1600
- «O P. FERNÃO GUERREIRO (1 ) escreve no princípio
do século
XVII: «No
[porto] de Balola moram ordinàriamente os Lançados
e Tango maus». Semelhante linguagem parece-nos significar duas categorias diferentes de pessoas, as dos «lançados» e as dos «tangomãos». Outro escritor da época,
ANDRÉ ÁLVARES DE ALMADA (2), utiliza
igualmente a palavra
«lançado» como substantivo
comum e, embora sem usar o termo «tangomão», parece conhecê-lo
ao referir-se às «tangomas». Eis as suas palavras:
«Entre estes negros [do Rio Grande, terra de «beafares»] andam
muitos que sabem falar a nossa língua portuguesa.
E andam vestidos ao nosso modo. E assim muitas negras ladinas,
chamadas tangomas porque servem aos
lançados. E estas negras e negros vão com eles de uns
Rios para os outros e à Ilha de S. Tiago e a outras partes».
Pelas muitas referências aos
lançados e tangomãos (com diversas grafias) nos documentos e
literatura dos séculos XVI e XVII, podemos obter uma ideia do
que eram. Se o
sentido da palavra lançado
é óbvio, o mesmo não
sucede a tangomão,
termo que suscitou controvérsias entre filólogos
e
historiadores. LEITE DE FARIA (3), por exemplo, anota
que o termo tangos maus já foi usado na Ordenação I. tít. 16, § 6 do Rei D. Manuel
com o significado de português
que vive cafrealizado na Guiné e nesse mesmo
sentido aparece alguma que outra vez em textos do século XVII. BENJAMIM PINTO-BULL,
por
seu lado, aventa a hipótese de o vocábulo derivar de tanga mala, porque estes portugueses se vestiam à maneira africana, apenas com uma tanga (4). SOUSA
VITERBO, em 1896, aproxima o trango
mango, duma velha cantiga, com o sentido de malfazejo, da palavra
tangomão; pela mesma época, TEÓFILO BRAGA
considera o nome de qualquer divindade ou espírito maligno; EDMUNDO CORREIA, em 1944, fá-lo
ministro do culto de tschyntschyn da Serra Leoa; MARIA NOLASCO
DA SILVA (5) vai pela origem africana do termo, partindo do seguinte texto de P. FERNÃO
GUERREIRO:
«Tangos maus [ ... ) são uma sorte de gente que ainda que na nação são portugueses e na religião ou baptismo
cristãos, de tal maneira porém vivem como se nem uma coisa nem outra
foram,
porque muitos deles andam nus e para
mais se acomodarem e conaturalizarem com os
gentios da
terra onde tratam, riscam o corpo todo com um ferro, ferindo-o até tirarem sangue e
fazendo nele muitos lavores, os quais, depois do consumo de certas
ervas, lhes ficam parecendo em várias figuras como de
lagartos, serpentes ou outras que mais querem e desta
maneira andam por todo aquele Guiné, tratando e comprando escravos por
qualquer título que os podem haver, ou seja bem ou seja
mau, andando tão esquecidos de Deus e de sua salvação, como se foram os próprios negros
e gentios da terra, porque passam nesta vida os vinte e trinta anos sem se
confessarem nem se lembrarem doutra vida nem mundo
mais que disto de cá, nem também, ainda que se queiram
confessar, têm confessor com que o possam fazer, nem que alguma
hora acertem de o ter quando vem abaixo às povoações onde há igrejas, é de suficiência
que os possa encaminhar e declarar-lhes o mau estado em que
andam e reduzir a melhor vida: e destes confessaram os padres [jesuítas]
alguns que aqui [ilha de S. Tiago] vieram» (6).
Salvo melhor opinião, podemos ainda ver
na palavra tangomão, que nos surge em pleno século XVI, uma evolução lenta dos trucimãos de que
nos fala ALVISE CADAMOSTO. em Le Navigatione
Attlantiche ( efectuadas em 1455 e
1456), e de Truchemens, uns normandos
que
no
Brasil desdisseram da civilização europeia para viverem
como os naturais mais selvagens. Traduzimos de CADA.MOSTO:
«Cada um dos nossos navios tinham trucimãos negros, trazidos
de Portugal. Estes trucimãos são escravos negros vendidos por
aquele senhor de Senegal aos primeiros cristãos portugueses que vieram descobrir
o país de negros. Estes negros fizeram-se cristãos em Portugal e aprenderam bem a língua
espanhola. Obtínhamo-los do seu senhor por estipêndio e soldo de dar-lhe
uma cabeça por cada um em toda a nossa viagem
pelo seu trabalho de trucimania. E dando cada um destes trucimãos
ao seu senhor quatro escravos, libertam-nos, e assim, por este
meio, muitos escravos receberam carta de alforria» (7).
Eram estes intérpretes negros os primeiros a saltar em terra para entabular
conversações, nem sempre bem sucedidas, pois não raro, conforme
nos conta CADAMOSTO, alguns trucimãos pagaram com a vida a aventura. Com o andar dos tempos, a estes trucimãos
sucederam os aventureiros brancos, sobretudo cristãos novos
(judeus convertidos ao Cristianismo).
De simples
agentes comerciais dos grandes armadores
passaram a aboletar-se e a fazer vida
irregular, a ponto de a justiça cair-lhes em cima não só durante a vida mas até após a
morte, pois todos os bens deixados pe!os tangomãos
pertenciam ao Hospital de Todos os Santos, em Lisboa. Numa relação datada de 9 de Janeiro de 1532 podem-se ler os seguintes nomes de lançados falecidos
cujos
bens
passavam
para o dito hospital: VICENTE CAIROS, JoÃo
CARNEIRO, GOMES EAi'IES , DIOGO ROIZ, PERO ANES, PERO MARTINS e SIMÃO
CARERO (8).
(1) Relação anual das coisas que
fizeram os Padres da Companhia de Jesus nas suas Missões nos anos 1600 a 1609, nova edição
dirigida e prefaciada por Artur Viegas, tomo I, p. 406.
(2) Op. cit., p. 58.
(3) Relação do Porto de Rio Senegal feita por João
Baptista Lavanha, em Boletim Cultural da Guiné Portu9uesa, n.0 55 ( 1959), p. 366, nota 2.
(4) Cf. Bulletin de l'lnstitut Fondamental
d'Afrique Noire, série B, Dakar,
t. XXIX, Jul.-Oct., 1967, p. 500, nota 1.
(5) Op. cit.
(6) P. FERNÃO GUERREIRO, Relação Anual, p. 100 s.
(7) Texto
original em italiano em P. Al\'TÓNIO BRÁSIO, Monumenta Missionária Africana, 2.ª série, vol. 1, Lisboa MCMLVIII,
p 342. Brásio, à frente, na p. 679, nota 1, dá à
palavra trusimanes do texto português do manuscrito de Valentim Fernandes
o correspondente «turgimãos: intérpretes». Ainda
no mesmo volume, p. 694, nota 2, informa que a palavra «trusimã» (nova
grafia do texto de Valentim Fernandes) provém do
árabe tordjman, francês truchement. E acrescenta:
«A palavra
que prevaleceu por muito tempo para designar o intérprete
foi língua». Por nosso lado, informamos que Fr. André de Faro,
em 1663-1964, na Relação, usa correntemente a palavra chalona para
designar intérprete, bem como Lemos Coelho, em 1669, na Descrição, por exemplo na p. 43.
(8) Cf. M.ª NOLASCO DA SILVA, Op. cit.»
Henrique Pinto Rema, As primeiras missões da Costa da Guiné, Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa, Vol. XXII, N.os 87-88, Julho-Outubro 1967
«Outras vozes incomodadas com a escravatura surgem noutros pontos do império. Cerca de 1600, o padre
carmelita e bispo de Cabo Verde, D. frei Pedro Brandão, escrevia
ao rei D. Filipe II, defendendo que fosse
concedida liberdade imediata a todos os escravos que se convertessem à fé cristã. Baseava-se,
para isso, entre outros
argumentos, na ilicitude dos cativeiros:
«Porque humanamente se não pode atalhar aos muitos modos com que injustamente os cativam. Porque uns são furtados por força ou engano, outros condenados sem culpa a cativeiro ( ... ), outros tomados em guerras injustas ( ... ), outros vendidos por seus pais, sem necessidade bastante; ( ... ), e outros por outros modos injustos. De sorte que, dizem os práticos, que de mil escravos que vêm ao Reino, novecentos são mal cativos.»
«Porque humanamente se não pode atalhar aos muitos modos com que injustamente os cativam. Porque uns são furtados por força ou engano, outros condenados sem culpa a cativeiro ( ... ), outros tomados em guerras injustas ( ... ), outros vendidos por seus pais, sem necessidade bastante; ( ... ), e outros por outros modos injustos. De sorte que, dizem os práticos, que de mil escravos que vêm ao Reino, novecentos são mal cativos.»
Ao
juntarmos aqui as objeções à legitimidade da escravatura por parte de alguns
representantes da Igreja, pode parecer que se trata de uma corrente de opinião
com algum peso no conjunto das elites dos séculos XVI e xvn. Nada mais errado.
O tráfico negreiro e o trabalho escravo tinham ganhado uma dimensão tão
significativa e faziam movimentar interesses tão avultados que já não era
apenas um assunto que interessava a um pequeno grupo de negreiros em busca de
fortuna ou ao Estado, que dele fizera uma importante fonte fiscal. Toda a
sociedade, na Europa ou nos territórios coloniais, adequara os seus quadros
mentais à nova realidade socioeconómica e tanto o «infame comércio» como a
exploração do trabalho forçado eram vistos como a realidade natural das coisas
desde o princípio do mundo. E as elites intelectuais, nomeadamente a Igreja,
garante da ideologia dominante, ao mesmo tempo que não desprezavam participar
nos benefícios económicos do negócio negreiro, produziam a argumentação que o
justificava e lhe garantia continuidade.
O
sofrimento pessoal e a injustiça social inerentes à escravatura não deixavam de
ser considerados, por muitos, corno factos lamentáveis, mas esse juízo acabava
por ser secundarizado por aquilo que se julgava ser uma necessidade social
irrefragável.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES
NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os
séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013,
pg. 47-48
Quel
tableau peut-on dresser de cette communauté de «juifs
hollandais»,
cette «nova gente qui commnerce avec les Flandres» (1)? Leur arrivée sur
la Peti.te Côte daterait des années 1600-1610. Elle était concomitante de
l'autorisation faite, en 1601, par Philippe II aux nouveaux-chrétiens de s'
installer dans les territoires d' outre-mer contre le paiement de 200 000
cruzados annuels à la Couronne. Le Procureur du Roi Sebastião Fernandes Cação, dans un texte daté du début du XVII•
siecle et conservé à la Bibliotheque da Ajuda à Lisbonne, énumérait une
vingtaine de judaysants portugais installés à Rufisque, Portudal et à Joal,
trais localités du littoral de la Petite Côte (aussi nommée Côte du Wolof)
distantes entre elles de 9 lieues:
-
Estevão Rodrigues Penso originaire
de Elvas qui arriva en Guinée à bord de la caravelle de Duarte Garcia, originaire de Santarém. Il s' en retouma en Flandres
puis revint dans le navire de l'un de ses parents avec beaucoup de marchandises
qu'il échangea contre des peaux, du cuir, de l'ivoire et de la cire;
-
Felipe de Sousa, originaire de
Lisbonne qui alia au fleuve de São Domingos sur un navire appartenant à Diogo Lobos de Leitão et de là il alia
en Flandres et revint à !adite Côte;
-
Son frere Diogo de Sousa qui partit
de Lisbonne à destination du Rio Grande et de là il alia en Flandres d' ou il
revint avec d' autres hommes portugais juifs dont l' un se nommait Simão Rodrigues Pinhel, né à Lisbonne,
lequel passa ensuite en Angleterre et en Flandres d' ou il revint avec un
navire remplit de marchandises;
-
Luis Fernandez Duarte, originaire de
Faro, qui vint également de Flandres en compagnie de Gaspar Nunes, un neveu de sa femme;
-
Pero Rodrigues Veiga et son frere Gaspar Fernandez Diaz vinrent aussi de
Flandres. Tous ces hommes susnommés judaysent;
-
Vinrent encore Diogo Martins Bom Dia
qui partit de Lisbonne à bord du navire de Baltazar
Lopes de Setubal, feitor de São Domingos [Cacheu], et de là il alia
à la Côte puis en Flandres; et Jorge
Carneiro, originaire de Portalegre, qui venait également sur lena vire du
dit Gaspar (sic) Lopez de Setubal;
-
Vinrent encore de Flandres à cette Côte sur un navire armé par Jeronimo Freire, originaire de Tancos,
et surnommé Jaco Peregrino, Jeronimo
Nunes, originaire de Alter do Chão dont le pere est apothicaire à
Portalegre et deux hommes dont je n' ai pu savoir les noms;
-
Vint encore un navire de Flandres avec à son bord deux hommes, originaires de
Tornar, qui chargerent du vin à l'ile de Palma et alierent à la Côte acheter
des cuirs [ ... ], l'un se nommait Antonio
Nunes, l'autre Lourenço Francisco
ou João Lopez da Costa, tous
judaysent ouvertement. (2)
Parmi
ces hommes, deux sont expliciternent désignés comme étant les meneurs et les guides spirituels: João Freire et Luís Fernandes
Duarte, «rabbins récemment arrivés de Flandres» et accusés d' avoir
introduit «de nombreux ouvrages défendus, de leur secte damnée» et de vouloir
«attirer [ convertir] d' autres catholiques avec de l' argent» (3)
Le premier, João
Freire, était originaire de Tancos (village de l' Alentejo), ou il s' était
marié. Il avait exercé l' activité de laboureur avant d' avoir été ernployé de
balcon (de commerce) chez un dénomrné Estevão
del Cairo.
Arrivé
à Amsterdam au toumant du XVII• siecle, il y effectua son retour au judaysme
avant de débarquer à Joal en 1610 ou 1611, à bord d'un navire hollandais, en
compagnie de trois de ses fils: l'un majeur et des deux autres âgés de 11 et 12
ans. Passé en Afrique, il s' em pressa
de prendre pour nom Jacob Peregrino (Jacob le Pelerin). Les témoins le
présentaient comrne le «rabbi de
tous les juifs qui résident en Guinée sur la Côte» (4), , envoyé pour
répandre «l'écriture sacrée» et soulignaient son action dans la conversion d'un
certain nornbre de Blancs.
Un
des marins embarqués sur le navire qui le conduisait de Lisbonne en Afrique l'
acusa d' avoir en sa possession «12 bibles hébrüques pour enseigner à qui
voudrait être juif, des instruments pour pratiquer la circoncision selon la
couturne juive» (5)
Plusieurs autres térnoins mettaient
par ailleurs en avant son rôle dans la fondation d' une synagogueà Joal. L'implantation de João
Freire au sein de la comrnunauté était bien assiseet aprês sa mort la
continuité fut assurée par son fils Manuel Peregrino. Ainsi, en 1635, Gaspar Dias Robalo, nouveau-chrétien
originaire de Moncorvo (Trás-os-Montes),débarqua à Joal «et là il se prosterna
pour baiser la Terre, et il la déclara terre sainte». Ensuite, il «Se rendit à
Portudal ou résident quelques homrnes juifs qui suivent la loi de Moise, dont
un certain Manuel Peregrino qui le circoncit>>. Le rnalheureux Gonçalo Dias Robalo ne survécut pas à
la circoncision et aux violentes fiêvres. II fut enterré selon les rites
judai'ques. (6) Par ailleurs, le missionnaire capucin Alexis de Saint Lô qui
séjourna sur la Petite Côte entre novernbre 1634 et rnai 1635 se rendit: «chez
un Juif nomrné Peregrin et qui est comrne le Docteur des autres juifs de la
Coste: à peine nous fusrnes en sa cabanne qu'il nous apporta la Bible pour
disputer de la venue du Messie: mais comrne nous allions entrer au principal de
la dispute, le Roy arriva» (7)
Le
second, Luís Fernandes Duarte,
nouveau-chrétien originaire de Faro, était pour sa part connu en Guinée sous le
norn de Jésu Israel. II était accusé
d' avoir converti son serviteur mulâtre au judaisme ainsi que le Portugais Felipe de Sousa dont le frere, Diogo Vaz de
Sousa, était marié à la soeur du dit Luis Fernandes Duarte. Felipe de Sousa
possédait <<Uil livre composé par un certain Jacob Israel, recueil en
castillan de priêres et rites judai'ques de l' Ancien Testamenb> (8) et Luis
Fernandes Duarte avait suspendu en sa demeure un «calendrier indiquant les
fêtes de la loi ancienne et les priêres de la Reine Esther» (9) Parmi les autres figures importantes
figuraient Pero Rodrigues Veiga,
Portugais né à Anvers qui se faisait appeler Abram Touro, et Jerónimo
Gomes da Silva originaire de Alter do Chão ou Portalegre, qui était aussi
passé par Amsterdam ou il s' était forrné en Médecine.
Ainsi,
la petite comrnunauté s' organisait autour de Luís Fernandes Duarte et surtout de Jacob Peregrino, guide
spirituel qui fut, semble-t-il, à l' origine de l' édification de la synagogue
de Joal 48. Au préalable, un premier lieu de culte avait fonctionné chez Diogo Vas de Sousa o Velho (10) , chez
leque! Jacob Peregrino et desmembres de la comrnunauté «se réunissaient pour
discuter. Et ils mangeaient et buvaient. Et dans la dite maison
ils récitaient leurs priêres et faisaient leurs cérémonies».
Un
autre lieu de priêre fonctionnait chez un dénonuné Simão Rodrigues de Évora
chez lequel: «ces
Juifs effectuaient leurs priêres et réunions les vendredis aprês-midi et ils
revêtaient des chemises lavées et chantaient à haute voix leurs obscénités». ou encore «ces Juifs faisaient leurs cérémonies et priêres à voix haute les
vendredis aprêsmidi. Le samedi était un jour
férié comrne s' il s' agissait d' un dimanche, ce qui provoquait une grande
indignation chez les Catholiques».
Les
membres de la communauté jouissaient d' une certaine aisance économique qui
reposait sur les bénéfices tirés de l' exportation vers les Pays-Bas de
matiêres premières africaines (cuirs, cire, ivoire, etc.). Cette prospérité se
nourrissait aussi des aliances
construites avec certains hauts représentants de la Couronne en place au
Cap-Vert, dont un dénomrné João Soeiro, contratador du Cap-Vert
entre 1609 et 1615. En charge de l' exportation officielle des esclaves vers
les lndes, João Soeiro avait en toute illégalité autorisé: «son frere, installé
à Amsterdam, à envoyer des navires aux ports de Guinée et il avait déclaré
qu'il ordonnerait aux facteurs de les approvisionner. De sorte, que beaucoup de
navires se rendirent au Rio de Guinée [Cacheu ], parmi lesquels un navire qui
chargea du vin sur l'ile de Palma [Canaries]. Le capitaine en était un certain Lourenço Francisco et il était accompagné
de son frêre Antonio Nunes, tous deux originaires de Tomar, ville qu' ils
avaient fui pour échapper à l'Inquisition. Un
autre navire arriva en Guinée, avec pour armateur Pedro Rodrigues Veiga. Il
venait de Flandres et l'un de ses frêres nommé Gaspar Nunes l' accompagnait».
(1) lnquisition de Lisbonne, Liv. 205,
"Escornunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a
ella", fl. 579.
(2) Biblioteca da Ajuda, Manuscrit 51-VI-54, nº
38, "Memória e relação do resgate que fazem franceses, ingleses e
framengos na Costa da Guiné, do rio Sanaga até a Serra Leoa", fls. 146-147
.
(3) Inquisition de Lisbonne, Liv. 205,
"Relação das coisas de Guiné feita pelo conego Anrique Hieronymo da Cunha
(1615)", fl. 387.
(4) lnquisition de Lisbonne, Liv. 205,
"Contra João Soeiro contratador do Cabo Verde, e hum traslado da petição
do conego Francisco Gonsalves Barretto, e mais papeis que o viserey mandou a
este Santo Officio", fl. 116 .
(5) lnquisition de Lisbonne, liv.; 205,
"Escornunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a
ella", fl. 589 v.
(6) Jnquisition de Lisbonne, Liv. 217,
"Treslado dos papeis que acreserão sobre a fazenda de Gaspar Dias
Roballo", fls. 471-3.
(7) Pere Alexis de Sainct-Lô, Relation du
Voyage du Cap Verd (1637), reproduction INALCO, Paris, 1974, p. 21.
(8)lnquisition de Lisbonne, Liv. 205,
"Escornunhão que se pos no negocio da fazenda e as pessoas que sairão a
ella", fl. 591 v. 47 Ibidem, fl.
592.
(9) Plusieurs térnoignages, dont celui du pere
jésuite Baltasar Barreira, rnentionnent l'existence d'une synagogue à Joal. Cf.
également Inquisition de Lisbonne, liv. 205, "&comunhão que se pos no
negocio da fazenda e as pessoas que sairão a ella", fls. 579-579 v.
(10) Oncle de Felipe de Sousa et de Diogo Vaz de
Sousa, rnentionnés supra.
ANTÓNIO FERNANDES DE ELVAS e a tentativa de
monopolização do tráfico
A nível peninsular, António Fernandes de Elvas
foi um dos homens mais ricos e influentes do seu tempo. E veio a ser também um dos grandes «magnatas do tráfico negreiro» (para
utilizarmos o título de um hvro de José Gonçalves Salvador), tendo quase
conseguido monopolizar o comércio atlântico de escravos nas pnmeuas décadas
aoséculo xii.
A mfluência de que dispôs, deveu-a, em grande
parte, aos laços familiares. António Fernandes de Elvas provinha de uma família endinheirada de cristãos-novos, com fumos
de nobreza. O avô, António Fernandes de Elvas (a quem o neto foi bus(ar o
nome), além de abastado homem de trato tinha sido fidalgo da Casa Real e
tesoureiro da infanta D. Maria, filha de D. Manuel 1. O pai, Jorge Fernandes de
Elvas, casado com Branca Mendes Coronel, era também mercador conhecido e
fidalgo da Casa Real. Deixou ao filho, além da riqueza móvel, do bom-nome e do
crédito comercial, dois importantes morgadios, que incluíam várias propriedades
em Lisboa e noutros pontos do país. Entre as propriedades que pertenceram a
António Fernandes de Elvas (neto) contava-se a Quinta das Mil Fontes, em
Camarate, que ostenta, até aos nossos dias, um belo edifício de traça
manuelina. Como o pai e o avô, também António será fidalgo da Casa Real, por
alvará de 1566, confirmado em 1573.
O casamento aumentou-lhe o património e
aprofundou-lhe os contactos no meio financeiro. A mulher, Helena Rodrigues Sólis, filha do rico negociante Jorge Rodrigues Sólis (também ele e os
filhos associados ao tráfico de escravos), trouxe para o matrimónio, como
dote, uma renda de cerca de 5000 ducados. Diga-se desde já que não trouxe só
isso: era uma mulher inteligente, forte
e decidida que participará nos negócios ao lado do marido.
António Fernandes de Elvas, pelo nascimento e
pelo casamento, mas também pelas afinidades de caráter religioso e pelos
interesses económicos, estava inserido
numa vastíssima rede de amizades e de cumplicidades com outras famílias ·de
mercadores como as dos Coronel, dos Veiga, dos Rodrigues de Évora, dos Sólis,
dos Mendes de Brito e dos Ximenes, para só citar algumas, todas elas com
ligações ao comércio ultramarino.
Será esse também o seu caminho.
Em 1606 tinha tido o arrendamento dos direitos
das naus da índia e em 1612
interveio em negócios de pimenta. Por
essa altura, porém, já os seus interesses estavam mais virados para o Atlântico
e para o tráfico negreiro, sobretudo a partir de Angola.
A primeira tentativa de António Fernandes de
Elvas para arrendar o asiento para fornecimento de escravos às Índias
Espanholas remonta ao final de 1610. Embora tenha ganho o concurso do asiento
que deveria ir de 1612 a 1622, o mesmo acabou por ser anulado por pressão
do setor mais antiportuguês da Casa de Contratación, optando-se pela
administração direta da Coroa. Os resultados foram desastrosos e em 1615
vóltou-se ao processo de licitação pública do asiento, a que, mais uma
vez, apenas concorreram portugueses. Entre os interessados, o que se apresentou
com maior crédito foi Fernandes de Elvas, sendo aceite a sua proposta, embora
nem sequer fosse a de valor mais elevado:comprometia-se a pagar anualmente 115
000 ducados.
O asiento devia iniciar-se a partir de
dia 1 de maio de 1615 e terminar no fim de abril de 1623, podendo e devendo, no total desses oito anos, ser introduzidos nas
Américas 28 000 escravos africanos, a um ritmo anual de 3500. Tolerava-se, no
entanto, que fossem vendidas, anualmente, licenças
para mais 1500, para compensar eventuais perdas, por mortalidade, na viagem a
partir de África.
Os navios do trato tinham de ser
obrigatoriamente registados e inspecionados em Sevilha ou Cádis mas, por razões
de operacionalidade, podiam navegar diretamente entre a África e o continente
americano.
Os portos autorizados na América Espanhola eram
os de Cartagena e de Vera Cruz mas permitia-se também a entrada de um pequeno
número de escravos através do rio da Prata, um destino sempre ambicionado pelo
acesso que possibilitava ao metal precioso que dava nome ao rio. Outra
novidade: os representantes do assentista podiam levar osescravos por terra até
ao interior, caso não houvesse na costa compradores suficientes. Ficava aberta a porta para todos os abusos.
Um ano
depois
de ter conseguido o exclusivo do tráfico de escravos para as Américas, eram também arrematados a Fernandes de
Elvas, por oito anos, os contratos de Cabo Verde (por 14700$000 réis anuais) e de Angola
(por 24 000$000), o primeiro a começar
em 1 de janeiro de 1616 e o
segundo em 24 de junho de 1616. O contrato de Angola excluía Benguela, com um
movimento ainda quase insignificante, mas incluía o Congo e o Loango.
Isto
significava que, pela primeira vez, se concentrava nas mãos de uma única pessoa
praticamente todo o comércio negreiro legal do Atlântico. Só ficava a
escapar-lhe o arquipélago de São Tomé e Príncipe, mas a verdade é que essas
ilhas já não eram, então, o grande entreposto comercial que tinham sido no
século XVI. E de qualquer forma, o
contrato respetivo também estava, então, entregue a negociantes cristãos-novos,
os irmãos Rodrigues da Costa (Jorge, primeiro, Fernão Jorge, depois), cujos
interesses deviam estar próximos dos da família Elvas. Não é, aliás, impossível
que, junto de Fernandes de Elvas, no projeto de domínio do tráfico atlântico de
escravos, estivessem outros comerciantes
e banqueiros cristãos-novos, eventualmente com relações internacionais,
nomeadamente ao Norte da Europa.
Fosse como fosse, a dimensãb tricontinental do
empreendimento, o volume de capitais envolvidos, a necessidade de ter agentes
de confiança numa multiplicidade de cidades-portos, tudo isso tornava a empresa
difícil de administrar. Sempre que pôde, António Fernandes de Elvas colocou os
familiares em lugares-chaves: um dos
cunhados, Jerónimo Rodrigues de Sólis, foi seu procurador e feitor em Cabo
Verde e em Angola, e outro cunhado,
Francisco, mais tarde preso pela Inquisição, foi seu representante em Cartagena
das Índias. E o próprio filho, Jorge
Fernandes de Elvas, irá à América Espanhola como guarda-mor do asiento, levando
consigo o feitor António Vidal.
Mas continuava a não ser uma tarefa fácil. Os
pagamentos das elevadas importâncias que era necessário satisfazer,
periodicamente, em Lisboa ou em Sevilha atrasavam-se com facilidade, algumas
vezes talvez de forma intencional, outras pela dificuldade em sincronizar
transferências a tão grandes distâncias .. Por outro lado, com orientação
superior ou não, os seus agentes (como
forma de obter dividendos rápidos?) não resistiam à tentação de recorrer,
sistematicamente, ao contrabando.
Nos
anos de 1617, 1618 e 1619 entraram na América Espanhola mais escravos do que em
qualquer outro período. Em grande parte devido ao contrabando, .gue atingiu valores
nunca vistos. No rio da Prata, por exemplo, foram introduzidos mais quatro mil
escravizados africanos do que estava estabelecido no contrato. No porto de
Cartagena das Índias, para contarmos só um dos casos relatados pela
historiadora Enriqueta Vila Vilar, quatro dos navios que aí entraram em 1619,
procedentes de Angola, traziam registados, com os respetivos direitos pagos, 80
escravos cada um deles. A realidade era muito diferente. A carga efetiva era,
navio a navio, de 206, 246, 422 e 623 cativos, nem mais nem menos•
As
coisas vão começar a correr mal para António Fernandes de Elvas e, se as razões
económicas são fundamentais, há que também ter em conta que a dimensão do seu
sucesso lhe trouxera, em igual proporção, invejas e inimigos que tudo farão
para o prejudicar. E, em Sevilha,
continuava a ser uma voz incómoda o partido dos que defendiam junto das
instituições de governo das Índias, o afastamento dos mercadores portugueses,
identificados como intrusos e cristãos-novos.
Em
1621, embora os maus rumores já viessem de 1618, tudo se precipita. Alegando
atrasos insustentáveis nos pagamentos, o Conselho das Índias, informado pelo
Conselho da Fazenda de que nem tudo corria bem com o assentista, declara-o, em Agosto do ano de 1621, falido e incapaz de satisfazer os compromissos
assumidos, suspendendo de imediato o contrato e embargando-lhe todos os bens.
Uma das acusações era a de que nessa altura o assentista já despachara 20 582
licenças (cada licença correspondia a um escravo) e ainda não pagara nada.
O
acusado e os seus representantes irão contestar essa decisão, argumentando que
pagamentos feitos nas Américas, e ainda não contabilizados em Sevilha, cobriam
a alegada dívida e que não se justificava a declaração de falência (quiebra),
uma vez que ele estava na posse de toda a sua fortuna e não tinha perdido
dinheiro em nenhum dos seus negócios. E que o crédito que mantinha na praça
podia ser gravemente afectado por esta situação, provocada por gente que queria
apenas desprestigiá-lo. E que se se provasse que tinha dívidas do asiento se
comprometia a pagá-las de imediato e a pronto. Em carta em que recorre para a
corte de Madrid puxa dos galões familiares: •os meus pais, os meus avós e eu
tivemos muitos contratos em Castela e Portugal... e sempre havemos cumprido».
As
autoridades espanholas não aceitaram, no entanto, os argumentos de defesa e
iniciaram, de imediato, o processo de abertura para a licitação de um novo contrato, que viria a ser entregue
a Manuel Rodrigues Lamego, outro próspero e notório cristão-novo.
Já,
nessa altura, acamado e muito doente, Fernandes de Elvas não conseguiu resistir
à pressão a que foi sujeito e à ameaça que isso significava para a sua
respeitabilidade individual e a sua solvência comercial. Faleceu em Lisboa em Agosto de 1622. Mas não há de ter sido só a depressão que o fulminou. Os
médicos que o assistiram (Jorge Rodrigues da Costa e Cosme Damião) atestaram
que estava atacado por «uma espécie de lepra e chagas que tinha por todo o
corpo».
A mulher e os filhos de Manuel Fernandes de
Elvas continuaram a luta pelo bom-nome do marido e pai e para que fosse
levantado o embargo que pesava sobre os rendimentos pertencentes ao contrato e
sobre os imóveis do falecido, incluindo as suas casas em Lisboa. Foram
particularmente veementes os protestos da viúva, D. Helena Rodrigues Sólis, que
chegou a propor ser ela a ficar, por oito anos, com o asiento que ia ser
posto a licitação. Tanto o Conselho da Fazenda como o Conselho das Índias
consideraram que ela'tinha solvência e considerável crédito (esqueceram-se de
falar na coragem ... ) mas rejeitaram-lhe a proposta•
MANUEL BAPTISTA PERES Negociar na Guiné, enriquecer no Peru
Durante
o século xvn, mormente durante a União Ibérica, muitos cristãos-novos
portugueses procuraram a América Espanhola em busca de fortuna e de tolerância.
Em geral, foi mais fácil conseguir a primeira do que a segunda, uma vez que
tiveram de confrontar-se não só com preconceitos religiosos como também com uma
crescente animosidade contra os estrangeiros.
Em
relação ao enriquecimento, uma boa parte deles encontrou no tráfico d a mais
rápida de acumular capital. A biografia
de Manuel Batista Peres , nesse campo, é exemplar.
Nasceu cerca de 1591 em
Ançã, distrito de Coimbra, numa família de cristãos-novos. Órfão de mãe muito
cedo, foi levado para Lisboa pelo pai, Francisco Peres, junto com outro irmão
pequeno, João Batista Peres. Vão ser criados pela tia materna, Branca Gomes,
esposa de um mercador, cujo filho (João Vaz Henriques) seria sempre muito
próximo de Manuel Batista Peres.
Com
os tios e o primo foi para Sevilha aos 11 anos e por lá ficou até perto da
maioridade, altura em que regressou a Lisboa. Não tardaria a embarcar para a Guiné; fixando-se no porto de Cacheu
(1612?), onde já vivia o irmão mais velho, João Batista Peres. Dedicam-se a
comprar escravos e a exportá-los para as Índias de Castela. O negócio
parece ter-lhes corri o em feição, pois não tardaram a ter navios próprios na
travessia do Atlântico.
Em
1618, depois da inesperada morte do irmão no ano anterior, Manuel
Batista Peres resolveu abandonar a costa de África. Não era a sua primeira
viagem para Cartagena das Índias, mas desta vez ia com a firme decisão de se
fixar no Novo Mundo, trocando o tráfico atlântico pelo comércio inter-regional
americano, no qual o acesso mais fácil à prata era um poderoso acicate.
Não
foi de mãos vazias. No navio em que
partiu de Cacheu (a nau Nossa Senhora do Vencimento), de que era dono e
capitão, transportava, à sua conta, 509 escravos. A viagem não correu bem
e, durante a travessia, morreram 90
cativos ( 17% ), o que comprometia a rentabilidade da empresa. Mostrando o
seu caráter empreendedor, vendeu em Cartagena a nau em que atravessara o
Atlântico para poder fretar outra embarcação do lado de lá do istmo do Panamá e
levar a Lima o seu carregamento de escravos, de forma a ressarcir-se das
perdas.
A
cidade de Cartagena era, à data em que Batista Peres lá desembarcou, um dos
mais animados centros económicos das Américas. Antes de mais, pela qualidade do
porto. Escrevendo ao rei, em 1570, um capitão espanhol da «frota da Terra
Firme» afirmava perentoriamente que «O porto de Cartagena era um dos melhores
da América e talvez do Mundo» •
Fundada
em 1533, sobre um antigo povoado indígena, protegida, mais tarde, por fortes
torres e bons panos de muralhas, a cidade conheceu um crescimento permanente ao
longo dos séculos XVI e XVII. O afluxo de metais preciosos, de pérolas e de
esmeraldas, bem como os negócios de tabaco e de plantas tintureiras, ajudaram
Cartagena a tornar-se uma cidade dinâmica e cosmopolita.
Uma das principais
atividades, ou mesmo a principal, era, porém; o tráfico de escravos. Nesse tráfico, eram
os grandes comerciantes portugueses que dominavam, sobretudo a partir de 1580,
quando os Habsburgo (afinal também reis de Portugal) estabeleceram com eles
chorudos contratos monopolistas, abrindo transitoriamente mão do, regime de
administração direta pela Coroa.
Os
«assentistas» lusos instalaram, então, os seus representantes oficiais em
Cartagena, montando paralelamente toda uma rede comercial que assegurava a
reexportação de mão de obra cativa, abastecendo grande parte do Caribe e do
interior do continente (vice-reinados do Peru e de Nova Espanha) e permitindo
negócios recompensadores a muitos portugueses•
A
cidade caribenha tornou-se, assim, o principal entreposto esclavagista das
Índias Ocidentais. Em cálculos por alto,
estima-se que. Entre 1595 e 1640, os «assentistas» portugueses tenham
importado. Através de Cartagena, 150 000 peças «legais», além de um número
indeterminado introduzido através do contrabando• Uma parte desses escravos
era retida na cidade e seus arredores (principalmente em trabalhos domésticos e
agrícolas), mas a maioria, como já dissemos, era reexportada para outros pontos
das Américas.
Um
dos principais destinos era a cidade de Lima, capital do vice-reinado do Peru,
considerada a Cartagena do Pacífico. As minas de prata, que animavam por si só
a economia da região, consumiam grande quantidade de trabalhadores escravos.
Mas Lima funcionava também como plataforma de distribuição de mão de obra
servil para toda a região peruana e ainda para o Equador e para o Chile. Não
admira, por isso, que os escravizados atingissem preços elevados e o seu
comércio proporcionasse lucros significativos. Um escravo comprado em Cartagena por 270 a 300 pesos podia ser vendido
em Lima pelo dobro dessa importância, o que era importante, apesar dos
riscos e dos custos acrescidos.
Os
escravizados descarregados em Cartagena eram embarcados para Portobelo (Panamá)
e daí faziam, por terra, durante três ou quatro dias, a travessia do istmo até
ao porto de Perico, já no Pacífico, percurso que havia que vigiar com mil olhos
devido ao perigo de fugas
FRANCESCO CARLETTI, um florentino no tráfico de escravos
Quando se ouve falar em
Francesco Carletti não é ao tráfico de e cravos gue o seu nome é normalmente a
associado.
Ele é considerado o primeiro europeu a dar a volta ao Mundo a título meramente
privado, entre 1591 e 1606, utilizando meios de transporte que não lhe pertenciam.
Por outro lado, há quem lhe atribua a introdução, em 1606, da técnica de
fabrico de chocolate em Itália, o que não é pouco. No entanto, não é da viagem
de circum-navegação nem de cacau, mas
antes da sua participação no comércio de mercadoria humana, que falaremos
aqui.
Francesco
Carletti nasceu em Florença em 1573, numa família de negociantes. Quando fez 18
anos, o pai, que tinha negócios com Portugal e Espanha, enviou-o para Sevilha,
para fazer aquilo a que hoje chamaríamos um estágio de formação, junto de um
compatriota conhecido, Niccolô Parenti, há muito fixado na cidade do
Guadalquivir, excelente lugar para quem se queria iniciar nas oportunidades do
comércio a distância. Dois anos depois, o próprio pai veio juntar-se-lhe em
Sevilha, e, como tinham capital disponível, alguém lhes soprou a possibilidade de um bom negócio: levar escravos de
Cabo Verde para as Índias Espanholas.
Houve,
primeiro, que vencer a burocracia. A monarquia espanhola, nessa altura em
dimensão ibérica, não permitia que negociantes estrangeiros acedessem aos seus
territórios coloniais. O jovem Francesco conseguiu ultrapassar o problema
tomando-se procurador de uma senhora sevilhana, por acaso ( ! ) casada com um
mercador italiano. Fretou depois um navio de 85 toneladas, obteve o despacho da
Casa de Contratación de Indias, registou-se a ele próprio e à tripulação
e comprou licenças para introduzir 80
escravos nas Américas, passo indispensável dado o regime de monopólio em
vigor.
Partiu, finalmente, a 8
de janeiro de 1594., de San Lúcar de Barrameda, rumo a Cabo Verde. O pai, António
Carletti, que não dispunha de autonzaçâo para entrar nas tridias de Castela, se
ia escondido no navio.
Chegados,
passados 19 dias, à Ribeira Grande, na ilha de Santiago, alugaram casa e
fizeram saber publicamente, através de pregão que estavam compradores de escravos. Primeiro balde de água fria. Havia outros
navios a carregar no porto e os proprietários ue traziam escravos para vender
exigiam preços muito mais elevados do que aqueles que os Carletti aviam
previsto em Sevilha, «no papel», quando planearam o negócio. Assim, em vez de
50 ou de um máximo de 60, tiveram de pagar, no mínimo, 100 escudos florentinos
por cabeça. E só conseguiram comprar 75 escravos, sendo, como convinha, dois
terços de homens e um terço de mulheres, mas sem distinguir novos e velhos,
pequenos e grandes, «ao uso da terra»,
Com
alguma hipocrisia, Francesco Carletti espanta-se de se ver a ele próprio a
participar num negócio em que se compram
pessoas ao rebanho, como se fossem gado, «com todas as precauções e
verificações para que estivessem de boa saúde e tivessem boa constituição e
nenhum defeito físico».
A
verdade é que leva o seu papel a sério e não
hesita em ser ele a marcar a fogo os seus escravos com um ferrete de prata
aquecido na chama de uma vela de sebo. Os escrúpulos são tardios: «Quando
me lembro de a ter feito [a marcação], por ordem daquele de quem dependia [o
pai?], não deixo de sentir uma certa tristeza e problemas de consciência,
porque, para dizer a verdade, este tráfico pareceu-me sempre inumano e indigno
da fé e da piedade cristãs[ ... ]. Este negócio nunca me agradou.»
No
entanto, essas justificações são muito posteriores, e os problemas de
consciência também. Na altura, a
preocupação era outra: obter o maior lucro possível. Francesco assumiu a
direção da tarefa. Separou os escravos por sexos e dividiu-os em lotes de
dez, cada lote sob a direção daquele que lhe pareceu mais capaz e que estava
encarregado de distribuir a alimentação (legumes secos cozidos com sal e um
pouco de óleo) duas vezes por dia. Homens e mulheres andavam nus ou, quando
muito,com um bocado de tecido, de couro ou mesmo de folhas de árvores a
cobrir-lhes o sexo. Depois de comentar que andavam assim sem qualquer pudor,
acrescenta que alguns homens usavam, a seu modo, de certa galanteria e prendiam
o membro viril com uma fita ou um fio vegetal e, puxando-o para trás, entre as
coxas, escondiam-no de tal forma ue não se sabia se eram homens ou mulheres.
Outros adornavam-no com o chifre de algum animal ou com conchas marinhas.
Outros ainda cobriam o sexo com múltiplos anéis de osso ou fios entrelaçados ou
pintavam-no de vermelho, amarelo ou verde.
Francesco
teve de interromper, no entanto, as observações antropológicas e a tarefa de
cuidar dos escravos, pois caiu fortemente doente, provavelmente com malária, já
que era o seu primeiro contacto com os trópicos. As sangrias a que foi sujeito,
durante sete dias, não lhe trouxeram quaisquer melhoras.
Quando
chegou o momento de partir para Cartagena das índias, o porto de destino, a sua
debilidade era total e estava incapaz de se mover, tendo encarregado dois
portugueses de tomarem conta dos escravos dele.
Estes
foram embarcados no pequeno navio que os Carletti tinham fretado. Os homens
foram instalados na coberta, tão apertados e comprimidos uns contra os outros
que mal se podiam virar. As mulheres espalharam-se pelo convés, o melhor que
puderam.
A
viagem entre a ilha de Santiago e Cartagena durou um mês e foi feita em
conserva com um outro navio negreiro que seguia na mesma direção. Em grande
parte do percurso, conseguiram pescar uma enorme quantidade de peixe, que lhes
serviu para poupar víveres e alimentar, com ele, a tripulação e os escravos.
Francesco
Carletti atribui, aliás, ao facto de os escravos comerem um certo tipo de peixe
mal cozido, ou quase cru, a doença que afetou alguns deles, que morreram de
«fluxo de sangue».
Uma
noite, já à vista das Antilhas, o navio que os acompanhava, maior e mais
pesado, foi embater contra eles, por inadvertência do marinheiro que seguia ao
leme, causando alguns danos e só por milagre não provocando o naufrágio da
embarcação mais pequena. Mas o embate teve pelo menos uma vantagem: o choque e
o enorme susto que ele lhe provocou curaram Francesco Carletti da doença que o
atormentava, livrando-o, de um momento para o outro, da febre que até aí nunca
o tinha largado.
À
chegada a Cartagena das índias houve alguns problemas com as autoridades
espanholas, mas que se resolveram de forma satisfatória.
Até
a situação do pai António Carletti, que se mantivera escondido no navio, pôde
ser legalizada, mercê de algumas cartas de recomendação e mediante o pagamento
de 500 reais, cerca de 45 escudos florentinos.
Dos 75 escravos
embarcados em Cabo Verde só chegaram vivos 68, mas a maioria doentes e muito
maltratados.
Os Carletti tudo fizeram para que eles recuperassem a boa forma, «não por
caridade, é preciso dizê-lo, mas para não perderem o valor e o preço que
representavam», conta o filho, num rompante de sinceridade. Apesar da melhoria
detratamento, alguns deles, não sabemos
quantos, acabaram por morrer pouco depois do desembarque.
Economicamente,
a expedição tinha sido um desastre e não correspondera minimamente às
expectativas risonhas que os seus promotores tinham projetado em Madrid. Carletti
faz as contas. Na ilha de Santiago, em vez de por 50, cada escravo tinha sido
comprado por 100 escudos ou mais. Cada licença para introduzir cativos na
América custara 25 escudos. Os direitos de saída de Cabo Verde, 16. O
transporte até Cartagena, a alimentação e outras despesas, 21. Tudo somado,
cada escravo ficara, segundo o mercador, em cerca de 170 escudos. Como tinham
morrido sete na viagem e mais alguns já em terra, só haveria algum lucro se
cada um dos sobreviventes fosse vendido por cerca e 300 escudos. Ora. o preço
máximo a que foi possível negociá-los foi de 180. Segundo Francesco Carletti,
tinham perdido nesta aventura 40% do capital investido. O florentino aprendia à sua custa que o negócio dos escravos, além de
desumano, não era tão seguro nem tão lucrativo como muitas vezes se pensava
MARTIM
RODRIGUES TENÓRIO
MARTIM
AFONSO TENÓRIO DE AGUILAR
(Castela,
século XVI - Paraupava, São Paulo 1608 ou 1610)
De
acordo com José Gonçalves Salvador, Martim pertencia a wn grupo de
cristãos-novos que contraíram matrimónio com cristãs-velhas, no ensejo de obter
prestígio social. Em São Paulo, casou com a viúva de Damião Simões, Susana
Rodrigues, a 30 de Julho de 1589, de quem teve oito filhos. Entre os seus
genros figuravam os nomes dos mineiros Clemente Álvares e Cornélio de
Arzão.Recebeu o baptismo já adulto, no dia 18 de Agosto de 1601. A partir desse
ano, tornou-se membro da Confraria de Nossa Senhora do Carmo, do Santíssimo
Sacramento e da Misericórdia.
Letrado,
no seu inventário de bens são referidas várias obras, entre as quais figuram Instrução
dos Confessores, O Retábulo da Vida de Cristo, Mistérios da Paixão, o
panegírico de Gonçalo Córdova e Crónica do Grão Capitão.
A actividade mercantil
de Martim, sertanista e traficante de escravos, foi exercida a partir de São
Paulo, onde era residente. Muito rico, ocupava-se de várias activ1dades comerciais,
sendo proprietário de várias casas no termo de São Paulo, assim como de uma
fazenda na mesma cidade. Ainda ali, Martim também desempenhou alguns cargos administrativos.
Possuía um engenho em Ibirapuera e, em
1608, decidiu-se a penetrar pelo interior da região paulista de Paraupava,
acabando por lá perecer como os restantes que o acompanhavam.
Apenas
em 1612 é que a notícia da sua morte foi conhecida pelos seus familiares. Uma
vez que Martim nunca dera a conhecer o testamento, estes acabaram por dividir
os seus bens da forma que lhes pareceu mais conveniente.
Estudos
José Gonçalves Salvador, Os Cristãos-No1•os
e o Comércio no Atlântico Meridional (Com e1?foq 11e nas Capitanias do Sul
1530- 1680) , São Paulo, Pioneira Editora/MEC, 1978, pp. 77, 78, 82, 92,
102, 104 e 125.
Idem,
Os Cristãos-Novos. Po1•oa111 enlo e Conquista do Solo Brasileiro (1530-
1680), São Paulo, Pioneira/U nivers idade de São Paulo, 1976, pp. 7, 14,
62, 92, 95 e 229.
JOÃO SOEIRO (n. sec. XVI, m. sec
XVII)
Fidalgo da Casa Real e
mercador ligado ao comércio negreiro, João Soeiro ganhou notabilidade ao se
trornar contratador dos direitos de Cabo Verde e Rios da Guiné entre os anos de
1609 e 1614.
recebendo uma renda anual de 16 contos de réis. Ao obter este contrato,
adquiriu também autorização para fazer deslocar as suas embarcações até às
Antilhas e outros locais.
Somente
João Soeiro empregava no tráfico legal,
como no sub-reptício, mais de 30 navios transportadores.Enquanto contratador, fez-se rodear de
outros cristãos-novos gue lhe serviam como intermediários, armadores, agentes e
feitores. Entre os seus feitores contavam-se os nomes de Pedro Rodrigues da Veiga, Filipe de Sousa
Corcovado, Estevão Rodrigues Penso, Baltasar Lopes de Setúbal, Diogo Taborda
Leitão e Heitor Cardoso.
O
contrato de João Soeiro esteve longe de gerar o pleno apoio da população de
Cabo Verde. Aliás, em 1610, surgiu uma
controvérsia entre este e os moradores do arquipélago, fruto do processo de
importação de alimentos da Guiné, o gual havia gerado uma anotação fraudulenta
dos montantes de víveres que entravam em Santiago.
Os moradores,
encabeçados nos seus protestos pelo governador de Cabo Verde, NICOLAU CASTILHO, acusavam Soeiro de
furtar muitos direitos à fazenda real, de canalizar os carregamentos para os
seus contratadores, feitores e parentes e de desviar da feitoria de antiago
todo o rendimento, de forma a poder provar o alegado prejuízo no contrato.
Segundo o capitão da
infantaria da ilha de Santiago, JOÃO MENDES, esse prejuízo nunca chegou a existir.
Este alegou que, desde o contrato de João Soeiro, nunca haviam faltado navios a
circular pelo arquipélago, contando um total de mais de trmta, uns gue
seguiam de Lisboa às Canárias e dali até aos Rios dã Guiné, outros que faziam o
percursodirecto a partir de Sevilha e ainda ou tros que iam directarnente de
Lisboa até à Ilha de Santiago. Ora, segundo o mesmo testemunho, cada navio
carregava, em média, entre 300 e 400 escravos por ano e, desta forma, nunca até
então existira um contratador gue tanto tivesse ganho quanto Soeiro. JOÃO MENDES provou igualmente como os
negócios do contratador se estendiam até à Flandres. Um irmão de Soeiro que
lá residia mandara para a Guiné uma nau que foi carregadã de vmhos na ilha da
Palma e dali seguiu para a costa, onde se abasteceu de couros, marfim e cera, acabando por
rumar até ao Norte Europeu. Toda esta acção havia contado com o favor de João
Soeiro.
As
contendas com os moradores eram a prova de que o prejuízo alegado era
fraudulento e conduziram ao termo do seu
contrato em Agosto de 1614. Filipe li ordenou a apreensão da fazenda de
Soeiro em Cabo Verde e mandou o governador Nicolau de Castilho proceder à
apreensão dos seus feitores. Mas este revelou-se um processo moroso e, em 1625,
João Soeiro ainda não havia apresentado os papéis das despesas relativas ao
arrendamento, nem pagara as suas dívidas, apontando, por outro lado, queixas
sobre a forma como o litígio se desenrolara. Aliás, sempre defendeu a sua
inocência ao justificar que as quebras no cumprimento das suas obrigações se
deviam à alteração das condições, causada pela provisão de 10 de Junho de 1611. Esta provisão decretava que os
carregamentos de escravos não podenam seguir drrectos de África até ás Índias,
tendo gue passar antes por Sevilha. Contudo, esta defesa não convenceu o
rei.
João Soeiro não ficou
imune à acção do Santo Oficio. O mesmo João Mendes alegou que, desde que ele
obteve o contrato de Cabo Verde, houve um aumento dos cristãos-novos
judaizantes na Costa da Guiné. António de Proença, nobre morador em S. João da
Praça, acrescentou que Soeiro se judaizou publicamente depois de ter obtido o
contrato. Estes testemunhos repetem-se na voz de outros denunciantes, nomeadamente
o mercador veneziano JOÃO ANDRÉ POYOLO,
ANTÓNIO NUNES DE ANDRADE e ÁLVARO COELHO, mestre na carreira da Guiné. São
poucas as informações sobre a sua vida antes do contrato de 1609-1614. Um
alvará da Chancelaria de D. Filipe l, datado de 2 de Junho de 1593, atribuía a
um João Soeiro o estatuto de morador da cidade de S. Jorge da Mina. A guestão
levanta-se este João Soeiro e o biografado seriam o mesmo indivíduo ou apenas
homónimos.
Estudos
José Gonçalves Salvador, 0.1 Cristãos-Novos
e o Comércio 110 Atlântico Meridional (Com enfoque nas Capitanias do Sul
1530-1680), São Paulo, Pioneira Ed itom/MFC, 1978, pp. 259--260 e 318.
Maria Emília Madeira
Santos
(coord.), llistória Geral de Cabo Verde, vol. li,
Lisboa/Praia,llCT/lnstituto Nacional da Cultura de Cabo Verde, 1995, pp. 29,
36, 40-45 e pauim.
Outras
vozes incomodadas com a escravatura surgem noutros pontos do império. Cerca de
1600, o padre carmelita e bispo de Cabo
Verde, D. frei Pedro Brandão, escrevia
ao rei D. Filipe II, defendendo que fosse concedida liberdade imediata a
todos os escravos que se convertessem à fé cristã. Baseava-se, para isso, entre
outros argumentos, na 1hc1tude dos cativeiros:
«Porque humanamente se não pode atalhar aos
muitos modos com que injustamente os cativam. Porque uns são furtados por
força ou engano, outros condenados sem culpa a cativeiro( ... ), outros tomados
em guerras injustas( ... ), outros vendidos por seus pais, sem necessidade
bastante;( ... ), e outros por outros modos injustos. De sorte que, dizem os práticos, que de mil escravos que vêm ao Reino,
novecentos são mal cativos.»
No
início do século xvn, a Mesa da
Consciência e Ordens, o conselho régio criado em 1532 por D. João III para
a resolução das matérias que tocassem a «obrigação de sua consciência», debruçou-se por várias vezes não apenas
sobre o problema do batismo dos negros adultos que da África eram levados às
Américas, mas também sobre a necessidade de esses batismos «serem
verdadeiros e com notícia e conhecimento dos que os recebem».
RELAÇÃO DE LOPO SOARES
DE ALBERGARIA
SOBRE A GUINÉ DO CABO VERDE(c. 1600)
SUMÁRIO
- Cristianização· da Guiné ~ Povoação no porto de
Cacheú, com sua igreja – Confraria da Misericórdia- Casa para Religiosos e Seminário para os
nativos.
Sendo
o Guiné do Cabo Verde o primeyro descuberto que
todos os mays Reynos de Congo, Brasil e Jndiá, e o primeyro que começou a
tender e dar proueyto á Coroa deste Reyno ê que tanto ajudou
ao descobririmeto dos outros por nelle irem as armadas deste Reynos fazer seus apercebimentos e agoadas,
como se vê nos letreiros que há na Serra Lioa, no Rio do Matlmbo, escuipidos em
pedra uiüa. Com ser este aquelle Guiné, está. Hoje tam esquecido no
qué toca a suá Christandade e conuersam daquella gente, que parece serviço
de Noso sénhor e de· S.Mâgestade lembralo a VV. Senhorias pera que
parecendo-lhe.ser éste.queyram dar disto cõta a S.
Magestaqe para que mande acudirlhe- como for seruido.
Temos em onze graos e dóus séixtos o Rio de S. Dorriingos,no qual concorrem estas
ilaçóes de negros, Banhus, Cassangas,:Buramos, os quaes por a continuaçàm e comunicação que tem cõ os·
no·sos portugueses, sam mui ladinos e falam muitos a lingua portuguesa. E
muytos reée~m agoa do Baptismo i)or suà vont~de,
indose fazer christaõs á Jlha de S. Tiago. E agora há
mays aparelho pera com menos trabalho se fazer no dito Rio muyto fruyto, porque os Portugueses que nelle residem
fizeram sua pouoaçam ao longo do Rio, no·
porto que se chama Cacheu, e agora se chama· Bom Uencimento. Lugar mays
sadio que no dito Rio há, descoberto do amoredo e mato, sete legoas
da entrada da barra, terra prouida de bõs mantimetos, assi de carnes como de
pescado, de tudo · farta e abastada. E no dito lugar se fez hu forte, o qual os
assegura dos negros. //
E
fizeraõ ao longo do Rio huã igreja muyto boa com sua capella, coro, samcristia,
patio, casa sobradada pera o Clerigo. Nesta se celebram os officios diuinos
quando há Padres. Em alguãs Qu[a]resmas há seiscentas pessoas de cõfissaõ,
entre pretas e brancas. E tem sua cõfraria da Misericordia, don~e prouê
os pobres, e· alem disso acodem cõ muyta esmola á Misericorclia da Jlha (1).
Aqui se podia fazer alguã casa ou recolhim~to
pera
Religios<JS Padres da Companhia ou Frades uirtuosos, que com a doutrina que
pregare e esinarê faram muyto fruyto.
(1)Referência à ilha de
Santiago.
Está
nesta mesma terra huã aldea de negros
Çapes, cujo Rey hé christaõ, e sabe ler e escreuer. Os mays dos negros da
sua aldea sani christaõs, e o mesmo manda faze·r áscriãças que naçem. Todas as
noytes se ensina a doutrina christã na sua aldea em voz alta, a qual apredem
ta.mbem outros negros gentios.
Podiasse
tamb!em fazer hü Seminario ou Collegio nâ mesma Jlha de Santiago, como ao Bispo
do Cabo Verde· pareçe, dos Padres da Companh~a,
ainda que
naõ fosse de mays que de seis ou sete, onde podiam ir pregar e fazer residencia
ao dito Rio de S. Domingos e ás mays pouoaçoes que parecesse necessario. E pera
se manter este Seminario ou Collegio naõ hé necessario desembolsar S. Magestade
cousa alguã, nem dar de no:uo de sua fazenda, porque com os duzentos mil reis
que S. Magestade dá pera o Seminario de moços que se ouuer de fazer na dita
Jlha, que ategora se nam fez, assim por faltade moços pera elle, como po·r naõ
se acabar de fazer a casapera.elle. Dos quaes e~
ordinarias
de officiaes e mestres se gastam sesenta e tantos mil reis, que todos se podem
aplicar pera o dito Collegio, aonde os mestres seram os mesmos Padres, e se
criarã . 4 ou cinco moços, que pera a terra bastam, nem .auerá lá mays que se
possam recolher. E com os trezentos mil rei~ mays que S.. Magestade
poem de ordinarias no contrato do mesm~ Cabo Verde, que se pode
e deue aplicar pera este Collegio, poys do rendimento da mesma terra sae, se
poderá .manter o Collegio e por agora acomodarse a casa com tres ou quatro mil
cruzados que estam iun.tos, dos depositos das rendas deste Seminario que se
recebe e deposita, sem se gastar em nada mays que nos officiaes como está dito,
pera o que nã hé mays necessario po·r ora que querer S .. Magestade que se faça
e VV. Senhorias Iembrarlho, e eleger quem com effecto o mande pôr por
obra.
AE:SI - Lus., cód.
83, fls. 345-345 v.
NOTA - Conhece-se um
fidalgo da Casa. :Real e do Conselho de Estado, nomeado Deão da Capela Real por
D. Manuel de Seabra p~sar a Bispo de Miranda
(confirmado em 12-5-1593), onde tinha de residir, com o nome de Lopo Soares de
Albergaria. Cfr. ATT- Chancelaria 'de D. Filipe /, liv. 32, fl. 44. Será
este personagem o autor da presente relação? Não nos foi possível confirmá-lo.
1600/04/16
Nomeação de FERNÃO
DE MESQUITA DE BRITO no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
PROVISÃO DE VENCIMENTO
AO VIGÁRIO DE CACHEU
(16-.4-1600)
SUMÁRIO
- El-Rei manda prover o Padre Femando
Novais de Queiroga dos vencimentosdevidos como vigário de NossaSenhora do Vencimento
de Cacheu.
Eu
El Rey como gouernador e perpetuo administrador que sou da ordem e
caualaria do mestrado .de noso Senhor Jhesus Christo. Ett.ª Faço
saber aos que este meu aluará virem, que auendo respeito ao que na petição aqui
junta diz Fernão Nouais ·de Queiroga, que ora nouamente apresentey
por vigairo da igreia de nossa Senhora do Vençimento do rio de são Domingos,
porto de Cacheu, do Bispado de Samtiago da ilha do Cabo Verde e a informação
que se delle ouue na minha Meza do despacho da Consiençia e Ordens, per dom FREI PEDRO BRANDÃO, bispo do dito
bispado, do meu conselho ey por bem e me prás que o dito FERNANDO NOUAIS DE QUEIROGA tenha e aja da minha fazenda cada anno
o seguinte:
Quarenta
mil reis de mantimento ordenado cada anno, cõ o cargo de vigairo da dita igreia
e híí moyo de farinha e hum quarto de vinho, cõ a tezouraria della, que hé
outro tanto como tem as tezourarias da ilha do Fogo e da ilha de Santiago, como
declara o dito Bispo na sua informação, o que tudo comesaria a vençer de treze
de março do anno de quinhentos nouenta e oito em diante, em que lhe fiz esta ·
mercê e lhe será pago á custa de minha fazenda pello rendimento das rendas da
dita ilha do Cabo Verde, com certidão do dito Bispo ou de seu vezitador, de
como serue e cumpre com suas obrigasoins; pelo que mando ao almoxarife ou
reçebedor do almoxarifado da dita ilha que ora.hé, ou ao diante for, que do dito tempo
em diante pague ao dito Fernão Nouães o dito mantimento ordenado· por este só
aluará geral sem mais outra prouizão, o dinheiro ao
quarteis e
o· moyo de farinha em farinha, e o vinho em -yinho, a vendo [o] na dita ilha e
não no avendo nella farinha nem vinho lho pagarão a dinheiro, ao preço que
valer pola terra; e pelo treslado deste aluará, que será registado no livro de
sua despeza pelo escrivão de seu cargo e conhecimento do dito Fernão Nouães e
certidão do Bispo ou de seo vezitador, de como serve e
cumpre cõ suas obrigasõis e dá ostias e vinho necessario pera as missas que se
dizem na dita igreia, mando que seia leuado em conta ao dito almoxarife ou
reçebedor o que lhe pela dita maneira paguar.
E
este Aluará se asentará no liuro da fazenda ·da· dita Ordem, o qual quero que
valha e tenha força e vigor como se fose Carta feita e1n meu nome por my
asinada .e selada do selo pendente, sen embargo de qualquer regimento ·ou
prouizão em contrario. / /
Manoel
Vaz o fez em Lisboa, a dezasseis de . abril ·de mil e seis centos. Eu Ruy Dias
de Menêzes o fiz.escreuer; o qual Fernião
irá logo seruir seu cargo .na primeira ern barcaçãoque
.ouver pera
a dita ilha do Cabo Yerde ..
Rey.:
AHU·- Cabo
Verde, ex. 1.
1600/05/05
- CONSULTA
SOBRE HENRIQUE DE LUGO (5-5-1600)
SUMARIO-
Prático das coisas da Guiné e da terra dos Fulos, indo informar-se sobreo
Rei de Fulo e Jalofo declarando que era falso tudo quanto o negro dizia.
A
5 de mayo 1600
Senor
HENRIQUE VAZ DE LUGO
Por
ser pratico das cousas de Guiné, e particularmente da terra dos Fulos, e
Jalofos, se lhe cometeo que desde ajlha de Cabo Uerde (onde he morador)
passasse aquellas partes, a se informar se era uerdadeira a relação que de sy
fazia aquelle Negro que dezia ser Rey de fulo e Jalofo, e que fundamento se
podia fazer do que propunha.
Fez
o dito Henrique Vaz esta deligencia, e gastou nella tempo, auerigoando
finalmente que era falso quanto o dito Negro dezia, e pera informar disto veo a
Lisboa, e daly a esta Corte por mandado de Vossa Magestade e nella está. E pede
a Vossa Magestade lhe faça mercê de ajuda de custo por estes caminhos e
despesas que tem feito.
(
4 rubricas)
[À
margem]: Pareceo
que se lhe faça mercê de trezentos cruzados em dinheiro por hua vez de ajuda de
custo (Rubrica).
·
[A seguir]: lo que parece (Rubrica dei rei)
AGS
- Secretarias Provinciales, 1iv. 1460, fl. 85.
1600/06/30
CONSULTA
SOBRE HENRIQUE DE LUGO (30-6-1600)
SUMÁRIO
- Foi mandado à Guiné por Francisco Lobo da Gama, informar-se, apurando que
o que dizia o Rei negro era falso e outro negro que se fez cristão, e confessa
o mesmo.
Sendo
necessario tomarensse em Guiné informações de· que dizia o negro que se fazia
Rey de Fulo e Jalofo, se mandou ao Capitão
daquelas ilhas FRANCISCO LOBO DA GAMA, que enuiasse a isto áquellas terras
hüa pessoa conueniente, e elle escolheo ao dito HENRIQUE VAZ, que pello serviço de Vossa Magestade aceitou a
jornada, e andou occupado nella dous anos, passando ás ditas terras com despesa
de sua fazenda e risco de sua uida, pello perigo do caminho e desertos delle, e
trouxe informação que tudo o que o dito negro dezia era falso. E em sua
companhia pera testemunha disto outro negro natural da dita terra:> que se
fez christão na dita ilha e se chama FRANCISCO
LOBO. E por ordem do dito capitão veo com elle a Lisboa e daly a esta corte
a fazer relação do que achara, como a tem feito e dado alguns apontamentos
sobre cousas de Guiné, de muito serviço de Vossa Magestade. E pello que elle
nisto tem feito, e outros que diz que sempre fará, pede a Vossa Magestade lhe
faça merçê dohabito com trezentos cruzados de entretenimento na dita ilha.
(
4 rubricas)
[À
margem]: Pareceo
que se lhe dê carta para o capitam e gouemador do Cabo Verde o occupar em
algtla servintia de officio que nelle caiba e do foro de cauleiro fidalgo, que
diz que teue seu pay, justificando que o teue e que tem elle as qualidades
necessárias para o dito foro.
(Rubrica)
[A
seguir]: assi
(Rubrica dei rei).
[À
margem abaixo]: Por este homem alegar que não hauia de tomar ao Cabo
Verde, e que tinha seruido bem e feito muita despeza na jornada que fez a Guiné
para saber a uerdade do negro que se dezia ser Rej do Fulo e em uir a esta
corte pareceo no conselho que se lhe deue fazer mercê da promessa de hum
officio no Rejno e de dozentos cruzados em dinheiro por hoa vez de ajuda de
custo, pagos no thezoureiro mor.
(Rubrica).
[A
seguir]: como
pareçe (Rubrica dei rei).
AOS
- Secretarias Provínciales, liv. 1460, fl. 94.
Boi.
Cultural da Guiné Portuguesa nº 96 (Out. 1969) p. 843-844.
A.Teixeira
da Mota, Un document nouveau pour l 'histoire des Peuls au Sénégal pendant
les xv.eme et XVI. eme siec/es.
RELACION Y BREUE SUMA
DELAS COSAS DEL REYNO DEL GRAN FULÓ, Y SUCCESO DEL REY LAMBA, QUE OY ES
CRISTIANO, POR LA MISERICORDIA DE DIOS, CUJAS NOTICIAS CARECEM DE TODA DUDA(Anónimo. e. 1600)
El
Reyno dei Gran Fulo está 450 leguas dela costa y barra de Lisboa, ala Costa de Herguin (1). Es reyno grande y
mui poderoso y casi Imperio. Es rico y mui abundante de carnes, arroz, mijo y
aues. Es algo enfermo por la calor y muchas aguas que en el hay.
Tiene
gran suma de pozos de oro, almizele, ambar, algalia y marfil. Tratan en el
ingleses, franceses y flamencos, y alguná parte portuguesa.
El
trato que en el y la tierra adentro tienen es Jleuarles q·uentas biancas,
azules, verdes, y de otras colores de vidrio, que acostumbran trazer las
mugeres de el en la caueza y garganta; lienzo dela India, paftos verdes y
colorados, vino, sal, coral y grana fina es lo mas apreciable entre ellos, y
algun papel. Por todas estas mercadorias
rata por cantidad, dan oro, marfil, ambar, almizele, algalia y corambre que es
la principal mercaduria de ingleses.
La
gent~ de
este Reino es algunos blancos y los mas de color mulata membrillo cocho. Son
gentiles, sin ley ni secta alguna; aun que de pocos aiios a esta parte, por
confinar este reyno con Ja costa de
Herguin, donde hay Moros Alarues que tratan con los Fulos, se uà introduciendo
la secta mahometana.
(1)Leia:
Arguim.
Este Reyno es de gente
belicosa y fuerte en gran numero y cantidad de caualleria; no tienen armas algunas de fuego, sinó solamente flechas y arcos,
lanzas, adargas y unas azagayas que son à manera de dardos, con que se
diftenden y ofenden sus enemigos, que son negros y tienen iguales armas. No han
consentido en este Reyno que entre en el ningun blanco de otra nación, porque
no vea las riquezas y minas de oro que en el hay, aun que no han faltado
algunos que han estado en el y lo han visto, de quienes se ha sauido con toda
certidumbre las riquezas, calidad y templanza dei dicho Reyno.
Este
Reyno dei Gran Fulo tiene diez y ocho Reynos a el sujetos que le contribuyen y
obedecen, que son Jalofo, Reyno de poco oro, pero de mucho almizcle y algalia,
y los naturales de el mui negros. El
otro es Tuerohory, dela misma calidad. Otro
Aleram, mas rico que los otros. Otro
Baruanam. Otro Burguebil. Jaom, Dagacundir, Fulugasar, Leye, Galam.
Fulguefolofo. Hualo. Lamptuna. Guirora. Jaca. Jacali. Jeromó. Huagadumt que
cada uno tiene muchos lugares y villas, muchas minas de oro y tas <lemas
riquezas que tiene el Fuló.
La
gente de ellos no tiene numero. Todos estes reynos tienen trato con el Fuló, y
su feria y mercado donde venden los sefiores a sus vasallos y de ellos vienen
los negros a Portugal y Castilla. Por este Reyno baja um rio caudaloso que viene desde Tumbocotum, teirra rica de
mucho trato, y de donde se proueen de oro y marfil la casa de Meca y Turquia, y
tambien el camino de Jerusalem, y el dicho rio se llama rio Niltonaga por el
qual se camina rio arriua 200 leguas. Este rio tiene muchos brazos que vienen
de outros reynos, y de todos tiene dos principales que aluno llaman rio Sto. Domingo~ que
hoy tratan portugueses; y ai otro rio del Jambra
(2), que es donde hay todo el trato dei dicho Reyno Gran Fulo, y de otros
reynos que hay por alli, de donde se lleva oro, almizele, ambar, algalia,
marfil, corambre y negros.
(1) Leía: Gâmbia
Aqui
em Jambra comercian ingleses, franceses, flamencos y portugueses, y en este
puerto hay negros, mulatos y criollos naturales de las islas de Santiago y Cauo
Verde. Ay muchos portugueses que viven
alli casados, alos quales Haman tangomagos(3)
que siruen de lenguas o interpretes para los mercadores y senores de aquellos
partidos, y entre estos portugueses hay algunos que venden 1500 quintales de
marfil y saben todas las lenguas por el mucho trato que geralmente tienen.
(3)Tangomãos,
lançados.
Deste Reyno dei Gran
Fuló fue rey Tem Alá,
que reynó paficicamente 48 anos. Tubo entre otros hijos tres que reynaron despue de el, y el mayor de ellos fue Coly; el segundo Lava; y el tercero Tambalamo
(4). Coly, hijo primero, heredó el dicho Reyno y reynó 25 aflos ·pacificamente;
tubo dos hijos que fueron Guelaybambi y
Laba. Por muerte de Coli, reynó Laba, hijo segundo y poseyó el Reyno 28
af\os; tubo dos hijos, el uno se llamó
Perocala, y el outro Lamba, que despues fue christiano.
(4)
Samba Lamo.
Por
muerte de Laba, reynó dos af\os Tambalamo,
que murió sin hijos, por cuia muerte reynó Guelaybambi,
hijo primero de Coly, alguns anos, y por muerte de este reynó su hermano Galayatabara, que lo tubo diez anos, y
por muerte de este reynó su hermanoGalayatabara,
que lo tubo diez afios, y por muerte de este Perocala, hijo primero de Laba, hennano de Don Thomas Laua, hoy principe christiano.
El
Reyno Jeloffo, que prirnero se llamó
Janajo, fue del rey Jayagi, dei
qual vino subcediendo hasta Gilen,
que reynó ocho afios y por su muerte reynó Bumy
Gilem, abuelo materno de Don Thomas Laua. Casó con una seõora llamada Vermes, en quien tubo ocho hijos. Viromhumy, Chuculy, Tace,
Tamba, Lagueterrey, Dembayay, Peróo, AJiyay; asi mismo tubo quatro hijas, Joranyay, Cumba, Pemayay
yAcitamiyay. La primera casó con Laua,
hijo segundo de Tem Alá, padres de
Don Thomas Laua, principe christiano.
Este rey Bemoy, reynando en Portugal
D. Juan e1 segundo, tubo algunos
rebeliones con sus gentes y vasallos, de los quales se le reuelaron muchos,
y por la notícia que tenia delas cosas de Portugal por relacion de un mercador
portugues, que alli auia, hizo un rico presente de oro, almizcle y negros aJ
rey D. Juan, y le suplicó le diese socorro para sujetar sus vasallos, y no le
respondió a su deseo, con lo qual el Bemoy Gilem pasó con otros príncipes
negros ai Reyno de Portugal, donde fue mui bien riciuido y regalado, y despues
de auer tratado de sus pretensiones, trató de su bauptismo y fue hecho
christiano, siendo su padrino el rey D. Juan, y delos otros príncipes otros
caualleros, y le puso por nombre D. Juan
Bemoy, ai qual el dicho rey D. Juan Ie dio veinte carauelas de gente de
socorro, y por cauo de ellas a un fulano Carauallo
( 5), el qual de miedo y temor de morir en las dichas tierras, por entender que
heran enfennas, mató sin ocasion alguna
ai dicho principe Bemoy y los demas principes y echo a la costa se boluió a
Portugal, sin que este delito fuese castigado por el dicho rey D. Juan, en cuia
Coronica está este successo y historia.
5)
Os cronistas chamam-lhe Pêro Vaz da
Cunha
Este
Reyno Fuló y lo <lemas, reynando en Portugal el rey D. Seuastian, tubo
noticia de ellos y quiso conquistarlos mandando hacer armada, y por ocason
della empresa de Africa se quedó en aquel punto; y despues reynando D. Henrique
boluió a subscitarse esta conquita, y tratando de ella, y hauiendo nombrado
capitanes, murió, y todo quedó desuanecido con la toma que hizo Castilla dei
Reyno de Portugal.
Reynando pues Perocala, hennano del principe
Don Thomas, a los dos anõs que fue coronado por rey, Dom Thomas Lamba tubo deseo de ber la Casa de Meca, que hallá es
romeria como entre nosotros Santiago de Galicia, y para ello pidió licenza al
rey suhermano, tomó su camino y fue por Tumbocotum y duró su viaje seis meses.
Llegó á Meca bueno y estubo siete aftos apreendiendo á leer, escriuir y otras
curiosidades que alli se ensetla, que en sus Reynos no las sauen ni tienen
quien las ensetle. En este tiempo su hermano Perocala adoleció, y viendose
cercano a la muerte, despachó correos a Meca allamar a su hermano para que
tomase sus Reynos, no por falta de hijos, sinó que en estes Reynos de Fuló e Jelofo se usa que todos los hijos lexitimos
de un rey, reynen empós de otro, aun
que el otro tenga hijos, y despues de auer reinado los tales hijos dei rey,
vienen heredando y reynando los hijos dei heredero maior, y asi succesive se
guarda. A cuio respeto este príncipe Lamba oy christiano hera y es heredero
lexitimo deJos dichos Reynos. Viendo pues este príncipe christiano la instancia
que se le bacia, se vino para el Gran Fuló, y llegó à Tumbocotum, adonde halló
nuevas que su hermano hera muerto, y por su muerte y falta de este príncipe
tomó el Reyno Galaya, primero hijo de
Coly, hijo de Tem Ala y tio de Don Thomas, el qual con noticia dela murte
de su hermano vino con el cuidado dela desorden que con su falta auia de hauer
en los dichos Reynos, y llegado a ellos halló que Galaya su primo ( 6) com su
poder y com industria de Galagoga (7),
português natural de Lisboa, enemigo
mortal de este principe, que hauia muchos anos que estaua en aquellos Reynos,
sin obras de christiano, siendo tangomago,
que le haiudó he hixo coronar he usurpar el Reyno. Y pidindole entregase
sus Reinos como heredero lexitimo que hera de ellos, no quiso.
(6)
Acima diz-se que era tio.
(7)
O "Gangogue" de Alvares de
Almada, no Tratado Breve, cap. li.
Este
príncipe juntó sus amigos y los Jalofos, que sempre le ouedecieron, y con ellos
hizo guerra a su contrario diez y ocho dias continuos, sin reconocer ventaja
por alguna parte; ai cauo de ellos este principe fue desuaratado y salió mui
mal herido de ocho flechazos, dos lanzadas y tres azagaias, y se retiró a los
Alarbes, quelo recojieron y curaron, y vino á Herguin, entendiendo hallar nauio
en que poder venir á Portugal, y pedir socorro a sua Magestad, y no hallandole,
pareciendole que hera mucho detenimiento aguardarle, se fue á Marruecos, que es
la corte de Berueria, y donde residiaMuley
Bacá, rey a quien dio quenta de su llegada y pidió le diese socorro para
poder cobrar sus Reynos, e que por eito le daria cierto gaje y tributo. Muley
Bacá le reciuió com mucha honrra, le hospedó y agasajó como su higual y luego
dio orden de socorrerlo, y pera ello le dió su prouision y carta para que dela
gente de guarnicion que el tenia en Gago, le diesen 30 Moros escopeteros e 500
mosqueteros, que com estos facilmente podria tomar los dichos sus Reynos.
Estando
já para partirse este Príncipe y tomar la gente, agradecido dei socorro y
capitulado lo que auia de dar a Muley Bacá, supo su contrario Galaya como lleuaua este socorro,y pretendendo
estoruar el dano que le aguardaua, hizo a Muley un rico presente de 30
cauallos, mil negros y 40 camellos cargados de marfil, ambar,almizcle y oro, pidiendole
que no diese socorro à Lamba, rey de Fuló, que estaua en su corte, sinó que le
hiciese prender y se le imbiase, y que haciendolo assi le daria de pension y
tributo en cada un ano otro tanto mas de lo que ahora le ernbiaua.
Muley
Bacá, mouido con el rico presente y codicioso dela promesa, no solo pretendió
hacer lo que le pedia Galaya, sino que resoluió no curnplir la palabra que
hauia dado y que su prouisión no tubiese efecto, y llamando a un alcayde de quine el se fiaua; le dijo que luego que el principe Laba llegase
à Gago y pidiese la gente que le auia piandado dar por su provisión, por elJa
mesma le prendiese y tubiese.a buen recado, hasta que el mandase otra cosa.
Este
alcayde, movido de caridad o por amistad, auisó de ello al principe Laba, el
qual, como lo supo, sin aguardar cauallo ni criado, si no solo y a pie y
desnudo, se fue huiendo la vuelta de Mazagran. Sauida su bida por Muley Bacá,
despachó luego tras el, y aun que la gente que hiua en su seguimento le
encontró y preguntó por el mismo, como hiua solo y tan desnudo lo desconocieron
y pasaron adelante, que Dios lo quiso guardar para su santo seruicio. Caminó diez y ocho dias, con mui mal tiempo
de agua y frio, lleuando para su alimento solamente 50 tamaras, que son
datiles, y de ellos comió solo 30, y 20 que le sobraron los dió a Diego Lopez Carualho, alcayde de Mazagran, que le acogió,
honrró y regaló, y desde alli escribió a S. M. y pidió le diese licencia para
hir a basarle las manos.
S.
M. mando veniese á Lisboa, y para eso fue un navio y le trajo afio de 1595,
hauiendoja estado en Mazagran afio y medio. Venido á Lisboa, los Gouemadores se
holgaron mucho de verlo, le honrraron y dieron renta con que pasó dos afios, ai
cauo delos quales fue a la corte de Madrid, y le bessó las manos á S. M. y le
suplicó por su despacho. S. M. le reciuió mui bien, estando en el Pardo, y se
holgó de verle y mando le hospedason alli aquella noche, y a otro dia le mando
fuese a Madrid, que S. M. hiria luego y le despacharia, como lo hizo dentro de
seis dias, y le mandó dar una mui buena ayuda de costa, y su despacho para los
Gouernadores de Lisboa, ante los quales se hizo averiguacion de sus Reynos y
puso proposiciones, las quales fuerono:
Que
Su Magestad le haga merced de darle dos mil hombres mosqueteros y arcabuzeros,
con todos los pertrechos de guerra que les corresponde y algunas piezas de
campana para tomar posesion de sus Reynos; y que le dé asi mismo frayles y
clerigos que conviertan tanto numero de almas que en ellos estan perdidas por
falta de euangelio y quien las alumbre.
Que
deuajo de pleito omenaje que de hecho su hermano en armas para. socorrerle y
ayudarle quando tubiere necesidad, y queriendo S. M. ganar la Casa Santa de
Jerusalem (que por sus Reynos es facil) ó la Casa de Meca ó destruir a la
Africa le dará paso por sus tierras y le haindará con su persona, hacienda y
vasallos.
Que
por este socorro y merced que S. M. le hiciere, le dará (estando en posesion
delos dichos sus Reynos) el Reyno de
Jalum, fertil y abundante de todo y consentirá que S. M. baga una fortaleza
en la entrada dei rio Senaga (8) y
que la tenga con guamicion christiana, y que el pagará la gente y les dará los
mantenimientos que fueren necessarios.
(8)
D. João Bemoins concedera também que se construísse uma fortaleza na foz do
Senegal.
Que
dará a S. M. quinientos mil ducados en cada uno aõo, com tal que no los pueda
gastar ni gaste si es en guerra contra infieles principalmente contra
Inglaterra.
Que
Su Magestad le baga merced de veinte hauitos, los cinco de Santiago y los demas
de otras ordenes de Castilla y Portugal, para que el pueda hacer gracia y
merced alas personas que mejor te uvieren seruido, siendo limpios de toda raza
y maula.
Estando
este principe en estas proposiciones, el Espiritu Santo le elumbró con su diuina
gracia, y dijo que por conocer mui claro que la ley de saluacion, y la mas pura
y limpia y verdadera era la de los christianos, el queria serlo, y para ello
suplicó á S. M. le mandasse dar el Santo Bauptismo, y S. M. mando que estubiese
algunos dias en algun monasterio, pera cathecumenarse. Y por auer este príncipe
visitado os de Nra s.ra de Jesus, que es de religiosos terceros de San
Francisco, se metió en el y fu su ministro el padre fr. Luís de Figueredo, gran predicador, docto y de buena
opinion, el qual le doctrinó y impuso en lo necesario, y en 18 de Nov.re del
afto de 1600 (9), juebes por la tarde, · los Gouernadores dieron orden
debauptizarle, mandando para estoque D. Pedro de Almada, dei Consejo de Estado,
persona de gran calidad, con otros caualleros fuese ai dicho monasterio donde
estaua el principe, para tal efecto preuenido, y lo trajesen por las calles
principales con chirimias y trompetas, cosa mui graue en aquel tiempo. E así lo
trajeron á palacio, y subió a la Sala de Gouiemo, donde estauan el Conde de
Portoalegre, capitan general, el Arzobispo de Lisboa y eJ Conde de Santa Cruz y
el de Sabugal, merino maior, todos quatro Gouemadores dei Reyno, y entrando
dentro lo hicieron sentar entre ellos dando le e1 parabien, y despues, en medio
dei de Portoalegre, y el Arzobispo, le bajaron com mucha honrra y gente,
lleuando el rigidor Feman Tellez el baston en la mano delante, que fue otra
grandeza notable de esta suerte. Llegaron ala Capilla Real, donde estaua el
Obispo de Irlanda de pontifical, el qual le examinó y bauptizó, sonando mucha
musica de cantores, organo y chirimias, y acauada la funcion, con 1a misma
grandeza le boluieron ala Sala de Gouierno, donde estubo media hora en
conversacion, y mandaron ai dicho D. Pedro le boluise a su casa, siendo ja una
hora de noche. Mandose que se le pusiese casa, pagar sus deudas, despachar una
carabela con esta noticia a Zenaga, y otras cosas particulares. Y en medio de
esto está este príncipe con mucha incomodidad y miseria, confiando en Nuestro
Seflor verse pacificamente con sus Reynos, para que por su medio se salben
tantas almas como en ellos hay sin bautiso ni luz dei Santo Euangello.
(9)
O baptismo efectuou·se em 19-11-1598, segundo o.doe. seguinte: A 19 di Nouembre
[de 1598] y nella Capclla Reale di Lisbona fu battezato iJ Re di Fulo Africano,
presenti li Gouernatori, li posero nome Tomasso et fú compare l 'Arciuescouo di
Lisbona. Farto il battesimo li detti Gouematori I 'accompagnarono alia sala dei
Gouemo et doppó di esser stati un poco con esso lui lo mandarono accompagnato
ai Castello doue gli hanno assegnato un buono appartamento, si prepara un
uascello per andare ai fiume di Fulo a riconoscere il sito et pigliar pratica
con li altri Re conuicini. Arquivo do Vaticano, Fondo Borghese, Série 1,
vol. 715, tl. 73. - ln Teixeira da Mota, Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa, nº 96 (Out 1969), p. 840.
BNL-Ms. 3564 (F.G), fls. 133-150, publicado por A. Teixeira
da Mota no Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa, nº 96 (Out. 1969) p. 821-828, e em Agrupamento de Estudos de
CartografiaAntiga, Lisboa, 1969, nº LVI.
1600/08/01
«Fernando
Mesquita de Brito - nomeado em I de Agôsto de 1600 com o título de capitão-governador e com o ordenado de 600$000. Chegou a Sant'Iago somente em 1603.» João Barreto
Nomeação de FERNÃO DE
MESQUITA DE BRITO no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
1601/06/26
PROVISÃO
À IGREJA DE CACHEU
(26-6-1601)
SUMÁRIO
~ Provisão
dos 6$000 réis que há-de have cada ano a fábrica da igreja de Nossa Senhora do
Vencimento do Rio da São Domingos.
Eu
El Rey como gouernador e perpetuo administrador que sou da ordem do mestrado de
nosso senhor Jhesus Christo ettª. faço saber aos que este auará virem que
avendo res.peito á jnfo1mação que na minha meza do despacho da consiençia e
ordens se ouue por DOM FREY PEDRO
BRANDÃO, Bispo de sanctiago da Ilha do Cabo verde, de ~orno a
[ig]reia de nossa senhora do Vencimento do rio de são Domingos, porto de Cacheo, do Bispado da dita
ilha do Cabo Verde não tinha fa[bric]a, ey por bem e me pras vista a- dita
informação que á custa de minha fazen-da se dee cada anno pe~a a
fabrica della seis mil reis e que. lhe seião pagos no amoxerife ou reçebedor da
dita ilha, de vinte e dous de junho deste anno prezente de mil e seis çentos em
diante, em que lhe fiz esta merçê.
E
portanto mando ao almoxarife ou reçebedor do dito almoxarifado que ora hé e ao
diante que fora que do dito tempo em diante se pague á pessoa
que o dito Bispo ordenou [para] reçebedor da dita fabrica, dos ditos seis mil
reis cada anno e lhe faça delles bom pagamento -aos quarteis, por este soo
aluará geral sem. mais outra provizão pelo estado delle, que será registado no
liuro de sua despeza pelo escriuão de seu cargo e conhes~mento em forma da tal pessoa de· como os ditos seis mil reis lhe
ficarão carregados em reseita, mando que seião leuados em conta ao dito.
almoxerife ou recebedor cada anno que lhos asim paguar; he este aluará se
assentará no liuro da fazenda da dita ordem, o qual hey por bem que·valha e
tenha força e vigor como se fose carta feita em meu nome por my asinada e
selada do selo pendente dela, sem embargo de qualquer regimento ou prouizão em
contrario.
Manoel
Vaz o fez em Lisboa, a vinte e seis de junho de · mif e seis centos e hií. Rui
Dia's de Menezes· o fiz'escreuer. I Rey .
AHU
- Cabo Verde, ex. 1.
1601/07/31
Tendo El-rei D. Filippe I prohibido pela lei de
26 de
janeiro de 1587, que os christãos novos,
sahissem para fóra do reino e senhorios sem licença o de venderem suas fazendas
de raiz, deu D. Filippe II pelo alvará
de 4 de abril de 1601 feito em Madrid, licença para sahirem e tornarem a entrar
todas as vezes que quizessem, com suas familias sem impetrarem para isso
licença ; e tambem de poderem vender as suas fazendas de raiz quando lhes
parecesse. Os christãos novos pagaram por este alvará 170:000 cruzados.
Como n'esse alvará não se declasse, que
elles poderiam ir ás parles da India, Brazil, Cabo Verde e mais conquistas, o
que lhes era vedado, conseguiram um
outro, de 31 de julho, que lhes dava a mais plena liberdade para passarem ás
conquistas, porém, sob condicção de entregarem mais 300:000 cruzados para ajuda
das necessidades da Real Fazenda.
1602
«E o alemão Jácome Ficher está com Custódio
Vidal no contrato de Cabo Verde (160l-1606), embora logo em 1605 o tenham
de abandonar por dívidas.»
ESCRAVOS
E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O
comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo
Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg.169
1602
ANÓNIMO [D. FREI PEDRO BRANDÃO] Carta
que se escreveo a hû dos Arcebispos que forão a Valledolid sobre o negocio dos
Christãos novos no mez de Março do anno presente de 1602 Cabo Verde]
1603/01/11
ORDENAÇÕES FILIPINAS
Livro
Quinto das Ordenações
TÍTULO
XLI
Do
scravo, ou filho, que arrancar arma contra seu senhor, ou pai
O scravo, ora seja Christão, ou o não seja, que
matar seu senhor, ou filho de seu senhor, seja atenazado, e lhe sejão decepadas
as mãos, e morra morte natural a forca para sempre; e se ferir seu senhor sem o
matar, morra morte natural. E se arrancar alguma rama contra seu senhor, posto
que o não fira, seja açoutado publicamente com baraço e pregão pela Villa, e
seja-lhe decepada huma mão.
1.E o filho, ou filha que ferir seu pai, ou mãe com
tenção de os matar, posto que não morrão de taes feridas., morra morte natural.
TÚITULO
LXII
Da
pena que haverão os que achão scravos, aves, ou outras cousas, e as não
entregão a seus donos, nem as apregoão
Se algum scravo, que andar fugido, for achado, o
achador o fará saber a seu senhor, ou ao Juiz da cabeça do Almoxarifado da
Comarca, em que forachado, do dia, em que o achar, a quinze dias. E não o
fazendo, haverá pena de furto. E o Juiz desse Lugar, notifique per sua carta ao
Lugar, onde morar o senhor do scravo, ou ao mesmo senhor, e à sua conta se leve
o recado. E à pessoa, que tiver tal scravo per auctoridade de Justiça, se dará
para seu mantimento vinte réis cada dia, e os dias, que se servir dele, não
haverá cousa alguma pelo mantimento; e mais haverá o achador de seu achadego
por scravo negro trezentos réis, e por scravo branco, ou da Índia, mil réis.
1.E porque muitas vezes os scravos fugidos não
querem dizer cujos são, ou dizem que são de huns senhores, sendo de outros, do
que se segue fazerem-se grandes despezas com eles, mandamos que o Juiz do
lugar, onde for trazido scravo fugido, lhe faça dizer cujo he, e donde he, per
tormentos de açoutes, que lhe serão dados sem mais figura de Juízo, e sem
apellação, nem aggravo, com tanto que os açoutes não passem de quarenta. E
depois que no tormento affirmar cujo he, então faça as diligencias sobreditas.
2. E tanto que algum scravo for preso na cidade de
Lisboa, antes que o mettão na Cadea, ou em outra parte, o levem a um Julgador,
e lhe digão como o levão preso por andar fugido; o qual Julgador lhe fará as
perguntas necessárias, para saber se anda fugido, e disso se fará assento. E se
lhe parecer, que anda fugido, o mandará ao Tronco, ou à Cadêa, ou a seu dono,
se for morador na Cidade. E achando-se, que passa de oito dias, que anda
fugido, mandará pagar de achadego ao que o achou, cem réis somente, se o dono
for morador na Cidade. E se se provar, que anda fugido, sendo seu dono morador
fora da Cidade, ou sendo scravo achado fora dos muros dela, e de seus
arrabaldes, posto que seu dono seja morador na Cidade, e posto que não sejão
passados os oito dias, pagar-lhe-hão trezentos réis por scravo negro
TÍTULO
LXIII
Dos
que dão ajuda aos scravos captivos para fugirem, ou os encobrem
e mil réis por scravo branco ou da índia. Defendemos,
que nenhumas pessoas levem fora dos nossos Reinos scravos, para os porem a
salvo, e saírem de nossos Reinos, nem lhes mostrem os caminhos, per onde se
vão, e se possão ir, nem outrosi dêem azo, nem consentimento aos ditos scravos
fugirem, nem os encubrão.
E qualquer pessoa, que o contrario fizer, mandamos
que sendo achado levando algum captivo para o pôr em salvo, aquelle, que assim
o levar, sendo Christão, será degredado para o Brazil para sempre. E sendo
Judeu, ou Mouro forro, será captivo do senhor do scravo, que assi levava. E
sendo Judeu, ou Mouro captivo, será açoutado. E, sendo-lhe provado que o
levava, postoque com elle não seja achado, haverá as mesmas penas, e mais
pagará a valia do scravo a seu dono. 1.E quanto aos que derem azo, ou encobrirem,
ou ajudarem aos captivos fugirem,incorrerão nas penas sobreditas.
TÍTULO
LXX
Que
os scravos não vivam por si, e os Negros não façam bailos em Lisboa
Nenhum scravo, ou scrava captivo, quer seja branco,
quer preto, viva em caza per si; e se seu senhor lho consentir, pague de cada
vez dez cruzados, ametade para quem o accusar, e a outra para as obras da
Cidade, e o scravo, ou scrava seja preso, e lhe dem vinte açoutes ao pé do
Pelourinho. E nenhum Mourisco, nem negro, que fosse captivo, assi homem como
mulher, agasalhe, nem recolha na caza, onde viver, algum scravo, ou scrava
captivo, nem dinheiro, nem fato, nem outra cousaque lhe os captivos derem, ou
truxerem a caza; nem lhe compre cousa alguma, nem a haja delle per outro algum
título, sob pena de pagar de cada vez dez cruzados, ametade para as obras da
Cidade, ou Villa, e a outra para quem o accusar, além das mais penas, em que
per nossas Ordenações e per Direito incorrer. E bem assi na cidade de Lisboa, e
huma legoa ao redor, se não faça ajuntamento de scravos, nem bailos, nem
tangeres seus, de dia, nem de noite, em dias de Festas, nem pelas semanas, sob
pena de serem presos, e de os que tangerem, ou bailarem pagarem cada hum mil
réis para quem os prender, e a mesma defesa se estenda aos pretos forros
Batismo de escravos
Ordenações Filipinas,
Livro V, capítulo 99
«Mandamos
que qualquer pessoa, de qualquer estado e condição que seja que escravos de
Guiné tiver, os faça batizar e fazer cristãos, do dia que a seu poder vierem
até seis meses, sob pena de os perder para quem os demandar.
E
se algum dos ditos escravos que passe de idade de dez anos(*) se não quiser
tornar cristão, sendo por seu senhor querido, faça-o seu senhor saber ao prior
ou cura da igreja em cuja freguesia viver, perante o qual fará ir o dito
escravo; e se ele, sendo pelo dito prior e cura admoestado e requerido por seu
senhor, perante testemunhas, não quiser ser batizado, não incorrerá o senhor em
dita pena.
1.
E sendo os escravos em idade de dez anos ou de menos, em toda a maneira os façam
batizar até um mês do dia que estiverem em posse deles; porque nestes não é
necessário esperar seu consentimento.
2.
E as crianças que em nossos reinos e senhorios nascerem das escravas que das
partes de Guiné vierem, seus senhores as farão batizar aos tempos que os filhos
das cristãs naturais do Reino se devem e costumam batizar, sob as ditas penas.»
(*) nota 242 onde
consta que segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia a
idade mínima para poder escolher a religião era de sete anos.
FONTE: Silvia Hunold Lara (organização), Ordenações Filipinas, Livro V. São
Paulo:Companhia das Letras. 1999. p. 308. Coleção Retratos do Brasil, 16.
1603/01/12
FERNÃO DE MESQUITA DE BRITO - Foi
nomeado Capitão e Governador-geral de Cabo Verde a 1 de Agosto de 1600, mas só
tomou posse a 12 de Janeiro de 1603. Negociações ocorreram, por exemplo, também na
nomeação para governador de Cabo Verde em 1600. O fidalgo FERNÃO MESQUITA DE BRITO pusera condições amplas para aceitar
o cargo: exigia galeotas apetrechadas de gente, artilharia e munições para
andarem armadas no mar; que se efectivasse uma comenda de 500$000 réis que
tinha prometida, largando em contrapartida os 60$000 réis que tinha de tença;
que morrendo no cargo, ficassem 100$000 réis de tença a sua mulher e que se lhe
metessem três filhas em conventos; pedia ainda 1.000 cruzados a mais de
ordenado, 2.000 cruzados em dinheiro de ajuda de custo para se embarcar e para
João Brito Silva, o filho mais velho que queria levar consigo para Cabo Verde,
o hábito da Ordem de Cristo. Considerando o leque de pedidos absolutamente
exagerado, o Conselho de Portugal sugeriu então que se lhe desse uma comenda de
rendimento anual até 250$000 réis, que se lhe pusesse uma filha freira em um
dos mosteiros de provimento régio, que se concedesse a tença solicitada para a
mulher em vida desta e que não levasse o filho. Quanto ao ordenado, os
conselheiros pediram mais informações, acabando por concordar com um aumento de
apenas 300$000 réis anuais
FERNANDO
DE MESQUITA DE BRlTO. Este Governador tomou posse no principio de
1603, sendo rendido ao fim de tres anos - Vej. Liv.17. de
Filippe. 2.º · f .148.anceses atac 1604/03/16
BARREIRA,
Padre Baltasar.
Padre jesuíta, Superior da missão de Cabo VerdeCarta ao Padre Provincial da Companhia
de Jesus
1604/04/04
«Francisco
Corrêa da Silva -
provido em 4 de Abril de 1604, tomou posse em 12 de Janeiro de 1606.» João
Barreto
1604/07/00
Estabelecimento
dos JESUÍTAS em Santiago de Cabo Verde
Em Julho de 1604, desembarcaram em Santiago, ilha de
Cabo Verde, três sacerdotes e um irmão para realizar a missão na Guiné. O PADRE
BALTAZAR BARREIRA foi designado como superior. Ele já contava com a
experiência de outra missão ultramarina nas terras de Angola, onde foi
conselheiro do governador Paulo Dias de Novais e actuou na catequese dos povos
da África centro-ocidental. (ALENCASTRO, 2000, p. 168-170; CASTRO, 2001).
Ao ser indicado para a costa noroeste africana,
agradeceu a indicação da Companhia de Jesus e justificou sua aceitação de
conduzir o projecto de missionação na costa da Guiné. Tomado de espírito
cruzadista, acrescentou:
Porque quanto mais noticia tenho de Guiné, tanto
tenho maior magoa do desamparo de tantos milhares de almas, que nenhum conhecimento
tem do beneficio inestimável de sua redenção, porque até agora não chegou a
eles a luz do santo Evangelho, estendendo-se cada vez mais por aquela partes
a maldita seita de Mafamede.
Os jesuítas foram recebidos entusiasticamente pelas
autoridades locais e a população de Santiago. No fim da tarde do primeiro
dia da estada deles, houve uma forte ventania, e as ondas lançaram as
embarcações que estavam atracadas no porto contra os arrecifes. A
embarcação que levava as relíquias dos santos para a missão na Guiné estava
prestes a ser arremessada contra as pedras, mas uma grande onda devolveu o
navio ao porto. A ventania foi considerada uma acção diabólica, e o milagre
da calmaria do mar, atribuído às santas relíquias.
A missão liderada pelo Padre Baltazar Barreira foi
designada para actuar nas regiões de Cabo Verde, dos rios da Guiné e em Serra
Leoa. A análise que segue refere-se à região dos “rios da Guiné” (HORTA, 2009),
onde havia, no início do século XVII, uma população significativa de brancos
que se instalou nas entradas dos rios da Guiné e criaram entrepostos
importantes, como Bissau, Cacheu e Geba e, também, na região de Serra Leoa. Os
missionários tinham maior interesse em fazer missão em Serra Leoa, a começar
pela conversão dos chefes. A justificativa era clara: a Coroa tinha grande
interesse em explorar aquelas terras em decorrência de suas riquezas naturais,
inclusive, os idealizadores não poupavam comparações com a América portuguesa.
Nesse período, os lançados, instalados na região, já praticavam largamente o
comércio de vários produtos, em especial: noz-de-cola, ouro, marfim e escravos.
A religião tornou-se importante meio para viabilizar a empresa colonial na
Guiné e em Serra Leoa.
1605
Com vista, a por termo à concorrência
estrangeira nos seus domínios, Filipe II, de Espanha, determinou através de uma lei de Março de 1605 a saída de todos
os estrangeiros da Índia, do Brasil, da Guiné e dos arquipélagos de São
Tomé, Cabo Verde, Açores e Madeira
Em
1605, o padre da Companhia de Jesus
MANUEL DE BARROS falava dos tangomaus assim:
«Homens
portugueses há que andam metidos dentro
da Guiné tiguilando (?) e comprando negros, passando vinte e trinta anos,
mais e menos, sem se confessarem; e além de ser gente estragada, não têm
confessor por aquelas partes. Estes se
chamam tangos maus, gente bem nomeada pela vida que fazem, tão esquecida de
sua salvação que muitos deles andam nus,
riscando e lavrando a pele com um ferro, tirando sangue e depois, com o sumo de
certa erva, deixando a pintura do lagarto ou serpente (que é o comum) ou outras
que eles mais querem, e isto por mais se naturalizarem com o gentio da terra em
que tratam.»
Mais
ou menos pela mesma data, um outro jesuíta, o padre Manuel Álvares, poupava ainda menos nas palavras:
«São
todo o mal, idólatras, perjuros, desobedientes do céu, homicidas sensuais,
ladrões da fama, do crédito, do nome do inocentes, da fazenda. Traidores que, nos apertos, se lançam com
os piratas, levando as sua naus aonde costumam surgir e regatar as nossas
embarcações, gente sem direito nem avesso, sem respeito mais que o próprio
apetite, semente do inferno”.
☻
D. Filipe II eleva CACHEU a vila por
os moradores serem “homens, nobres, ricos e abastados” em troca o rei
espera que estes o sirvam “como a isso são obrigados” (BRÁSIO: 2ª série,
vol. IV, 1968:88), contrário ao que
seria de esperar os moradores não ficaram satisfeitos e como tal não aceitaram
o reconhecimento e estão insurrectos uma vez que isso implicava a presença
de oficiais da câmara entre outros oficiais que passariam a governar a vila, e
assim poderiam colocar um fim ao poderio de alguns moradores, bem como criar obstáculos ao comércio até então
realizado com os estrangeiros.
1605/08/00
Agosto de 1605, Filipe III (II), em resposta
aos “apontamentos” que lhe tinha enviado o capitão-governador de Cabo Verde,
Francisco Correia da Silva, chega mesmo a dar instruções ao vice-rei D. Pedro de Castilho a
respeito daquela que era a maior
acusação feita aos lançados: “ e que (…) se passe uma provisam de perdam
para todos os moradores de Cachem [sic por Cacheu] no rio de São
Domingos das pouoaçois que se fizerão na costa de Guiné no Rio Grande de culpas
que tiverem commetido em admetir estrangeiros a resgate, e comercio daquelas
partes…” (1).
(1) B. Ajuda, 51-VIII-7, fl. 111v.
1605/08/30
CARTA
RÉGIA PARA O BISPO VISO-REI (30-8-1605)
SUMÁRIO
- Apresentação do vigário de Cacheu-
Que os Bispos ultramarinos ausentes das suas dioceses, sem licença do Santo
Padre, não sejam consultados na provisão dos benefícios, nem dêem a investidura
canónica dos mesmos
Em
Carta de S. Magestade de 30 de Agosto de 605. Reuerendo Bispo Viso-Rey, ett. Vy
duas consultas do conselho da Jndia que .me enviastes com carta vossa de 16 do
passado. [... . .. ] E outra sobre BARTOLOMEU REBELLO TAUARES, meu capellaõ, que
pretende a propriedade da vigairaria do porto de Cacheu, do Bispado do Cabo
Verde, que vagou por promoçaõ de ·FERNAÕ
DE NOUAES á vigairaria da Igreja de Sanct Miguel de Sintra; e comiormandome
com ella, hey por bem de lhe fazer mercê de o apresentar na dita vigairaria. //
E porquanto o Bispo do
Cabo Verde está absente do seu Bispado, e naõ reside nelle há muitos afios naõ conue, gue se tome
sua informaçaõ sobre a prouisaõ dos benefiçios de sua dioçesi, nem que elle
nomee pessoas para elles, e o mesmo se deue fazer com todos os Bispos vltramarinos
que sem licença do Sancto Padre deixare de residir em seus Bispados. / /
Escripta
em Valladolid, ett.
AGS - Secretarias Provinciales (Portugal),
liv. 1494, fl. 28 v.
1605/11/09
REGIMENTO DO GOVERNADOR
DE CABO VERDE FRANCISCO CORREIA DA SILVA {9-11-1605)
SUMÁRIO
- A promulgaçõ do Evangelho -.Protecção dos Jesuítas -Colégio a fazer em
Lisboa -
Obras da Sé – Tomada de posse - Defesa da Ilha - Prevenção
contra os holandeses - Provisão dos ofícios da justiça e fazenda -
Elevação de Cacheu à categoria de
Vila - Relação pormenorizada do estado
da fortaleza e do seu armamento
Ev
EIRey faço saber a uós Francisco Correa
da Silua fidalguo de minha casa, que pella confiança que de uós tenho, que
no que uos encarregar me seruireis c:onfo11ne a uossa·obrigaçaõ, ey por bem de
uos enuiar ás Ilhas do Cabo Verde por capitam e Gouemador dellas, no qual
carguo guardareis· o Regimento, e instruçaõ seguinte e as mais prouisoê~ que
vos· mando dar.
E
porque minha primeira e principal obrigàçaõ hé a da promulgaçaõ do santo euangelho,
e augmento de nossa sagrada Rellegiaõ nas terras e Conquistas Vltramarinas, e e todas
as mais de meus Senhorios, como :tal uola encomêdo e encarrego muito neste
primeiro capitulo, pera que procureis por todos os meyos possiueis que o gentio
de todo- o destri~o desta Capitania do Cabo Verde uenha em
conhecimento de nossa santa fee, per·a o que tenho por mui importante a
assistençia dos Rellegiosos da Companhia de Jhesu que lá se enuiaraõ por minha·
ordem, aos quaes procurareis dar todo o fauor, e ajuda pera que mtlhor possaõ
cumprir · ·co:in sua obrigaçaõ, e lhe fareis pagar o estipendio, e ordenado que
por minhas prouisoés lhe está ~ssentado, pera que por faltado
temporal naõ s·e impida o bem espiritual que por seu meyo espero se alC4Ilçe
nestas partes. E me anisareis se os ditos Rellegiosos da Companhia cumprem com
sua obrigaçaõ e quantos residem nesta Capitania e se sam necessarios mais.
Ev
tinha ordenado que aos ditos Rellegiosos se dessê os duzentos mil reis que o
senhor Rey dom Sebastiaõ que Deus tem man~o:u. applicar de sua fazenda
pera o siminario, e por ter info11naçaõ . que .elle naõ tinha collegiaes ne a
dita renda se . despendia no per.a ·que
fora applicada, e por hora me disse (sic) que .será muito seruiço de
D·eus continuarse a obra do ·dito simynario; e porse em effeito~ que
per ser em comprimento dó · Consilio· Tridentino se naõ ·podia nem deuia
reuogar,· tenho mandado uer esta materia e breuemente me resoluerey nella e uos
escreuerey o que ouuer por bem.
Em
tanto tomareis info1111açaõ co[m] o Cabido da See e Camera da çidade de Saõ
Thiago (1 ) se será mais assertado fazerse nesta Cidade de Lisboa hü Colegio
pera nelle se doutrinarem· algiis moços . dos naturaes, assy d·essa capitania
como das mais da costa de Guiné, e se seus pais os enuiaraõ de boa vontade pera
esse effeito e pera aprenderem os costumes deste Reyno, e as mai~ cousas
neçessarias . pera depois hirem semir nas Igreijas dessas partes, e na
conuerçaõ do gentio dellas, e de tudo o que nisto achardes me mandareis huã
relaçaõ muito destinta, avisãdome do estado em que está a obra do dito
siminario e que reçebeo o rendimento q-q.e lhe está applicado e se está posto
em boa recadaçaõ e que importará.
(1) Ribeira Grande.
E
assy sou info1111ado que na See está feita muita obra, e, que pera se acabar
mandou ElRey meu senhor e pay queDeus tem, dar noue ou dez mil cruzados, pagos
no contrato destas ·Ilhas, do qual · dinheiro se gastou pouco na dita_ obra,
pello que tenho orde-nado por outra minha prouisaõ se to·me conta delle, e se
recade o. que estiuer deuido e meta em hii cofre pera se despender na dita obra
para que está applicado. Pello que vos ~ncomendo
muito deis
toda a ajuda e fauor pera que se execute esta minha ordem, de que me anisareis
por uossas cartas.
Tanto
que chegardes á dita Ilha uos ajuntareis na Camera da çidade de Saõ 'fhiago con
Fernaõ de Mesquita, que ora está nella
por capitam e Gouemador, a quem tenho dado liçença pera se uir para este
Reyno e despois de uossa chegada e com os Juizes, e Vereadores, e Procuradores
da mesma çidade e se lerá perante todos a patente que leuais da dita capitania·
(2 ), pera confor1ne a ella ficardes na posse, e se fazer disso· ass·ento no
liuro da Camera, assinado per to,dos, como escreuo ao dito capitaõ e Camera nas
cartas que para eles leuareis.
E
despois de isto feito tomareis ·entrega da fortaleza ·e de todas as cousas que
nella est!uerem por jnuentairo _. Que se fará pello escriuaõ da feitoria e assy
visitareis os almazens, e terçenas, e de tudo o que nellas estiuer se fará
outrosj inuentairo, uereis se estaõ daneficadas, e as mandareis reparar, e
benefiçiar do neçessario. E tendo elles neçessidade de mais obra de conçerto
ordinario mo anisareis, faze·ndo prouer e aualiar a despesa qu·e na tal obra
será neçessaria fazer, para eu mandar prouer como me pareçer conueniente, e
do estado . que vos for .tudo entregue passar~is
huã
çertidaõ ao capitam Fernaõ de Mesquita para me
trazer.
(2)Teve carta de capitania em 4-4-16\'.>5. -ATT – Chancelaria de D. Filipe II, liv. 18,
fl. 13 v. .
Ey
por bem e uos mando que residais· continuamente na çidade de Saõ Thiago e
pouseis dentro da fortaleza, a qual tenho inforn1aça.õ estar de todo acabada,
porem ~e entenderdes que lhe falta alguã cousa pera sua
defensaõ e habitaçaõ do capitam e soldados, mo auisareis. E entendereis com
muito cuidado nas cousas da guarda, e vigia da dita fortaleza e defençaõ della,
tomando as informações necessarias, assy do dito Fernaõ de Mesquita como dos
offiçiaes da Camera e pondo os moradores da dita Ilha em ordenança com seus capitaes,
e mais offiçiaes, de que tereis liuro em qu.e todo estem assentados co~ suas
confrontaçoes, pera milhor podere acodir a qualquer rebate, e occasiaõ que for
neçessaria, pera o que procurareis que todos tenhaõ suas armas.
Visitareis
todos os portos ·e desembarquadouros da dita Ilha pera ordenardes as vigias,
preuençoes neçessarias, de maneira que acontecendo algii caso como os passados
dosinimigos. intentarem desembarquar na dita Ilha, achem nella tal defençaõ que
naõ ouzem fazello.
Tereis
muito particular cuidado de guardar e fazei guardar em toda esta capitania as
minhas p;rouisoês sobre a prohibiçaõ dos
rebeldes das Ilhas de Olanda e Zelanda, de que leuareis os treslados
autenticos, e os fareis tresladar e pôr no Liuro da Camera na çidade de Saõ Thiago.
E
por ter informaçoes que os. Olandeses
rebeldes contynuaõ hir á Ilha do Mayoprouerse de sal, de que resulta muita
perda a este. Reino, vos encomendo que tomeis info·rmaçaõ do modo que se lhe
pod.erá impedir este proueito e tirarlhe a dita continuaçaõ, e de tudo me
auisareis muito particularmente.
Ey
por bem que vagando alguns offiçios da justiça, ou fazenda desta Capitania,
assy por morte dos offiçiaes ~orno por culpas, e erros que
cometerem, ou per que mereçaõ ser suspensos, q·ue vós possais prouer as
sernentias dos tais offiçia·es em pessoas aptas e sufficientes que os sirvaõ
até eu delles prouer, e os ditos· offiçia:es serem liures das culpas; e hauendo
criados meus suffiçientes os prouereis nelles prim ·eiro que outras pessoas e
na primeira embarquaçaõ que pera este Reino partir me enuiareis çertidaõ do.s
offiçiaes que assy estiueriem vagos, e per que modo e se for por culpas me enuiareis
os autos dellas e naõ o cornprindo assy, os prouidos por vós das ditas
seruentias naõ poderaõ seruir mais de quatro meses, sob pena de a uós e a elles
se nos dar culpa.
Tenho
informaçoes que as pouoaçoes de Cacheu,
e Rio de San· Dorningosuaõ em muito crescimento; e que por falta de justiça se commetem muitos excessos pelos moradores
dellas, e que os mais poderosos opprimem
e auexam os que menos pode, sem se guardarem minhas leis, nem
forma de justiça. E posto que assy por estes delictos, e que por comerçearem com os Olandeses Rebeldes e
outros cosayros mereçiam castiguo, eu usando de minha clemeçia por alguns
respeitos que me· a isso mouem, ey por
bem de lhes perdoar e alem disso fazer Villa ao dito lugar de Cacheu, e lhe
conçeder os priuilegios que tem as Villas deste Reyno, como uereis pelas
prouisoes que lhe mandei passar, que leuais em uosso poder.
Encomendouos
que lhas mandeis per pessoa que os saiba persuadir a emcaminharse e assentar
sua viuenda· em forma de Republica e poliçia christaã como saõ obrigados, e a
elegerem offiçiaes de justiça que a administrem, e guardem as leis deste Reino,
aduertindo os que naõ usando bem desta
minha indulgençia e continuando· os exceços com que ateego.ra uiueraõ, os
mandarey castigar como mereçerem suas culpas.
E
pareçendouos que fará isto milhor hü dos Rellegioso$ da Companhia que lá estaõ,
lhe dareis orde com que vaa, e de tudo o que suçeder nesta materia me anisareis
muito particularmente.
Ey
por bem que vos informeis de alguns
aleuantados que andaõ nessa costa, e dam fauor ao resgate dos cosairos, e
os que achardes culpados façaes prender e castigar.
Encomendouos
que saibais muito particulannente como proçedem todos os offiçiaes da justiça e
de minha fazenda, que há nessa Capitania e se há nella alguns outros
homensreuoltosos, e prejudiçiaes e que mereçaõ serem mandados riir pera este
Reino, e me auisareis com muita pontualidade de tudo o que ac.hardes, pera
mandar nisso prouer como ouuer por meu seruiço.
Fareis
huã rellaçaõ muito particular e destinta do estado em que achardes a fortalesa
da çidade de Saõ Thiago, e da artelharia que tem, e assy dos mais fortes que há
nessa Capitania, da poluora, atmas, e moniçoes que ouuer nos me·us almazen~, ·e
o estado em qtie estaõ; e se as armas estam para seruir, ou se há alguã
artelharia quebrada, a qual fareis embarquar nos primeiros nauios que para este
Reino uierem, com ordem pera se entregarem em meus almazens. E assy me
anisareis se falta alguã peça de artelharia, das que saõ ordenadas e
neçessarias· em. cada baluarte e se a poluora está com o resguardo que conuem,
ou se por culpa do·s o·ffiçiaes se perdeo, ou danificou alguã cousa, e vereis o
Liuro da Reçeita e despesa do almoxerife, e de tudo tirareis folha, -que
ajuntareis á dita rellaçaõ, e ordenareis ao dito almoxerife que em cada hii
anno mande a conta da poluora, e mais moniçoês que lhe forem entregues, e naõ
os contos como ateegora faziam.
E
as!y mais mandareis declarado na dita relaçaõ todos os offiçios de minha
justiça e de minha fazenda que há nessa dita Ilha ·e quem os serue, e os que
estam po·r my prouidose por quanto tempo e assy os que estiuerem vagos, e se
seruirem de seruentia, e o que cada hii rende e tem de ordenados. Os offiçios
que há da milliçia, e os que cada hii tem de ordenado e se estaõ todos
prouidos, e por quem. ~ quanta gente está ordenada a cada hfí dos
portos da elita Capitania, e se está tod.a, ou a que falta, e se tem as annas
que saõ obrigados. / /
Em
Lisboa a noue de Nouembro de 1605. Eu o secretario Pero da Costa o fiz
escreuer.
BAL – 51-VII-21 fls. 176-178.
1605/11/15
CACHEU E
ELEVADA À CATEGORIA DE VILA (15-11-1605)
SUMÁRIO
- Pelos considerandos expostos el-Rei elevo a povoação de Cacheu à dignidade
de vila, com
todos os privilégios das vilas do Reino de Portugal.
Dom
Phelippe &.a. Faço saber. aos que esta minha carta virem, que hauendo eu
respeito ao muito creçimento em que vay o lugar do Porto de Cacheu, çituado junto ao Rio Grande, e do de Saõ Domingos~ da
Costa de Guiné, e a estarem nelle edificadas Igrejas, em que se çelebrão os
offiçios diuinos, e a ser lugar de grande Pouoaçaõ, em que saõ moradores muitos
homens, nobres, ricos, e abastados, e cumprir ao bem cõmum daquelles
vassallos, serem de my fauor.ecidos, e acreçentados, por esperar delles, que ao
diante me seruiraõ como a isso saõ obrigados, e que se conseruaraõ em pás,
justiçae bom gouerno, conforme as minhas leis, e orde·naçoes. //
Por
todos estes respeitos, e por outros do seruiço de Deus, e meu. Hey por bem, e
me pras por fazerlhe graça, e mercê, de fazer villa ao· dito lugar de Cacheu,
com todas as preheminençias, franquezas, priuilegios, graças, e liberdades, que
tem, e de que gosaõ, e usaõ as villas deste Reino de Portugal.
E
hey por bem, que o dito lugar de Cacheu, se possa chamar, ·e se chame villa, e
que os moradores delle em Camara, po·r esta ves somente, façaõ entre sy
elleiçaõ dos Juizes, Vereedores, Procurador, e Escriuaõ da Camara, que nella
haõ de seruir o primeiro a.nno; e possaõ logo fazer elleiçaõ dos Almotaçeis,
para seruir aos mezes na fo11na da o·rdenaçaõ; e nomear .duas pessoas, que
siruaõ de Escriuaês do judiçial, e notas, a qu·e por sua nomeaçaõ, mandar.ey
por esta ve·s passar cartas em forma dos ditos offíçio·S, em sua vida, os quaes
dentro em hii anno tiraraõ suas cartas, pella dita nomeaçaõ da Camara, que lhe
mandarey passar; e. pello dito tempo de hü anno hey por bem, que siruaõ os
ditos offiçios, e valha o que escreuere, e se lhe dê inteira fee, e credito; a
qual elleiçaõ, e nomeaçaõ se fará .em Camara, pellas pessoas da gouemança. //
E
mando ao Capitaõ, o Gouernado,r, que hora hé, e aos que ao diante forem na Ilha
de Cabo Verde (1),e ás mais
justiças, a que q conheçimento desta pertençer, a façaõ inteiramente
cumprir, e guardar, como se nella contem, que hey por bem que valha, posto que
naõ seja passada pella Chançeleria, se·m embargo da ordenaçaõ, que o contrario
dispoem.
(1) Ilha de Santiago.
E
esta · se registará na Camara da Cidade de Sanctiago de Cabo V erd·e (2), e
no Liuro dos registos da Secretaria das terras Vltramarinas, para que a toçlos
seja notorio, que o ouue eu assy por bem. / /
(2)Cidade da Ribeira
Grande, chamada hoje a «Cidade Velha>>.
Dada
na Cidade de Lisboa, a quinse ·de Nouembro. Françi~co
Ferreira a
fez. Anno do naçimento de nosso Senhor Jhesus Christo de mil e seis çentos e
çinco. E eu o Secretario Pero da Costa a fis screuer. / /
El
Rey.
Concorda
cõ o Registo, de que o fiz copiar.Marcos Roiz Tinoquo. AHU ____,Guiné,
ex. 1.
1606
Em 1606, no porto de
Serra Leoa, o PADRE BALTAZAR BARREIRA batizou alguns lançados e seus
filhos. O rei assistiu às cerimônias e se interessou pelo batismo. O padre
disse que somente realizaria o sacramento depois que o rei escolhesse apenas
uma esposa para se casar e deixasse as outras. O soberano escolheu a filha
de um rei vizinho que morava no interior, a qual não aceitou ser catequizada. Ainda
assim ela teve que ser batizada e casada no mesmo dia, a contragosto do padre,
que somente realizou os sacramentos, instantaneamente, mediante intervenção de
outros portugueses: “No princípio não me deixei dobrar, mas ajuntando-se os
portugueses me representaram tantos inconvenientes que se podiam seguir se os
não baptizasse, que julguei ser vontade de Deus.” Recebeu o nome cristão de D.
Filipe Leão.22 No mesmo dia, foram batizados seus filhos e sua irmã.
Data
provável do início de FRANCISCO CORREIA
DA SILVA no exercício do cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
Existe
mesmo a designação de “Capitão de aventureiros” Quando a documentação refere
que alguém é capitão duma companhia, há ainda que considerar, as então chamadas
“companhias de aventureiros”, de que
existem referências desde c. 1606(5). No que a Santiago respeita, devem ter
desaparecido, pelo menos com esse nome, na segunda metade do século XVII(6) .
Existe mesmo a designação de “Capitão de aventureiros”(7) Tratava-se de tropas
organizadas à custa dos que nelas tomavam parte, de cujos serviços esperavam, a
seu tempo, recompensa régia.
5 Cfr. 1606 (c.) — ANÓNIMO, Relação, da Costa de Guiné e das capitanias…, in MMA, IV, p. 213.
6 Cfr. respectivamente as dissertações de licenciatura atrás
citadas de Clarisse V. Cardona Ferreira, p. 64 e de Sofia M. de Lima Neves, p.
59.
7 Por ex., em 1621 um “Capitão dos aventureiros em Cabo
Verde”
A primeira oferece uma personalia de cerca de quarenta nomes de
comerciantes judeus atuantes em Porto
d'Ale e Joala, seus parentes e parceiros cristãos-novos, desde 1606 até
1635
Foram
estes “práticos” — isto é, homens conhecedores pela sua experiência do terreno
— Bartolomeu André e sobretudo
Sebastião Fernandes Cação. O primeiro, mediador dos Jesuítas na Serra Leoa a
partir de 1606, numa carta-relatório escrita sob a orientação do Padre Baltasar
Barreira, para promover um projecto de colonização da Serra Leoa, refere os
mais de sete navios portugueses que anualmente transportavam a cola daquela
região para a venderem a “Norte”, aos Mandingas e outras “nações” com grande
lucro30.
30 Cfr. Carta de Bartolomeu André a El-Rei de Portugal. Porto
do Salvador (Serra Leoa), 20 de Fevereiro de 1606: Arquivo da Casa Cadaval,
cód. 987, fls. 509-516, in MMA,
IV, pp. 114-125, p. 122.
A
visão oficial veiculava um distrito da Serra Leoa separado do de Cabo Verde,
como lê numa relação-síntese das capitanias da África Atlântica (sentido mais
alargado de “Costa da Guiné”) produzida c. 1606 pela administração central:
“O
destrito desta Capitania [do Cabo Verde] pela costa firme começa no Rio Sanagaa
e acaba no rio dos Casses, onde começa a distrito da Serra Leoa” . E noutro
passo:
“Mais
adiante está o Cabo da Verga e o Rio dos Cosses (sic) onde arremata esta
Capitania e começa a da Serra Leoa.”53
No
título “Serra Leoa” do manuscrito da
Biblioteca da Ajuda da mesma relação, que até aqui se segue, lê-se ainda:
“Do
Cabo da Verga onde o Rio dos Casses [sic], começa a Capitania da Serra
Leoa, nouamente erigida…”54
53 Relação, da Costa de
Guiné, e das capitanias e povoações de Portug[u]ezes que nella ha; com os
officios da g[u]erra, justiça e fazenda, e outras cousas pera noticia das
dittas partes : B. Ajuda, cód. 51-IX-25, fls. 119-130, in MMA, IV, pp. 210 e 211.
54 Ibidem,
in MMA, IV, p. 216. O passo está na fl.
122v. do ms. da Ajuda.
☻
Fica no baira mar destes Jalofos huma casta de negros a que chamão Barbacins, e
são gentios, e não tem seita nenhuma de mouro. São grandes guerreiros, boa
gente de cavallo e de pé. Fica ingido por cima dos Jalofos, mas não tão
belicosos que pelejão muitas vezes com os Jalofos, e hão deles victoria.
Este reino dos
Barbacins está repartido em dous reinos: hum chamado o reino do ALE, de que
vamos tratando, o qual fica partindo da banda do mar e da banda do Norte com o
do Budumel, correndo beiramar a costa até o porto de JOALA, que he onde residem
hoje os lançados em huma aldeia que ali está povoada de negros, na qual residem
também os nossos debaixo da pprotecção e guarda do Alcaide que o Rei ali tem
posto terra sadia, e segura, aonde acodem muitos mantimentos da própria terra; ao longo da qual aldeia entra hum braço de
rio pequeno que a vai cingindo por detrás, onde recolhem algumas vezes os
lançados as sua embarcações de de lancha que tem para os seus tratos, por temor
das nossas galeotas quando lã andão, ou d’alguns vizinhos dailha. E no
mesmo rio podem entrar com agoas vivas algumas embarcações d até sessenta moios
de carga.
Dali
para o Sul vai correndo ainda esta costa até dar entrada de hum rio que ali he
chamado o dos Barbacins,que entra pela terra adentro como 25 ou 30
legoas, fazendo por dentro de si algumas pernadas. Ao norte deste rio vai
correndo o reino deste rei de que se trata, que he hum reino
pequeno, de poucas terras, mas tão bellicoso em guerras que he tido entre os
outros por hum dos da fama. Causa isto, alem delle ser muito bom capitão e
animoso, o ter as suas terras muito cobertas de mato e bosque cerrado, no qual se mette e delle offende os imigos. O seu conselho de guerra jamais se descobre nem se sabe; porque quando a determina fazer, toma primeiro conselho
com os seus para isso deputados, e se mette com elles no bosque que está apegado
aos seus paços, e ali fazem huma cova de altura de 3 palmos redonda, e todos os
do conselho se poem á roda della com as cabeças baixas olhando nella. Afi
praticâo todos sobre se farão guerra ou não, e depois de tudo bem examinado, e
a determinação do que hão de fazer tomada, tornão a cobrlr a cova, e diz o Rei: «A terra não ha
dedescobrir isto, porque fica enterrado nella». Hã.os do conselho tamanho medo
de descobrir o que alli passãoque jamais se sabe; e desta maneira nunca
commetteo cousa que não sahisse bem nella, sendo hum rei de pouca posse, que quando
muito não terá 40 legoas de terra.
Ao
reino deste sohião ir muitas armasções dos rnoradore do Cabo Verde com cavallos,
levando as mesmas mercadorias que atraz fica dito que levavão á terra dos
Jalofos, porque as mesmas se trazem a
estas dos Barbacins, que tirando falar diferente lingoa dos Jalofos, (e posto que
se entendão huns aos outros) no mais não ha diflerença nos vestidos nem nas
armas.
Fica
o reinado deste rei correndo pelo rio acima da banda do
Norte, onde tem alguns portos e onde ha poços d'agoa e aldeias perto; como he o
Porto da Palmeirinha, o de Gomar, o de Guindim que he
o derradeiro deste Rei, e fica perto da sua corte que se chama Jagão, que
he o mais fortedo seu reino. Este Rei fazia muito bom pagamento aos nossos,que
deixarão hoje este resgate por causa dos lnglezes, e habitarem na terra desta os
lançados que adquirem os despachos aos imigos.
1606/01/12
FRANCISCO CORREIA DA SILVA - Capitão e
Governador-geral de Cabo Verde desde 12 de Janeiro de 1606.Em 1607, o
governador queixa-se para Lisboa que parecia que os holandeses se queriam mesmo
ali instalar em definitivo, como ponto de apoio para as suas armadas com
destino ao Brasil, embora depois, não se volte a tocar no assunto.Foi no seu Governo que chegaram os três
primeiros Jesuitas, BALTHAZAR BARREIRA, MANOEL E BARROS e MANUEL FERNANDES.
1606/03/12
Luiz
Alvares de Nóbrega -
bacharel, provido ouvidor por carta de 12 de Março de 1606. O seu ordenado foi
baixado para 200$000 réis por ano.
1606/03/31
CARTA
RÉGIA SOBRE A SERRA LEOA (31-3-1606)
SUMÁRIO - Aptova
o conteúdo das cartas do Rei de
Biguba Baltasar Barreira e Sebastião Cação mandando-as despachar - Mercê a fazer a Sebastião Fernandes Cação.
Em
carta de S. M. de 31 de Março de 1606 Vy huã consulta do Conselho da Jndia
sobre o que escreueraõ El Rey de Biguba, e Baltezar
Barreira, religioso da Companhia, e Sebastiaõ
Fernandez Cação, e hey por bem bem de aprouar o que nella se contem; e que
na mesma conformidade, se lancem logo os despachos neçessarios, e ·me uenhaõ a
assjnar; e porque, segundo o que nesta consulta se diz do dito Sebastiaõ
Fernandez, hé sua assistençia naquelas partes de importançia a meu seruiço, se
acrecentará na .carta, que se lhe escreuer, que 1erey lembrança de lhe fazer
merçê, e · com este intento uos encomendo, que uos informeis da calidade deste
home.
1606/08/00
A correspondência do Padre Baltasar Barreira, superior da missão jesuíta inaugurada em
1604, procura esclarecer essa ambiguidade. No tocante à Guiné e a Cabo Verde
dos inícios do século XVII, Barreira constitui uma figura marcante da sua
História luso-africana e em particular, para o que aqui mais interessa, da
resultante produção textual.
Comecemos
pela conhecida carta em que descreve o
arquipélago e a costa da Guiné, de Agosto de 1606. Tinha chegado à região
há dois anos atrás e só então considerava estar em condições (1) de responder às
questões colocadas em Julho de 1604, também por via epistolar, pelo padre
Assistente do Geral em Roma. A primeira e mais geral resultava de uma dúvida de
terminologia geográfica que era a base de todo o conhecimento sobre a região:
"…que cousa hé este Cabouerde, quanto ás Ilhas, e quanto á terra
firme…"; a que responde logo, linhas adiante: “Começando pois pello
Cabouerde, que hé a primeira cousa que V. R. me pergunta, este nome hé proprio
de hum grande promontorio desta Costa e parte de Africa, a que os Portugueses chamaõ
Guiné, por rasam do qual as Ilhas que estam de fronte delle nouenta ou cem
legoas ao Sueste, se chamaõ do Cabouerde. E porque a de Santiago hé cabeça de
todas, e assento da Igreja Catedral deste bispado e dos Gouernadores e da
feitoria destas partes, e a ella uem demandar os nauios dessas partes, e os que
saem de Guiné com escrauos e outras mercadorias, o vulgo lhe veo a chamar
Cabouerde.”
Mais
à frente, ao iniciar a descrição da costa, reflecte — apesar da ambiguidade da
preposição “até” — um ponto de vista cabo-verdiano e em geral dos Portugueses
que conheciam bem a região (seus informadores), ao esclarecer: "Esta parte
de Africa que os Portugueses propriamente chamaõ Guiné começa no Rio Çenagá e
corre pella costa té o Cabo Ledo ou Serra Lyoa…" (2)
Pela
mesma altura, num também conhecido documento sobre a escravatura, retoma a
correspondência semântica Guiné-Cabo Verde: "O que em geral se pode diser
por parte dos negros que neste Guiné, chamado Cabouerde, se uendem e
compram…" (3)
(1)Mas, note-se, usufruindo das informações do que chama
“pessoas fidedignas” com muitos anos de contacto directo com a costa.
(2)Estas frases são
directamente inspiradas em André Álvares de Almada. Pe. Baltasar Barreira, Reposta [sic] a huã carta que o Padre João Alvares Assistente da Provincia de
Portugal em Roma escreveo ao Padre Balthazar Barreyra aos 24 de Julho de 1604
em que lhe pregunta alguãs cousas de Guiné. Serra Leoa, Porto de S.
Miguel, 1 de Agosto de 1606: ANTT, Cartório dos Jesuítas, maço 68, nº 119 e com
o título de Relação da Costa de Guiné
começando do Cabo Verde ate a Serra Leoa pelo Padre Baltesar Barreira estando
na dita Serra em Agosto de 606 acrecentada por pessoa que esteve naquelas
partes muitos annos : RAHM, Jesuitas, t. 185, nº [15]. O primeiro passo
foi suprimido no ms. da RAHM. No segundo passo “a Sueste” está ausente da carta
inicialmente escrita (Cfr. ms. ANTT, fl. [1] ), tratando-se dum acrescento do
ms. da RAHM, fl. [1]. MMA, IV,
pp. 159-173, pp. 159 e 162.
(3) Pe. Baltasar Barreira, Dos
escravos que saem das partes de Guiné a que chamão Cabo Verde. [Serra
Leoa]
1606/12/22
Renúncia, junto da Santa Sé,
de D.FREI PEDRO BRANDÃO do seu cargo
de bispo da diocese de Cabo Verde
Ao cabo de longos annos
de ausencia do bispado, lembrou-se o bispo D. Fr. Pedro Brandão de renunciar o
lugar,
apresentando como razão para a renuncia, que lhe eram mui nocivos os ares da
ilha de S. Thiago.
Quasi no fim de 14
annos de ausencia do bispado, recebendo os vencimentos e emolumentos, é que se
lembrou de que a sua diocese era insalubre.
Vivia já ricamente na
sua casa em Telheiras.
Tambem
citava como razão da sua renuncia o receio que tinha de ser maltratado por
alguns de quem confessava que lhe tinham odio.
1607
SIMÃO RODRIGUES D’ÉVORA, cristão-novo, natural de Antuérpia,
está em Portudal até 1632. Tem
outras acitidades em Amestardão e Lisboa.
Em 1607, o PADRE BALTAZAR BARREIRA pediu ao
Provincial da Companhia “dois sacerdotes de vida exemplar” para ter mais tempo
de cuidar da vida espiritual da população e poder atuar como vigário-geral,
independentemente do Bispado de Cabo Verde, que tinha jurisdição secular e
eclesiástica na Guiné e pouca atenção dava ao continente. No entanto, o
próprio Padre Baltazar Barreira participava do tráfico: A experiência me tem
mostrado que nem na Ilha nem cá podemos viver sem escravos. E assim sou
forçado comprar alguns, mas sou de parecer, se V.R. o houver assim por bem,
que aos que comprarmos limitemos alguns anos em que nos sirvam e lhe
declaremos, que se naqueles anos nos servirem bem, ou fazendo o que não
devem, os venderemos.
D. LUÍS DE MIRANDA foi
eleito bispo de Cabo Verde em 1607, tendo ido para Ribeira Grande em 1609. Faleceu um mês depois de chegar ao bispado.
1607/04/20
CARTA DE
SEBASTIÃO FERNANDES CAÇÃO A EL-REI D. FILIPE II (20-4-1607)
SUMARIO- Propõe
a construção de uma fortaleza em Cacheu para defesa do trato e dos habitantes
contra os Biiagós e os piratas- Perspectivas materiais e espirituais.
Senhor
Diz
o Capitaõ Sebastiaõ Fernandez Casaõ
(1), caualeiro do àbito de Christo,· rezidente nesta corte, que elle serue a V
.. Magestade há mais de 40 annos, assistindo em os Riosde Cabo Verde, e
pela muita experiençia que tem das ditas partes, diz que conuem muito á fazenda
de V. Magestade fazersse huã força (2)
em os Rios de S. Domingos, porto de Cacheo, onde· está· a feitoria e se
despachaõ os nauios de Portugal e de todas as mais partes, por ser o dito·
porto mais acomodado para se conçertarem e tirarem. a monte os ditos nauios,
alem do que será de muito proueito para os moradores da terra e se poderaõ defender dos enemigos françezes e framengos,
e assi lhe naõ faraõ dano os Bigagogos
(3), os quais tem destruido doze Reinos, que ora estaõ despouoados, e os
que estaõ retirados pela terra dentro se uiraõ amparar hà ditafortaleza, a qual
se pode fazer com muito pouco custo, e· fica em parte onde os mãtimentos saõ
muy baratos, e por esta maneira se poderá · sustentar o dito contrato e se
escuzaõ reparos de pao, que de continuo se fazem, e ficará euitando os assaltos que os Bigagogos (3) de continuo fazem,
queimando as cazas e nouidades; e com o dito forte se asigura e se tomará a
pouoar, e ficará V. Magestade escuzando o guasto da artilharia, que suposto
que há mais de trinta peças de bronze que alcançem e varegeni os nauios dos
enemigos, ficará este porto muito seguro e naõ se acabará de perder o dito
contrato. Como leal vasallo dou este auizo a v.· Magestade, por entender que
conuem ao seruiço de Deus e.bem da fazenda de V. Magestade.
Haciendose
la fortaleça· como digo, ·y yendo Padres dela Compa:fiia, se haran muchos
Christianos y los Reynos que estan al rededor hara.n lo mismo, que es gente que
recibirámui bien el Santo Euangelio, por ser gentiles y no adorar outra cosa
que paios y piedras y tener buen natural.
Será
para la hacienda de V. Magestad de gran aumento y principalmente se sabrá en la
verdad los negros que salen de Guinea, lo que asta hora no se ha sabido, por
despacharsse e.orno se quiere y vitarse muc~os, y con la dicha
fortaleça se euitará esto, porque dentro da la dicha fortaleça se contaran el
numero cierto de lo· que cada .uno saca, que le será a Su Ma.gestad de muy gran
probecho.
Tambien
las naos y ·nauios que· estan en· aquel puerto que uan a haser las annaciones, estaran
seguras. deuajo del amparo de esta fuerça, de muchos enemigos que las han
lleuado dei dicho puerto y robado.
Las naos que alli hasen sus armaciones, compran y alquilan casas de paja para tener sus esclauos en tierra y poderles dar de comer, y sustentar y paga cada nao de
estas de alquiler mil crusados, del balor de la moneda que alli corre (que no
es buena) en las Indias en plata; por el ·tiempo que hase la· dicha armacion. Y
con. }a. ·dicha fortalesa, que tendrá sus almacenes dentro, estaran seguros
-los· negros de los enemigos, y de muchas ueses que se han qttemado por ·ser
como estã dietro las . casas de paja,. ·. y. los dichos armadores tendran por
bien de ·dar este dinero y mas por. tener· en ella seguros sus esclabos y
haciendas.
Ansi
mismo en la· Jsla de Santiago, por ser Jsla se há acontecido muchas ueses no
llouer y hauer en ella gran_hambre,.la han ·desamparado sus moradores, y uan a
esto puertó ·que ay tierra firme, y abiendo en el fortaleça no ay duda sino que
será un gran lugar, por auer en el mucho mantenimiento.
Tambien
el dia que los portugueses supieren que Su Magestad pane los ojos en aquella
tierra y hace fortaleça, se descubriran
minas de oro y plata, que los negros diceri las ay, Y por no hauer quien quiera
entrar a buscarlas, solo negros, que es el trato en que se ocupan por se
rescate.
.Ay mucha cera y mucho marfil en gran
cantidad, y de todo ello gosan los enemigos, franceses, flamencos, jngleses
y.judios, que bienen alli de Olanda, los
quales tienen casas puestas en el puerto de Dalli que es un puerto de Cabouerde,
lo qual es de gra.n desserb:cio de Dios y de su Magestad.
Ay
tambien una Sierra de Christal, que se quisieren sacar della podran cargar
muchas naos del.
Y
estando la dicha · força hecha, quando Su Magestad mande se ariende el
contrato, daran mucho mas dinero ·por el, por tener seguros sus factores y
haciendas. Otras muchas cosas ay que con la dicha fuerça . se seguiran, que le
seran a Su Magestad de gran prouecho.
ARHM
- /?apeles de J esititas, ms. 185. .
NOTA
- Embora não datado, o documento pode sê-lo no dia 20-4-1607 e cremos fazer
corpo com os documentos desta data versando os mesmos problemas.
(1) Sebastião Fernandes Cação vendeu uma casa forte ao
capitão de Cacheu, Baltasar Pereira de Castelo Branco, que teve carta patente
do cargo em 4-4-1615 ATT--Chancelaria
de D. Filipe II, liv. 33, fl. 224). Cfr § 4.0 do Regimento dado a João
Carneiro Fid~lgo, de 15-1-1650, em Bolletim do Conselho Ultf'amarino, Lisboa,
1867, vol. 1:p. 264.
(2)Fortaleza.
(3) Bijagós.
CARTA ·DE SEBASTIÃO
FERNANDES CAÇÃO A EL-REI D. FILIP:E II(20-4-1607)
SUMÁRIO
- Pede a. el-Rei que atenda os pedidos de socorro dos Reis da Serra Leoa
contra os Bijagós, para bem da sua conversão ao Cristianismo e conservarem seus
estados.
[Senhor]
Acrecentaõ
as mércês de V. Real Magestade animo a quem, posto que o naõ tem pequeno· pera
fazer seruiços, que po.r cousa poll:ca tenho soo huã uida e tiuera em mercê do
Senhor naõ faltarem muitas pera todas empregar cõ muita fee
lealdade em seruiço de v·. Magestade e de essa Real Coroa, como sempre
deseje.i, e naõ s~ agora, mas em tempq_ [do] christianissimo e
inuictissimo Rej . Dom. Philipe, pay – de V. Magestade, que Deus tem, por cujo
mandado uim a este Guiné, gastando em seruiço seu dous annos, depois de o ter
feito outros mais; co~fio e tenho muito serta.S esperanças, que
por este que se offerece dos Bijagós e outros que se offerecerem, porá V.
Magestade em mim os olhos fauorecendo estes desejos tam antigos. E cõ este
fauor que na ocasiaõ presente peço, será V. Magestade de mim seruido já cõ
obras. //
V.
Magestade me anisa na sua, escrita a 12 de Agosto de 6()5 (1), inforn1e do que
for necessario pera seu semiço; foi auiso este em que interessa muito o Rej de Bigubá e outrosde nouo escrevê :a V. Magestade pedindolhe os fauoreça
contra os Bijagós
(2), que tudo uaõ acabando, assi pera bem de sere christaõs, como pera serem
conseruados em seus Rejnos.A mim me parece ser cousa de muita
importancia acodirlhes V. Magestade com breuidade, porque naõ sendo assi corre
muito risco faltarlhes o principal, e que a catholica pessoa de V. Magestade
tanto deseja,· como hé ser esta gentilidade catechizada para effeito de
receberem nossa santa fee, cousa que estes Reis cõ muita instancia pedê, e assi
o requereraõ aos Padres da Companhia, que V. Magestade tem mandado a estas
partes, o que elles lhe naõ querem conceder · pelo
aperto em
que estaõ. E ainda que lhes parece permetir Deus estas necessidades pera que hü
bem tam grande fique, cõ tudo importa pera o ficar mais, o fauor de V. M~gestade·. Este fico esperando. / / .
E
porque o Padre da Companhia que vaj á instancia destes Reis, dará a V.
Magestade mais larga relaçaõ, como quem sa.be das cousas destes · Rejnos e do
que importa ao seruiço de Deus e de V. Magestade; nos apontamentos informo a V.
Magestade (3 ) do que me manda, cuja real pessoa O' Senhor guarde pera augmento
da cristandade. / /
De
Guinela ( sic), 20 d' Abril de 1607. / / -Sebastiaõ Femandez Caçaõ.
ARSI - Lits. 1 cód. 7 4
> fls. 80-80 v.
(1) Documento que desconhecemos
(2 )Cfr. documentos de 20
e 24 de Abril de 1607
(3)Cfr.
documento seguinte,. a que damos a data. deste.
CARTA DE SEBASTIÃO
FERNANPES CAÇÃO A EL-REI D. FILIPE II (20-4-1607)
SUMÁRIO
- Reis que pedem socorro ao Rei de
Portugal contra os Bijagós e que desejam fazer-se cristãos
- Conquista das Ilhas dos Bijagós -
Oferta de uma botija de cola e importância económica deste produto.
Primeiramente,
para o bom sucesso da cristandade nestas partes, no que toca ao espiritual hé
de muita conssolaçaõ para todos a [ e)leiçaõ que V. Magestade tem feito dos
Padres da Companhia de Jesv, por serem Religiosos de grande virtude e exemplo,
que hé o que mais rende e affeiço·a esta ·gentilidade a nossa santa fee. E
muito mais u~i;ido que naõ aceitaõ na-da do que se lhe
oferece. Os Reys que depois da uinda dos Padres neste março de 6<11, se
querem fazer christaõs saõ dous, primeiramente o de Guinela (1), o outro hé o
Rej de Bisege; o de Bigubá estiuera christaõ, porem naõ o estar foi por naõ ter
ocasiaõ, que bem o deseja.
O
Rej de Bigubá, a quem V. Magestade respondeo a ·huã sua (2), tem quatro rejnos
debaixo de seu poder. ·
O
Rej de Guinella (1) tem sette Rejs de barrette debaixo de seu dominio.
( 1) Este vocábulo encontra-se mais geralmente grafado :
Guinala ou Guinalá
O
Rej de Bisege tem cinco rejnos de seu domin!o; estes Rejs confinaõ suas terras
huãs· cõ outras, e o que as deuide saõ tres Ryos que· -das. ylhas dos Bijagós
entraõ por estestres Rejnos acima. E
destes Rejnos saem muitos braços e esteiros por onde ficaõ os ditos Rejnos tam
sogeitos a estes Bijagós, que cõ suas
embarcaçoes, por serem ligeiras, entraõ por · onde querem e de noite fazem seus
assaltos, e hé esta naçaõ tam cruel, que pera segurarem sua presa escolhem pera
isso tempo mais acomodado, que hé a;lta noite, quando estaõ mais repousados, perá o que tem suas
espias, e sendo por ellas anisados, entraõ pondo fogo nas aldeas, matando os
que saem das casas, se resistem, finalmente ou mortos 9u uiuos naõ - escapa.o.N
aõ deixe V. Magestade de dar socorro a estes Reis por lhe parecer cousa _ d.e
pouca impo·rtancia, porque EIRej D. Ioaõ 3.0 fez mercê ·das Ilhas dos Bijagós
ao Jffãte Dom Luis (8 ), e. fazendo pera as conquistas huã grossa annada, uindo
pola Ilha de S. Thiago do Cabouerde, onde se proueo de mais gente, por ser
custumada a mais má uida, e ·chegando ás· ditas Ilhas fo1maraõ campo e
mete·ndosse polos matos cõ cubiça ·de captiuar, deraõ sobre elles, e por lhe
·faltar experiencia mataraõ a todos e por esta causa naõ ·-foraõ conquistadas.
Per
onde pondo V. Magesta.de agora. os olhos nisto, e no pouco que hade custar,
porque 0s Reis que se querem fazer christaõs daõ os seus vassalos, ficará tudo
conquistado e as Ilhas pera V. Magestade ou pera quem for seruido.
Saõ
estas Ilhas 17, muito abundantes de varios mantimentos, frescas po·r causa dos
ar.uoredos e ribeiras de agoas, e pela terra déntro muita uariedade de gado;
nas praias se acha .(4 ) os mais dos annos muito ambar e por estes gêtios o naõ
conhecere o toma a leuar o mar; saõ finalmente taes que os prop[rJios gentió·s
sem ·as cultiuarem se sustentaõ, por causa da fertilida:de.Sendo V. Magestade
seruido e á.uendo por bem mandar este socorro, uindo em nauios possantes e bem
artelhados, pode uir po-r Cabouerde e Angta de Bezeguiche, e correndo a costa
até o Cabo Roxo, onde de outubro por diante estaõ nauios de frances·es,
. framengos, . olandeses, carregados·. r de ferro·· e· outras mercadorfas, naõ·
deixando de ·fazer as presas que podem, -p~lo que uindo por esta· uia
o socorro, alimpará a costa e será de proueito pera a real fazenda de V.
Magestade, que saõ nauios de muita importancia.
O
Padre Pedro Fernandez da Companhia. de
Jesv leua huã botija (5) de colla,
que por yr mais conseruada uai em botija {5), a qual hé huã fruita de tanta
estima pera ·toda ~-a mourama de Cos[n]tantinopla e Mar[r]ocos, que a
uem buscar por terra e ual muito dinheiro entre elles, e tem tanta fee o Mouro e Turco nesta frota, que quando uaõ á guerra
comem o povo dela, porque fresca e naõ. achaõ e tem pera si que lhes dá
ta·nto animo que ymaginaõ lhes naõ pode uir mal. E hé tanto assi que depois de
se saudarem pola manhã dizem,. Se tu comeste colla bafeja me por que oje naõ
tenha mal. E visto ser isto assi, pareceo me que inforn1andosse V. Magestade
dos Embaixadores de Berberia, pode
mandar cada hu anno dous nauios desta fruita a Berberia pera resgate dos
catiuos; que será muito mais barato e facil o resgatte, e naõ. Será
necessa.rio leuar ouro nê pratta pera este effeito.
Sebastiaõ
Fernandez Caçaõ.
ARSI
- Lus., cód. 74, fls. 80 v.-81 v.
NOTA
- Não está datado o documento, mas é, de toda a certeza, de 20-4-1607.
No
original: botiga.
(3) Cfr. Monumenta
Missionaria Africana,, II ; . serie, vol. II, pp. 226 e 263.
(4) No original : achaõ.
1607/05/00
INFORMAÇÃO
ACERCA DAS COISAS DA GUINÉ (Maio - 1607)
SUMÁRIO
- Eriformaçaõ de alguãs cousas de
Guiné e da disposição que alli há pera a conuerssaõ daquella
gentilidade e dillataçaõ de nossa santa fee catolica, tirada de alguãs cartas
do Padre Manoel Aluares, da Companhia de Jesv e de Gaspar Gonçalues Pe-ryeira,
vesitador daqitellas partes de Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, Capitaõ do Ryo
Grande, escritas em Mayo de 607.
Por
· ordem de sua Magestade partiraõ deste porto de Lisboa, em feuereiro de 607,
os Padres Manoel d' Almeida, Manoel
Aluares e Pedro Netto, em missaõ pera o Cabouerde e Costa de Guiné;
chegaraõ á Ilha de S. Tiago em breues dias, e ficando ay os Padres l\tlanoel d'
Almeida e Pedro Netto, o Padre Manoel Aluares e o jrmaõ Pedro Fernandez se partiraõ a 8 de Março na uolta da Serra Lyoa,
pera se yrem ajuntar cõ o Padre Baltesar
Barreira, que laa andaua soo. / /
Chegando
á Costa de (iuiné, o primeiro porto que tomaraõ foj o de Bisao, onde residem
algüs Portugueses e hii Rej, que desejando já dantes ser christaõ, desdo tempo
. que aliesteue o Padre Baltesar Barreira, uendo agora os Padres que de nouo
yaõ, cõ muito aluoroço lhe pedio o. santo Baptismo; mas co·mo este negocio pede
muita consideraçaõ, conssolando o o Padre o melhor que pode, dandolhe esperança
de a seu tempo lhe ·satisfazer seus desejos, passou adiante, ao porto de Santa Cruz, no Rejno -de Guinalá,
no Rio Grande; aqui foraõ recebidos, assim do Capitaõ Sebastiaõ Fernandez Caçaõ e mais Portugueses, como do Rej e
toda sua gente cõ tanta festa e allegria, .como se foraõ uindos do ceo .. /,!
E
assi começando os Padres a exercitar seu officio, foi N. Senhor obrando tanto
nos corações daquella gente que naõ passaraõ muitos dias que o Rej cõ todos os
seus pediraõ o santo Baptismo cõ tanta instancia que naõ se podia mais desejar.
Naõ parec.eo bem aos Padres condescender logo cõ elles, po·r rezões granes e de
muita consideraçaõ que pera isso auia, mas contentaraõ se cõ os catequizar e
declarar as condições cõ que auiaõ de receber o santo Bautismo. E entre ellas
foi huã de naõ auerem de vsar de huã ceremonia gentílica que o diabo tem entre
elles tam grãdemente autorizada,.pola fundar
em rezaõ de estado e honrra mundana, que hé na morte de algü Rej, Rajnha, ou
nobre, matarem por honrra muita gente de sua obrigaçaõ .. E pera abrogarem esta
ceremonia fez o Rej huãs como Cortes e nellas huã ley em que prohibio naõ se
usasse mais (1) tal ceremonia naquelle Rejno que· pera quem tem noticia das
cousas de Guiné e de quai:narreigada esta crueldade está naqueles Rejnos, com
pretexto de honrra, naõ deixará de estimar em muito ter este Rej chegado a
isto. E assi o festejaraõ e estimaraõ os Portugueses quanto se pode encarecer..
Alem
deste Rej de Guinalá e do de Bisege, pede_ também com grande instancia o
sagrado Baptismo o Rej de Bigubá,.vezinho a este de Guinalá. ~ cada
hii destes .Rejs tem outros debaixo de seu poder. //
O
de Bisege (2) tem. cinco Rejs que lhe estaõ sogeitos,.o de Bigubá tem tres, o
de Guinalá tem sette; todos estes três Rejs escreuem a sua Magestade {3) cada
hii perssi.
(1) Entenda-se : ordenou não se usasse mais.
(2) No original: Bisage.
(3) Cfr. documentos {le 20 e 24 de Abril e 1 de Maio de
1607·
A
ocasiaõ .que ouue pera estes tres. Rejs pedirem o sagrado Baptismo, allem da
noticia que de nossa santa fee lhe tinha
dado
o Padre Baltesar Barreira e os Portugueses que estaõ nas suas terras, foj
tambem, de proximo, ·o aperto em que os poem huã naçaõ de negros por nome Bijagós, que d' alguns annos a esta parte
se tem leuantado e uaõ fazendo tam cma guerra a todos aquelles Rejs comarcaõs,
que onde chegaõ e entraõ, tudo queimaõ e assolam, matando e catiuando os que podem cõ estranha ferocidade, procurando
juntamente de auer ás maõs os Portugueses e os extinguirem e . fazerem sair de todo Guiné.·//.
Pelo
que todos estes tres Rejs e outros senhores uezinhos se ajuntarão e uieraõ
pedir aos Pad·res quisesse uir hii deles a Portugal em nome de todos e trazer
hü filho de cada hii como embaixador, pera que lançados aos pees de sua
Magestade lhe pedirem aja delles misericordia e lhe queira mandar algü socorro,
contra estes ymigos, pera que liures. delles se possaõ fazer christaõs cõ todos
seus vassalos, e ficar d~baixo de ·sua protecçaõ. _Naõ ~receo aos
Padres, por justos respeitos, ser necessario que uiessem cá os filhos destes
Rejs, por escusarem gastos a sua Magestade, mas de parecer de todos se julgou
que uiesse hü Jrmaõ da Companhia trazer estas cartas e recados.
O socorro que julgaõ
ser sufficiente saõ até quinhentos homês. ,O custo pera este socorro, que será muito
pouco, mas o proueito e effeito ~elle pera esta Coroa de
muito grande momento, 'e de muito maior pera a conuerssaõ de to·da aquella
gintilidade.
A
causa por que naõ será de muito custo o socorro senaõ até lá chegar, hé por que tanto que lá forem e se
ajuntarem cõ a gente de Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, Capitaõ do Rio Grande,
e. cõ .a destes tres Reis, que hé muita, naõ
.terá mais que fazer custo a sua Magestade, porque as terras dos negros ymigos
que haõ de conquistar sam tam fertiles e ricas de todos os mantimentos, que
os n1esmos moradores e negros que nellas habitaõ naõ tem necessidade de· as
cultiuar cõ industria, porque ellas de sua natureza lhe· da·õ todo o necessario
em muita abundancia, só s·emeaõ algfí milho.
Está.s
terras em que habitaõ estes negros Bijagós (4) saõ principalmente as Ilhas que
estaõ ao longo da Costa de Guiné e Serra Lyoa, que saõ per todas 17,
fertilissimas em grande maneira. E daqui saem os Bijagós e entraõ pelos Ryos do
sertam · (que todo está retalhado delles) em suas almadias e fazem crua guerra
a todos aquelles Rejs.. E como suas
annas n.aõ saõ mais que ·zagunchos de remesso, au·endo espingardas da parte da
nossa· gente, juntamente cõ as frechas do.s negros, será fácil destruilos e
tomarlhes as Ilhas, que sua Magestade poderá destribuir por quem lhe
parece·r, que allem da fertilidade ·que tem de sua natureza e abundancia de
gado e fruitas, e de todos os mais mantimentos da.quellas partes, ·se poderaõ
fazer nellas muitos engenhos de açucares, que pola grossura da terra, infinidade
de amoredo, agoas e mais comodidade que tem pera isso,
seraõ pera a fazenda de sua Magestade o proueito e rendimento
que se deixa uer, afora os bens que· se tiraõ da
·conuerssaõ da gente da terra, de se impedir·
a nauegaçaõ dos estrangeiros e comercio que tem pera
aquellas partes, donde leuaõ muito ouro e ambar, e outras cousas,. Ficando tudo
pera os Portugueses ..
Sebastiaõ Fernandez
Caçaõ se offerece, indo este socorro, pera armar á sua custa tee. dez mil homês, cõ os quaes e cõ a
gente dos tres Rejs e mais Senhores vezinhos, que também querem ajudar, se fará
guerra aos Bijagós (4) e o que tomarem tudo ficará sogeito á Coroa deste Rejno,
repartindo sua Magestade as terras aos conqu:stadores como lhe parecer Auendo de yr de cá este socorro, hé
necessario que uá em nauios aparelhados e artelhados e que demandem o
(4 )No original: Bisagas.
Cabouerde
e Angra de Bisiguiche e dahi uá correndo a
costa tee o Cabo Roxo, onde de outubro por diante estaõ ordinariamente
franceses, framengos e olandeses carregando de ferro e outras mercadorias, e cõ
isto naõ deixaraõ de fazer o mal que podem, pelo que indo este socorro por
estas partes; alimpará tambem a costa, que será de grãde proueito pera a
fazenda de sua Magestade. //
E
naõ se podendo auiar este socorro pera partir daqui em outubro, se pode fazer
atee todo o Dezembro, de maneira que cheguem laa a tempo que
descanssados da uiagê possaõ pelejar em Março, Abril, Mayo, Junho, que hé o
tempo acomodado pera isso.
Importa
tambem yr este socorro, porque como estes Rejs e Senhores gentios cõ sua gente
tem grande conceito do muito poder de sua Magestade, fidelidade e uerdade dos
Portugueses, e esta ser hiia qas causas por que assi abraçaõ, amaõ e desejaõ
receber nossa santa fee, á huã polas cousas de sua saluaçaõ, que os Padres da
Companhia lhe enssinaõ, á outra polas esperanças que tem na proteiçaõ de sua
Magestade, que por ser tam poderoso Rej o·s fauorecerá e conseruará em sua paz,
e as·si lho dizem os Portugueses. Se
este socorro lhe faltar hé de temer que se esfriem no feruor que tem de se
fazerem christaõs e deçaõ muito do· alto conceito que tem de sua Magestade e
dos Portugueses, e se presuadam que tudo
o que os Padres e Portugueses lhe dizem hé falsso, e que naõ pretendem mais que
enganalos, e naõ se fiaraõ dos Portugueses, antes se retiraraõ, se naõ for mais
.. E o mesmo se pode temer dosmais reis vizinhos. //
E
indolhes este socorro, se grande conceito tem do poder, fauor e emparo -de sua
Mlagestade e dos Portugueses, muito mais o teraõ uendo· o por experiencia e
ficaraõ mais certificados disso. E
seruirá tambem pera sempre conseruarê a sogeiçaõ que deuem a sua Magestade e
temerem que faltando nella ou em outra cousa, sejaõ castigados· de sua
Magestade cõ a facilidade cõ que os socorre e ajuda.
E
tambem aproueitará muito pera os outros Rejs uezinhos que estaõ
pela costa adiante, a cuja noticia este socorro chegar, se sogeitarem com
facelidade e de boa uontade, porque na verdadehé obra esta que muito mouerá a
estes Rejs e os sogeitrá a sua Magestade ..
ARSI - Lus., cód. 74, fls. 81 v.-83 v.
RELAÇÃO DAS COISAS DA
GUINÉ
(Maio -1607)
SUMÁRIO-
Rellaçaõ de alguãs cousas de Guiné e
das portas que alli se uaõ abrindo para nouas converssoês. tirada das cartas
·do P. Manoel Alvaresda Companhia de ]esv e de outras de Sebastiaõ
Fernandez Caçaõ escritas do Rjo Grande em Mayo de 607.
Depois
que os Padres e mais passageiros se partiraõ do Cabouerde andaraõ oyto ou noue
dias perdidos sem o piloto nê mestre do nauio, sem saberem
em que altura estauaõ, cousa que a todos causou grande fastio, e sem duuida
pereceraõ se mais durara, polas grandes necessidades que sobreuieraõ e a mayor
que tinhaõ era nauegar entre baixos e entre
os bárbaros Bijagós, os mais crueis que· naquellas partes há, guerreiros e
ferçosos. e que pretendem pôr fogo a tudo, como fizeraõ no Rejno de Bigobá,
onde depois de porem o fogo a tudo mataram a· hiis que estauaõ presos,
cortandolhes a cabeça per os naõ poderê leuar catiuos e lhes leuare as cadeas.
/ /
Vendose nestes perigos recorreraõ à Virgem N.
Senhora, rezandolhe suas ledainhas e tirando os santos a que cada hü tinha mais
·deuaçaõ, logo se poseraõ em direitura, cõsolando a todos o bom sucesso e
festejando a mercê que Deus lhe fizera por meo da V. N. Senhora e de seus
santos, a que tambem rezauam as suas ·ledainhas todas as tardes. E . assi
tomaraõ os portos necessarios e nelles cozμecamo a tratar do bem espiritual de todos, e ouue os desejos que ficaõ ·apontados, que saõ
de muita estima em tal gente. E pera · que se ueja a cegueira e miseria em que
esta pobre gente estaa e se lhe acuda cõ o remedio corporal e espiritual,
relataremos aqui que cousa hé a ceremonia dos chinas,
pera que
os de nossa Companhia tenhaõ compaixaõ de tam miserauel estado
e lhe acudaõ, e sua real · Magestade · e os do Conselho ajudem e fauoreçaõ esta
pobre e desemparada gente.
Duas
chinas tem a gentilidade daquellas partes, a primeira e principal hé o Deus que
adoraõ e que elles dizem governar seus Rejnos; a este chamaõ china como nós a
Deus N. Senhor chamamos ·nosso Deus. E assi quando elles .vem nossas ymagês de Christq ou . de nosa $erihora, dizem que hé china dos crhistaõs, quero dizer Deus dos
christaõs. A esta china tem em muita
ueneraçaõ, ne fazem cousa sem seu conselho e nella falia o diabo quando a
trazem a publico em seus juizos ou se jura nelles por ella, ou se hade
determinar ou acabar alguã cousa no Rejno que há ou naõ hade aúer
nelle dalli por diante. A forma desta china hé a seguinte. Tomaõ muitos paos,
cada· hu de palmo e .meo, todos muito pretos per razaõ da variedade dos licores
que laçaõ em hus uasos que tem dentro, como sangue
de diuersos animaes; os uasos saõ huãs panelinhas,
entre as quaes tem pontas de cabras; destes paos sé faz hõ feixe que se parece
cõ hil cepo de talhar carne, de altura de palmo e meo. Estaõ ·pendurados des~a china
por. Huãs cordinhas delgadas ·duas caueiras de cachor[r]os. ·Este hé o Deos que esta gente venera e mete
no coraçaõ / /
Confesso
que· quando uimos hu Rey gentio de tanta majestade como hé o de Guinalá,
assentado a seu .modo, guardando as suas. regras de primor sem perder
ponto, e a Rainha e fidalgos, naõ tendo em que pôr os· olhos por falta de
doutrina e fauores deste Rejno, senaõ ·na intiençaõ que ·digo, traçada pelo
diabo,. que parece hã retrato do inferno, causou em nós um grande
aballo que o naõ posso déclarar. Estando
ElRej e afidálguia toda junta: pera tomar a resoluaõ e cessar esta ceremonia das
chinas: depois de mandar urna china disse ElRej que· queria
se· acabasse a ceremonia das chinas, contanto que se auiaõ de fazer amigos dous
homes, que auia .muito tempo que o naõ eraõ. Ouuindo elles isto se fizeraõ
amigos cõ o que o Rej e gouemador mostraraõ muito gosto. //
E
assi em cinco dias de Abril se alcançou esta uictoria do ymigo, que entendemos
será principio de outras muitas, trazendo muito cedo Deos N.. Senhor esta
gentilidade ao uerdadeiro conhecimento
seu. Eassi ally diãte a china juraraõ de naõ auer nem se usar mais a ceremonia
·das .chinas, como já disse, a qual ceremonia hé a seguinte.
Quando morre ElRej,
Rajnha, fidalgos e mais gente cada hü conforme a sua posse e estado mandaõ matar
consigo pera o seruirem na outra uida aquelles que mais amauaõ nesta, assi
homês como molheres, e destes aquelles que a natureza mais dotou de partes
naturaes, como fennosura, fortaleza, ettc. E os Padres uiraõ alguãs pessoas que
causauaõ sentimento con sua vista. A estas cbamaõ chinas porque com esta
palavra declaraõ o muito que lhe quere, e o mesmo hé china, a este preposito,
que querida; mataõ a estas tiranicamente, porque lhe quebraõ os dedos e os uaõ
moendo pouco e pouco e depois de estarem quasi espirando (porque ·estaõ neste.
tromento porespaço de tres horas) lhes atreuessaõ cõ hii pao agudo o pescoço e
assi acabaõ miserauelmente, assistindo a este espectáculo outras chinas que
tambem haõ de passar o mesmo tromento logo, e naõ com ruim· rosto ou malenconia,
mas mostrando muita allegria cõ uarias musicas. E desta sorte uaõ morrendo os
miseraueis de todo; cõsiderê [a] uera allegria que podia causar nos padres o
uere esta ceremonia acabada, de maneira que já naõ usaõ della nê mataõ ninguem,
antes o tem prohibido con graues penas e tanto que morrendo depois dous
fidalgos naõ ouue morte alguã senaõ .de boys. Assentado isto foj tanto o gosto
e conssolaçaõ do Rej, fidalgos e portugueses, que naõ auia quem o naõ
festejasse, os portugueses desparando muitos mosquettes, os pretos desparando
seus arcos.
Fejto
este assento diante dos fidalgos e portugueses, disse o Rej que o fizessem christaõ,
e o mesmo disse hu gouemador do Rejno· que -logo entregou hü filho aos Pàdres;
os fidalgos pedem o mesmo e se se dera pelo que elles dizem já
estivera haptizado_ naõ. hii· mas dous· Rejs e .outra muita gente; mas como os
Padres pretendem, cõ: o fauor diuino, dar hii bom principio a ·esta conuerssaõ,
de maneira que naõ andem sempre receosos e :tornaraõ a seus· erros
tam antigos. Esperaõ conjunção e que elles uaõ crecen.do no conhecimento de
nossa santa fee, pera. que· de gentios naõ uenhaõ a s·er hereges. E por isso os
naõ tem baptizados, posto que delles saõ bem importunados. / /
Hum
Capitaõ, homem de· importancia entre. elles, .saindo os padres de casa do Rej,
lhes uejo ao encontro cõ huã soo molher, ·deixando todas as outras, pedindolhe
o fizesse christaõ; responderaõlhe que tudo fariaõ uindolhe recado de Portugal,
onde pediaõ fauor sobre o que EIRej de
Bigubá, e o Rej de Guinelá e o Rej de Bisege escreuem a sua magestade, os
quaes pedem o santo bautismo· com mujta instancia. Querendo o· Capitaõ Sebastíaõ Fernandez Caçaõ
festejar o Gouernador do Rejno de Guinalá, que hé segunda pessoa depois do Rej,
o mandou conuidar pera o gentar dia de paschoa, e cuidando elle que era pera o
baptizarem uejo muito aluoroçado·, e tanto ··que este··Rej de Guinelá e o de
Bigubá se baptizarem, toda esta gentilidade receberá o santo· baptismo. //
Há nestas partes certa
gentilidade a que chamaõ Mandingas, que hé a pior gente, porque gardaõ a seita
dos mouros e confinaõ cõ elles nos custumes e nas terras cõ os Jalofos·.
Estes·
andaõ metidos cõ esta gentilidade e os enganaõ dando-lhe nominas e hüs relicairos que trazem ao pescoço, assi
como os ·agnus· Dej e outras relíquias. Saõ estas nominas hüs pedaços de ·couros cosidos de
diuersos modos e nelles trazem o que estes mouros lhe .daõ, e semeaõ tambem a
cizanea de sua peruerssa ceita; estes ficaraõ mui tristes cõ a festa que os
portugueses ·e mais ·fizeraõ quãdo se prohibio a ceremonia das chinas . .
Trataraõ os Padres cõ algús destes gentios que traziaõ as taes nominas,
sobre o santo baptismo, o qual pediaõ e que lógo lançariaõ as nominas fora, e
hü as tirou do pescoço e lançou .ao mar, outros as escondem quando lhes ue
fallar.
O
Gouérnador do ·Rejno, chamado por outro nome Larego, que hé segunda· pessoa do Rejno, leuou os Padres cõ grande
acompanhamento dos seus a casa do Rej, onde os festejaraõ a· seu modo cõ
instrumentos e inusicas que se naõ costumaõ senaõ quando ElRej sae fora, e os
portugu·eses tambem fizeraõ sua festa, á tornada os acompanharaõ quasi meo
caminho com amor, festa que se pode
dizer desparando os arcos sem despedir â frecha,. cousa que entre elles se naõ
usa senaõ em dia de .grande festa; ninha hü esquadraõ de frecheiros cõ seus
arcos e ·coldres, hus cantando, outros bailando cõ suas capellas de eruas
frescas, allegres cõ a uictoria e assi chegaraõ ao Porto de S. Cruz, que hé o próprio· orago, e toda a noite
continuaraõ as festas. E ao dia seguinte cantou. missa o P. ª Gaspar Gonçaluez Pereira, uesitador deste Porto, á honrra da·
V. da· Conceiçaõ, em gratificaçaõ de tam assirialada merçê como foj tirarê ás
chinas suas ceremonias e mortes. Naõ se acharaõ nestas
festas
todos os portugueses porque ficauaõ uigiando o Porto, por ser perigoso por
causa dos Bisagás (sic) e assi estaõ alli os Padres em a força uegiando
toda a noite por se temerê os moradores destes
enemigos. ·
Estes
Bijagós· tem fejto grande estrago, pondo fogo e assolando tudo, porque alem ·da
perda que fizeraõ no Rejno de Bigubá·, coino atrás dissemo·s, tambem fizeraõ
muita no Rejno de :Bisege, destruiraõ grande parte delle ao Rej Mangalj, o qual foj forçado
sayrsse, deixar ·sua viuenda e meterse pelo mato· por se uer muito apertado.
E anda atimorizado e teme o leue a elle e a seus filhos, como na sua carta
escreue a sua Magestade o· mesmo :Rej'. :E
naõ se contentaõ com perseguir os ·pretos mas tambem
querem acabar ·os portugueses que náquellas partes andaõ e o faraõ se sua Magestade
lhe .naõ acodir· cõ algu socorro, que qualquer· que seja será de muita
importância e do qual depende a conuerssaõ de toda aquella gentilidade. E como
este Rej de Guinalá seja o principal, nó ponto que elle se
baptizar tudo se acabará e será Deus muito seruido naquellas partes e assim
será necessario, indo recado baptizarêno os Padres e aos mais, que já entaõ
estaraõ bem catechizados.
Os
Rejs que se querem baptizar de presente saõ Enchabole Rej de Bigubá; tem tres Rejs a que coroa, confina cõ os Nalus da parte do Leste, que
saõ hiis negros muito guerreiros, mas naõ temem a elles nê a quaesquer
outros, tirado os Bisagós (sic), que por estarem em ylhas e usare de
assaltos saõ muito prejudiciaes.
O
outro hé o Rej de Guinalá, chamada
Bamalá, que hé como Emperador de sette Rejnos, a cujos Rejs elle põe o
barrete, que hé como coroa e allem destes lhe tem os
Bisagós tomado seis Rejnos; cõfina cõ elles da parte do Sul.
O
outro Rej se chama Mangali, Rej do Rejno
de Bisege; tem cinco Rejs a que põe o barrete ou coroa; confina também cõ
os Bijagós da parte do Les Sudueste. E tambem confina cõ os Nabulus.
Destes
Rejs, que todos saõ. de naçaõ Biafar,
e assi os fidalgos que tem cargos andaõ uestidos, e os Rejs trazem calçoês de
algodaõ, hü pano pôr cima do mesmo, mas muito fino, hú camisaõ largo· por cima
de tudo·, cõ hu barrete real na cabeça; quando daõ audiencia estaõ assentados
em hü trono nuã cadeira feita de híi soo pao, na maõ tem hü molho de varinhas; aos que. fazem algii mal castigaõ cõ rigor
prendendoos e a toda sua geraçaõ; os tios uendem aos sobrinhos, e isto quãdo tem necessidade, sem. culpa
alguã, dizendo que o podem fazer por serê seus parentes.
As
terras destes tres Rejs confinaõ todas huãs cõ outras, diuidemse cõ tres Rios
que das Ilhas dos Bijagós entraõ por estes tres Rejnos, e destes Rejos saem
muitos braços e esteiros, por onde ficaõ os ditos Rejnos tam
sogeitos aos Bijagós que cõ suas embarcaçoes, por serem muito ligeiras, entraõ
por onde querem e de noite fazem seus saltos. As Ilhas saõ desasette, tem muita
abundancia de todos mantimentos daquelas partes, frescas por causa dos
aruoredos e ribeiras de agoa, muitos palmaes de que colhem muito uinho e azeite
e huã fruita que chamaõ chabeo, muitas aruores de espinho em varias partes, e
pela terra dentro muita uariedade de gado, as terras muito fertiles, boas e
acomodadas a toda a semente, e tudo daõ em muita abundancia, o de que se
sostentaõ ordinariamente estes negros e semeaõ ho milho de duas outras sortes;
füde ar[r]oz, gergelim; as terras maritimas saõ muito abundantes. de peixe; há
muito marfim, cera. Nas prayas se acha muita cantidade de ambar e por o naõ
conhecerem o torna a leuar o mar.
Saõ
finalmente taes as terras que os proprios gentio·s sem as cultiuare se
sostentaõ dellas por sua fertilidade; tem muita collá, a qua~ dos
mouros e turcos hé muito estimada e se· pode cada anno mandar ·dous nauios pera
resgate dos ca.tiuos, que será muito ma.is barato que ouro e prata.-
[No
verso]: Enfonnação
das cousas de Guiné e cartas dos Reis daquelas partes, cõ outras cousas. e majo
607.
ARSI
- Lus., cód. 74, fls. 83 v.-87 v.
1607/05/05
SUMA DA
CERTIDÃO DO VISITADOR DA COSTA DA GUINE (5-5-1607)
SUMÁRIO
-- Acerca da pretensãodos Reis e conversão
deles – Acção de SebastiãoFernandes Cação - Cativeiro do Visitador de Cabo Verde - Intervenção de Fernandes Cação.
Certefico
eu Gaspar Gonçaluez Pereira, Conego da
See da Ilha do Cabouerde(1), por Sua Magestade vesitador neste Ryo Grande e seu
destrito ettc., que em 27 de Março de 607 chagaraõ a este porto o P.e Manoel Aluares e· o Ir. Pedro Femandez Religiosos da Companhia de Jesu e depois de aqui estarem dez dias foi
o Senhor seruido mouer ao Rej deste Rejno a querer receber nossa santa
fee,, de· que deu grandes mostras, como foi deixar huã ceremonia que chamaõ das
chinas, cõ todos os seus, e o mesmo fizeraõ dous Reis uezinhos, pedindo o santo
baptismo e todos requereraõ ao dito lrmaõ fosse a esse Rejno pedir
fauor de Sua Magestade e de seu Prouincial acerca da pretenssaõ destes Reis que
eles tambem pedem porcartas suas. / /
E
por ser cousa de tanto seruiço de Deus e de Sua Magestade e bem dos portugueses
que andaõ nestas partes, todos fizeraõ o ·mesmo requerimento, festejãdo e
aprouandotodos que o dito Irmaõ fosse a esse Rejno pera que pessoalmente
informasse a Sua Magestade e a seu Prouincial. E a mim pediraõ. fauorecesse
esta causa. e lhe passasse esta certidaõ, que assinei .. //
Neste
porto do Ryo Grande, a 5 de Mayo de 607. / /
Gaspar Gonçaluez
Pereira.
{1) Referência. à Ilha
de Santiago.
Esta
Certidaõ uem justificada e reconhecida por oyto portugueses principaes, que
juraõ aos Santos Evangelhos ser o sinal da certidaõ do mesmo vesitador e as
cousas que nelleconte serem uerdadeiras e passarem assi em presença deles
portugueses, que as uiraõ e todos assinaraõ seus nomes.
Junta
a esta Certidaõ vinha outra do mesmo visitador em fauor de Sebastiaõ Fernandez
Caçaõ, caualeiro do abito de Christo, e Capitaõ naquellas partes. Na qual o dito visitador certefica que indo
vesitar se perdeo e foi captiuado dos Bijagós cõ os mais companheiros que no
nauio yaõ e a híi clerigo .. E
sabendo o o Capitaõ Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, se embarcou no forçado inuemo e
foisse áquellas ylhas e resgatou ao dito vesitador e o clerigo cõ. outras vinte
pessoas, tudo á custa de sua fazenda. E neste caminho, antes
de chegar ás ylhas, padeceo muito trabalho e perdeo a ancora e piloto e amarras
e algüs de sua companhia. / /
E
diz mais que o dito Capitaõ sostenta há muitos. Anos aquella Igreja cõ sua
fazenda, de muitas vestimentas e dous calices e outros ornamentos, todos
dobrados. E diz mais queo dito Capitaõ amanssa os portos daquella Guiné e daa
muitas dadiuas aos Reis daquellas partes, cõ que os persuade a ·deixare seus
erros, e tudo á custa de sua fazenda, ettc. Justificada como a outra acima.
ARSI - Lus., cód. 74, fls. 79 v.-80.
1607/08/08
Pela renuncia do bispo anterior, foi eleito em
1607 D. Luiz Pereira de Miranda, filho de D. Luiz Pereira de Miranda, senhor de
Carvalhaes, fidalgo da Feira, clerlgo secular e abbade de Pombal. Teve um
alvará para haver os cabidos do bispado, em 8 de agosto de 1607. Levou o
ordenado de 400$000 réis e deu-se-lhe casa.
Seguiu para o bispado
em 1609,
não sem grande trabalho d'El-rei, falecendo
um mez depois e ficando sepultado na Sé Cathedral.
1607/12/06
CONSULTA
DO CONSELHO DE PORTUGAL (6-12-1607)
SUMÁRIO
- Propostas de Sebastião Fernandes
Cação para a pacificação dos Bijagós e socorro a enviar aos Reis da Serra Leoa-
Perspectivas de evangelização
Senhor
Sebastiaõ Fernandez
Caçaõ
(que reside na Costa. De Guiné) escreueo a V.
Magestade em Abril passado (1) o muito fruto que os Religiosos da
Companhia ·fazem naquelas partes, e como por sua diligencia e doetrina estaõ
tres Reys dellas muy promptos a se fazer christaõs, os quais saõ o de Guinala,
que tem sette Reys de baxo de seu dominio, a que elles chamaõ de barrete·; o de
Bisege, que tem da mesma maneira tres Reynos; e o de Biguba., que· tem outros tres;· e
que estes Reys. saõ uezinhos, e confinaõ suas terras huãs. Com as outras, e se
diuidem com tres rios, e por estarem perto as jlhas dos Visagós (que hé gente guerreira) entraõ com suas embarcaçoes polos rios
dos dittos Reynos, e fazem nelles muito dano, roubando e matando os
uassallos destes Reys, e os Portugueses que andaõ naquellas partes, com que os
tem posto em grande trabalho.
( 1) Cfr. documento de 20-4-1607.
Que
por os dittos· Religiosos acharem naquelles reys bom
acolhimento, e os uerem taõ dispostos, e a seus uassallos, para se fazerem
christaõs, que logo se quiseraõ baptizar se os religiosos lho naõ
dilataraõ, por os instruirem primeiro na doctrina christam, assentaraõ com o
ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ
fazer sa:ber a V. Magestade a disposiçaõ que nos clittos Reys acharaõ para se
plantar em suas terras a Christandade, e que com o pouco socorro· que pedem a V.
Magestade por · suas cartas, contra os dittos Visagós, se ficaõ ganhando
aquelles Reys, e se·us estados, e V. Magestade (allem do· beneffiçio da
Christandade) ~- desassete jlhas·, em que· estes Vi~a.gós habitaõ,
que:'· saõ muy ab~n·dantes' 'de varies mantimentos,
frescas e cheas de aruor~aós;,~ -e-· ribeiras. de agoa,
e tein pola terra dentro muita uariedade· de gados, e nas prayas se ·acha muito
ambar, e por os naturais o naõ conhecerem o tornaõ a recolher as agoas; e que é
tanta a fertilidade destas jlbas, que sem se cultiuarem, sustentaõ .aos
naturais, e saõ muy sadias; e· que· hauendo V. Magesta·de por seu seruiço
mandar socorro à estes Reys; e ·a tomar aquellas jlhas (que todas estaõ
conjuntas; · e· habitadas dos ditos Visagós, as poderá V.. Magestade Htandár
repartir, ou conseruar, como mais fo·r seruido; e que indo êste socorro em-
nauios possantes, e bem artilhados, podem ir-''polo Cabo Uerde, e Angra de
Besiguiche, e correndo a costa á.fé;·-o: cabo Roxo (onde de outubro por diante
estaõ nauios de- françeses, framengos, e olandeses carregados de· ferro para
resgatar marfim, ouro, couros, e outras· mercadorias) alim·pataõ ·a ·ditta
costa, de que resultará grande proueito á. Fazenda de~ V.
Magestade, por· as ditas jubas serem muy acomodadas pã:ra· se ·fazerem··
engenhos de açu~ar, e se tirarem dellas outros muito·s·
proueitos·; e que antes de se esfriar esta christandade · (Sôbre .. que·
aquelles Reys escre11em a V. Magestade) lhes deue fazer mercê do socorro que
pedem . ..
'Os
' dittos Religiosos escreuem, e o que trouxe as suas :e. àrtas e· dos ditos
Reys para V. Magestade referio, que o ditto Sêbastiaõ Fernandez Caçaõse offereçe com dez ou doze nauios seus
aparelhados á sua custa, e com dez mil homês da terra, a se achar na empreza contra os dittos Visagós, para que de todo se
extingaõ, e aquellas jlhas fiquem liures a V. Magestade. ·
Viraõ
se estas cartas no Conselho da Jndia, e pàreçeo nelle que visto como V.
Magestade. te~ assentado mandar alimpar aquella. costa dos enemig~ que
continuaõ, e tem feitortias nella, deue mandar qμe se faça isto com
mais breuidade, e que os nauios que a isto forem, ~4eguem a
fauoreçer aquelles . Reys, e ajudar ao
dito .Sebastiaõ Fernandez Caçaõ a dar castigo aos Visagós, e que pareçendo
lá neçessário· de[i]xarém lhe duzentos homes que o ajudem naquella impresa, lhe
fiquem a cargo …
E
que em chegando áquellas partes, primeiro que tudo se trate com estes Reys que
se façaõ _uassallos de V. Magesde,. para com mais justo
titulo os poder V. Magestade defender de seus enemigos; e que· as jlhas que se conquistarem ficaraõ á dispoiçaõ de V. M·agestade, e se façaõ disto os papeis neçessarios, que
se -enuiaraõ a V. Magestade. E a dous
uotos do ditto Conselho pareçeo que se naõ deuem de[i]xar alli soldados.
Ao
ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, hé
o ditto Conselho de pareçer que mande V. Mag·estade significar por sua carta,
que se há por bem seruido delle, e que folgará de lhe ·fazer mercê no que ouuer
lugar, conforme aos seruiços que tem feito e fizer neste negoçio.
Ao
Viso Rey pareçe que hé bem co·nsiderado tudo o. Que o Conselho da Jndia
apponta, e que deue V. Magestade seruirse de mandar que vaõ os nauios, e gente
que tem assentado para andarem naquella costa, e que de[i]xem ao ditto Sebastiaõ Fernandez
Caçaõ os duzentos soldados, sendo necessários e ficando a cargo· de hum capitaõ
que os goueme.
Hauendosse
nisto em conselho; pareçe9 o negoçio importante e digno de se trattar delle,
considerado o muito s.emiço que nisso se fará a Deus, e o grande beneffiçio que
se seguirá ao~ V. Magestade. Porem porque logo de.presente. naõ hé possiuel enuiarse
armada áquellas partes, pareçe que por hora deue V. Magestade mandar escreuer ao
ditto Sebastiaõ Fernandez Caçaõ, agradeçendolhe o que· faz, e animando. O para
que o prosiga, e dandolhe esperança de se prouer no que pede
com a mayor brevuidade que ouuer lugar; e que também se deue responder ás
cartas daquelles Reys, em forma que os moua a porem em effeito o bom intento·
com que ficauaõ, e da mesma maneira aos religiosos, para que continuem esta obra.
E
quando o te·mpo· der lugar de se poderem enuiar á Mina os nauios que V.
Magestade tem assentado, e de que há taõ p·reçisa neçessidade, como V.
Magestade deue ter presente, para alimparem aquella costa dos rebeldes (2) que
nella continuaõ, pareçe que de caminho poderaõ fazer o effeito sobre [o] que o
ditto Sebastiaõ Fernandez escreue.
E
aduerte Françisco Nogueira, que
se deue uer primeiro se as terras dos dittos Reys, e jlhas dos Visagós, caem na
conquista da Serra Leoa, de que ·está feita doaçaõ a Pedraluarez Pereira, porque sendo assi, resultaria tudo o que se
fizesse em benefiçio do donatario, e naõ de V. Magestade, que mandará o
que fo·r seruido.
Em
Madrid, a 6 de Dezemb·ro de 1607.
·
(Seis rubricas)
[Despacho
ao alto e à margem] :
Está bien todo- lo que pareçe, y assi se ordene, y se vaya executando a su
tiempo con cuydado.
(Rubrica
de el .. Rei)
AGS
- Secretarias Provinciales (Portugal), liv'! 1476, fls. 394-... 395 v.
Referência aos
holandeses.
A
conversão dos reis africanos e dos seus familiares constituiu o objectivo que
mais concentrou os esforços da missão jesuíta mas como Paul Haír notou, "
... at each point the JesuÜ_'i operated \vithi111 an Afro-Portuguese presencc,
\Vithjn a \.vcb of con11Tiercial and cul tural ties centcred on lhe Cape \lerde
ls1andsº28
A
viabílidade da missão jesuíta dependeu fortemente da mediação daqueles que
viviam e negociavam na Costa da Guiné, como eram os casos de Sebastião Fernandes Ca ão e de Bartolomeu
André29
Importa
compreender os motivos que levaram estes homens a conceder todo este apoio aos Jesuítas, o
que, no caso, é também indagar as motivações q.ue os levaram a servir de
intermediários na redacção das cartas africanas e a responderem positivamente à
solicitação de escreverem, eles próprios cartas e' informações" a Filipe
III (II).
Confluíram
vários factores que se apresentam esquematicamente. 1) Antes de mais, a aliança com os Jesuítas reforçava o seu prestígio - e
a sua segurança - entre os reis africanos tanto mais que aos primeiros se
associavam promessas de vinda de mais navios e de mais portugueses o que era do
interesse das tmidades políticas locais30 · para além da omnipresente
dimensão religiosa na recepção africana da presença de padres brancos· em
contrapartida, o não cumprimento das promessas feitas pelos
"principais" e pelos
2.4.
Da Relação de Tinoco-Rebelo ao Tratado
de Almada
insegurança;
como as cartas jesuítas revelam. 2) Uma
missão jesuíta, reforçava as suas posições na área da costa sob sua influência
face a outros residentes portugueses e nos projectos de povoamento sugeridos
enquadrava legalmente as activídades de todos. 3) Era também a melhor alternativa à tão criticada acção dos visitadores
do bispo, que na sua óptica (que era
partilhada por Almada, como vimos) só interferiam nas suas actividades
económicas e inflingiam penas pecuniárias sem prestarem a assistência religiosa
necessária31
Neste
sentido, uma administração eclesiástica separada do bispado de Cabo Verde era
bem vista.
De
todos estes factores aquele que mais produção textual suscitou foi tanto Sebast1ão Femandes Cação como Bartolomeu
André terem encarado os Padres Baltasar Barreira e (na sua ausência) Manuel
Alvares como os agentes capazes de estabelecer a tão esperada ponte
institucional para viabilizar, junto da Coroa, projectos de povoamento (ou (e)
conquista). Ao que se soniava, nesse contexto, a mais que certa promessa do que
poderíamos denominar institucionalização dos poderes dos capitães, até ai
exercidos informalmente.
Teremos,
depois de
tomar em conta a especificidade das situações destes dois homens. Do que já se
adiantou sobre Cação relembre-se que,
apesar do poder que exercia ser essencialmente de carácter informal (como o de
todos os outros "capitães' da costa) a
condição de feitor do contratador fazia dele a pessoa mais próxima duma
presença portuguesa oficial32
•
Era aliás
alguém que servíra Filipe II (I) possivelmente como militar durante dois
anos
1608
«Na última década do século XVI na Europa e na
África Atlântica assistiu-se, respectivamente, à formação de uma importante
comunidade sefardita em Amsterdão e ao alargamento da expansão holandesa para o
litoral africano. Por sua vez, estes processos, em si indissociáveis,
integraram-se no crescimento de uma rede comercial global composta por Judeus e
Cristãos-novos na qual Amsterdão assume um novo protagonismo. É, em parte, a
existência desse elo com Amsterdão, mercantil mas também religioso, que explica
o surgimento, na secção costeira do actual Senegal a sul do cabo Verde e a
norte do rio Gâmbia – a chamada «Petite Côte» –, de comunidades de judeus
praticantes. Foram os casos de Porto de
Ale (Porto d’Ale ou Porto de Ali), a partir de c. 1608, e de Joala (Joal), pelo
menos desde c. 1612, e, a norte destes portos, o de Rufisque, desde a primeira
metade do século XVII, em data incerta.»
Judeus
e Muçulmanos na Petite
Côte senegalesa
do início do século XVII: iconoclastia anti-católica, aproximação religiosa,
parceria comercial * José da Silva Horta **, Universidade de Lisboa Peter
Mark, Wesleyan University * O presente texto resultou de uma conferência
proferida pelos autores no Collège de France em 30 de Março de 2005, a
convite do Prof. Nathan Wachtel, a quem muito agradecemos a discussão do nosso
estudo. Estamos igualmente gratos a Vítor Serrão e a Labelle Prussin pelos
valiosos contributos recebidos para a mesma discussão.
Em
1608, por exemplo, era Domingos Lobo
Reimão fator e recebedor – receptor da real fábrica em Santiago
(Cabo Verde), enquanto Nuno Melo Cabral
foi o fator da flutuação-fábrica do Rio de São Domingos (Cacheu).
Os
empresários que operam no Petite Côte do Senegal como fatores dos empresários
em Amesterdão, bem como aqueles bordo dos seus navios, os judeus sefarditas
foram classificados pela Coroa portuguesa como lançados. Na verdade,
alguns destes homens nem tinham laços institucionais com os Contratadores dos
monopólios reais das áreas económicas da África Ocidental, sob a jurisdição da
coroa portuguesa. Por exemplo, Luís Fernandes, supercargo de Gaspar Nunes e
Simão Rodrigues Pinel e Estêvão Rodrigues (Penso), supercargoes de Diogo da
Silva, bem como Jacob Peregrino, fator de Diogo Dias Querido, também foram
fatores da Português contratador do
monopólio de Cabo Verde e Guiné entre 1608 e 1614, João Soeiro. Pedro Rodrigues
da Veiga, sócio e supercargo de Gaspar Sanches, foi também entre os fatores do
Soeiro. Jacob Peregrino, fator de Diogo Dias Querido, tinha ligações comerciais
com Duarte Fernandes, um comerciante judeu em Amsterdã e Duarte Dias Henriques,
a Português comerciantes judeus em Amsterdã, operando nos circuitos comerciais
ligando o contratador de Angola no período de 1607-1614. 92 Além disso,
outros República para a África Ocidental também foram incluídos na lista, ou
seja, Diogo Vaz (de Sousa) e Gaspar Nunes.
Por
exemplo, João Soeiro, contratador o Cabo Verde e o monopólio real da
Guiné entre 1608 e 1614, feita uso de conexões dos seus fatores com os judeus
sefarditas de frete e assegurar que os navios em Amesterdão. Além disso,
realizando o comércio direto entre a República, a Petite Côte do Senegal
(também incluído no referido monopólio) e a República, os navios poderiam
evitar escala nos portos da Ribeira Grande (Santiago, Cabo Verde) e Lisboa,
onde tinham vários impostos a ser pago aos agentes fiscais reais. Contatos de
principal do Soeiro em Amesterdão foram Gaspar Fernandes, Gaspar Nunes, Duarte
Fernandes, Pedro Rodrigues da Veiga e outros. Dois outros sócios importantes de
João Soeiro eram 21 Diogo da Silva e Diogo Dias Querido, ambos comerciantes em
Amesterdão e ligado ao Soeiro através de seus agentes comuns na Guiné: Simão
Rodrigues Pinel e Estêvão Rodrigues, fatores da contratador na costa.
Por exemplo, em 19 de janeiro de 1611, Diogo da Silva e Diogo Dias Querido
enviou algumas mercadorias no naviSoantiago de Roterdão, viajando
de Roterdão para Portudal e Joal. O valor da carga , comandado por Herbert
Marselssen ascendeu a 3.120 quilos flamengos. Simão Rodrigues Pinel e Estevão
Rodrigues foram responsáveis para o comércio na costa da Guiné. Couros, marfim
e outros bens africanos eram para ser trocados de carga Europeu. Eles
planejavam ficar seis meses na África Ocidental.
Os
comerciantes das cidades Atlântico Norte Português de Porto, Viana do Castelo e
Vila do Conde também tinha parceiros entre os sefarditas portugueses de
Amesterdão que poderia ajudar a obtenção de seguro para os navios e as cargas.
Por exemplo, Francisco Gomes Pinto, comerciante em Viana do Castelo, foi o
parceiro de Diogo Nunes Belmonte, judeu sefardita portuguesa e comerciante em
escravos transporte de Amesterdão na rota de Angola – West Indies – Sevilha e
açúcar em circuito República – Viana – Brasil – Viana – República.
Van
Schoonhoven, um mercador holandês e empreendedor em Amsterdã e vários
associados foram as seguradoras.
Os
empresários que operam na Petite Côte de Senegal como agentes dos empresários
sefarditas em Amesterdão , bem como aqueles a bordo seus navios , foram
classificados pela Coroa Portuguesa como lançados
. " Na verdade, alguns desses homens ainda tinham vínculos institucionais
com os contratadores dos monopólios
reais das áreas da África Ocidental sob a jurisdição da Coroa Portuguesa. Por exemplo, LUIS FERNANDES, mandatário de GASPAR
NUNES, e SIMÃO RODRIGUES PINEL e
ESTEVÃO RODRIGUES PENSO, mandatários
de DIOGO DA SILVA, assim como JACOB PELEGRINO, agente de DIOGO DIAS QUERIDO , também foram
agentes do contratador Português do monopólio da Cabo Verde e Guiné entre 1608
e 1614, JOÃO SOEIRO. PEDRO RODRIGUES DA VEIGA, sócio e
mandatário de GASPAR SANCHES, esteve
também entre os agentes de SOEIRO. JACOB PELEGRINO, agente de DIOGO DIAS QUERIDO , tinha relações
comerciais com DUARTE FERNANDES, um
comerciante judeu de Amsterdão e DUARTE
DIAS HENRIQUES, o contratador de Angola , no período de 1607-1614. Além
disso, outros comerciantes judeus portugueses em Amsterdam operando nos
circuitos comerciais que ligam a República à África Ocidental também foram
incluídos na lista, incluindo DIOGO VAZ
DE SOUSA e GASPAR NUNES.
Em
1608 DOMINGOS LOBO REIMÃO foi feitor
e colector de impostos da fazenda real em Santiago (Cabo Verde ), enquanto NUNO MELO CABRAL foi feitor da feitoria
flutuante no Rio São Domingos (Cacheu
MANUEL BAUTISTA PÉREZ, cristão-novo, está em
Cacheu até 1619. Tem outras
actividades em Cartagena, Lima e Panamá.
Protecção e liberdade
de culto
A
história das relações entre estes comerciantes judeus sefarditas e os reis senegaleses muçulmanos faz parte da
história global das relações entre Judeus e Muçulmanos.. Faz também parte da
história do binómio senhores da !erra/ ertrongeiros ou, porventura
melhor, anfitriões/ /hóspedes, no contexto especifico da região africana
em causa. A Relación de SEBASTIÃO
FERNANDES CAÇÃO escrita por volta de 1608, ele próprio um cristão-novo mas posicionando-se contra os
judaizantes, é bem explicita a este respeito - os judeus de Porto de Ale usufruíam da protecção do
rei (ou teen) do Bawol (que detinha. o controle
daque]e porto) contra qualquer ataque de cristãos portugueses, como se vê no
passo crucial, por nós já publicado anteriormente e que aqui se retoma:
«En
este puertu dali ay una aldea de cien (4) vecinos portuguesses y negros .A
este puerto vinieron de Flandes gente que professa la Ley de Moyssen y accen y
guardan sus ritos y cerirnonias como los de Judea y los porrugues quiriendo
matalos y echaros de alli corieron mucho resgo porque acudio el
Rey y' les dijo que su tiera. era feria donde pôdia auitru: todo genero de
jente y que nadie se descompassiesse en ella queles ctt:mandariã cortar las
cabeças; que la guera si la queria.que la. hiciessen en la mar yno en su tiera
que ya dicho que era feria»
(4 )o manuscriro de Madrid (coevo e escrito pela mesma mão
do que se cita) lé-se “hasta cien” alli
cem
metros a sul da Petite Cóte, em Cacheu, na actual Guiné-Bissau. O monopólio que Portugal procurava manter,
sem grande sucesso, nos mercados marítimos e flu\viais foi, então,
suplementarmente ameaçado pelo trato ilícito entre a Petite Cóte e a
Holanda, o que representava uma perda económica para os Cristãos-velhos e mesmo
para alguns cristãos-novos (como Sebastião Fernandes Cação) sedeados em Cacheu
e em Santiago. Estes portugueses tinham, assim, motivos económicos., bem como
religiosos, para tentarem eliminar a presença dos comerciantes sefarditas. Foi
neste contexto que grupos vindos de Cacheu visitaram os reis locais da Pefite
Côte, para os persuadirem a expulsar os seus clientes judeus.
As
relações sociais e mercantis entre os judeus portugueses da Pelite Cote e
os seus anfitriões muçulmanos locais têm de ser compreendidas num duplo
contexto. Por um lado, temos a história da construção, no decorrer do século
XVII, de uma nova identidadejudaica entre os Sefarditas de origem portuguesa;
uma identidade afirmada e baseada, em parte, sobre a rejeiçâo dos rituais
cristãos e das imagens religiosas. Esta rejeição permitiu-lhes veicular, junto
dos reis muçulmanos, um discurso que sublinhava a existência de uma base de
entendimento entre as duas religiões (circuncisão, rejeição da iconolatria, o Livro).
Por outro lado, o contexto senegalês com a sua tradjçio de acolher os
estrangeiros, sobretudo os comerciantes, pode explicar a decisào tomada por
esses reis de protegerem os «Seus» judeus. As fontes coevas mostram bem que os judeus de Porto de Ale e de Joala
usufruíam da protecçào das autoridades locais contra os católicos que se lhes
opunham.
Quem são os
''nossos"? Identidades duais
Note-se
que as próprias comunicações marítimas entre o Rio Grande e a Serra Leoa eram
asseguradas pelos 'navios da cola", de cuja ritmo dependiam os Jesuítas e
a circulação das suas cartas. Estas aludem com frequência a este
condicionamento. Foram estes "práticos"
- isto é, homens conhecedores pela sua
experiência do terreno – BARTOLOMEU
ANDRÉ e sobretudo SEBASTIÃO FERNANDES CAÇÃO.
O primeiro mediador dos
Jesuítas na Serra Leoa a partir de 1606, numa carta-relatório escrita sob a
orientação do Padre Ba1tasar Barreira
para promover um projecto de colonização da Serra Leoa, refere os mais de sete
navíos portugueses que anualmente transportavam a cola daquela região para a
venderem a "Norte", aos Mandingas e outras "nações" com.
grande lucro.
O segundo, também
mediador da Companhia,
desta feita na relação com os dignitários beafadas do Rio Grande é o que mais
pom1enores comunica. Em 1607 sobre o comércio da cola. chama a atenção a Filipe
III (II) para a importância que o comércio da cola poderia ter para o resgate
de cativos na Berberia. O mesmo Cação em 1608 numa relação escrita para uma
autoridade metropolitana vai revelar não apenas os destinos de exportação mas
também em que portos ela era embarcada pelos Portugueses e a quem a compravam,
o tipo e número de navios utilizados, os portos de destino na Guiné.
confiança
'23 dos contratadores - dependem dos
lançados ou tangomaus ou foram-no
eles próprios, numa dada fase do seu percurso. Dependem, por sua vez dos grumetes
que os acompanham, que os guiam pelos Rios de Guiné que conhecem os resgates e
os respectivos chefes locais. Alguns destes comerciantes tomam-se "homens
poderosos" para usar a terminologia da época "capitães" como
título informal de prestígio.
Existe
assim, uma síntonja entre as posições de parte da elite cabo-verruana e as de
outros "capitães', sediados na costa como SEBASFIÃO FERNANDES CAÇÃO, mesmo se havia rivalidades entre grupos
e interesses24
Ele
próprio é referido como ' morador no Cabo Verde" o que pode significar
apenas que vivia na região tomada no sentido lato ou que era de jure morador
de Santiago25
Cação, tal como os res
tantes, teve sempre actividades mercantis por conta própria mas foi ao longo da
sua vida 'um "homem de confiança" de vários contratadores. Criado de um deles Diogo Henriques26 - ele próprio um
prático dos rios de Guiné- que era tio ou tio-avô de Lemos Coelho27 ; feitor de dois outros Jácome Fixer e João
23 A expressão é de M. M. F. Torrão, Tráfico de escravos entre a Costa da Guiné e
a América Espanhola ... , vol li, p. 464 e idem, "Construção de
redes de comunicação no tráfico negreiro atlântioo", comunicação à
supracitada mesa-redonda "Comunicação e Império''', pub. em O do111í11io da distância .... ciL
supra, pp. 53-57 ,Cfr. também sobre esses agentes locajs, idem, "Rotas
comerciais", HGCV, 11, pp.
8?-83.
24 Almada, por exemplo, mostra má vontade em relação à leva
de lançados judeus e de outras nações chegados à Guiné que comerciavam com
Franceses e Ingleses. Cfr. supra ,
cap. 1.3. e adiante no cap. 2 .4., a análise das suas posições nesta matéria ..
25 Sebastião Fernandes Cação ê mencionado como
"morador no Cabo Verde" na sua carta de tença como cavaleiro da Ordem
de Cristo, datada de 30 de Março de 1598: ANTI, Chancelaria da Ordem de Cristo,
Lº 10, fl. 135.
26 Cfr. AHU, Cód. 32,
fl 96v.-97. O documento é datado de Lisboa, 30 de Julho de 1620, mas
reporta-se a um período anterior. Não é clara a identidade deste Diogo
Henriques que pode ter sido uni dos dois referidos i11fra, apesar de, pela ascendência nobre do pr.imeiro citado,
Djogo Henriques de Sousa, ser mais provável que se tr.ite do segundo, que
aparece na documentação apenas como Diogo Henriques. Cfr. a nota iTifra.
27 Lemos Coelho refere dois Diogos Henriques relacionados
con1 o Rio GrJnde. Escreve sobre DIOGO HENRIQUES DE SOUSA, "innaõ de minha
Avó, e avo materno de FERNAÕ DE SOUZA COUTINHO, que agora inorreo acabando de
governar Pernambuco. As cazas em que vivia, ainda que eraõ de palha, tinhaõ
sobrado, e com huã plata forma diante em que tinha muito boa artelharia, e com
hum artilheiro flamengo a quem pagava; e teve tanto cabedal neste porto, que
indo se pera Portugal, deixou a hun1 primo seu bastardo oom os fragmentos ou trastes de casa,ao
qual chamavaõ Matbjas Fernandes ... ". Discripção, 1684. p. 194. Refere. logo depois, outro Diogo
Henriques, também seu tio.
O
primeiro, Diogo Henriques de Sousa teria s ido o feitor do contratador a que Donelha se
refere. Este segundo Diogo Henriques, a partir dos ''retaços” (restos) da
casa forte povoação deixada por Diogo
Henriques de Sousa teria levantado,, novamente a povoação
(Guinala) mas já sem fe itoria, que entretanto passara para Cacheu (ibidefft,
p. 195).
Lemos Coelho menciona
SEBASTIÂO FERNANDES CAÇÃO associando-o também, à recuperação das construções deixadas
em Biguba por um dos Diogos Henriques - é dificil de lucidar qual - e menciona algumas das vicissitudes porque
Cação teria passado, relato de cuja credibilidade o copista do texto de
l684 duvida ( ibidenl, p. 197 -198 ).
28 Era-o, pelo menos. em l 7 de Julho de 1603. Cfr. ANTI,
Cartório nº t, Lisboa, l? de Maio a ?2 de Julho de 1603, fls. l 3?v.- l 33v.
(agradeço esta referência a Maria João Soares).
29 Cfr. para este contrato, M_ M. F. Torrão, "Rotas
comerc iais ... ", HGCV, Il,
p. 79.
30 Cfr. o ano da nomeação en1 Maria Alcinda C. Veiga Lima, Subsídios para o estudo da dontinação filipa
na Guiné ...• pp. 104- 105. Acrescente-se. concretizando, que foi feitor
desde 2? de Dezembro de 1627, numa época em que era o contratador que escolhia
o fe itor do contrato, escolha que o rei ratificava (cfr. AHU, Cód. l 72, fls.
167v- l7 Jv.).
A documentação permite tanlbém estabelecer a
data aproximada da sua morte. Num doe. de l de Março de 1630 refere -se o seu
falecinlento, mas em 6 de Fevereiro de 1630 já o contratador afirnla terem
falecido os fe itor~ que nos Rios de Guiné tinha (cfr. AHU,
Cód. 173, fl s. 35v.,42v.-43). Como ainda é mencionado em documentos de Abril e
Ma1o de l 629 (A ·rr: Convento de S. Bento da Saúde, Livro 14, fl. 461 e livro
18, fl 473, apr1d M. M. F. Torrão, "De Santiago para a Costa da
Guiné: a transferência do centro geográfico dos negócios e a manutenção da
éJite comerciante - as transacções da
companhia de António Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito
(1619-1630Y', Arquipélago. História, 2" série, Ponta De lgada.
vol. li ( l997), pp. 83 -1 18), ben1 como em 4 de Agosto de 1629, re
i\rindicando, como fe itor, o dire ito à "barca de Farim11 lAHU. Cód. 173.
fl. 42v.-43t é nossível afimlar oue a sua morte teria ocorrido e ntre o Verão
O mesmo Cação c. 1608, numa relação escrita
para uma autoridade metropolitana, vai revelar não apenas os destinos de
exportação mas também em que portos ela era embarcada pelos Portugueses e a
quem a compravam, o tipo e número de navios utilizados, os portos de destino na
Guiné.31.
31 Cfr. Enformação
que manda o mesmo Sebastião Fernandez Cação pera Sua Magestade. [s.l.
Guinala?], [s.d. 1607]: ARSI, Lus. 74,
fls. 80v.-81v., in MMA, IV,
245-247, p. 247. Esta menção poderá também estar ligada a uma possível
exploração da cola dos Bijagós, caso se consumasse o projecto coevo de Cação,
com anuência dos Jesuítas, de conquista daquele arquipélago, projecto a que
voltaremos. V. idem, [Relacion de todo el distrito de Guinea y
gouierno de Caboberde]: B. Ajuda, cód. 51-IX-25, fls. 87-90v., fl. 90v.,
[s.l.], [s.d.]. RAHM, Jesuitas, t. 185, nº [16], fl. [3]v. Cfr. no Anexo a
discussão da data, autoria e destinatário. Aquele projecto e o percurso de
Cação será abordado mais adiante.
Se os privilégios mercantis dos moradores de
Santiago não eram anulados pela institucionalização do distrito em si mesma63,
ao desafectar deles o distrito da nova capitania, perdia-se o elo de ligação
com a Serra Leoa. Elo que o conceito de “limite” assegurava, ao menos na
leitura que deste faziam os moradores da ilha. A solução encontrada pelo mundo
cabo-verdiano-guineense nesta luta de representações foi reajustar o
conceito oficial de distrito de Cabo Verde às balizas do “nosso limite”.
É isso que está implícito logo em 1608 numa “relacion de todo el distrito de
Guinea y govierno de Cabo Verde” que inclui a Serra Leoa. Foi escrita a pedido duma autoridade metropolitana por Sebastião
Fernandes Cação, o já mencionado “prático dos Rios de Guiné”64. É isso que
se evidencia em Donelha: “as particularidades do noso Guiné, destrito do
governo de Vossa Senhoria”65 . Este reajustamento poderá ter usufruído duma
convergência conjuntural de interesses entre os moradores de Santiago e os
governadores que desejavam ter a maior alçada possível sobre a “terra firme”.
63 Como notou Orlando Gama, Do Rio Senegal à Serra Leôa…, p. 137, n. 384.
64 Sebastião Fernandes Cação, [Relacion …], c. 1608, cit..
65 Donelha, Descrição,
p. 70.
1608
(c.) ANÓNIMO [CAÇÃO, Sebastião Fernandes] [Relacion de todo el distrito de
Guinea y gouierno de Caboberde ] Capitão
[prático dos Rios de Guiné]
1608
(c.) CAÇÃO, Sebastião Fernandes [CAÇÃO, Sebastião Fernandes] Carta (resumo e extracto de) a Filipe
III (II) “Haciendo-se la fortaleça como digo…” [1ªs palavras de ms. Autónomo]
Capitão [prático dos Rios de Guiné]
«António Fernandes Landim, natural de
Famalicão, residia desde novo em Lisboa, junto aos Remolares, freguesia da
igreja de São Paulo. Filho de Gonçalo Eanes e de Maria
Pires,
nunca casou nem teve filhos legítimos nem naturais. Aparentemente também não
tinha irmãos nem parentes próximos com quem privasse dado que nomeia como seus
testamenteiros dois amigos, João Lopes,
morador em Lisboa junto à Sé, e Cosmo Vieira, solicitador do Físico Real,
morador nos arrabaldes da mesma cidade, deixando bem claro no seu testamento
que "dezerdo todos( ... ) quaysquer meus paremtes e quero que nhenu suseda
nem erde couza alguma mynha" 12.
Mercador
de recursos medianos, dispunha na altura em que mandou lavrar o seu testamento
dos seguintes bens: um navio pequeno o Santo
António, dois contos de réis empregues em fazendas que pretendia
levar para os resgates na Guiné, 200.000 réis em dinheiro, uma escrava doméstica de nome Graça, 45 peças de escravos em Cacheu em
poder do escrivão da capitania, Fernão Lopes de Mesquita, e
mais 5 ou 6 negros procedentes de dívidas também naquele porto da Guiné 13• Tais bens deveriam provir dos negócios do
trato de escravos de que Antônio Fernandes Landim era um activo participante. Efectuava
ligações regulares entre Lisboa- Rios da GuinéCartagena-Sevilha- Lisboa. Para
além da viagem comercial que pretendemos analisar, e que decorreu
aproximadamente entre 1628 e 1630, Landim já havia realizado outras deslocações
14 - uma certamente pelos anos de 1623/4 15 -, preparando-se, em 1632, para
iniciar uma nova aventura em terras afro-americanas. De facto, quando em 21 de
Novembro de 1632, Landim mandou lavrar o seu testamento afirma o seguinte:
"[ ... ] estamdo eu ao prezemte san e em todo o meu prefeytto yuizo
emtemdimemento que Deos me deu e prestes pera me embarquar pera os Reinos de
Gyne pera dahy segyr mynha vyagem a Y mdias de Castela" 16. Embora com
tudo preparado para partir navio armado, 4 000 cruzados (ou seja, c. de 1 conto
e 600 mil réis) em fazendas compradas para resgatar na Guiné, mais 1 000
cruzados (ou seja, c. de 400 mil réis) procurações para receber em Cacheu
fazendas de terceiros (António Fernandes
Landim tinha urna procuração de um mercador lisboeta, António Lopes Soares.
para receber de Fernão Lopes de Mesquita, escrivão da capitania em Cacheu, os
bens de Francisco Dias Mendes de Brito que estavam em poder daquele. AN/TT, Convento de SZio Benw da Saúde, Livro 18, fls. 513-517, de 22 de
Setembro de 1632) - não sabemos
se esta viagem se chegou a concretizar.
Activo mercador,
António Fernandes Landim era todavia iletrado, não sabendo ler nem escrever. Disso suspeitámos
desde logo, quando em todas as de tripulação e escrituras de dívidas se repetia
no final a seguinte frase: "Roguei
a Gaspar Rodrigues que este fizeçe e asinaçe", surgindo no final dos
documentos o seguinte sina1Ant0 ffz lamdim.
Esta
suspeita foi posteriormente confirmada quando num documento semelhante
encontrámos esta menção: "Roguei a
Pero de Carvalho que este fizese por mi por no saber escrever" a
mesma informação é reafirmada no seu testamento, "roguei a Gaspar Pereira tabelyão das notas nesta sydade que por my o
escrevesse por eeu não saber escrever" Situação curiosa mas não
de forma alguma invulgar, visto que a documentação da época está pejada de
exemplos de mercadores de pequenas e médias fortunas e de armadores que não
sabiam escrever, mas que nem por isso descuravam os seus negócios, e até de
mestres de navios que não sabendo escrever recebiam a incumbência de anotar no
livro da razão dos navios "as cousas tocantes a esta armação e de tudo o
que nele escrever como por suas cartas e lembranças será crido ( ... ) e a
todos os seus papéis se dará inteiramente fé e crédito como escrituras
públicas". » - DE SANTIAGO PARA
A COSTA DA GUINÉ: A TRANSFERÊNCIA DO CENTRO GEOGRÁFICO DOS NEGÓCIOS E A
MANUTENÇÃO DA ELITE COMERCIANTE as transacções da companhia de António
Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito ( 1629-1630)* por Maria
Manuel Ferraz Torrão** pg. 91-93
Um
dos investidores nestes empreendimentos comerciais de Amesterdão para a África
Ocidental era um certo DIOGO DIAS QUERIDO. Dias Querido é uma
figura interessante do período que tem sido discutido por vários historiadores
no campo ( Wiznitzer 1960 : 47; Schorsch 2004: 178 ) . Ele parece ter
desenvolvido a sua experiência do mundo atlântico através da gestão de uma
refinaria de açúcar na Bahia, nordeste do Brasil , na década de 1580 (
Wiznitzer 1960 : 47) . Aqui, ele desenvolveu uma reputação como um cripto
-judeu , e pode ter sido julgado pela Inquisição Português durante a visita
inquisitorial ao nordeste Brasil de 1591-1.595,4 Ele chegou em Amsterdam , no
final do século 16 e foi um dos membros fundadores da Beth Yahacob , a primeira
sinagoga na cidade.
Há
alguma evidência circunstancial sugere que a obra de Dias Querido em Bahía pode
tê-lo posto em contato pessoal com os povos do Costa Senegambian no 1580s. Isto talvez possa explicar a sua vontade de investir pesadamente em negociação
viagens para a região , uma vez estabelecido em Amsterdã, e também talvez um
dos elementos mais controversos da sua prática judaica no Holandês Províncias
Unidas : para Dias Querido foi
um dos que buscaram activamente converter seus escravos africanos para o
judaísmo
(Schorsch 2004: 178 , ver também ANTT , Inquisição de Lisboa , Livro 59, folio 130v ) .
(Schorsch 2004: 178 , ver também ANTT , Inquisição de Lisboa , Livro 59, folio 130v ) .
1608/08/31
Confirmação papal de D. LUÍS PEREIRA DE MIRANDA como bispo
da diocese de Cabo Verde
1609
«Dos contratos arrematados em Cabo Verde
durante o século nenhum chegou ao fim sem sérios problemas financeiros, sendo
frequentemente suspensos por dívidas
ao Estado não saldadas. Contratador dos direitos de Cabo Verde e rios da Guiné
entre 1609 e 1614, João Soeiro, mercador
cristão-novo, fidalgo da Casa Real, foi preso no último ano do contrato,
acusado de não honrar os seus compromissos para com a Fazenda Real.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES
NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os
séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pág. 172
O
frade dominicano, D. FREI SEBASTIÃO
ASCENSÃO, foi nomeado bispo de Cabo Verde entre Setembro e Dezembro de
1609. O novo bispo tomou posse em 1612,
deparando-se com o problema do declínio comercial das ilhas, o que conduziu ao
problema da falta de pagamento das ordinárias do clero, sendo que o seu bispado
foi marcado pela tentativa de resolver este problema. O exercício pastoral de
D. Frei Sebastião de Ascensão terminou com a
sua morte em 18 de Março de 1614.
Nas primeiras décadas
do século XVI aportavam a Santiago uma média de 14/15 navios provenientes da
Costa da Guiné armados por moradores da ilha. Cf. o capítulo de Maria Manuel Ferraz
Torrão "A actividade comercial externa de Cabo Verde: organização,
funcionamento, evolução", in História Geral de Cabo Verde, 1
volume, pp. 258 e seguintes.
No início do século
XVII, 1609 e 1610, esse número baixou para metade, havendo, posteriormente,
anos em que ainda foi mais diminuto esse movimento. Maria Manuel Ferraz
Torrão, "Rotas comerciais, agentes económicos, meios de pagamento" in
História Geral de Cabo Verde, II volume, pp. 37 e seguintes.
No
ano de 1609 Aegidius Albertinus publicava a sua Historische Relation/ (...)
kurtze Beschreibung deß Landts Guinea vnd Serra Lioa in Africa ligendt precisamente
com a intenção de actualizar as informações sobre estas regiões africanas.
Dadas algumas dificuldades na localização geográfica destas terras em África, o
autor decide reunir algumas notícias capazes de fornecer uma imagem mais
correcta. Motivado pela quantidade de informações chegadas diariamente sobre a
empresa descobridora, Albertinus intenta traçar um debuxo dos contactos
estabelecidos, contactos estes que não seriam só de cariz comercial, mas também
de índole cultural e religiosa. Aegidius Albertinus preocupa-se, especialmente,
com a acção missionária dos cristãos e relata sobre alguns êxitos alcançados
entre estes povos africanos. Uma vez que eles teriamcostumes antigos muito
enraízados e seriam muito dados à superstição, o letrado germânico considera
que muito haveria ainda para fazer no que respeita à evangelização das
populações locais. E, o que acha ainda de maior acuitamento: não os deixar sem
orientação. Para uma verdadeira cristianização, não chega, na sua opinião,
baptizá-los, visto que a sua conversão não deverá ser apenas "um sinal
exterior do cristianismo". (1)
Neste
contexto dever-se-ia ter em atenção que, desde
o rio Senegal até à província da Serra Leoa, habitariam diversas nações com
diferentes usos e várias práticas religiosas. Os primeiros, que se
encontrariam nestas regiões, seriam os denominados Jalofos, cujo reino de grandes dimensões seria bem abastecido de
toda a espécie e qualidade de frutos; os íncolas, bem constituídos e
proporcionados, seriam, na generalidade, bons guerreiros. (2) Já no reino da Gâmbia viveriam os Mandigas, selvagens,
infíeis e muito dados à idolatria e à superstição, (3) no rio Casamanga os "Ariotos" e os "Falupos", no rio São Domingos os "Baramas"
e perto do rio Grande, os
"Beasares". Por fim, os "Copes" e os "Cuamas" da Serra Leoa que "em toda
a Guiné é a terra mais fértil e mais divertida, e onde se encontra toda a
espécie de árvores. Item vinha e uvas selvagens com grandes e lindos
bagos".31
(1). "[...] ein
eusserliches Zeichen deß Christenthumbs". Aegidius Albertinus, Historische Relation..., Munique,
1609, p. 326. Algumas passagens recordam o texto de Fernão Guerreiro, Relaçam annual das cousas que fizeram os
Padres da Companhia de Iesus..., 5 vols, Évora, 1603, Lisboa 1605 e
1607; obra que viria a ser publicada em Lisboa, 1611, e em grande parte vertida
para o alemão.
(2). "[...] mit
menschlicher Vnderhaltung vnd allerhandt früchten wol versehen/ die Inwohner
sein proportioniert / wol gestattet vnnd gemeingklich gute
Kriegsßleute..." Idem, p. 330.
(3). "[...] wild/
ungetrew/ der Abgötterey vnd Abergalube fast ergeben seynd". Idem, p. 333
31. "Im ganßen Guinea ist diß das aller fruchtbarest vnd lustigiste Landt/
hal allerley art von Dannen vnd Feuchtenbäumen. Item reben vnd wilde Trauben/
mit schönen grossen Beeren...". Idem, p. 341.
Situação de fome em
Cabo Verde devido à seca e escassez de colheitas. Até 1611.
1609/01/09
Pedro
Vaz Freire
-
bacharel, nomeado ouvidor em 3 de Dezembro de 1608. Teve regimento em 9 de
Janeiro de 1609 restringindo em alguns pontos as atribuições conferidas ao
ouvidor Gomes Raposo.
1609/01/10
«Francisco Martins Sequeira – nomeado ouvidor em 10 de
Janeiro de 1609, só tomou posse em 1611. Teve diversos conflitos com o ouvidor
e a Câmara da Ribeira Grande. Em 1612, foi proibido aos governadores coloniais
levarem consigo os seus filhos.» João Barreto
Nomeação de FRANCISCO
MARTINS DE SEQUEIRA no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
1609/07/25
Padre JOÃO
DELGADO, S.J., faleceu nas margens do rio Farim, na Guiné, em 25-7-1609.
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