto
Nomeação de FERNÃO DE MESQUITA DE BRITO no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
1601/06/26
 PROVISÃO À IGREJA DE CACHEU (26-6-1601)
SUMÁRIO ~ Provisão dos 6$000 réis que há-de have cada ano a fábrica da igreja de Nossa Senhora do Vencimento do Rio da São Domingos.
Eu El Rey como gouernador e perpetuo administrador que sou da ordem do mestrado de nosso senhor Jhesus Christo ettª. faço saber aos que este auará virem que avendo res.peito á jnfo1mação que na minha meza do despacho da consiençia e ordens se ouue por DOM FREY PEDRO BRANDÃO, Bispo de sanctiago da Ilha do Cabo verde, de ~orno a [ig]reia de nossa senhora do Vencimento do rio de são Domingos, porto de Cacheo, do Bispado da dita ilha do Cabo Verde não tinha fa[bric]a, ey por bem e me pras vista a- dita informação que á custa de minha fazen-da se dee cada anno pe~a a fabrica della seis mil reis e que. lhe seião pagos no amoxerife ou reçebedor da dita ilha, de vinte e dous de junho deste anno prezente de mil e seis çentos em diante, em que lhe fiz esta merçê.
E portanto mando ao almoxarife ou reçebedor do dito almoxarifado que ora hé e ao diante que fora que do dito tempo em diante se pague á pessoa que o dito Bispo ordenou [para] reçebedor da dita fabrica, dos ditos seis mil reis cada anno e lhe faça delles bom pagamento -aos quarteis, por este soo aluará geral sem. mais outra provizão pelo estado delle, que será registado no liuro de sua despeza pelo escriuão de seu cargo e conhes~mento em forma da tal pessoa de· como os ditos seis mil reis lhe ficarão carregados em reseita, mando que seião leuados em conta ao dito. almoxerife ou recebedor cada anno que lhos asim paguar; he este aluará se assentará no liuro da fazenda da dita ordem, o qual hey por bem que·valha e tenha força e vigor como se fose carta feita em meu nome por my asinada e selada do selo pendente dela, sem embargo de qualquer regimento ou prouizão em contrario.
Manoel Vaz o fez em Lisboa, a vinte e seis de junho de · mif e seis centos e hií. Rui Dia's de Menezes· o fiz'escreuer. I Rey .
AHU - Cabo Verde, ex. 1.
1601/07/31
 Tendo El-rei D. Filippe I prohibido pela lei de 26 de janeiro de 1587, que os christãos novos, sahissem para fóra do reino e senhorios sem licença o de venderem suas fazendas de raiz, deu D. Filippe II pelo alvará de 4 de abril de 1601 feito em Madrid, licença para sahirem e tornarem a entrar todas as vezes que quizessem, com suas familias sem impetrarem para isso licença ; e tambem de poderem vender as suas fazendas de raiz quando lhes parecesse. Os christãos novos pagaram por este alvará 170:000 cruzados.
Como n'esse alvará não se declasse, que elles poderiam ir ás parles da India, Brazil, Cabo Verde e mais conquistas, o que lhes era vedado, conseguiram um outro, de 31 de julho, que lhes dava a mais plena liberdade para passarem ás conquistas, porém, sob condicção de entregarem mais 300:000 cruzados para ajuda das necessidades da Real Fazenda.
1602
 «E o alemão Jácome Ficher está com Custódio Vidal no contrato de Cabo Verde (160l-1606), embora logo em 1605 o tenham de abandonar por dívidas.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg.169
1602   ANÓNIMO [D. FREI PEDRO BRANDÃO]         Carta que se escreveo a hû dos Arcebispos que forão a Valledolid sobre o negocio dos Christãos novos no mez de Março do anno presente de 1602  Cabo Verde]
1603/01/11
 ORDENAÇÕES FILIPINAS
Livro Quinto das Ordenações
TÍTULO XLI
Do scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai
O scravo, ora seja Christão, ou o não seja, que matar seu senhor, ou filho de seu senhor, seja atenazado, e lhe sejão decepadas as mãos, e morra morte natural a forca para sempre; e se ferir seu senhor sem o matar, morra morte natural. E se arrancar alguma rama contra seu senhor, posto que o não fira, seja açoutado publicamente com baraço e pregão pela Villa, e seja-lhe decepada huma mão.
1.E o filho, ou filha que ferir seu pai, ou mãe com tenção de os matar, posto que não morrão de taes feridas., morra morte natural.
TÚITULO LXII
Da pena que haverão os que achão scravos, aves, ou outras cousas, e as não entregão a seus donos, nem as apregoão
Se algum scravo, que andar fugido, for achado, o achador o fará saber a seu senhor, ou ao Juiz da cabeça do Almoxarifado da Comarca, em que forachado, do dia, em que o achar, a quinze dias. E não o fazendo, haverá pena de furto. E o Juiz desse Lugar, notifique per sua carta ao Lugar, onde morar o senhor do scravo, ou ao mesmo senhor, e à sua conta se leve o recado. E à pessoa, que tiver tal scravo per auctoridade de Justiça, se dará para seu mantimento vinte réis cada dia, e os dias, que se servir dele, não haverá cousa alguma pelo mantimento; e mais haverá o achador de seu achadego por scravo negro trezentos réis, e por scravo branco, ou da Índia, mil réis.
1.E porque muitas vezes os scravos fugidos não querem dizer cujos são, ou dizem que são de huns senhores, sendo de outros, do que se segue fazerem-se grandes despezas com eles, mandamos que o Juiz do lugar, onde for trazido scravo fugido, lhe faça dizer cujo he, e donde he, per tormentos de açoutes, que lhe serão dados sem mais figura de Juízo, e sem apellação, nem aggravo, com tanto que os açoutes não passem de quarenta. E depois que no tormento affirmar cujo he, então faça as diligencias sobreditas.
2. E tanto que algum scravo for preso na cidade de Lisboa, antes que o mettão na Cadea, ou em outra parte, o levem a um Julgador, e lhe digão como o levão preso por andar fugido; o qual Julgador lhe fará as perguntas necessárias, para saber se anda fugido, e disso se fará assento. E se lhe parecer, que anda fugido, o mandará ao Tronco, ou à Cadêa, ou a seu dono, se for morador na Cidade. E achando-se, que passa de oito dias, que anda fugido, mandará pagar de achadego ao que o achou, cem réis somente, se o dono for morador na Cidade. E se se provar, que anda fugido, sendo seu dono morador fora da Cidade, ou sendo scravo achado fora dos muros dela, e de seus arrabaldes, posto que seu dono seja morador na Cidade, e posto que não sejão passados os oito dias, pagar-lhe-hão trezentos réis por scravo negro
TÍTULO LXIII
Dos que dão ajuda aos scravos captivos para fugirem, ou os encobrem
e mil réis por scravo branco ou da índia. Defendemos, que nenhumas pessoas levem fora dos nossos Reinos scravos, para os porem a salvo, e saírem de nossos Reinos, nem lhes mostrem os caminhos, per onde se vão, e se possão ir, nem outrosi dêem azo, nem consentimento aos ditos scravos fugirem, nem os encubrão.
E qualquer pessoa, que o contrario fizer, mandamos que sendo achado levando algum captivo para o pôr em salvo, aquelle, que assim o levar, sendo Christão, será degredado para o Brazil para sempre. E sendo Judeu, ou Mouro forro, será captivo do senhor do scravo, que assi levava. E sendo Judeu, ou Mouro captivo, será açoutado. E, sendo-lhe provado que o levava, postoque com elle não seja achado, haverá as mesmas penas, e mais pagará a valia do scravo a seu dono. 1.E quanto aos que derem azo, ou encobrirem, ou ajudarem aos captivos fugirem,incorrerão nas penas sobreditas.
TÍTULO LXX
Que os scravos não vivam por si, e os Negros não façam bailos em Lisboa
Nenhum scravo, ou scrava captivo, quer seja branco, quer preto, viva em caza per si; e se seu senhor lho consentir, pague de cada vez dez cruzados, ametade para quem o accusar, e a outra para as obras da Cidade, e o scravo, ou scrava seja preso, e lhe dem vinte açoutes ao pé do Pelourinho. E nenhum Mourisco, nem negro, que fosse captivo, assi homem como mulher, agasalhe, nem recolha na caza, onde viver, algum scravo, ou scrava captivo, nem dinheiro, nem fato, nem outra cousaque lhe os captivos derem, ou truxerem a caza; nem lhe compre cousa alguma, nem a haja delle per outro algum título, sob pena de pagar de cada vez dez cruzados, ametade para as obras da Cidade, ou Villa, e a outra para quem o accusar, além das mais penas, em que per nossas Ordenações e per Direito incorrer. E bem assi na cidade de Lisboa, e huma legoa ao redor, se não faça ajuntamento de scravos, nem bailos, nem tangeres seus, de dia, nem de noite, em dias de Festas, nem pelas semanas, sob pena de serem presos, e de os que tangerem, ou bailarem pagarem cada hum mil réis para quem os prender, e a mesma defesa se estenda aos pretos forros
Batismo de escravos
Ordenações Filipinas, Livro V, capítulo 99
«Mandamos que qualquer pessoa, de qualquer estado e condição que seja que escravos de Guiné tiver, os faça batizar e fazer cristãos, do dia que a seu poder vierem até seis meses, sob pena de os perder para quem os demandar.
E se algum dos ditos escravos que passe de idade de dez anos(*) se não quiser tornar cristão, sendo por seu senhor querido, faça-o seu senhor saber ao prior ou cura da igreja em cuja freguesia viver, perante o qual fará ir o dito escravo; e se ele, sendo pelo dito prior e cura admoestado e requerido por seu senhor, perante testemunhas, não quiser ser batizado, não incorrerá o senhor em dita pena.
1. E sendo os escravos em idade de dez anos ou de menos, em toda a maneira os façam batizar até um mês do dia que estiverem em posse deles; porque nestes não é necessário esperar seu consentimento.
2. E as crianças que em nossos reinos e senhorios nascerem das escravas que das partes de Guiné vierem, seus senhores as farão batizar aos tempos que os filhos das cristãs naturais do Reino se devem e costumam batizar, sob as ditas penas.»
(*) nota 242 onde consta que segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia a idade mínima para poder escolher a religião era de sete anos.
FONTE: Silvia Hunold Lara (organização), Ordenações Filipinas, Livro V. São Paulo:Companhia das Letras. 1999. p. 308. Coleção Retratos do Brasil, 16.
1603/01/12
 FERNÃO DE MESQUITA DE BRITO -  Foi nomeado Capitão e Governador-geral de Cabo Verde a 1 de Agosto de 1600, mas só tomou posse a 12 de Janeiro de 1603. Negociações ocorreram, por exemplo, também na nomeação para governador de Cabo Verde em 1600. O fidalgo FERNÃO MESQUITA DE BRITO pusera condições amplas para aceitar o cargo: exigia galeotas apetrechadas de gente, artilharia e munições para andarem armadas no mar; que se efectivasse uma comenda de 500$000 réis que tinha prometida, largando em contrapartida os 60$000 réis que tinha de tença; que morrendo no cargo, ficassem 100$000 réis de tença a sua mulher e que se lhe metessem três filhas em conventos; pedia ainda 1.000 cruzados a mais de ordenado, 2.000 cruzados em dinheiro de ajuda de custo para se embarcar e para João Brito Silva, o filho mais velho que queria levar consigo para Cabo Verde, o hábito da Ordem de Cristo. Considerando o leque de pedidos absolutamente exagerado, o Conselho de Portugal sugeriu então que se lhe desse uma comenda de rendimento anual até 250$000 réis, que se lhe pusesse uma filha freira em um dos mosteiros de provimento régio, que se concedesse a tença solicitada para a mulher em vida desta e que não levasse o filho. Quanto ao ordenado, os conselheiros pediram mais informações, acabando por concordar com um aumento de apenas 300$000 réis anuais
FERNANDO DE MESQUITA DE BRlTO. Este Governador tomou posse no principio de 1603, sendo rendido ao fim de tres anos - Vej. Liv.17. de Filippe. 2.º · f .148.anceses atac  1604/03/16
BARREIRA, Padre Baltasar. Padre jesuíta, Superior da missão de Cabo VerdeCarta ao Padre Provincial da Companhia de Jesus
1604/04/04
 «Francisco Corrêa da Silva - provido em 4 de Abril de 1604, tomou posse em 12 de Janeiro de 1606.» João Barreto
1604/07/00

 Estabelecimento dos JESUÍTAS em Santiago de Cabo Verde
Em Julho de 1604, desembarcaram em Santiago, ilha de Cabo Verde, três sacerdotes e um irmão para realizar a missão na Guiné. O PADRE BALTAZAR BARREIRA foi designado como superior. Ele já contava com a experiência de outra missão ultramarina nas terras de Angola, onde foi conselheiro do governador Paulo Dias de Novais e actuou na catequese dos povos da África centro-ocidental. (ALENCASTRO, 2000, p. 168-170; CASTRO, 2001).
Ao ser indicado para a costa noroeste africana, agradeceu a indicação da Companhia de Jesus e justificou sua aceitação de conduzir o projecto de missionação na costa da Guiné. Tomado de espírito cruzadista, acrescentou:
Porque quanto mais noticia tenho de Guiné, tanto tenho maior magoa do desamparo de tantos milhares de almas, que nenhum conhecimento tem do beneficio inestimável de sua redenção, porque até agora não chegou a eles a luz do santo Evangelho, estendendo-se cada vez mais por aquela partes a maldita seita de Mafamede.
Os jesuítas foram recebidos entusiasticamente pelas autoridades locais e a população de Santiago. No fim da tarde do primeiro dia da estada deles, houve uma forte ventania, e as ondas lançaram as embarcações que estavam atracadas no porto contra os arrecifes. A embarcação que levava as relíquias dos santos para a missão na Guiné estava prestes a ser arremessada contra as pedras, mas uma grande onda devolveu o navio ao porto. A ventania foi considerada uma acção diabólica, e o milagre da calmaria do mar, atribuído às santas relíquias.
A missão liderada pelo Padre Baltazar Barreira foi designada para actuar nas regiões de Cabo Verde, dos rios da Guiné e em Serra Leoa. A análise que segue refere-se à região dos “rios da Guiné” (HORTA, 2009), onde havia, no início do século XVII, uma população significativa de brancos que se instalou nas entradas dos rios da Guiné e criaram entrepostos importantes, como Bissau, Cacheu e Geba e, também, na região de Serra Leoa. Os missionários tinham maior interesse em fazer missão em Serra Leoa, a começar pela conversão dos chefes. A justificativa era clara: a Coroa tinha grande interesse em explorar aquelas terras em decorrência de suas riquezas naturais, inclusive, os idealizadores não poupavam comparações com a América portuguesa. Nesse período, os lançados, instalados na região, já praticavam largamente o comércio de vários produtos, em especial: noz-de-cola, ouro, marfim e escravos. A religião tornou-se importante meio para viabilizar a empresa colonial na Guiné e em Serra Leoa.
1605
 Com vista, a por termo à concorrência estrangeira nos seus domínios, Filipe II, de Espanha, determinou através de uma lei de Março de 1605 a saída de todos os estrangeiros da Índia, do Brasil, da Guiné e dos arquipélagos de São Tomé, Cabo Verde, Açores e Madeira
Em 1605, o padre da Companhia de Jesus MANUEL DE BARROS falava dos tangomaus assim:
«Homens portugueses há que andam metidos dentro da Guiné tiguilando (?) e comprando negros, passando vinte e trinta anos, mais e menos, sem se confessarem; e além de ser gente estragada, não têm confessor por aquelas partes. Estes se chamam tangos maus, gente bem nomeada pela vida que fazem, tão esquecida de sua salvação que muitos deles andam nus, riscando e lavrando a pele com um ferro, tirando sangue e depois, com o sumo de certa erva, deixando a pintura do lagarto ou serpente (que é o comum) ou outras que eles mais querem, e isto por mais se naturalizarem com o gentio da terra em que tratam
Mais ou menos pela mesma data, um outro jesuíta, o padre Manuel Álvares, poupava ainda menos nas palavras:
«São todo o mal, idólatras, perjuros, desobedientes do céu, homicidas sensuais, ladrões da fama, do crédito, do nome do inocentes, da fazenda. Traidores que, nos apertos, se lançam com os piratas, levando as sua naus aonde costumam surgir e regatar as nossas embarcações, gente sem direito nem avesso, sem respeito mais que o próprio apetite, semente do inferno”.
D. Filipe II eleva CACHEU a vila por os moradores serem “homens, nobres, ricos e abastados” em troca o rei espera que estes o sirvam “como a isso são obrigados” (BRÁSIO: 2ª série, vol. IV, 1968:88), contrário ao que seria de esperar os moradores não ficaram satisfeitos e como tal não aceitaram o reconhecimento e estão insurrectos uma vez que isso implicava a presença de oficiais da câmara entre outros oficiais que passariam a governar a vila, e assim poderiam colocar um fim ao poderio de alguns moradores, bem como criar obstáculos ao comércio até então realizado com os estrangeiros.
1605/08/00
 Agosto de 1605, Filipe III (II), em resposta aos “apontamentos” que lhe tinha enviado o capitão-governador de Cabo Verde, Francisco Correia da Silva, chega mesmo a dar instruções ao vice-rei D. Pedro de Castilho a respeito daquela que era a maior acusação feita aos lançados: “ e que (…) se passe uma provisam de perdam para todos os moradores de Cachem [sic por Cacheu] no rio de São Domingos das pouoaçois que se fizerão na costa de Guiné no Rio Grande de culpas que tiverem commetido em admetir estrangeiros a resgate, e comercio daquelas partes…” (1).
(1) B. Ajuda, 51-VIII-7, fl. 111v. 
1605/08/30
 CARTA RÉGIA PARA O BISPO VISO-REI (30-8-1605)
SUMÁRIO - Apresentação do vigário de Cacheu- Que os Bispos ultramarinos ausentes das suas dioceses, sem licença do Santo Padre, não sejam consultados na provisão dos benefícios, nem dêem a investidura canónica dos mesmos
Em Carta de S. Magestade de 30 de Agosto de 605. Reuerendo Bispo Viso-Rey, ett. Vy duas consultas do conselho da Jndia que .me enviastes com carta vossa de 16 do passado. [... . .. ] E outra sobre BARTOLOMEU REBELLO TAUARES, meu capellaõ, que pretende a propriedade da vigairaria do porto de Cacheu, do Bispado do Cabo Verde, que vagou por promoçaõ de ·FERNAÕ DE NOUAES á vigairaria da Igreja de Sanct Miguel de Sintra; e comiormandome com ella, hey por bem de lhe fazer mercê de o apresentar na dita vigairaria. //
E porquanto o Bispo do Cabo Verde está absente do seu Bispado, e naõ reside nelle há muitos afios naõ conue, gue se tome sua informaçaõ sobre a prouisaõ dos benefiçios de sua dioçesi, nem que elle nomee pessoas para elles, e o mesmo se deue fazer com todos os Bispos vltramarinos que sem licença do Sancto Padre deixare de residir em seus Bispados. / /
Escripta em Valladolid, ett.
AGS - Secretarias Provinciales (Portugal), liv. 1494, fl. 28 v.
1605/11/09
REGIMENTO DO GOVERNADOR DE CABO VERDE FRANCISCO CORREIA DA SILVA {9-11-1605)
SUMÁRIO - A promulgaçõ do Evangelho -.Protecção dos Jesuítas -Colégio a fazer em Lisboa - Obras da Sé Tomada de posse - Defesa da Ilha - Prevenção contra os holandeses - Provisão dos ofícios da justiça e fazenda - Elevação de Cacheu à categoria de Vila - Relação pormenorizada do estado da fortaleza e do seu armamento
Ev EIRey faço saber a uós Francisco Correa da Silua fidalguo de minha casa, que pella confiança que de uós tenho, que no que uos encarregar me seruireis c:onfo11ne a uossa·obrigaçaõ, ey por bem de uos enuiar ás Ilhas do Cabo Verde por capitam e Gouemador dellas, no qual carguo guardareis· o Regimento, e instruçaõ seguinte e as mais prouisoê~ que vos· mando dar.
E porque minha primeira e principal obrigàçaõ hé a da promulgaçaõ do santo euangelho, e augmento de nossa sagrada Rellegiaõ nas terras e Conquistas Vltramarinas, e e todas as mais de meus Senhorios, como :tal uola encomêdo e encarrego muito neste primeiro capitulo, pera que procureis por todos os meyos possiueis que o gentio de todo- o destri~o desta Capitania do Cabo Verde uenha em conhecimento de nossa santa fee, per·a o que tenho por mui importante a assistençia dos Rellegiosos da Companhia de Jhesu que lá se enuiaraõ por minha· ordem, aos quaes procurareis dar todo o fauor, e ajuda pera que mtlhor possaõ cumprir · ·co:in sua obrigaçaõ, e lhe fareis pagar o estipendio, e ordenado que por minhas prouisoés lhe está ~ssentado, pera que por faltado temporal naõ s·e impida o bem espiritual que por seu meyo espero se alC4Ilçe nestas partes. E me anisareis se os ditos Rellegiosos da Companhia cumprem com sua obrigaçaõ e quantos residem nesta Capitania e se sam necessarios mais.
Ev tinha ordenado que aos ditos Rellegiosos se dessê os duzentos mil reis que o senhor Rey dom Sebastiaõ que Deus tem man~o:u. applicar de sua fazenda pera o siminario, e por ter info11naçaõ . que .elle naõ tinha collegiaes ne a dita renda se . despendia no  per.a ·que fora applicada, e por hora me disse (sic) que .será muito seruiço de D·eus continuarse a obra do ·dito simynario; e porse em effeito~ que per ser em comprimento dó · Consilio· Tridentino se naõ ·podia nem deuia reuogar,· tenho mandado uer esta materia e breuemente me resoluerey nella e uos escreuerey o que ouuer por bem.
Em tanto tomareis info1111açaõ co[m] o Cabido da See e Camera da çidade de Saõ Thiago (1 ) se será mais assertado fazerse nesta Cidade de Lisboa hü Colegio pera nelle se doutrinarem· algiis moços . dos naturaes, assy d·essa capitania como das mais da costa de Guiné, e se seus pais os enuiaraõ de boa vontade pera esse effeito e pera aprenderem os costumes deste Reyno, e as mai~ cousas neçessarias . pera depois hirem semir nas Igreijas dessas partes, e na conuerçaõ do gentio dellas, e de tudo o que nisto achardes me mandareis huã relaçaõ muito destinta, avisãdome do estado em que está a obra do dito siminario e que reçebeo o rendimento q-q.e lhe está applicado e se está posto em boa recadaçaõ e que importará.
(1) Ribeira Grande.
E assy sou info1111ado que na See está feita muita obra, e, que pera se acabar mandou ElRey meu senhor e pay queDeus tem, dar noue ou dez mil cruzados, pagos no contrato destas ·Ilhas, do qual · dinheiro se gastou pouco na dita_ obra, pello que tenho orde-nado por outra minha prouisaõ se to·me conta delle, e se recade o. que estiuer deuido e meta em hii cofre pera se despender na dita obra para que está applicado. Pello que vos ~ncomendo muito deis toda a ajuda e fauor pera que se execute esta minha ordem, de que me anisareis por uossas cartas.
Tanto que chegardes á dita Ilha uos ajuntareis na Camera da çidade de Saõ 'fhiago con Fernaõ de Mesquita, que ora está nella por capitam e Gouemador, a quem tenho dado liçença pera se uir para este Reyno e despois de uossa chegada e com os Juizes, e Vereadores, e Procuradores da mesma çidade e se lerá perante todos a patente que leuais da dita capitania· (2 ), pera confor1ne a ella ficardes na posse, e se fazer disso· ass·ento no liuro da Camera, assinado per to,dos, como escreuo ao dito capitaõ e Camera nas cartas que para eles leuareis.
E despois de isto feito tomareis ·entrega da fortaleza ·e de todas as cousas que nella est!uerem por jnuentairo _. Que se fará pello escriuaõ da feitoria e assy visitareis os almazens, e terçenas, e de tudo o que nellas estiuer se fará outrosj inuentairo, uereis se estaõ daneficadas, e as mandareis reparar, e benefiçiar do neçessario. E tendo elles neçessidade de mais obra de conçerto ordinario mo anisareis, faze·ndo prouer e aualiar a despesa qu·e na tal obra será neçessaria fazer, para eu mandar prouer como me pareçer conueniente, e do estado . que vos for .tudo entregue passar~is huã çertidaõ ao capitam Fernaõ de Mesquita para me trazer.
(2)Teve carta de capitania em 4-4-16\'.>5. -ATT – Chancelaria de D. Filipe II, liv. 18, fl. 13 v. .
Ey por bem e uos mando que residais· continuamente na çidade de Saõ Thiago e pouseis dentro da fortaleza, a qual tenho inforn1aça.õ estar de todo acabada, porem ~e entenderdes que lhe falta alguã cousa pera sua defensaõ e habitaçaõ do capitam e soldados, mo auisareis. E entendereis com muito cuidado nas cousas da guarda, e vigia da dita fortaleza e defençaõ della, tomando as informações necessarias, assy do dito Fernaõ de Mesquita como dos offiçiaes da Camera e pondo os moradores da dita Ilha em ordenança com seus capitaes, e mais offiçiaes, de que tereis liuro em qu.e todo estem assentados co~ suas confrontaçoes, pera milhor podere acodir a qualquer rebate, e occasiaõ que for neçessaria, pera o que procurareis que todos tenhaõ suas armas.
Visitareis todos os portos ·e desembarquadouros da dita Ilha pera ordenardes as vigias, preuençoes neçessarias, de maneira que acontecendo algii caso como os passados dosinimigos. intentarem desembarquar na dita Ilha, achem nella tal defençaõ que naõ ouzem fazello.
Tereis muito particular cuidado de guardar e fazei guardar em toda esta capitania as minhas p;rouisoês sobre a prohibiçaõ dos rebeldes das Ilhas de Olanda e Zelanda, de que leuareis os treslados autenticos, e os fareis tresladar e pôr no Liuro da Camera na çidade de Saõ Thiago.
E por ter informaçoes que os. Olandeses rebeldes contynuaõ hir á Ilha do Mayoprouerse de sal, de que resulta muita perda a este. Reino, vos encomendo que tomeis info·rmaçaõ do modo que se lhe pod.erá impedir este proueito e tirarlhe a dita continuaçaõ, e de tudo me auisareis muito particularmente.
Ey por bem que vagando alguns offiçios da justiça, ou fazenda desta Capitania, assy por morte dos offiçiaes ~orno por culpas, e erros que cometerem, ou per que mereçaõ ser suspensos, q·ue vós possais prouer as sernentias dos tais offiçia·es em pessoas aptas e sufficientes que os sirvaõ até eu delles prouer, e os ditos· offiçia:es serem liures das culpas; e hauendo criados meus suffiçientes os prouereis nelles prim ·eiro que outras pessoas e na primeira embarquaçaõ que pera este Reino partir me enuiareis çertidaõ do.s offiçiaes que assy estiueriem vagos, e per que modo e se for por culpas me enuiareis os autos dellas e naõ o cornprindo assy, os prouidos por vós das ditas seruentias naõ poderaõ seruir mais de quatro meses, sob pena de a uós e a elles se nos dar culpa.
Tenho informaçoes que as pouoaçoes de Cacheu, e Rio de San· Dorningosuaõ em muito crescimento; e que por falta de justiça se commetem muitos excessos pelos moradores dellas, e que os mais poderosos opprimem e auexam os que menos pode, sem se guardarem minhas leis, nem forma de justiça. E posto que assy por estes delictos, e que por comerçearem com os Olandeses Rebeldes e outros cosayros mereçiam castiguo, eu usando de minha clemeçia por alguns respeitos que me· a isso mouem, ey por bem de lhes perdoar e alem disso fazer Villa ao dito lugar de Cacheu, e lhe conçeder os priuilegios que tem as Villas deste Reyno, como uereis pelas prouisoes que lhe mandei passar, que leuais em uosso poder.
Encomendouos que lhas mandeis per pessoa que os saiba persuadir a emcaminharse e assentar sua viuenda· em forma de Republica e poliçia christaã como saõ obrigados, e a elegerem offiçiaes de justiça que a administrem, e guardem as leis deste Reino, aduertindo os que naõ usando bem desta minha indulgençia e continuando· os exceços com que ateego.ra uiueraõ, os mandarey castigar como mereçerem suas culpas.
E pareçendouos que fará isto milhor hü dos Rellegioso$ da Companhia que lá estaõ, lhe dareis orde com que vaa, e de tudo o que suçeder nesta materia me anisareis muito particularmente.
Ey por bem que vos informeis de alguns aleuantados que andaõ nessa costa, e dam fauor ao resgate dos cosairos, e os que achardes culpados façaes prender e castigar.
Encomendouos que saibais muito particulannente como proçedem todos os offiçiaes da justiça e de minha fazenda, que há nessa Capitania e se há nella alguns outros homensreuoltosos, e prejudiçiaes e que mereçaõ serem mandados riir pera este Reino, e me auisareis com muita pontualidade de tudo o que ac.hardes, pera mandar nisso prouer como ouuer por meu seruiço.
Fareis huã rellaçaõ muito particular e destinta do estado em que achardes a fortalesa da çidade de Saõ Thiago, e da artelharia que tem, e assy dos mais fortes que há nessa Capitania, da poluora, atmas, e moniçoes que ouuer nos me·us almazen~, ·e o estado em qtie estaõ; e se as armas estam para seruir, ou se há alguã artelharia quebrada, a qual fareis embarquar nos primeiros nauios que para este Reino uierem, com ordem pera se entregarem em meus almazens. E assy me anisareis se falta alguã peça de artelharia, das que saõ ordenadas e neçessarias· em. cada baluarte e se a poluora está com o resguardo que conuem, ou se por culpa do·s o·ffiçiaes se perdeo, ou danificou alguã cousa, e vereis o Liuro da Reçeita e despesa do almoxerife, e de tudo tirareis folha, -que ajuntareis á dita rellaçaõ, e ordenareis ao dito almoxerife que em cada hii anno mande a conta da poluora, e mais moniçoês que lhe forem entregues, e naõ os contos como ateegora faziam.
E as!y mais mandareis declarado na dita relaçaõ todos os offiçios de minha justiça e de minha fazenda que há nessa dita Ilha ·e quem os serue, e os que estam po·r my prouidose por quanto tempo e assy os que estiuerem vagos, e se seruirem de seruentia, e o que cada hii rende e tem de ordenados. Os offiçios que há da milliçia, e os que cada hii tem de ordenado e se estaõ todos prouidos, e por quem. ~ quanta gente está ordenada a cada hfí dos portos da elita Capitania, e se está tod.a, ou a que falta, e se tem as annas que saõ obrigados. / /
Em Lisboa a noue de Nouembro de 1605. Eu o secretario Pero da Costa o fiz escreuer.
BAL – 51-VII-21  fls. 176-178.
1605/11/15
 CACHEU E ELEVADA À CATEGORIA DE VILA (15-11-1605)
SUMÁRIO - Pelos considerandos expostos el-Rei elevo a povoação de Cacheu à dignidade de vila, com todos os privilégios das vilas do Reino de Portugal.
Dom Phelippe &.a. Faço saber. aos que esta minha carta virem, que hauendo eu respeito ao muito creçimento em que vay o lugar do Porto de Cacheu, çituado junto ao Rio Grande, e do de Saõ Domingos~ da Costa de Guiné, e a estarem nelle edificadas Igrejas, em que se çelebrão os offiçios diuinos, e a ser lugar de grande Pouoaçaõ, em que saõ moradores muitos homens, nobres, ricos, e abastados, e cumprir ao bem cõmum daquelles vassallos, serem de my fauor.ecidos, e acreçentados, por esperar delles, que ao diante me seruiraõ como a isso saõ obrigados, e que se conseruaraõ em pás, justiçae bom gouerno, conforme as minhas leis, e orde·naçoes. //
Por todos estes respeitos, e por outros do seruiço de Deus, e meu. Hey por bem, e me pras por fazerlhe graça, e mercê, de fazer villa ao· dito lugar de Cacheu, com todas as preheminençias, franquezas, priuilegios, graças, e liberdades, que tem, e de que gosaõ, e usaõ as villas deste Reino de Portugal.
E hey por bem, que o dito lugar de Cacheu, se possa chamar, ·e se chame villa, e que os moradores delle em Camara, po·r esta ves somente, façaõ entre sy elleiçaõ dos Juizes, Vereedores, Procurador, e Escriuaõ da Camara, que nella haõ de seruir o primeiro a.nno; e possaõ logo fazer elleiçaõ dos Almotaçeis, para seruir aos mezes na fo11na da o·rdenaçaõ; e nomear .duas pessoas, que siruaõ de Escriuaês do judiçial, e notas, a qu·e por sua nomeaçaõ, mandar.ey por esta ve·s passar cartas em forma dos ditos offíçio·S, em sua vida, os quaes dentro em hii anno tiraraõ suas cartas, pella dita nomeaçaõ da Camara, que lhe mandarey passar; e. pello dito tempo de hü anno hey por bem, que siruaõ os ditos offiçios, e valha o que escreuere, e se lhe dê inteira fee, e credito; a qual elleiçaõ, e nomeaçaõ se fará .em Camara, pellas pessoas da gouemança. //
E mando ao Capitaõ, o Gouernado,r, que hora hé, e aos que ao diante forem na Ilha de Cabo Verde (1),e ás mais justiças, a que q conheçimento desta pertençer, a façaõ inteiramente cumprir, e guardar, como se nella contem, que hey por bem que valha, posto que naõ seja passada pella Chançeleria, se·m embargo da ordenaçaõ, que o contrario dispoem.
(1) Ilha de Santiago.
E esta · se registará na Camara da Cidade de Sanctiago de Cabo V erd·e (2), e no Liuro dos registos da Secretaria das terras Vltramarinas, para que a toçlos seja notorio, que o ouue eu assy por bem. / /
(2)Cidade da Ribeira Grande, chamada hoje a «Cidade Velha>>.
Dada na Cidade de Lisboa, a quinse ·de Nouembro. Françi~co Ferreira a fez. Anno do naçimento de nosso Senhor Jhesus Christo de mil e seis çentos e çinco. E eu o Secretario Pero da Costa a fis screuer. / /
El Rey.
Concorda cõ o Registo, de que o fiz copiar.Marcos Roiz Tinoquo. AHU ____,Guiné, ex. 1.
1606
 Em 1606, no porto de Serra Leoa, o PADRE BALTAZAR BARREIRA batizou alguns lançados e seus filhos. O rei assistiu às cerimônias e se interessou pelo batismo. O padre disse que somente realizaria o sacramento depois que o rei escolhesse apenas uma esposa para se casar e deixasse as outras. O soberano escolheu a filha de um rei vizinho que morava no interior, a qual não aceitou ser catequizada. Ainda assim ela teve que ser batizada e casada no mesmo dia, a contragosto do padre, que somente realizou os sacramentos, instantaneamente, mediante intervenção de outros portugueses: “No princípio não me deixei dobrar, mas ajuntando-se os portugueses me representaram tantos inconvenientes que se podiam seguir se os não baptizasse, que julguei ser vontade de Deus.” Recebeu o nome cristão de D. Filipe Leão.22 No mesmo dia, foram batizados seus filhos e sua irmã.
Data provável do início de FRANCISCO CORREIA DA SILVA no exercício do cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
Existe mesmo a designação de “Capitão de aventureiros” Quando a documentação refere que alguém é capitão duma companhia, há ainda que considerar, as então chamadas “companhias de aventureiros”, de que existem referências desde c. 1606(5). No que a Santiago respeita, devem ter desaparecido, pelo menos com esse nome, na segunda metade do século XVII(6) . Existe mesmo a designação de “Capitão de aventureiros”(7) Tratava-se de tropas organizadas à custa dos que nelas tomavam parte, de cujos serviços esperavam, a seu tempo, recompensa régia.
5 Cfr. 1606 (c.) — ANÓNIMO, Relação, da Costa de Guiné e das capitanias…, in MMA, IV, p. 213. 
6 Cfr. respectivamente as dissertações de licenciatura atrás citadas de Clarisse V. Cardona Ferreira, p. 64 e de Sofia M. de Lima Neves, p. 59.
7 Por ex., em 1621 um “Capitão dos aventureiros em Cabo Verde” 
A primeira oferece uma personalia de cerca de quarenta nomes de comerciantes judeus atuantes em Porto d'Ale e Joala, seus parentes e parceiros cristãos-novos, desde 1606 até 1635
Foram estes “práticos” — isto é, homens conhecedores pela sua experiência do terreno — Bartolomeu André e sobretudo Sebastião Fernandes Cação. O primeiro, mediador dos Jesuítas na Serra Leoa a partir de 1606, numa carta-relatório escrita sob a orientação do Padre Baltasar Barreira, para promover um projecto de colonização da Serra Leoa, refere os mais de sete navios portugueses que anualmente transportavam a cola daquela região para a venderem a “Norte”, aos Mandingas e outras “nações” com grande lucro30.
30 Cfr. Carta de Bartolomeu André a El-Rei de Portugal. Porto do Salvador (Serra Leoa), 20 de Fevereiro de 1606: Arquivo da Casa Cadaval, cód. 987, fls. 509-516, in MMA, IV, pp. 114-125, p. 122. 
A visão oficial veiculava um distrito da Serra Leoa separado do de Cabo Verde, como lê numa relação-síntese das capitanias da África Atlântica (sentido mais alargado de “Costa da Guiné”) produzida c. 1606 pela administração central:
“O destrito desta Capitania [do Cabo Verde] pela costa firme começa no Rio Sanagaa e acaba no rio dos Casses, onde começa a distrito da Serra Leoa” . E noutro passo:
“Mais adiante está o Cabo da Verga e o Rio dos Cosses (sic) onde arremata esta Capitania e começa a da Serra Leoa.”53
No título “Serra Leoa” do manuscrito da Biblioteca da Ajuda da mesma relação, que até aqui se segue, lê-se ainda:
“Do Cabo da Verga onde o Rio dos Casses [sic], começa a Capitania da Serra Leoa, nouamente erigida…”54
53 Relação, da Costa de Guiné, e das capitanias e povoações de Portug[u]ezes que nella ha; com os officios da g[u]erra, justiça e fazenda, e outras cousas pera noticia das dittas partes : B. Ajuda, cód. 51-IX-25, fls. 119-130, in MMA, IV, pp. 210 e 211.
54 Ibidem, in MMA, IV, p. 216. O passo está na fl. 122v. do ms. da Ajuda.
☻ Fica no baira mar destes Jalofos huma casta de negros a que chamão Barbacins, e são gentios, e não tem seita nenhuma de mouro. São grandes guerreiros, boa gente de cavallo e de pé. Fica ingido por cima dos Jalofos, mas não tão belicosos que pelejão muitas vezes com os Jalofos, e hão deles victoria.
Este reino dos Barbacins está repartido em dous reinos: hum chamado o reino do ALE, de que vamos tratando, o qual fica partindo da banda do mar e da banda do Norte com o do Budumel, correndo beiramar a costa até o porto de JOALA, que he onde residem hoje os lançados em huma aldeia que ali está povoada de negros, na qual residem também os nossos debaixo da pprotecção e guarda do Alcaide que o Rei ali tem posto terra sadia, e segura, aonde acodem muitos mantimentos da própria terra; ao longo da qual aldeia entra hum braço de rio pequeno que a vai cingindo por detrás, onde recolhem algumas vezes os lançados as sua embarcações de de lancha que tem para os seus tratos, por temor das nossas galeotas quando lã andão, ou d’alguns vizinhos dailha. E no mesmo rio podem entrar com agoas vivas algumas embarcações d até sessenta moios de carga.
Dali para o Sul vai correndo ainda esta costa até dar entrada de hum rio que ali he chamado o dos Barbacins,que entra pela terra adentro como 25 ou 30 legoas, fazendo por dentro de si algumas pernadas. Ao norte deste rio vai correndo o reino deste rei de que se trata, que he hum reino pequeno, de poucas terras, mas tão bellicoso em guerras que he tido entre os outros por hum dos da fama. Causa isto, alem delle ser muito bom capitão e animoso, o ter as suas terras muito cobertas de mato e bosque cerrado, no qual se mette e delle offende os imigos. O seu conselho de guerra jamais se descobre nem se sabe; porque quando a determina fazer, toma primeiro conselho com os seus para isso deputados, e se mette com elles no bosque que está apegado aos seus paços, e ali fazem huma cova de altura de 3 palmos redonda, e todos os do conselho se poem á roda della com as cabeças baixas olhando nella. Afi praticâo todos sobre se farão guerra ou não, e depois de tudo bem examinado, e a determinação do que hão de fazer tomada, tornão a cobrlr a cova, e diz o Rei: «A terra não ha dedescobrir isto, porque fica enterrado nella». Hã.os do conselho tamanho medo de descobrir o que alli passãoque jamais se sabe; e desta maneira nunca commetteo cousa que não sahisse bem nella, sendo hum rei de pouca posse, que quando muito não terá 40 legoas de terra.
Ao reino deste sohião ir muitas armasções dos rnoradore do Cabo Verde com cavallos, levando as mesmas mercadorias que atraz fica dito que levavão á terra dos Jalofos, porque as mesmas se trazem  a estas dos Barbacins, que tirando falar diferente lingoa dos Jalofos, (e posto que se entendão huns aos outros) no mais não ha diflerença nos vestidos nem nas armas.
Fica o reinado deste rei correndo pelo rio acima da banda do Norte, onde tem alguns portos e onde ha poços d'agoa e aldeias perto; como he o Porto da Palmeirinha, o de Gomar, o de Guindim que he o derradeiro deste Rei, e fica perto da sua corte que se chama Jagão, que he o mais fortedo seu reino. Este Rei fazia muito bom pagamento aos nossos,que deixarão hoje este resgate por causa dos lnglezes, e habitarem na terra desta os lançados que adquirem os despachos aos imigos.
1606/01/12
 FRANCISCO CORREIA DA SILVA - Capitão e Governador-geral de Cabo Verde desde 12 de Janeiro de 1606.Em 1607, o governador queixa-se para Lisboa que parecia que os holandeses se queriam mesmo ali instalar em definitivo, como ponto de apoio para as suas armadas com destino ao Brasil, embora depois, não se volte a tocar no assunto.Foi no seu Governo que chegaram os três primeiros Jesuitas, BALTHAZAR BARREIRA, MANOEL E BARROS e MANUEL FERNANDES.
1606/03/12
 Luiz Alvares de Nóbrega - bacharel, provido ouvidor por carta de 12 de Março de 1606. O seu ordenado foi baixado para 200$000 réis por ano.
1606/03/31
 CARTA RÉGIA SOBRE A SERRA LEOA (31-3-1606)
SUMÁRIO - Aptova o conteúdo das cartas do Rei de Biguba Baltasar Barreira e Sebastião Cação mandando-as despachar - Mercê a fazer a Sebastião Fernandes Cação.
Em carta de S. M. de 31 de Março de 1606 Vy huã consulta do Conselho da Jndia sobre o que escreueraõ El Rey de Biguba, e Baltezar Barreira, religioso da Companhia, e Sebastiaõ Fernandez Cação, e hey por bem bem de aprouar o que nella se contem; e que na mesma conformidade, se lancem logo os despachos neçessarios, e ·me uenhaõ a assjnar; e porque, segundo o que nesta consulta se diz do dito Sebastiaõ Fernandez, hé sua assistençia naquelas partes de importançia a meu seruiço, se acrecentará na .carta, que se lhe escreuer, que 1erey lembrança de lhe fazer merçê, e · com este intento uos encomendo, que uos informeis da calidade deste home.
1606/08/00
 A correspondência do Padre Baltasar Barreira, superior da missão jesuíta inaugurada em 1604, procura esclarecer essa ambiguidade. No tocante à Guiné e a Cabo Verde dos inícios do século XVII, Barreira constitui uma figura marcante da sua História luso-africana e em particular, para o que aqui mais interessa, da resultante produção textual.
Comecemos pela conhecida carta em que descreve o arquipélago e a costa da Guiné, de Agosto de 1606. Tinha chegado à região há dois anos atrás e só então considerava estar em condições (1) de responder às questões colocadas em Julho de 1604, também por via epistolar, pelo padre Assistente do Geral em Roma. A primeira e mais geral resultava de uma dúvida de terminologia geográfica que era a base de todo o conhecimento sobre a região: "…que cousa hé este Cabouerde, quanto ás Ilhas, e quanto á terra firme…"; a que responde logo, linhas adiante: “Começando pois pello Cabouerde, que hé a primeira cousa que V. R. me pergunta, este nome hé proprio de hum grande promontorio desta Costa e parte de Africa, a que os Portugueses chamaõ Guiné, por rasam do qual as Ilhas que estam de fronte delle nouenta ou cem legoas ao Sueste, se chamaõ do Cabouerde. E porque a de Santiago hé cabeça de todas, e assento da Igreja Catedral deste bispado e dos Gouernadores e da feitoria destas partes, e a ella uem demandar os nauios dessas partes, e os que saem de Guiné com escrauos e outras mercadorias, o vulgo lhe veo a chamar Cabouerde.”
Mais à frente, ao iniciar a descrição da costa, reflecte — apesar da ambiguidade da preposição “até” — um ponto de vista cabo-verdiano e em geral dos Portugueses que conheciam bem a região (seus informadores), ao esclarecer: "Esta parte de Africa que os Portugueses propriamente chamaõ Guiné começa no Rio Çenagá e corre pella costa té o Cabo Ledo ou Serra Lyoa…" (2)
Pela mesma altura, num também conhecido documento sobre a escravatura, retoma a correspondência semântica Guiné-Cabo Verde: "O que em geral se pode diser por parte dos negros que neste Guiné, chamado Cabouerde, se uendem e compram…" (3)
(1)Mas, note-se, usufruindo das informações do que chama “pessoas fidedignas” com muitos anos de contacto directo com a costa. 
(2)Estas frases são directamente inspiradas em André Álvares de Almada. Pe. Baltasar Barreira, Reposta [sic] a huã carta que o Padre João Alvares Assistente da Provincia de Portugal em Roma escreveo ao Padre Balthazar Barreyra aos 24 de Julho de 1604 em que lhe pregunta alguãs cousas de Guiné. Serra Leoa, Porto de S. Miguel, 1 de Agosto de 1606: ANTT, Cartório dos Jesuítas, maço 68, nº 119 e com o título de Relação da Costa de Guiné começando do Cabo Verde ate a Serra Leoa pelo Padre Baltesar Barreira estando na dita Serra em Agosto de 606 acrecentada por pessoa que esteve naquelas partes muitos annos : RAHM, Jesuitas, t. 185, nº [15]. O primeiro passo foi suprimido no ms. da RAHM. No segundo passo “a Sueste” está ausente da carta inicialmente escrita (Cfr. ms. ANTT, fl. [1] ), tratando-se dum acrescento do ms. da RAHM, fl. [1]. MMA, IV, pp. 159-173, pp. 159 e 162.
(3) Pe. Baltasar Barreira, Dos escravos que saem das partes de Guiné a que chamão Cabo Verde. [Serra Leoa]
1606/12/22
 Renúncia, junto da Santa Sé, de D.FREI PEDRO BRANDÃO do seu cargo de bispo da diocese de Cabo Verde
Ao cabo de longos annos de ausencia do bispado, lembrou-se o bispo D. Fr. Pedro Brandão de renunciar o lugar, apresentando como razão para a renuncia, que lhe eram mui nocivos os ares da ilha de S. Thiago.
Quasi no fim de 14 annos de ausencia do bispado, recebendo os vencimentos e emolumentos, é que se lembrou de que a sua diocese era insalubre.
Vivia já ricamente na sua casa em Telheiras.
Tambem citava como razão da sua renuncia o receio que tinha de ser maltratado por alguns de quem confessava que lhe tinham odio.
1607
SIMÃO RODRIGUES D’ÉVORA, cristão-novo, natural de Antuérpia, está em Portudal até 1632. Tem outras acitidades em Amestardão e Lisboa.
Em 1607, o PADRE BALTAZAR BARREIRA pediu ao Provincial da Companhia “dois sacerdotes de vida exemplar” para ter mais tempo de cuidar da vida espiritual da população e poder atuar como vigário-geral, independentemente do Bispado de Cabo Verde, que tinha jurisdição secular e eclesiástica na Guiné e pouca atenção dava ao continente. No entanto, o próprio Padre Baltazar Barreira participava do tráfico: A experiência me tem mostrado que nem na Ilha nem cá podemos viver sem escravos. E assim sou forçado comprar alguns, mas sou de parecer, se V.R. o houver assim por bem, que aos que comprarmos limitemos alguns anos em que nos sirvam e lhe declaremos, que se naqueles anos nos servirem bem, ou fazendo o que não devem, os venderemos.
D. LUÍS DE MIRANDA foi eleito bispo de Cabo Verde em 1607, tendo ido para Ribeira Grande em 1609. Faleceu um mês depois de chegar ao bispado.
1607/04/20
 CARTA DE SEBASTIÃO FERNANDES CAÇÃO A EL-REI D. FILIPE II (20-4-1607)
SUMARIO- Propõe a construção de uma fortaleza em Cacheu para defesa do trato e dos habitantes contra os Biiagós e os piratas- Perspectivas materiais e espirituais.
Senhor
Diz o Capitaõ Sebastiaõ Fernandez Casaõ (1), caualeiro do àbito de Christo,· rezidente nesta corte, que elle serue a V .. Magestade há mais de 40 annos, assistindo em os Riosde Cabo Verde, e pela muita experiençia que tem das ditas partes, diz que conuem muito á fazenda de V. Magestade fazersse huã força (2) em os Rios de S. Domingos, porto de Cacheo, onde· está· a feitoria e se despachaõ os nauios de Portugal e de todas as mais partes, por ser o dito· porto mais acomodado para se conçertarem e tirarem. a monte os ditos nauios, alem do que será de muito proueito para os moradores da terra e se poderaõ defender dos enemigos françezes e framengos, e assi lhe naõ faraõ dano os Bigagogos (3), os quais tem destruido doze Reinos, que ora estaõ despouoados, e os que estaõ retirados pela terra dentro se uiraõ amparar hà ditafortaleza, a qual se pode fazer com muito pouco custo, e· fica em parte onde os mãtimentos saõ muy baratos, e por esta maneira se poderá · sustentar o dito contrato e se escuzaõ reparos de pao, que de continuo se fazem, e ficará euitando os assaltos que os Bigagogos (3) de continuo fazem, queimando as cazas e nouidades; e com o dito forte se asigura e se tomará a pouoar, e ficará V. Magestade escuzando o guasto da artilharia, que suposto que há mais de trinta peças de bronze que alcançem e varegeni os nauios dos enemigos, ficará este porto muito seguro e naõ se acabará de perder o dito contrato. Como leal vasallo dou este auizo a v.· Magestade, por entender que conuem ao seruiço de Deus e.bem da fazenda de V. Magestade.
Haciendose la fortaleça· como digo, ·y yendo Padres dela Compa:fiia, se haran muchos Christianos y los Reynos que estan al rededor hara.n lo mismo, que es gente que recibirámui bien el Santo Euangelio, por ser gentiles y no adorar outra cosa que paios y piedras y tener buen natural.
Será para la hacienda de V. Magestad de gran aumento y principalmente se sabrá en la verdad los negros que salen de Guinea, lo que asta hora no se ha sabido, por despacharsse e.orno se quiere y vitarse muc~os, y con la dicha fortaleça se euitará esto, porque dentro da la dicha fortaleça se contaran el numero cierto de lo· que cada .uno saca, que le será a Su Ma.gestad de muy gran probecho.
Tambien las naos y ·nauios que· estan en· aquel puerto que uan a haser las annaciones, estaran seguras. deuajo del amparo de esta fuerça, de muchos enemigos que las han lleuado dei dicho puerto y robado.
Las naos que alli hasen sus armaciones, compran y alquilan casas de paja para tener sus esclauos en tierra y poderles dar de comer, y sustentar y paga cada nao de estas de alquiler mil crusados, del balor de la moneda que alli corre (que no es buena) en las Indias en plata; por el ·tiempo que hase la· dicha armacion. Y con. }a. ·dicha fortalesa, que tendrá sus almacenes dentro, estaran seguros -los· negros de los enemigos, y de muchas ueses que se han qttemado por ·ser como estã dietro las . casas de paja,. ·. y. los dichos armadores tendran por bien de ·dar este dinero y mas por. tener· en ella seguros sus esclabos y haciendas.
Ansi mismo en la· Jsla de Santiago, por ser Jsla se há acontecido muchas ueses no llouer y hauer en ella gran_hambre,.la han ·desamparado sus moradores, y uan a esto puertó ·que ay tierra firme, y abiendo en el fortaleça no ay duda sino que será un gran lugar, por auer en el mucho mantenimiento.
Tambien el dia que los portugueses supieren que Su Magestad pane los ojos en aquella tierra y hace fortaleça, se descubriran minas de oro y plata, que los negros diceri las ay, Y por no hauer quien quiera entrar a buscarlas, solo negros, que es el trato en que se ocupan por se rescate.
.Ay mucha cera y mucho marfil en gran cantidad, y de todo ello gosan los enemigos, franceses, flamencos, jngleses y.judios, que bienen alli de Olanda, los quales tienen casas puestas en el puerto de Dalli que es un puerto de Cabouerde, lo qual es de gra.n desserb:cio de Dios y de su Magestad.
Ay tambien una Sierra de Christal, que se quisieren sacar della podran cargar muchas naos del.
Y estando la dicha · força hecha, quando Su Magestad mande se ariende el contrato, daran mucho mas dinero ·por el, por tener seguros sus factores y haciendas. Otras muchas cosas ay que con la dicha fuerça . se seguiran, que le seran a Su Magestad de gran prouecho.
ARHM - /?apeles de J esititas, ms. 185. .
NOTA - Embora não datado, o documento pode sê-lo no dia 20-4-1607 e cremos fazer corpo com os documentos desta data versando os mesmos problemas.
(1) Sebastião Fernandes Cação vendeu uma casa forte ao capitão de Cacheu, Baltasar Pereira de Castelo Branco, que teve carta patente do cargo em 4-4-1615 ATT--Chancelaria de D. Filipe II, liv. 33, fl. 224). Cfr § 4.0 do Regimento dado a João Carneiro Fid~lgo, de 15-1-1650, em Bolletim do Conselho Ultf'amarino, Lisboa, 1867, vol. 1:p. 264.
(2)Fortaleza.
(3) Bijagós.
CARTA ·DE SEBASTIÃO FERNANDES CAÇÃO A EL-REI D. FILIP:E II(20-4-1607)
SUMÁRIO - Pede a. el-Rei que atenda os pedidos de socorro dos Reis da Serra Leoa contra os Bijagós, para bem da sua conversão ao Cristianismo e conservarem seus estados.
[Senhor]
Acrecentaõ as mércês de V. Real Magestade animo a quem, posto que o naõ tem pequeno· pera fazer seruiços, que po.r cousa poll:ca tenho soo huã uida e tiuera em mercê do Senhor naõ faltarem muitas pera todas empregar cõ muita fee lealdade em seruiço de v·. Magestade e de essa Real Coroa, como sempre deseje.i, e naõ s~ agora, mas em tempq_ [do] christianissimo e inuictissimo Rej . Dom. Philipe, pay – de V. Magestade, que Deus tem, por cujo mandado uim a este Guiné, gastando em seruiço seu dous annos, depois de o ter feito outros mais; co~fio e tenho muito serta.S esperanças, que por este que se offerece dos Bijagós e outros que se offerecerem, porá V. Magestade em mim os olhos fauorecendo estes desejos tam antigos. E cõ este fauor que na ocasiaõ presente peço, será V. Magestade de mim seruido já cõ obras. //
V. Magestade me anisa na sua, escrita a 12 de Agosto de 6()5 (1), inforn1e do que for necessario pera seu semiço; foi auiso este em que interessa muito o Rej de Bigubá e outrosde nouo escrevê :a V. Magestade pedindolhe os fauoreça contra os Bijagós (2), que tudo uaõ acabando, assi pera bem de sere christaõs, como pera serem conseruados em seus Rejnos.A mim me parece ser cousa de muita importancia acodirlhes V. Magestade com breuidade, porque naõ sendo assi corre muito risco faltarlhes o principal, e que a catholica pessoa de V. Magestade tanto deseja,· como hé ser esta gentilidade catechizada para effeito de receberem nossa santa fee, cousa que estes Reis cõ muita instancia pedê, e assi o requereraõ aos Padres da Companhia, que V. Magestade tem mandado a estas partes, o que elles lhe naõ querem conceder · pelo aperto em que estaõ. E ainda que lhes parece permetir Deus estas necessidades pera que hü bem tam grande fique, cõ tudo importa pera o ficar mais, o fauor de V. M~gestade·. Este fico esperando. / / .
E porque o Padre da Companhia que vaj á instancia destes Reis, dará a V. Magestade mais larga relaçaõ, como quem sa.be das cousas destes · Rejnos e do que importa ao seruiço de Deus e de V. Magestade; nos apontamentos informo a V. Magestade (3 ) do que me manda, cuja real pessoa O' Senhor guarde pera augmento da cristandade. / /
De Guinela ( sic), 20 d' Abril de 1607. / / -Sebastiaõ Femandez Caçaõ.
ARSI - Lits. 1 cód. 7 4 > fls. 80-80 v.
(1) Documento que desconhecemos
(2    )Cfr. documentos de 20 e 24 de Abril de 1607
         (3)Cfr. documento seguinte,. a que damos a data. deste.
CARTA DE SEBASTIÃO FERNANPES CAÇÃO A EL-REI D. FILIPE II (20-4-1607)
SUMÁRIO - Reis que pedem socorro ao Rei de Portugal contra os Bijagós e que desejam fazer-se cristãos - Conquista das Ilhas dos Bijagós - Oferta de uma botija de cola e importância económica deste produto.
Primeiramente, para o bom sucesso da cristandade nestas partes, no que toca ao espiritual hé de muita conssolaçaõ para todos a [ e)leiçaõ que V. Magestade tem feito dos Padres da Companhia de Jesv, por serem Religiosos de grande virtude e exemplo, que hé o que mais rende e affeiço·a esta ·gentilidade a nossa santa fee. E muito mais u~i;ido que naõ aceitaõ na-da do que se lhe oferece. Os Reys que depois da uinda dos Padres neste março de 6<11, se querem fazer christaõs saõ dous, primeiramente o de Guinela (1), o outro hé o Rej de Bisege; o de Bigubá estiuera christaõ, porem naõ o estar foi por naõ ter ocasiaõ, que bem o deseja.
O Rej de Bigubá, a quem V. Magestade respondeo a ·huã sua (2), tem quatro rejnos debaixo de seu poder. ·
O Rej de Guinella (1) tem sette Rejs de barrette debaixo de seu dominio.
( 1) Este vocábulo encontra-se mais geralmente grafado : Guinala ou Guinalá
O Rej de Bisege tem cinco rejnos de seu domin!o; estes Rejs confinaõ suas terras huãs· cõ outras, e o que as deuide saõ tres Ryos que· -das. ylhas dos Bijagós entraõ por estestres Rejnos acima. E destes Rejnos saem muitos braços e esteiros por onde ficaõ os ditos Rejnos tam sogeitos a estes Bijagós, que cõ suas embarcaçoes, por serem ligeiras, entraõ por · onde querem e de noite fazem seus assaltos, e hé esta naçaõ tam cruel, que pera segurarem sua presa escolhem pera isso tempo mais acomodado, que hé a;lta noite, quando estaõ mais repousados, perá o que tem suas espias, e sendo por ellas anisados, entraõ pondo fogo nas aldeas, matando os que saem das casas, se resistem, finalmente ou mortos 9u uiuos naõ - escapa.o.N aõ deixe V. Magestade de dar socorro a estes Reis por lhe parecer cousa _ d.e pouca impo·rtancia, porque EIRej D. Ioaõ 3.0 fez mercê ·das Ilhas dos Bijagós ao Jffãte Dom Luis (8 ), e. fazendo pera as conquistas huã grossa annada, uindo pola Ilha de S. Thiago do Cabouerde, onde se proueo de mais gente, por ser custumada a mais má uida, e ·chegando ás· ditas Ilhas fo1maraõ campo e mete·ndosse polos matos cõ cubiça ·de captiuar, deraõ sobre elles, e por lhe ·faltar experiencia mataraõ a todos e por esta causa naõ ·-foraõ conquistadas.
Per onde pondo V. Magesta.de agora. os olhos nisto, e no pouco que hade custar, porque 0s Reis que se querem fazer christaõs daõ os seus vassalos, ficará tudo conquistado e as Ilhas pera V. Magestade ou pera quem for seruido.
Saõ estas Ilhas 17, muito abundantes de varios mantimentos, frescas po·r causa dos ar.uoredos e ribeiras de agoas, e pela terra déntro muita uariedade de gado; nas praias se acha .(4 ) os mais dos annos muito ambar e por estes gêtios o naõ conhecere o toma a leuar o mar; saõ finalmente taes que os prop[rJios gentió·s sem ·as cultiuarem se sustentaõ, por causa da fertilida:de.Sendo V. Magestade seruido e á.uendo por bem mandar este socorro, uindo em nauios possantes e bem artelhados, pode uir po-r Cabouerde e Angta de Bezeguiche, e correndo a costa até o Cabo Roxo, onde de outubro por diante estaõ nauios de frances·es, . framengos, . olandeses, carregados·. r de ferro·· e· outras mercadorfas, naõ· deixando de ·fazer as presas que podem, -p~lo que uindo por esta· uia o socorro, alimpará a costa e será de proueito pera a real fazenda de V. Magestade, que saõ nauios de muita importancia.
O Padre Pedro Fernandez da Companhia. de Jesv leua huã botija (5) de colla, que por yr mais conseruada uai em botija {5), a qual hé huã fruita de tanta estima pera ·toda ~-a mourama de Cos[n]tantinopla e Mar[r]ocos, que a uem buscar por terra e ual muito dinheiro entre elles, e tem tanta fee o Mouro e Turco nesta frota, que quando uaõ á guerra comem o povo dela, porque fresca e naõ. achaõ e tem pera si que lhes dá ta·nto animo que ymaginaõ lhes naõ pode uir mal. E hé tanto assi que depois de se saudarem pola manhã dizem,. Se tu comeste colla bafeja me por que oje naõ tenha mal. E visto ser isto assi, pareceo me que inforn1andosse V. Magestade dos Embaixadores de Berberia, pode mandar cada hu anno dous nauios desta fruita a Berberia pera resgate dos catiuos; que será muito mais barato e facil o resgatte, e naõ. Será necessa.rio leuar ouro nê pratta pera este effeito.
Sebastiaõ Fernandez Caçaõ.
ARSI - Lus., cód. 74, fls. 80 v.-81 v.
NOTA - Não está datado o documento, mas é, de toda a certeza, de 20-4-1607.
No original: botiga.
(3) Cfr. Monumenta Missionaria Africana,, II ; . serie, vol. II, pp. 226 e 263.
(4) No original : achaõ.
1607/05/00
 INFORMAÇÃO ACERCA DAS COISAS DA GUINÉ (Maio - 1607)
SUMÁRIO - Eriformaçaõ de alguãs cousas de Guiné e da disposição que alli há pera a conuerssaõ daquella gentilidade e dillataçaõ de nossa santa fee catolica, tirada de alguãs cartas do Padre Manoel Aluares, da Companhia de Jesv e de Gaspar Gonçalues Pe-ryeira, vesitador daqitellas partes de Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, Capitaõ do Ryo Grande, escritas em Mayo de 607.
Por · ordem de sua Magestade partiraõ deste porto de Lisboa, em feuereiro de 607, os Padres Manoel d' Almeida, Manoel Aluares e Pedro Netto, em missaõ pera o Cabouerde e Costa de Guiné; chegaraõ á Ilha de S. Tiago em breues dias, e ficando ay os Padres l\tlanoel d' Almeida e Pedro Netto, o Padre Manoel Aluares e o jrmaõ Pedro Fernandez se partiraõ a 8 de Março na uolta da Serra Lyoa, pera se yrem ajuntar cõ o Padre Baltesar Barreira, que laa andaua soo. / /
Chegando á Costa de (iuiné, o primeiro porto que tomaraõ foj o de Bisao, onde residem algüs Portugueses e hii Rej, que desejando já dantes ser christaõ, desdo tempo . que aliesteue o Padre Baltesar Barreira, uendo agora os Padres que de nouo yaõ, cõ muito aluoroço lhe pedio o. santo Baptismo; mas co·mo este negocio pede muita consideraçaõ, conssolando o o Padre o melhor que pode, dandolhe esperança de a seu tempo lhe ·satisfazer seus desejos, passou adiante, ao porto de Santa Cruz, no Rejno -de Guinalá, no Rio Grande; aqui foraõ recebidos, assim do Capitaõ Sebastiaõ Fernandez Caçaõ e mais Portugueses, como do Rej e toda sua gente cõ tanta festa e allegria, .como se foraõ uindos do ceo .. /,!
E assi começando os Padres a exercitar seu officio, foi N. Senhor obrando tanto nos corações daquella gente que naõ passaraõ muitos dias que o Rej cõ todos os seus pediraõ o santo Baptismo cõ tanta instancia que naõ se podia mais desejar. Naõ parec.eo bem aos Padres condescender logo cõ elles, po·r rezões granes e de muita consideraçaõ que pera isso auia, mas contentaraõ se cõ os catequizar e declarar as condições cõ que auiaõ de receber o santo Bautismo. E entre ellas foi huã de naõ auerem de vsar de huã ceremonia gentílica que o diabo tem entre elles tam grãdemente autorizada,.pola fundar em rezaõ de estado e honrra mundana, que hé na morte de algü Rej, Rajnha, ou nobre, matarem por honrra muita gente de sua obrigaçaõ .. E pera abrogarem esta ceremonia fez o Rej huãs como Cortes e nellas huã ley em que prohibio naõ se usasse mais (1) tal ceremonia naquelle Rejno que· pera quem tem noticia das cousas de Guiné e de quai:narreigada esta crueldade está naqueles Rejnos, com pretexto de honrra, naõ deixará de estimar em muito ter este Rej chegado a isto. E assi o festejaraõ e estimaraõ os Portugueses quanto se pode encarecer..
Alem deste Rej de Guinalá e do de Bisege, pede_ também com grande instancia o sagrado Baptismo o Rej de Bigubá,.vezinho a este de Guinalá. ~ cada hii destes .Rejs tem outros debaixo de seu poder. //
O de Bisege (2) tem. cinco Rejs que lhe estaõ sogeitos,.o de Bigubá tem tres, o de Guinalá tem sette; todos estes três Rejs escreuem a sua Magestade {3) cada hii perssi.
(1) Entenda-se : ordenou não se usasse mais.
(2) No original: Bisage.
(3) Cfr. documentos {le 20 e 24 de Abril e 1 de Maio de 1607·
A ocasiaõ .que ouue pera estes tres. Rejs pedirem o sagrado Baptismo, allem da noticia que de nossa santa fee lhe tinha
dado o Padre Baltesar Barreira e os Portugueses que estaõ nas suas terras, foj tambem, de proximo, ·o aperto em que os poem huã naçaõ de negros por nome Bijagós, que d' alguns annos a esta parte se tem leuantado e uaõ fazendo tam cma guerra a todos aquelles Rejs comarcaõs, que onde chegaõ e entraõ, tudo queimaõ e assolam, matando e catiuando os que podem cõ estranha ferocidade, procurando juntamente de auer ás maõs os Portugueses e os extinguirem e . fazerem sair de todo Guiné.·//.
Pelo que todos estes tres Rejs e outros senhores uezinhos se ajuntarão e uieraõ pedir aos Pad·res quisesse uir hii deles a Portugal em nome de todos e trazer hü filho de cada hii como embaixador, pera que lançados aos pees de sua Magestade lhe pedirem aja delles misericordia e lhe queira mandar algü socorro, contra estes ymigos, pera que liures. delles se possaõ fazer christaõs cõ todos seus vassalos, e ficar d~baixo de ·sua protecçaõ. _Naõ ~receo aos Padres, por justos respeitos, ser necessario que uiessem cá os filhos destes Rejs, por escusarem gastos a sua Magestade, mas de parecer de todos se julgou que uiesse hü Jrmaõ da Companhia trazer estas cartas e recados.
O socorro que julgaõ ser sufficiente saõ até quinhentos homês. ,O custo pera este socorro, que será muito pouco, mas o proueito e effeito ~elle pera esta Coroa de muito grande momento, 'e de muito maior pera a conuerssaõ de to·da aquella gintilidade.
A causa por que naõ será de muito custo o socorro senaõ até lá chegar, hé por que tanto que lá forem e se ajuntarem cõ a gente de Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, Capitaõ do Rio Grande, e. cõ .a destes tres Reis, que hé muita, naõ .terá mais que fazer custo a sua Magestade, porque as terras dos negros ymigos que haõ de conquistar sam tam fertiles e ricas de todos os mantimentos, que os n1esmos moradores e negros que nellas habitaõ naõ tem necessidade de· as cultiuar cõ industria, porque ellas de sua natureza lhe· da·õ todo o necessario em muita abundancia, só s·emeaõ algfí milho.
Está.s terras em que habitaõ estes negros Bijagós (4) saõ principalmente as Ilhas que estaõ ao longo da Costa de Guiné e Serra Lyoa, que saõ per todas 17, fertilissimas em grande maneira. E daqui saem os Bijagós e entraõ pelos Ryos do sertam · (que todo está retalhado delles) em suas almadias e fazem crua guerra a todos aquelles Rejs.. E como suas annas n.aõ saõ mais que ·zagunchos de remesso, au·endo espingardas da parte da nossa· gente, juntamente cõ as frechas do.s negros, será fácil destruilos e tomarlhes as Ilhas, que sua Magestade poderá destribuir por quem lhe parece·r, que allem da fertilidade ·que tem de sua natureza e abundancia de gado e fruitas, e de todos os mais mantimentos da.quellas partes, ·se poderaõ fazer nellas muitos engenhos de açucares, que pola grossura da terra, infinidade de amoredo, agoas e mais comodidade que tem pera isso, seraõ pera a fazenda de sua Magestade o proueito e rendimento que se deixa uer, afora os bens que· se tiraõ da ·conuerssaõ da gente da terra, de se impedir· a nauegaçaõ dos estrangeiros e comercio que tem pera aquellas partes, donde leuaõ muito ouro e ambar, e outras cousas,. Ficando tudo pera os Portugueses ..
Sebastiaõ Fernandez Caçaõ se offerece, indo este socorro, pera armar á sua custa tee. dez mil homês, cõ os quaes e cõ a gente dos tres Rejs e mais Senhores vezinhos, que também querem ajudar, se fará guerra aos Bijagós (4) e o que tomarem tudo ficará sogeito á Coroa deste Rejno, repartindo sua Magestade as terras aos conqu:stadores como lhe parecer  Auendo de yr de cá este socorro, hé necessario que uá em nauios aparelhados e artelhados e que demandem o
(4 )No original: Bisagas.
Cabouerde e Angra de Bisiguiche e dahi uá correndo a costa tee o Cabo Roxo, onde de outubro por diante estaõ ordinariamente franceses, framengos e olandeses carregando de ferro e outras mercadorias, e cõ isto naõ deixaraõ de fazer o mal que podem, pelo que indo este socorro por estas partes; alimpará tambem a costa, que será de grãde proueito pera a fazenda de sua Magestade. //
E naõ se podendo auiar este socorro pera partir daqui em outubro, se pode fazer atee todo o Dezembro, de maneira que cheguem laa a tempo que descanssados da uiagê possaõ pelejar em Março, Abril, Mayo, Junho, que hé o tempo acomodado pera isso.
Importa tambem yr este socorro, porque como estes Rejs e Senhores gentios cõ sua gente tem grande conceito do muito poder de sua Magestade, fidelidade e uerdade dos Portugueses, e esta ser hiia qas causas por que assi abraçaõ, amaõ e desejaõ receber nossa santa fee, á huã polas cousas de sua saluaçaõ, que os Padres da Companhia lhe enssinaõ, á outra polas esperanças que tem na proteiçaõ de sua Magestade, que por ser tam poderoso Rej o·s fauorecerá e conseruará em sua paz, e as·si lho dizem os Portugueses. Se este socorro lhe faltar hé de temer que se esfriem no feruor que tem de se fazerem christaõs e deçaõ muito do· alto conceito que tem de sua Magestade e dos Portugueses, e se presuadam que tudo o que os Padres e Portugueses lhe dizem hé falsso, e que naõ pretendem mais que enganalos, e naõ se fiaraõ dos Portugueses, antes se retiraraõ, se naõ for mais .. E o mesmo se pode temer dosmais reis vizinhos. //
E indolhes este socorro, se grande conceito tem do poder, fauor e emparo -de sua Mlagestade e dos Portugueses, muito mais o teraõ uendo· o por experiencia e ficaraõ mais certificados disso. E seruirá tambem pera sempre conseruarê a sogeiçaõ que deuem a sua Magestade e temerem que faltando nella ou em outra cousa, sejaõ castigados· de sua Magestade cõ a facilidade cõ que os socorre e ajuda.
E tambem aproueitará muito pera os outros Rejs uezinhos que estaõ pela costa adiante, a cuja noticia este socorro chegar, se sogeitarem com facelidade e de boa uontade, porque na verdadehé obra esta que muito mouerá a estes Rejs e os sogeitrá a sua Magestade ..
ARSI - Lus., cód. 74, fls. 81 v.-83 v.
RELAÇÃO DAS COISAS DA GUINÉ (Maio -1607)
SUMÁRIO- Rellaçaõ de alguãs cousas de Guiné e das portas que alli se uaõ abrindo para nouas converssoês. tirada das cartas ·do P. Manoel Alvaresda Companhia de ]esv e de outras de Sebastiaõ Fernandez Caçaõ escritas do Rjo Grande em Mayo de 607.
Depois que os Padres e mais passageiros se partiraõ do Cabouerde andaraõ oyto ou noue dias perdidos sem o piloto nê mestre do nauio, sem saberem em que altura estauaõ, cousa que a todos causou grande fastio, e sem duuida pereceraõ se mais durara, polas grandes necessidades que sobreuieraõ e a mayor que tinhaõ era nauegar entre baixos e entre os bárbaros Bijagós, os mais crueis que· naquellas partes há, guerreiros e ferçosos. e que pretendem pôr fogo a tudo, como fizeraõ no Rejno de Bigobá, onde depois de porem o fogo a tudo mataram a· hiis que estauaõ presos, cortandolhes a cabeça per os naõ poderê leuar catiuos e lhes leuare as cadeas. / /
Vendose nestes perigos recorreraõ à Virgem N. Senhora, rezandolhe suas ledainhas e tirando os santos a que cada hü tinha mais ·deuaçaõ, logo se poseraõ em direitura, cõsolando a todos o bom sucesso e festejando a mercê que Deus lhe fizera por meo da V. N. Senhora e de seus santos, a que tambem rezauam as suas ·ledainhas todas as tardes. E . assi tomaraõ os portos necessarios e nelles cozμecamo a tratar do bem espiritual de todos, e ouue os desejos que ficaõ ·apontados, que saõ de muita estima em tal gente. E pera · que se ueja a cegueira e miseria em que esta pobre gente estaa e se lhe acuda cõ o remedio corporal e espiritual, relataremos aqui que cousa hé a ceremonia dos chinas, pera que os de nossa Companhia tenhaõ compaixaõ de tam miserauel estado e lhe acudaõ, e sua real · Magestade · e os do Conselho ajudem e fauoreçaõ esta pobre e desemparada gente.
Duas chinas tem a gentilidade daquellas partes, a primeira e principal hé o Deus que adoraõ e que elles dizem governar seus Rejnos; a este chamaõ china como nós a Deus N. Senhor chamamos ·nosso Deus. E assi quando elles .vem nossas ymagês de Christq ou . de nosa $erihora, dizem que hé china dos crhistaõs, quero dizer Deus dos christaõs. A esta china tem em muita ueneraçaõ, ne fazem cousa sem seu conselho e nella falia o diabo quando a trazem a publico em seus juizos ou se jura nelles por ella, ou se hade determinar ou acabar alguã cousa no Rejno que há ou naõ hade aúer nelle dalli por diante. A forma desta china hé a seguinte. Tomaõ muitos paos, cada· hu de palmo e .meo, todos muito pretos per razaõ da variedade dos licores que laçaõ em hus uasos que tem dentro, como sangue de diuersos animaes; os uasos saõ huãs panelinhas, entre as quaes tem pontas de cabras; destes paos sé faz hõ feixe que se parece cõ hil cepo de talhar carne, de altura de palmo e meo. Estaõ ·pendurados des~a china por. Huãs cordinhas delgadas ·duas caueiras de cachor[r]os. ·Este hé o Deos que esta gente venera e mete no coraçaõ / /
Confesso que· quando uimos hu Rey gentio de tanta majestade como hé o de Guinalá, assentado a seu .modo, guardando as suas. regras de primor sem perder ponto, e a Rainha e fidalgos, naõ tendo em que pôr os· olhos por falta de doutrina e fauores deste Rejno, senaõ ·na intiençaõ que ·digo, traçada pelo diabo,. que parece hã retrato do inferno, causou em nós um grande aballo que o naõ posso déclarar. Estando  ElRej e afidálguia toda junta: pera tomar a resoluaõ e cessar esta ceremonia das chinas: depois de mandar urna china disse ElRej que· queria se· acabasse a ceremonia das chinas, contanto que se auiaõ de fazer amigos dous homes, que auia .muito tempo que o naõ eraõ. Ouuindo elles isto se fizeraõ amigos cõ o que o Rej e gouemador mostraraõ muito gosto. //
E assi em cinco dias de Abril se alcançou esta uictoria do ymigo, que entendemos será principio de outras muitas, trazendo muito cedo Deos N.. Senhor esta gentilidade ao  uerdadeiro conhecimento seu. Eassi ally diãte a china juraraõ de naõ auer nem se usar mais a ceremonia ·das .chinas, como já disse, a qual ceremonia hé a seguinte.
Quando morre ElRej, Rajnha, fidalgos e mais gente cada hü conforme a sua posse e estado mandaõ matar consigo pera o seruirem na outra uida aquelles que mais amauaõ nesta, assi homês como molheres, e destes aquelles que a natureza mais dotou de partes naturaes, como fennosura, fortaleza, ettc. E os Padres uiraõ alguãs pessoas que causauaõ sentimento con sua vista. A estas cbamaõ chinas porque com esta palavra declaraõ o muito que lhe quere, e o mesmo hé china, a este preposito, que querida; mataõ a estas tiranicamente, porque lhe quebraõ os dedos e os uaõ moendo pouco e pouco e depois de estarem quasi espirando (porque ·estaõ neste. tromento porespaço de tres horas) lhes atreuessaõ cõ hii pao agudo o pescoço e assi acabaõ miserauelmente, assistindo a este espectáculo outras chinas que tambem haõ de passar o mesmo tromento logo, e naõ com ruim· rosto ou malenconia, mas mostrando muita allegria cõ uarias musicas. E desta sorte uaõ morrendo os miseraueis de todo; cõsiderê [a] uera allegria que podia causar nos padres o uere esta ceremonia acabada, de maneira que já naõ usaõ della nê mataõ ninguem, antes o tem prohibido con graues penas e tanto que morrendo depois dous fidalgos naõ ouue morte alguã senaõ .de boys. Assentado isto foj tanto o gosto e conssolaçaõ do Rej, fidalgos e portugueses, que naõ auia quem o naõ festejasse, os portugueses desparando muitos mosquettes, os pretos desparando seus arcos.
Fejto este assento diante dos fidalgos e portugueses, disse o Rej que o fizessem christaõ, e o mesmo disse hu gouemador do Rejno· que -logo entregou hü filho aos Pàdres; os fidalgos pedem o mesmo e se se dera pelo que elles dizem já estivera haptizado_ naõ. hii· mas dous· Rejs e .outra muita gente; mas como os Padres pretendem, cõ: o fauor diuino, dar hii bom principio a ·esta conuerssaõ, de maneira que naõ andem sempre receosos e :tornaraõ a seus· erros tam antigos. Esperaõ conjunção e que elles uaõ crecen.do no conhecimento de nossa santa fee, pera. que· de gentios naõ uenhaõ a s·er hereges. E por isso os naõ tem baptizados, posto que delles saõ bem importunados. / /
Hum Capitaõ, homem de· importancia entre. elles, .saindo os padres de casa do Rej, lhes uejo ao encontro cõ huã soo molher, ·deixando todas as outras, pedindolhe o fizesse christaõ; responderaõlhe que tudo fariaõ uindolhe recado de Portugal, onde pediaõ fauor sobre o que EIRej de Bigubá, e o Rej de Guinelá e o Rej de Bisege escreuem a sua magestade, os quaes pedem o santo bautismo· com mujta instancia. Querendo o· Capitaõ Sebastíaõ Fernandez Caçaõ festejar o Gouernador do Rejno de Guinalá, que hé segunda pessoa depois do Rej, o mandou conuidar pera o gentar dia de paschoa, e cuidando elle que era pera o baptizarem uejo muito aluoroçado·, e tanto ··que este··Rej de Guinelá e o de Bigubá se baptizarem, toda esta gentilidade receberá o santo· baptismo. //
Há nestas partes certa gentilidade a que chamaõ Mandingas, que hé a pior gente, porque gardaõ a seita dos mouros e confinaõ cõ elles nos custumes e nas terras cõ os Jalofos·.
Estes· andaõ metidos cõ esta gentilidade e os enganaõ dando-lhe nominas e hüs relicairos que trazem ao pescoço, assi como os ·agnus· Dej e outras relíquias. Saõ estas nominas hüs pedaços de ·couros cosidos de diuersos modos e nelles trazem o que estes mouros lhe .daõ, e semeaõ tambem a cizanea de sua peruerssa ceita; estes ficaraõ mui tristes cõ a festa que os portugueses ·e mais ·fizeraõ quãdo se prohibio a ceremonia das chinas . . Trataraõ os Padres cõ algús destes gentios que traziaõ as taes nominas, sobre o santo baptismo, o qual pediaõ e que lógo lançariaõ as nominas fora, e hü as tirou do pescoço e lançou .ao mar, outros as escondem quando lhes ue fallar.
O Gouérnador do ·Rejno, chamado por outro nome Larego, que hé segunda· pessoa do Rejno, leuou os Padres cõ grande acompanhamento dos seus a casa do Rej, onde os festejaraõ a· seu modo cõ instrumentos e inusicas que se naõ costumaõ senaõ quando ElRej sae fora, e os portugu·eses tambem fizeraõ sua festa, á tornada os acompanharaõ quasi meo caminho com amor, festa que se pode dizer desparando os arcos sem despedir â frecha,. cousa que entre elles se naõ usa senaõ em dia de .grande festa; ninha hü esquadraõ de frecheiros cõ seus arcos e ·coldres, hus cantando, outros bailando cõ suas capellas de eruas frescas, allegres cõ a uictoria e assi chegaraõ ao Porto de S. Cruz, que hé o próprio· orago, e toda a noite continuaraõ as festas. E ao dia seguinte cantou. missa o P. ª Gaspar Gonçaluez Pereira, uesitador deste Porto, á honrra da· V. da· Conceiçaõ, em gratificaçaõ de tam assirialada merçê como foj tirarê ás chinas suas ceremonias e mortes. Naõ se acharaõ nestas festas todos os portugueses porque ficauaõ uigiando o Porto, por ser perigoso por causa dos Bisagás (sic) e assi estaõ alli os Padres em a força uegiando toda a noite por se temerê os moradores destes enemigos. ·
Estes Bijagós· tem fejto grande estrago, pondo fogo e assolando tudo, porque alem ·da perda que fizeraõ no Rejno de Bigubá·, coino atrás dissemo·s, tambem fizeraõ muita no Rejno de :Bisege, destruiraõ grande parte delle ao Rej Mangalj, o qual foj forçado sayrsse, deixar ·sua viuenda e meterse pelo mato· por se uer muito apertado. E anda atimorizado e teme o leue a elle e a seus filhos, como na sua carta escreue a sua Magestade o· mesmo :Rej'. :E naõ se contentaõ com perseguir os ·pretos mas tambem querem acabar ·os portugueses que náquellas partes andaõ e o faraõ se sua Magestade lhe .naõ acodir· cõ algu socorro, que qualquer· que seja será de muita importância e do qual depende a conuerssaõ de toda aquella gentilidade. E como este Rej de Guinalá seja o principal, nó ponto que elle se baptizar tudo se acabará e será Deus muito seruido naquellas partes e assim será necessario, indo recado baptizarêno os Padres e aos mais, que já entaõ estaraõ bem catechizados.
Os Rejs que se querem baptizar de presente saõ Enchabole Rej de Bigubá; tem tres Rejs a que coroa, confina cõ os Nalus da parte do Leste, que saõ hiis negros muito guerreiros, mas naõ temem a elles nê a quaesquer outros, tirado os Bisagós (sic), que por estarem em ylhas e usare de assaltos saõ muito prejudiciaes.
O outro hé o Rej de Guinalá, chamada Bamalá, que hé como Emperador de sette Rejnos, a cujos Rejs elle põe o barrete, que hé como coroa e allem destes lhe tem os Bisagós tomado seis Rejnos; cõfina cõ elles da parte do Sul.
O outro Rej se chama Mangali, Rej do Rejno de Bisege; tem cinco Rejs a que põe o barrete ou coroa; confina também cõ os Bijagós da parte do Les Sudueste. E tambem confina cõ os Nabulus.
Destes Rejs, que todos saõ. de naçaõ Biafar, e assi os fidalgos que tem cargos andaõ uestidos, e os Rejs trazem calçoês de algodaõ, hü pano pôr cima do mesmo, mas muito fino, hú camisaõ largo· por cima de tudo·, cõ hu barrete real na cabeça; quando daõ audiencia estaõ assentados em hü trono nuã cadeira feita de híi soo pao, na maõ tem hü molho de varinhas; aos que. fazem algii mal castigaõ cõ rigor prendendoos e a toda sua geraçaõ; os tios uendem aos sobrinhos, e isto quãdo tem necessidade, sem. culpa alguã, dizendo que o podem fazer por serê seus parentes.
As terras destes tres Rejs confinaõ todas huãs cõ outras, diuidemse cõ tres Rios que das Ilhas dos Bijagós entraõ por estes tres Rejnos, e destes Rejos saem muitos braços e esteiros, por onde ficaõ os ditos Rejnos tam sogeitos aos Bijagós que cõ suas embarcaçoes, por serem muito ligeiras, entraõ por onde querem e de noite fazem seus saltos. As Ilhas saõ desasette, tem muita abundancia de todos mantimentos daquelas partes, frescas por causa dos aruoredos e ribeiras de agoa, muitos palmaes de que colhem muito uinho e azeite e huã fruita que chamaõ chabeo, muitas aruores de espinho em varias partes, e pela terra dentro muita uariedade de gado, as terras muito fertiles, boas e acomodadas a toda a semente, e tudo daõ em muita abundancia, o de que se sostentaõ ordinariamente estes negros e semeaõ ho milho de duas outras sortes; füde ar[r]oz, gergelim; as terras maritimas saõ muito abundantes. de peixe; há muito marfim, cera. Nas prayas se acha muita cantidade de ambar e por o naõ conhecerem o torna a leuar o mar.
Saõ finalmente taes as terras que os proprios gentio·s sem as cultiuare se sostentaõ dellas por sua fertilidade; tem muita collá, a qua~ dos mouros e turcos hé muito estimada e se· pode cada anno mandar ·dous nauios pera resgate dos ca.tiuos, que será muito ma.is barato que ouro e prata.-
[No verso]: Enfonnação das cousas de Guiné e cartas dos Reis daquelas partes, cõ outras cousas. e majo 607.
ARSI - Lus., cód. 74, fls. 83 v.-87 v.
1607/05/05
 SUMA DA CERTIDÃO DO VISITADOR DA COSTA DA GUINE (5-5-1607)
SUMÁRIO -- Acerca da pretensãodos Reis e conversão deles Acção de SebastiãoFernandes Cação - Cativeiro do Visitador de Cabo Verde - Intervenção de Fernandes Cação.
Certefico eu Gaspar Gonçaluez Pereira, Conego da See da Ilha do Cabouerde(1), por Sua Magestade vesitador neste Ryo Grande e seu destrito ettc., que em 27 de Março de 607 chagaraõ a este porto o P.e Manoel Aluares e· o Ir. Pedro Femandez Religiosos da Companhia de Jesu e depois de aqui estarem dez dias foi o Senhor seruido mouer ao Rej deste Rejno a querer receber nossa santa fee,, de· que deu grandes mostras, como foi deixar huã ceremonia que chamaõ das chinas, cõ todos os seus, e o mesmo fizeraõ dous Reis uezinhos, pedindo o santo baptismo e todos requereraõ ao dito lrmaõ fosse a esse Rejno pedir fauor de Sua Magestade e de seu Prouincial acerca da pretenssaõ destes Reis que eles tambem pedem porcartas suas. / /
E por ser cousa de tanto seruiço de Deus e de Sua Magestade e bem dos portugueses que andaõ nestas partes, todos fizeraõ o ·mesmo requerimento, festejãdo e aprouandotodos que o dito Irmaõ fosse a esse Rejno pera que pessoalmente informasse a Sua Magestade e a seu Prouincial. E a mim pediraõ. fauorecesse esta causa. e lhe passasse esta certidaõ, que assinei .. //
Neste porto do Ryo Grande, a 5 de Mayo de 607. / /
Gaspar Gonçaluez Pereira.
{1) Referência. à Ilha de Santiago.
Esta Certidaõ uem justificada e reconhecida por oyto portugueses principaes, que juraõ aos Santos Evangelhos ser o sinal da certidaõ do mesmo vesitador e as cousas que nelleconte serem uerdadeiras e passarem assi em presença deles portugueses, que as uiraõ e todos assinaraõ seus nomes.
Junta a esta Certidaõ vinha outra do mesmo visitador em fauor de Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, caualeiro do abito de Christo, e Capitaõ naquellas partes. Na qual o dito visitador certefica que indo vesitar se perdeo e foi captiuado dos Bijagós cõ os mais companheiros que no nauio yaõ e a híi clerigo .. E sabendo o o Capitaõ Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, se embarcou no forçado inuemo e foisse áquellas ylhas e resgatou ao dito vesitador e o clerigo cõ. outras vinte pessoas, tudo á custa de sua fazenda. E neste caminho, antes de chegar ás ylhas, padeceo muito trabalho e perdeo a ancora e piloto e amarras e algüs de sua companhia. / /
E diz mais que o dito Capitaõ sostenta há muitos. Anos aquella Igreja cõ sua fazenda, de muitas vestimentas e dous calices e outros ornamentos, todos dobrados. E diz mais queo dito Capitaõ amanssa os portos daquella Guiné e daa muitas dadiuas aos Reis daquellas partes, cõ que os persuade a ·deixare seus erros, e tudo á custa de sua fazenda, ettc. Justificada como a outra acima.
ARSI - Lus., cód. 74, fls. 79 v.-80.
1607/08/08
 Pela renuncia do bispo anterior, foi eleito em 1607 D. Luiz Pereira de Miranda, filho de D. Luiz Pereira de Miranda, senhor de Carvalhaes, fidalgo da Feira, clerlgo secular e abbade de Pombal. Teve um alvará para haver os cabidos do bispado, em 8 de agosto de 1607. Levou o ordenado de 400$000 réis e deu-se-lhe casa.
Seguiu para o bispado em 1609, não sem grande trabalho d'El-rei, falecendo um mez depois e ficando sepultado na Sé Cathedral.
1607/12/06
 CONSULTA DO CONSELHO DE PORTUGAL (6-12-1607)
SUMÁRIO - Propostas de Sebastião Fernandes Cação para a pacificação dos Bijagós e socorro a enviar aos Reis da Serra Leoa- Perspectivas de evangelização
Senhor
Sebastiaõ Fernandez Caçaõ (que reside na Costa. De Guiné) escreueo a V.  Magestade em Abril passado (1) o muito fruto que os Religiosos da Companhia ·fazem naquelas partes, e como por sua diligencia e doetrina estaõ tres Reys dellas muy promptos a se fazer christaõs, os quais saõ o de Guinala, que tem sette Reys de baxo de seu dominio, a que elles chamaõ de barrete·; o de Bisege, que tem da mesma maneira tres Reynos; e o de Biguba., que· tem outros tres;· e que estes Reys. saõ uezinhos, e confinaõ suas terras huãs. Com as outras, e se diuidem com tres rios, e por estarem perto as jlhas dos Visagós (que hé gente guerreira) entraõ com suas embarcaçoes polos rios dos dittos Reynos, e fazem nelles muito dano, roubando e matando os uassallos destes Reys, e os Portugueses que andaõ naquellas partes, com que os tem posto em grande trabalho.
( 1) Cfr. documento de 20-4-1607.
Que por os dittos· Religiosos acharem naquelles reys bom acolhimento, e os uerem taõ dispostos, e a seus uassallos, para se fazerem christaõs, que logo se quiseraõ baptizar se os religiosos lho naõ dilataraõ, por os instruirem primeiro na doctrina christam, assentaraõ com o ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ fazer sa:ber a V. Magestade a disposiçaõ que nos clittos Reys acharaõ para se plantar em suas terras a Christandade, e que com o pouco socorro· que pedem a V. Magestade por · suas cartas, contra os dittos Visagós, se ficaõ ganhando aquelles Reys, e se·us estados, e V. Magestade (allem do· beneffiçio da Christandade) ~- desassete jlhas·, em que· estes Vi~a.gós habitaõ, que:'· saõ muy ab~n·dantes' 'de varies mantimentos, frescas e cheas de aruor~aós;,~ -e-· ribeiras. de agoa, e tein pola terra dentro muita uariedade· de gados, e nas prayas se ·acha muito ambar, e por os naturais o naõ conhecerem o tornaõ a recolher as agoas; e que é tanta a fertilidade destas jlbas, que sem se cultiuarem, sustentaõ .aos naturais, e saõ muy sadias; e· que· hauendo V. Magesta·de por seu seruiço mandar socorro à estes Reys; e ·a tomar aquellas jlhas (que todas estaõ conjuntas; · e· habitadas dos ditos Visagós, as poderá V.. Magestade Htandár repartir, ou conseruar, como mais fo·r seruido; e que indo êste socorro em- nauios possantes, e bem artilhados, podem ir-''polo Cabo Uerde, e Angra de Besiguiche, e correndo a costa á.fé;·-o: cabo Roxo (onde de outubro por diante estaõ nauios de- françeses, framengos, e olandeses carregados de· ferro para resgatar marfim, ouro, couros, e outras· mercadorias) alim·pataõ ·a ·ditta costa, de que resultará grande proueito á. Fazenda de~ V. Magestade, por· as ditas jubas serem muy acomodadas pã:ra· se ·fazerem·· engenhos de açu~ar, e se tirarem dellas outros muito·s· proueitos·; e que antes de se esfriar esta christandade · (Sôbre .. que· aquelles Reys escre11em a V. Magestade) lhes deue fazer mercê do socorro que pedem . ..
'Os ' dittos Religiosos escreuem, e o que trouxe as suas :e. àrtas e· dos ditos Reys para V. Magestade referio, que o ditto Sêbastiaõ Fernandez Caçaõse offereçe com dez ou doze nauios seus aparelhados á sua custa, e com dez mil homês da terra, a se achar na empreza contra os dittos Visagós, para que de todo se extingaõ, e aquellas jlhas fiquem liures a V. Magestade. ·
Viraõ se estas cartas no Conselho da Jndia, e pàreçeo nelle que visto como V. Magestade. te~ assentado mandar alimpar aquella. costa dos enemig~ que continuaõ, e tem feitortias nella, deue mandar qμe se faça isto com mais breuidade, e que os nauios que a isto forem, ~4eguem a fauoreçer aquelles . Reys, e ajudar ao dito .Sebastiaõ Fernandez Caçaõ a dar castigo aos Visagós, e que pareçendo lá neçessário· de[i]xarém lhe duzentos homes que o ajudem naquella impresa, lhe fiquem a cargo …
E que em chegando áquellas partes, primeiro que tudo se trate com estes Reys que se façaõ _uassallos de V. Magesde,. para com mais justo titulo os poder V. Magestade defender de seus enemigos; e que· as jlhas que se conquistarem ficaraõ á dispoiçaõ de V. M·agestade, e se façaõ disto os papeis neçessarios, que se -enuiaraõ a V. Magestade. E a dous uotos do ditto Conselho pareçeo que se naõ deuem de[i]xar alli soldados.
Ao ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, hé o ditto Conselho de pareçer que mande V. Mag·estade significar por sua carta, que se há por bem seruido delle, e que folgará de lhe ·fazer mercê no que ouuer lugar, conforme aos seruiços que tem feito e fizer neste negoçio.
Ao Viso Rey pareçe que hé bem co·nsiderado tudo o. Que o Conselho da Jndia apponta, e que deue V. Magestade seruirse de mandar que vaõ os nauios, e gente que tem assentado para andarem naquella costa, e que de[i]xem ao ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ os duzentos soldados, sendo necessários e ficando a cargo· de hum capitaõ que os goueme.
Hauendosse nisto em conselho; pareçe9 o negoçio importante e digno de se trattar delle, considerado o muito s.emiço que nisso se fará a Deus, e o grande beneffiçio que se seguirá ao~ V. Magestade. Porem porque logo de.presente. naõ hé possiuel enuiarse armada áquellas partes, pareçe que por hora deue V. Magestade mandar escreuer ao ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, agradeçendolhe o que· faz, e animando. O para que o prosiga, e dandolhe esperança de se prouer no que pede com a mayor brevuidade que ouuer lugar; e que também se deue responder ás cartas daquelles Reys, em forma que os moua a porem em effeito o bom intento· com que ficauaõ, e da mesma maneira aos religiosos, para que continuem esta obra.
E quando o te·mpo· der lugar de se poderem enuiar á Mina os nauios que V. Magestade tem assentado, e de que há taõ p·reçisa neçessidade, como V. Magestade deue ter presente, para alimparem aquella costa dos rebeldes (2) que nella continuaõ, pareçe que de caminho poderaõ fazer o effeito sobre [o] que o ditto Sebastiaõ Fernandez escreue.
E aduerte Françisco Nogueira, que se deue uer primeiro se as terras dos dittos Reys, e jlhas dos Visagós, caem na conquista da Serra Leoa, de que ·está feita doaçaõ a Pedraluarez Pereira, porque sendo assi, resultaria tudo o que se fizesse em benefiçio do donatario, e naõ de V. Magestade, que mandará o que fo·r seruido.
Em Madrid, a 6 de Dezemb·ro de 1607.
· (Seis rubricas)
[Despacho ao alto e à margem] : Está bien todo- lo que pareçe, y assi se ordene, y se vaya executando a su tiempo con cuydado.
(Rubrica de el .. Rei)
AGS - Secretarias Provinciales (Portugal), liv'! 1476, fls. 394-... 395 v.
Referência aos holandeses.
A conversão dos reis africanos e dos seus familiares constituiu o objectivo que mais concentrou os esforços da missão jesuíta mas como Paul Haír notou, " ... at each point the JesuÜ_'i operated \vithi111 an Afro-Portuguese presencc, \Vithjn a \.vcb of con11Tiercial and cul tural ties centcred on lhe Cape \lerde ls1andsº28
A viabílidade da missão jesuíta dependeu fortemente da mediação daqueles que viviam e negociavam na Costa da Guiné, como eram os casos de Sebastião Fernandes Ca ão e de Bartolomeu André29
Importa compreender os motivos que levaram estes homens a conceder todo este apoio aos Jesuítas, o que, no caso, é também indagar as motivações q.ue os levaram a servir de intermediários na redacção das cartas africanas e a responderem positivamente à solicitação de escreverem, eles próprios cartas e' informações" a Filipe III (II).
Confluíram vários factores que se apresentam esquematicamente. 1) Antes de mais, a aliança com os Jesuítas reforçava o seu prestígio - e a sua segurança - entre os reis africanos tanto mais que aos primeiros se associavam promessas de vinda de mais navios e de mais portugueses o que era do interesse das tmidades políticas locais30 · para além da omnipresente dimensão religiosa na recepção africana da presença de padres brancos· em contrapartida, o não cumprimento das promessas feitas pelos "principais" e pelos
2.4. Da Relação de Tinoco-Rebelo ao Tratado de Almada
insegurança; como as cartas jesuítas revelam. 2) Uma missão jesuíta, reforçava as suas posições na área da costa sob sua influência face a outros residentes portugueses e nos projectos de povoamento sugeridos enquadrava legalmente as activídades de todos. 3) Era também a melhor alternativa à tão criticada acção dos visitadores do bispo, que na sua óptica (que era partilhada por Almada, como vimos) só interferiam nas suas actividades económicas e inflingiam penas pecuniárias sem prestarem a assistência religiosa necessária31
Neste sentido, uma administração eclesiástica separada do bispado de Cabo Verde era bem vista.
De todos estes factores aquele que mais produção textual suscitou foi tanto Sebast1ão Femandes Cação como Bartolomeu André terem encarado os Padres Baltasar Barreira e (na sua ausência) Manuel Alvares como os agentes capazes de estabelecer a tão esperada ponte institucional para viabilizar, junto da Coroa, projectos de povoamento (ou (e) conquista). Ao que se soniava, nesse contexto, a mais que certa promessa do que poderíamos denominar institucionalização dos poderes dos capitães, até ai exercidos informalmente.
Teremos, depois de tomar em conta a especificidade das situações destes dois homens. Do que já se adiantou sobre Cação relembre-se que, apesar do poder que exercia ser essencialmente de carácter informal (como o de todos os outros "capitães' da costa) a condição de feitor do contratador fazia dele a pessoa mais próxima duma presença portuguesa oficial32
Era aliás alguém que servíra Filipe II (I) possivelmente como militar durante dois anos
1608
 «Na última década do século XVI na Europa e na África Atlântica assistiu-se, respectivamente, à formação de uma importante comunidade sefardita em Amsterdão e ao alargamento da expansão holandesa para o litoral africano. Por sua vez, estes processos, em si indissociáveis, integraram-se no crescimento de uma rede comercial global composta por Judeus e Cristãos-novos na qual Amsterdão assume um novo protagonismo. É, em parte, a existência desse elo com Amsterdão, mercantil mas também religioso, que explica o surgimento, na secção costeira do actual Senegal a sul do cabo Verde e a norte do rio Gâmbia – a chamada «Petite Côte» –, de comunidades de judeus praticantes. Foram os casos de Porto de Ale (Porto d’Ale ou Porto de Ali), a partir de c. 1608, e de Joala (Joal), pelo menos desde c. 1612, e, a norte destes portos, o de Rufisque, desde a primeira metade do século XVII, em data incerta.»
Judeus e Muçulmanos na Petite Côte senegalesa do início do século XVII: iconoclastia anti-católica, aproximação religiosa, parceria comercial * José da Silva Horta **, Universidade de Lisboa Peter Mark, Wesleyan University * O presente texto resultou de uma conferência proferida pelos autores no Collège de France em 30 de Março de 2005, a convite do Prof. Nathan Wachtel, a quem muito agradecemos a discussão do nosso estudo. Estamos igualmente gratos a Vítor Serrão e a Labelle Prussin pelos valiosos contributos recebidos para a mesma discussão.
Em 1608, por exemplo, era Domingos Lobo Reimão fator e recebedor – receptor da real fábrica em Santiago (Cabo Verde), enquanto Nuno Melo Cabral foi o fator da flutuação-fábrica do Rio de São Domingos (Cacheu).
Os empresários que operam no Petite Côte do Senegal como fatores dos empresários em Amesterdão, bem como aqueles bordo dos seus navios, os judeus sefarditas foram classificados pela Coroa portuguesa como lançados. Na verdade, alguns destes homens nem tinham laços institucionais com os Contratadores dos monopólios reais das áreas económicas da África Ocidental, sob a jurisdição da coroa portuguesa. Por exemplo, Luís Fernandes, supercargo de Gaspar Nunes e Simão Rodrigues Pinel e Estêvão Rodrigues (Penso), supercargoes de Diogo da Silva, bem como Jacob Peregrino, fator de Diogo Dias Querido, também foram fatores da  Português contratador do monopólio de Cabo Verde e Guiné entre 1608 e 1614, João Soeiro. Pedro Rodrigues da Veiga, sócio e supercargo de Gaspar Sanches, foi também entre os fatores do Soeiro. Jacob Peregrino, fator de Diogo Dias Querido, tinha ligações comerciais com Duarte Fernandes, um comerciante judeu em Amsterdã e Duarte Dias Henriques, a Português comerciantes judeus em Amsterdã, operando nos circuitos comerciais ligando o contratador de Angola no período de 1607-1614. 92 Além disso, outros República para a África Ocidental também foram incluídos na lista, ou seja, Diogo Vaz (de Sousa) e Gaspar Nunes.
Por exemplo, João Soeiro, contratador o Cabo Verde e o monopólio real da Guiné entre 1608 e 1614, feita uso de conexões dos seus fatores com os judeus sefarditas de frete e assegurar que os navios em Amesterdão. Além disso, realizando o comércio direto entre a República, a Petite Côte do Senegal (também incluído no referido monopólio) e a República, os navios poderiam evitar escala nos portos da Ribeira Grande (Santiago, Cabo Verde) e Lisboa, onde tinham vários impostos a ser pago aos agentes fiscais reais. Contatos de principal do Soeiro em Amesterdão foram Gaspar Fernandes, Gaspar Nunes, Duarte Fernandes, Pedro Rodrigues da Veiga e outros. Dois outros sócios importantes de João Soeiro eram 21 Diogo da Silva e Diogo Dias Querido, ambos comerciantes em Amesterdão e ligado ao Soeiro através de seus agentes comuns na Guiné: Simão Rodrigues Pinel e Estêvão Rodrigues, fatores da contratador na costa. Por exemplo, em 19 de janeiro de 1611, Diogo da Silva e Diogo Dias Querido enviou algumas mercadorias no naviSoantiago de Roterdão, viajando de Roterdão para Portudal e Joal. O valor da carga , comandado por Herbert Marselssen ascendeu a 3.120 quilos flamengos. Simão Rodrigues Pinel e Estevão Rodrigues foram responsáveis para o comércio na costa da Guiné. Couros, marfim e outros bens africanos eram para ser trocados de carga Europeu. Eles planejavam ficar seis meses na África Ocidental.
Os comerciantes das cidades Atlântico Norte Português de Porto, Viana do Castelo e Vila do Conde também tinha parceiros entre os sefarditas portugueses de Amesterdão que poderia ajudar a obtenção de seguro para os navios e as cargas. Por exemplo, Francisco Gomes Pinto, comerciante em Viana do Castelo, foi o parceiro de Diogo Nunes Belmonte, judeu sefardita portuguesa e comerciante em escravos transporte de Amesterdão na rota de Angola – West Indies – Sevilha e açúcar em circuito República – Viana – Brasil – Viana – República.
Van Schoonhoven, um mercador holandês e empreendedor em Amsterdã e vários associados foram as seguradoras.
Os empresários que operam na Petite Côte de Senegal como agentes dos empresários sefarditas em Amesterdão , bem como aqueles a bordo seus navios , foram classificados pela Coroa Portuguesa como lançados . " Na verdade, alguns desses homens ainda tinham vínculos institucionais com os contratadores dos monopólios reais das áreas da África Ocidental sob a jurisdição da Coroa Portuguesa.  Por exemplo, LUIS FERNANDES, mandatário de GASPAR NUNES, e SIMÃO RODRIGUES PINEL e ESTEVÃO RODRIGUES PENSO, mandatários de DIOGO DA SILVA, assim como JACOB PELEGRINO, agente de DIOGO DIAS QUERIDO , também foram agentes do contratador Português do monopólio da Cabo Verde e Guiné entre 1608 e 1614, JOÃO SOEIRO. PEDRO RODRIGUES DA VEIGA, sócio e mandatário de GASPAR SANCHES, esteve também entre os agentes de SOEIRO. JACOB PELEGRINO, agente de DIOGO DIAS QUERIDO , tinha relações comerciais com DUARTE FERNANDES, um comerciante judeu de Amsterdão e DUARTE DIAS HENRIQUES, o contratador de Angola , no período de 1607-1614. Além disso, outros comerciantes judeus portugueses em Amsterdam operando nos circuitos comerciais que ligam a República à África Ocidental também foram incluídos na lista, incluindo DIOGO VAZ DE SOUSA e GASPAR NUNES.
Em 1608 DOMINGOS LOBO REIMÃO foi feitor e colector de impostos da fazenda real em Santiago (Cabo Verde ), enquanto NUNO MELO CABRAL foi feitor da feitoria flutuante no Rio São Domingos (Cacheu
MANUEL BAUTISTA PÉREZ, cristão-novo, está em Cacheu até 1619. Tem outras actividades em Cartagena, Lima e Panamá.
Protecção e liberdade de culto
A história das relações entre estes comerciantes judeus sefarditas  e os reis senegaleses muçulmanos faz parte da história global das relações entre Judeus e Muçulmanos.. Faz também parte da história do binómio senhores da !erra/ ertrongeiros ou, porventura melhor, anfitriões/ /hóspedes, no contexto especifico da região africana em causa. A Relación de SEBASTIÃO FERNANDES CAÇÃO escrita por volta de 1608, ele próprio um cristão-novo mas posicionando-se contra os judaizantes, é bem explicita a este respeito - os judeus de Porto de Ale usufruíam da protecção do rei (ou teen)  do Bawol (que detinha. o controle daque]e porto) contra qualquer ataque de cristãos portugueses, como se vê no passo crucial, por nós já publicado anteriormente e que aqui se retoma:
«En este puertu dali ay una aldea de cien (4) vecinos portuguesses y negros .A este puerto vinieron de Flandes gente que professa la Ley de Moyssen y accen y guardan sus ritos y cerirnonias como los de Judea y los porrugues quiriendo matalos y echaros de alli corieron mucho resgo porque acudio el Rey y' les dijo que su tiera. era feria donde pôdia auitru: todo genero de jente y que nadie se descompassiesse en ella queles ctt:mandariã cortar las cabeças; que la guera si la queria.que la. hiciessen en la mar yno en su tiera que ya dicho que era feria»
(4 )o manuscriro de Madrid (coevo e escrito pela mesma mão do que se cita) lé-se “hasta cien” alli
cem metros a sul da Petite Cóte, em Cacheu, na actual Guiné-Bissau.  O monopólio que Portugal procurava manter, sem grande sucesso, nos mercados marítimos e flu\viais foi, então, suplementarmente ameaçado pelo trato ilícito entre a Petite Cóte e a Holanda, o que representava uma perda económica para os Cristãos-velhos e mesmo para alguns cristãos-novos (como Sebastião Fernandes Cação) sedeados em Cacheu e em Santiago. Estes portugueses tinham, assim, motivos económicos., bem como religiosos, para tentarem eliminar a presença dos comerciantes sefarditas. Foi neste contexto que grupos vindos de Cacheu visitaram os reis locais da Pefite Côte, para os persuadirem a expulsar os seus clientes judeus.
As relações sociais e mercantis entre os judeus portugueses da Pelite Cote e os seus anfitriões muçulmanos locais têm de ser compreendidas num duplo contexto. Por um lado, temos a história da construção, no decorrer do século XVII, de uma nova identidadejudaica entre os Sefarditas de origem portuguesa; uma identidade afirmada e baseada, em parte, sobre a rejeiçâo dos rituais cristãos e das imagens religiosas. Esta rejeição permitiu-lhes veicular, junto dos reis muçulmanos, um discurso que sublinhava a existência de uma base de entendimento entre as duas religiões (circuncisão, rejeição da iconolatria, o Livro). Por outro lado, o contexto senegalês com a sua tradjçio de acolher os estrangeiros, sobretudo os comerciantes, pode explicar a decisào tomada por esses reis de protegerem os «Seus» judeus. As fontes coevas mostram bem que os judeus de Porto de Ale e de Joala usufruíam da protecçào das autoridades locais contra os católicos que se lhes opunham.
Quem são os ''nossos"? Identidades duais
Note-se que as próprias comunicações marítimas entre o Rio Grande e a Serra Leoa eram asseguradas pelos 'navios da cola", de cuja ritmo dependiam os Jesuítas e a circulação das suas cartas. Estas aludem com frequência a este condicionamento. Foram estes "práticos" - isto é, homens conhecedores pela sua experiência do terrenoBARTOLOMEU ANDRÉ e sobretudo SEBASTIÃO FERNANDES CAÇÃO.
O primeiro mediador dos Jesuítas na Serra Leoa a partir de 1606, numa carta-relatório escrita sob a orientação do Padre Ba1tasar Barreira para promover um projecto de colonização da Serra Leoa, refere os mais de sete navíos portugueses que anualmente transportavam a cola daquela região para a venderem a "Norte", aos Mandingas e outras "nações" com. grande lucro.
O segundo, também mediador da Companhia, desta feita na relação com os dignitários beafadas do Rio Grande é o que mais pom1enores comunica. Em 1607 sobre o comércio da cola. chama a atenção a Filipe III (II) para a importância que o comércio da cola poderia ter para o resgate de cativos na Berberia. O mesmo Cação em 1608 numa relação escrita para uma autoridade metropolitana vai revelar não apenas os destinos de exportação mas também em que portos ela era embarcada pelos Portugueses e a quem a compravam, o tipo e número de navios utilizados, os portos de destino na Guiné.
confiança '23 dos contratadores - dependem dos lançados ou tangomaus ou foram-no eles próprios, numa dada fase do seu percurso. Dependem, por sua vez dos grumetes que os acompanham, que os guiam pelos Rios de Guiné que conhecem os resgates e os respectivos chefes locais. Alguns destes comerciantes tomam-se "homens poderosos" para usar a terminologia da época "capitães" como título informal de prestígio.
Existe assim, uma síntonja entre as posições de parte da elite cabo-verruana e as de outros "capitães', sediados na costa como SEBASFIÃO FERNANDES CAÇÃO, mesmo se havia rivalidades entre grupos e interesses24
Ele próprio é referido como ' morador no Cabo Verde" o que pode significar apenas que vivia na região tomada no sentido lato ou que era de jure morador de Santiago25
Cação, tal como os res tantes, teve sempre actividades mercantis por conta própria mas foi ao longo da sua vida 'um "homem de confiança" de vários contratadores. Criado de um deles Diogo Henriques26 - ele próprio um prático dos rios de Guiné- que era tio ou tio-avô de Lemos Coelho27 ; feitor de dois outros Jácome Fixer e João
23 A expressão é de M. M. F. Torrão, Tráfico de escravos entre a Costa da Guiné e a América Espanhola ... , vol li, p. 464 e idem, "Construção de redes de comunicação no tráfico negreiro atlântioo", comunicação à supracitada mesa-redonda "Comunicação e Império''', pub. em O do111í11io da distância .... ciL supra, pp. 53-57 ,Cfr. também sobre esses agentes locajs, idem, "Rotas comerciais", HGCV, 11, pp. 8?-83.
24 Almada, por exemplo, mostra má vontade em relação à leva de lançados judeus e de outras nações chegados à Guiné que comerciavam com Franceses e Ingleses. Cfr. supra , cap. 1.3. e adiante no cap. 2 .4., a análise das suas posições nesta matéria ..
25 Sebastião Fernandes Cação ê mencionado como "morador no Cabo Verde" na sua carta de tença como cavaleiro da Ordem de Cristo, datada de 30 de Março de 1598: ANTI, Chancelaria da Ordem de Cristo, Lº 10, fl. 135.
26 Cfr. AHU, Cód. 32, fl 96v.-97. O documento é datado de Lisboa, 30 de Julho de 1620, mas reporta-se a um período anterior. Não é clara a identidade deste Diogo Henriques que pode ter sido uni dos dois referidos i11fra, apesar de, pela ascendência nobre do pr.imeiro citado, Djogo Henriques de Sousa, ser mais provável que se tr.ite do segundo, que aparece na documentação apenas como Diogo Henriques. Cfr. a nota iTifra.
27 Lemos Coelho refere dois Diogos Henriques relacionados con1 o Rio GrJnde. Escreve sobre DIOGO HENRIQUES DE SOUSA, "innaõ de minha Avó, e avo materno de FERNAÕ DE SOUZA COUTINHO, que agora inorreo acabando de governar Pernambuco. As cazas em que vivia, ainda que eraõ de palha, tinhaõ sobrado, e com huã plata forma diante em que tinha muito boa artelharia, e com hum artilheiro flamengo a quem pagava; e teve tanto cabedal neste porto, que indo se pera Portugal, deixou a hun1 primo seu bastardo oom os fragmentos ou trastes de casa,ao qual chamavaõ Matbjas Fernandes ... ". Discripção, 1684. p. 194. Refere. logo depois, outro Diogo Henriques, também seu tio.
O primeiro, Diogo Henriques de Sousa teria s ido o feitor do contratador a que Donelha se refere. Este segundo Diogo Henriques, a partir dos ''retaços” (restos) da casa forte  povoação deixada por Diogo Henriques de Sousa teria levantado,, novamente a povoação (Guinala) mas já sem fe itoria, que entretanto passara para Cacheu (ibidefft, p. 195).
Lemos Coelho menciona SEBASTIÂO FERNANDES CAÇÃO associando-o também, à recuperação das construções deixadas em Biguba por um dos Diogos Henriques - é dificil de lucidar qual - e menciona algumas das vicissitudes porque Cação teria passado, relato de cuja credibilidade o copista do texto de l684 duvida ( ibidenl, p. 197 -198 ).
28 Era-o, pelo menos. em l 7 de Julho de 1603. Cfr. ANTI, Cartório nº t, Lisboa, l? de Maio a ?2 de Julho de 1603, fls. l 3?v.- l 33v. (agradeço esta referência a Maria João Soares).
29 Cfr. para este contrato, M_ M. F. Torrão, "Rotas comerc iais ... ", HGCV, Il, p. 79.
30 Cfr. o ano da nomeação en1 Maria Alcinda C. Veiga Lima, Subsídios para o estudo da dontinação filipa na Guiné ...• pp. 104- 105. Acrescente-se. concretizando, que foi feitor desde 2? de Dezembro de 1627, numa época em que era o contratador que escolhia o fe itor do contrato, escolha que o rei ratificava (cfr. AHU, Cód. l 72, fls. 167v- l7 Jv.).
A documentação permite tanlbém estabelecer a data aproximada da sua morte. Num doe. de l de Março de 1630 refere -se o seu falecinlento, mas em 6 de Fevereiro de 1630 já o contratador afirnla terem falecido os fe itor~ que nos Rios de Guiné tinha (cfr. AHU, Cód. 173, fl s. 35v.,42v.-43). Como ainda é mencionado em documentos de Abril e Ma1o de l 629 (A ·rr: Convento de S. Bento da Saúde, Livro 14, fl. 461 e livro 18, fl 473, apr1d M. M. F. Torrão, "De Santiago para a Costa da Guiné: a transferência do centro geográfico dos negócios e a manutenção da éJite comerciante - as transacções da companhia de António Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito (1619-1630Y', Arquipélago. História, 2" série, Ponta De lgada. vol. li ( l997), pp. 83 -1 18), ben1 como em 4 de Agosto de 1629, re i\rindicando, como fe itor, o dire ito à "barca de Farim11 lAHU. Cód. 173. fl. 42v.-43t é nossível afimlar oue a sua morte teria ocorrido e ntre o Verão
O mesmo Cação c. 1608, numa relação escrita para uma autoridade metropolitana, vai revelar não apenas os destinos de exportação mas também em que portos ela era embarcada pelos Portugueses e a quem a compravam, o tipo e número de navios utilizados, os portos de destino na Guiné.31.
31 Cfr. Enformação que manda o mesmo Sebastião Fernandez Cação pera Sua Magestade. [s.l. Guinala?], [s.d. 1607]: ARSI, Lus. 74, fls. 80v.-81v., in MMA, IV, 245-247, p. 247. Esta menção poderá também estar ligada a uma possível exploração da cola dos Bijagós, caso se consumasse o projecto coevo de Cação, com anuência dos Jesuítas, de conquista daquele arquipélago, projecto a que voltaremos. V. idem, [Relacion de todo el distrito de Guinea y gouierno de Caboberde]: B. Ajuda, cód. 51-IX-25, fls. 87-90v., fl. 90v., [s.l.], [s.d.]. RAHM, Jesuitas, t. 185, nº [16], fl. [3]v. Cfr. no Anexo a discussão da data, autoria e destinatário. Aquele projecto e o percurso de Cação será abordado mais adiante. 
Se os privilégios mercantis dos moradores de Santiago não eram anulados pela institucionalização do distrito em si mesma63, ao desafectar deles o distrito da nova capitania, perdia-se o elo de ligação com a Serra Leoa. Elo que o conceito de “limite” assegurava, ao menos na leitura que deste faziam os moradores da ilha. A solução encontrada pelo mundo cabo-verdiano-guineense nesta luta de representações foi reajustar o conceito oficial de distrito de Cabo Verde às balizas do “nosso limite”. É isso que está implícito logo em 1608 numa “relacion de todo el distrito de Guinea y govierno de Cabo Verde” que inclui a Serra Leoa. Foi escrita a pedido duma autoridade metropolitana por Sebastião Fernandes Cação, o já mencionado “prático dos Rios de Guiné”64. É isso que se evidencia em Donelha: “as particularidades do noso Guiné, destrito do governo de Vossa Senhoria”65 . Este reajustamento poderá ter usufruído duma convergência conjuntural de interesses entre os moradores de Santiago e os governadores que desejavam ter a maior alçada possível sobre a “terra firme”.
63 Como notou Orlando Gama, Do Rio Senegal à Serra Leôa…, p. 137, n. 384.
64 Sebastião Fernandes Cação, [Relacion …], c. 1608, cit..
65 Donelha, Descrição, p. 70. 
1608 (c.) ANÓNIMO [CAÇÃO, Sebastião Fernandes] [Relacion de todo el distrito de Guinea y gouierno de Caboberde ]   Capitão [prático dos Rios de Guiné]      
1608 (c.) CAÇÃO, Sebastião Fernandes [CAÇÃO, Sebastião Fernandes]            Carta (resumo e extracto de) a Filipe III (II) “Haciendo-se la fortaleça como digo…” [1ªs palavras de ms. Autónomo] Capitão [prático dos Rios de Guiné]
«António Fernandes Landim, natural de Famalicão, residia desde novo em Lisboa, junto aos Remolares, freguesia da igreja de São Paulo. Filho de Gonçalo Eanes e de Maria Pires, nunca casou nem teve filhos legítimos nem naturais. Aparentemente também não tinha irmãos nem parentes próximos com quem privasse dado que nomeia como seus testamenteiros dois amigos, João Lopes, morador em Lisboa junto à Sé, e Cosmo Vieira, solicitador do Físico Real, morador nos arrabaldes da mesma cidade, deixando bem claro no seu testamento que "dezerdo todos( ... ) quaysquer meus paremtes e quero que nhenu suseda nem erde couza alguma mynha" 12.
Mercador de recursos medianos, dispunha na altura em que mandou lavrar o seu testamento dos seguintes bens: um navio pequeno o Santo António, dois contos de réis empregues em fazendas que pretendia levar para os resgates na Guiné, 200.000 réis em dinheiro, uma escrava doméstica de nome Graça, 45 peças de escravos em Cacheu em poder do escrivão da capitania, Fernão Lopes de Mesquita, e mais 5 ou 6 negros procedentes de dívidas também naquele porto da Guiné 13• Tais bens deveriam provir dos negócios do trato de escravos de que Antônio Fernandes Landim era um activo participante. Efectuava ligações regulares entre Lisboa- Rios da GuinéCartagena-Sevilha- Lisboa. Para além da viagem comercial que pretendemos analisar, e que decorreu aproximadamente entre 1628 e 1630, Landim já havia realizado outras deslocações 14 - uma certamente pelos anos de 1623/4 15 -, preparando-se, em 1632, para iniciar uma nova aventura em terras afro-americanas. De facto, quando em 21 de Novembro de 1632, Landim mandou lavrar o seu testamento afirma o seguinte: "[ ... ] estamdo eu ao prezemte san e em todo o meu prefeytto yuizo emtemdimemento que Deos me deu e prestes pera me embarquar pera os Reinos de Gyne pera dahy segyr mynha vyagem a Y mdias de Castela" 16. Embora com tudo preparado para partir navio armado, 4 000 cruzados (ou seja, c. de 1 conto e 600 mil réis) em fazendas compradas para resgatar na Guiné, mais 1 000 cruzados (ou seja, c. de 400 mil réis) procurações para receber em Cacheu fazendas de terceiros (António Fernandes Landim tinha urna procuração de um mercador lisboeta, António Lopes Soares. para receber de Fernão Lopes de Mesquita, escrivão da capitania em Cacheu, os bens de Francisco Dias Mendes de Brito que estavam em poder daquele. AN/TT, Convento de SZio Benw da Saúde, Livro 18, fls. 513-517, de 22 de Setembro de 1632)  - não sabemos se esta viagem se chegou a concretizar.
Activo mercador, António Fernandes Landim era todavia iletrado, não sabendo ler nem escrever. Disso suspeitámos desde logo, quando em todas as de tripulação e escrituras de dívidas se repetia no final a seguinte frase: "Roguei a Gaspar Rodrigues que este fizeçe e asinaçe", surgindo no final dos documentos o seguinte sina1Ant0 ffz lamdim.
Esta suspeita foi posteriormente confirmada quando num documento semelhante encontrámos esta menção: "Roguei a Pero de Carvalho que este fizese por mi por no saber escrever" a mesma informação é reafirmada no seu testamento, "roguei a Gaspar Pereira tabelyão das notas nesta sydade que por my o escrevesse por eeu não saber escrever" Situação curiosa mas não de forma alguma invulgar, visto que a documentação da época está pejada de exemplos de mercadores de pequenas e médias fortunas e de armadores que não sabiam escrever, mas que nem por isso descuravam os seus negócios, e até de mestres de navios que não sabendo escrever recebiam a incumbência de anotar no livro da razão dos navios "as cousas tocantes a esta armação e de tudo o que nele escrever como por suas cartas e lembranças será crido ( ... ) e a todos os seus papéis se dará inteiramente fé e crédito como escrituras públicas". » - DE SANTIAGO PARA A COSTA DA GUINÉ: A TRANSFERÊNCIA DO CENTRO GEOGRÁFICO DOS NEGÓCIOS E A MANUTENÇÃO DA ELITE COMERCIANTE as transacções da companhia de António Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito ( 1629-1630)* por Maria Manuel Ferraz Torrão** pg. 91-93
Um dos investidores nestes empreendimentos comerciais de Amesterdão para a África Ocidental era um certo DIOGO DIAS QUERIDO. Dias Querido é uma figura interessante do período que tem sido discutido por vários historiadores no campo ( Wiznitzer 1960 : 47; Schorsch 2004: 178 ) . Ele parece ter desenvolvido a sua experiência do mundo atlântico através da gestão de uma refinaria de açúcar na Bahia, nordeste do Brasil , na década de 1580 ( Wiznitzer 1960 : 47) . Aqui, ele desenvolveu uma reputação como um cripto -judeu , e pode ter sido julgado pela Inquisição Português durante a visita inquisitorial ao nordeste Brasil de 1591-1.595,4 Ele chegou em Amsterdam , no final do século 16 e foi um dos membros fundadores da Beth Yahacob , a primeira sinagoga na cidade.
Há alguma evidência circunstancial sugere que a obra de Dias Querido em Bahía pode tê-lo posto em contato pessoal com os povos do Costa Senegambian no 1580s. Isto talvez possa explicar a sua vontade de investir pesadamente em negociação viagens para a região , uma vez estabelecido em Amsterdã, e também talvez um dos elementos mais controversos da sua prática judaica no Holandês Províncias Unidas : para Dias Querido foi um dos que buscaram activamente converter seus escravos africanos para o judaísmo
(Schorsch 2004: 178 , ver também ANTT , Inquisição de Lisboa , Livro 59, folio 130v ) .
1608/08/31
 Confirmação papal de D. LUÍS PEREIRA DE MIRANDA como bispo da diocese de Cabo Verde
1609
 «Dos contratos arrematados em Cabo Verde durante o século nenhum chegou ao fim sem sérios problemas financeiros, sendo frequentemente suspensos por dívidas ao Estado não saldadas. Contratador dos direitos de Cabo Verde e rios da Guiné entre 1609 e 1614, João Soeiro, mercador cristão-novo, fidalgo da Casa Real, foi preso no último ano do contrato, acusado de não honrar os seus compromissos para com a Fazenda Real.»

ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pág. 172
O frade dominicano, D. FREI SEBASTIÃO ASCENSÃO, foi nomeado bispo de Cabo Verde entre Setembro e Dezembro de 1609. O novo bispo tomou posse em 1612, deparando-se com o problema do declínio comercial das ilhas, o que conduziu ao problema da falta de pagamento das ordinárias do clero, sendo que o seu bispado foi marcado pela tentativa de resolver este problema. O exercício pastoral de D. Frei Sebastião de Ascensão terminou com a sua morte em 18 de Março de 1614.
Nas primeiras décadas do século XVI aportavam a Santiago uma média de 14/15 navios provenientes da Costa da Guiné armados por moradores da ilha. Cf. o capítulo de Maria Manuel Ferraz Torrão "A actividade comercial externa de Cabo Verde: organização, funcionamento, evolução", in História Geral de Cabo Verde, 1 volume, pp. 258 e seguintes.
No início do século XVII, 1609 e 1610, esse número baixou para metade, havendo, posteriormente, anos em que ainda foi mais diminuto esse movimento. Maria Manuel Ferraz Torrão, "Rotas comerciais, agentes económicos, meios de pagamento" in História Geral de Cabo Verde, II volume, pp. 37 e seguintes.
No ano de 1609 Aegidius Albertinus publicava a sua Historische Relation/ (...) kurtze Beschreibung deß Landts Guinea vnd Serra Lioa in Africa ligendt precisamente com a intenção de actualizar as informações sobre estas regiões africanas. Dadas algumas dificuldades na localização geográfica destas terras em África, o autor decide reunir algumas notícias capazes de fornecer uma imagem mais correcta. Motivado pela quantidade de informações chegadas diariamente sobre a empresa descobridora, Albertinus intenta traçar um debuxo dos contactos estabelecidos, contactos estes que não seriam só de cariz comercial, mas também de índole cultural e religiosa. Aegidius Albertinus preocupa-se, especialmente, com a acção missionária dos cristãos e relata sobre alguns êxitos alcançados entre estes povos africanos. Uma vez que eles teriamcostumes antigos muito enraízados e seriam muito dados à superstição, o letrado germânico considera que muito haveria ainda para fazer no que respeita à evangelização das populações locais. E, o que acha ainda de maior acuitamento: não os deixar sem orientação. Para uma verdadeira cristianização, não chega, na sua opinião, baptizá-los, visto que a sua conversão não deverá ser apenas "um sinal exterior do cristianismo". (1)
Neste contexto dever-se-ia ter em atenção que, desde o rio Senegal até à província da Serra Leoa, habitariam diversas nações com diferentes usos e várias práticas religiosas. Os primeiros, que se encontrariam nestas regiões, seriam os denominados Jalofos, cujo reino de grandes dimensões seria bem abastecido de toda a espécie e qualidade de frutos; os íncolas, bem constituídos e proporcionados, seriam, na generalidade, bons guerreiros. (2) Já no reino da Gâmbia viveriam os Mandigas, selvagens, infíeis e muito dados à idolatria e à superstição, (3) no rio Casamanga os "Ariotos" e os "Falupos", no rio São Domingos os "Baramas" e perto do rio Grande, os "Beasares". Por fim, os "Copes" e os "Cuamas" da Serra Leoa que "em toda a Guiné é a terra mais fértil e mais divertida, e onde se encontra toda a espécie de árvores. Item vinha e uvas selvagens com grandes e lindos bagos".31
(1). "[...] ein eusserliches Zeichen deß Christenthumbs". Aegidius Albertinus, Historische Relation..., Munique, 1609, p. 326. Algumas passagens recordam o texto de Fernão Guerreiro, Relaçam annual das cousas que fizeram os Padres da Companhia de Iesus..., 5 vols, Évora, 1603, Lisboa 1605 e 1607; obra que viria a ser publicada em Lisboa, 1611, e em grande parte vertida para o alemão.
(2). "[...] mit menschlicher Vnderhaltung vnd allerhandt früchten wol versehen/ die Inwohner sein proportioniert / wol gestattet vnnd gemeingklich gute Kriegsßleute..." Idem, p. 330.
(3). "[...] wild/ ungetrew/ der Abgötterey vnd Abergalube fast ergeben seynd". Idem, p. 333 31. "Im ganßen Guinea ist diß das aller fruchtbarest vnd lustigiste Landt/ hal allerley art von Dannen vnd Feuchtenbäumen. Item reben vnd wilde Trauben/ mit schönen grossen Beeren...". Idem, p. 341.
Situação de fome em Cabo Verde devido à seca e escassez de colheitas. Até 1611.
1609/01/09
 Pedro Vaz Freire - bacharel, nomeado ouvidor em 3 de Dezembro de 1608. Teve regimento em 9 de Janeiro de 1609 restringindo em alguns pontos as atribuições conferidas ao ouvidor Gomes Raposo.
1609/01/10
«Francisco Martins Sequeiranomeado ouvidor em 10 de Janeiro de 1609, só tomou posse em 1611. Teve diversos conflitos com o ouvidor e a Câmara da Ribeira Grande. Em 1612, foi proibido aos governadores coloniais levarem consigo os seus filhos.» João Barreto
Nomeação de FRANCISCO MARTINS DE SEQUEIRA no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
1609/07/25
 Padre JOÃO DELGADO, S.J., faleceu nas margens do rio Farim, na Guiné, em 25-7-1609.


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