☻ Nuno Tristão entrou
no golfo de Arguim
☻ O regente D. Pedro
decreta o monopólio da navegação na costa oeste africana, reconhecido pela bula
Rex Regum, que atribui ao irmão Infante D. Henrique.
☻ Expediu o Infante a Nuno Tristão para prosseguir o seu anterior
descobrimento de Cabo Branco, e com efeito passou para o sul dele, e
chegou a uma das Ilhas de Arguim, onde viu com extraordinária surpresa mais de
vinte almadias (1), cada uma das quais levava três, ou quatro homens, que escachados na borda remavam com as pernas: tão profunda era a ignorância
destes Povos, que ainda estavam na primeira infância da Arte! Nuno Tristão
mandou logo em seu alcance uma lancha com sete homens, que cativarão catorze
indivíduos; e fugindo os outros para a Ilha, não poderam aí escapar, porque a
lancha, deixando os prisioneiros a bordo do navio, foi buscar o resto.
Desta pequena Ilha passou Nuno Tristão a outra, a que deu o
nome de Ilha das Garças, pelas muitas
que matou, colhendo-as à mão, e lhe serviram de refresco; e fazendo depois de
alguns desembarques na terra, sem achar alguma presa, voltou para o reino.
1São o mesmo que canoas, embarcações construídas de um só tronco, cavado por dentro, e algumas tão
grandes, que têm sessenta pés de comprido.
Em 1443, de novo Nuno Tristão recebe o
encargo de voltar para os mares do sul. Desta vez passou mais além do Cabo
Branco onde já tinha chegado. A 25 léguas a sul descobre a ilha de Arguim que veio ter grande preponderância no
intercâmbio comercial que se desenvolveu entre o continente e as terras que iam
sendo trazidas à luz da civilização. O erudito Visconde de Santarém afirma que
este descobrimento facilitou aos portugueses o meio de obter notícias e
estabelecer relações com os Estados negros situados nas margens do Senegal e do
Gãmbia. Era esta, de resto, a grande
preocupação do preclaro e esclarecido espíriÍo do Infante. O regresso de Nuno
Tristão, que também havia explorado a
ilha das Garças, perto de Arguim, tirou aos mais cépticos dúvidas quanto aos
futuros lucros da empresa marítima pelo grande carregamento de cativos que
chegaram a Portugal e que seriam novas almas cristãs.
As características,
científica e religiosa, que envolveram de começo toda a obra henriquina vão
sofrer a influência decisiva e dominadora dos interesses materiais. A
exploração lucrativa logo desperta no espírito de alguns forte entusiasmo.
Neste
mesmo ano, LANÇAROTE, oom a devida
autorização de seu amo e senhor, organiza
a primeira expedição de finalidade mercantil composta de seis navios, armados e
equipados por particulares do porto de Lagos. Esta expedição não recebeu o
encargo de ir mais além da última terra visitada, pois o seu
fim era o resgate de peles, de óleo, e, principalmente, de cativos mouros,
mercadoria que se antolhava de bons lucros materiais aos olhos profanos, de
maiores lucros espirituais aos olhos dos crentes. A iniciativa de Lançarote,
que regressou ao reino com mais de duas
centenas de cativos, futuros escravos e novas almas cristãs, teve
retumbante êxito, levantou os ânimos e acicatou ainda mais a curiosidade de D.
Henrique que obtinha mais e melhores conhecimentos por intermédio da mercadoria
humana que vinha chegando a Portugal em quantidade apreciável e em ritmo sempre crescente.
Da
importância desta expedição e da sua repercussão, embora João de Barros só lhe
tenha dedicado algumas linhas, falam contudo as numerosas páginas da crónica de Zurara, onde minuciosa e desenvolvidamente
se relata tão esforçado trabalho para a conquista das graças divinas, para
aquisição dos bens materiais do mundo e para aprazimento do Infante.
☻ Nuno Tristão descobre
as Ilhas de Gete (Arguim) e das Garças. Nos primeiros anos da década de 1440 as
viagens de exploração sucederam-se depois de em 1441 o
navegador Nuno
Tristão ter explorado o Golfo de Arguim, assinalando a
existência de ilhas. Existem relatos de viagens naquela região capitaneadas por
Gonçalo de Sintra (1442),
Dinis Dias (1442) e
Nuno Tristão (1443).
Fazendo fé em Valentim
Fernandes, a ilha de Arguim foi descoberta por Gonçalo de Sintra
em 1445.
☻ A ilha de Arguim fica situada a
cerca de 80 km a sueste do Cabo Branco, no extremo nordeste do Golfo de Arguim. A ilha tem 6 km de comprido por 4 de largura
máxima e uma altitude que não ultrapassa os 15 m acima do nível médio do mar. A
ilha é rodeada de bancos de areia e recifes, já que todo o Golfo constitui uma
zona de baixa profundidade com fundos de apenas 5 m na baixa-mar a cerca de
60 km da costa. A amplitude da maré é pequena, sendo de apenas 2 m nas marés vivas e
de só 0,6 m nas marés mortas. A ilha é rodeada por zonas pantanosas, algumas
contendo alguns restos de mangais e
extensos prados de gramíneas marinhas do género Zostera. Como as restantes ilhas do Arquipélago do Golfo de Arguim, a ilha de Arguim é coberta por dunas de areia
rodeando zonas de afloramento rochoso, sendo na sua maior parte inteiramente
despida de vegetação.
☻ «O senhor Infante D. Henrique fez nesta ilha de Arguim
um contrato por dez anos, deste modo; que ninguém pudesse entrar no golfo para
traficar com os Árabes, salvo aqueles que entrassem no contracto, o qual tem
uma feitoria na dita ilha, e Feitores, que compram e vendem àqueles Árabes, que
vêm à marinha; dando-lhes diversas mercadorias, como são panos tecidos, prata e
alquiceis, que são uma espécie de túnicas, tapetes e sobretudo trigo, do qual
estão sempre famintos, e recebem em troca Negros, que os ditos alarves trazem
da Negraria, e ouro Tiber. De modo que este Senhor Infante faz actualmente
trabalhar em uma fortaleza na dita ilha, para conservar este comércio para
sempre; e por esta razão todos os anos vão e vêm caravelas de Portugal à Ilha
de Arguim. Têm também estes Árabes muitos cavalos silvestres, com os
quais traficam: e os conduzem às terras dos Negros, que lhes dão em troco
escravos, e vendem os ditos cavalos por dez ou vinte cabeças de escravos cada
um, segundo a sua qualidade. Igualmente compram sedas mouriscas, que se
fabricam em Granada, e em Tunes de Barbaria; prata e muitas outras causas, e
obtêm pelo seu resgate quantidade de Negros, e alguma soma de ouro. Estes
escravos chegam à escala, e lugar do Hodem [Uadan], e daí se dividem; indo
parte deles aos montes da Barca, donde chegam a Sicília, e alguns outros a
Tunes, e depois se estendem por toda a costa da Barbaria; finalmente a outra
porção é conduzida a este lugar de Arguim, e vendida aos Portugueses do
contrato; de modo que cada ano se trazem
para Portugal de setecentos a oitocentos escravos. Antes que se
estabelecesse este contrato, costumavam as caravelas de Portugal vir ao golfo
de Arguim armadas, umas vezes quatro, outras mais; e de noute desembarcavam,
saíam sobre algumas aldeias de pescadores, e faziam correria pela terra; de
modo que prendiam estes Árabes tanto machos corno fêmeas, e os traziam a vender
em Portugal.»
CADAMOSTO,
"Navegação Primeira" in GODINHO, VITOR MAGALHÃES. Documentos sobre a Expansão Portuguesa,
vol. III, p. 125-126.
☻ As feitorias foram os entrepostos comerciais
criados na Europa, os quais seriam especialmente utilizados fora do continente
europeu. A prática de se construir feitorias teve início ainda durante a Idade
Média, logo essas organizações típicas do povo europeu foram conquistando
territórios. As grandes navegações que tiveram início ainda no fim da Idade
Média influenciaram muito na utilização de feitorias pelo oceano Atlântico e o
oceano Índico. O Feitor tinha
as funções de reger o comércio e arbitrar a comunidade de mercadores, assim
como exercer a função de capataz dos escravos de sua feitoria. As feitorias eram
espalhadas por terras litorâneas
por onde passavam os navegadores. Por terem-se lançado pioneiramente ao mar, os portugueses são quem
recebem as principais identificações com as feitorias. Estas funcionavam como
mercado, armazém, alfândega e defesa e ponto de apoio à navegação e exploração
nos entrepostos estabelecidos. Em muitas ocasiões, essas mesmas feitorias,
serviam ainda como sede do governo das comunidades do local. Graças às
feitorias foi possível que Portugal estabelecesse seu domínio comercial no
Atlântico e no Índico, tal recurso permitia que o Império se expandisse mesmo
utilizando-se de poucos recursos humanos e territoriais. As feitorias foram
impulsionadas por variados fatores, como: ouro, na costa da Guiné; especiarias,
no Índico; escravos, na América; açúcar, malagueta, cairo, madeira e cavalos,
em Goa; cereais e penas de aves exóticas, na Indonésia; pedras preciosas, sedas
e porcelana, no Oriente.
1443/01/09
«1443 - 9 de Janeiro, Bula Et si suscepta cura regiminis de Eugénio IV ao infante D.
Henrique concedendo-lhe, na qualidade de
Administrador da Ordem de Cristo, e aos
Mestres que lhe sucederem, receber e aceitar, ter e possuir quaisquer bens móveis ou de raiz que quaisquer pessoas fizerem doação a Ordem de Cristo, ou ela por justo título possa adquirir; bens que usufruiriam dos mesmos privilégios daqueles já anteriormente possuídos; podendo ter ilhas no mar oceano, algumas das quais quanto ao domínio tem poral pertenciam já à Ordem, e adquirir por quaisquer meios
lícitos outras ilhas, ainda que não fossem povoadas; naquelas em que não houvesse Bispo, ou o houve há tanto tempo que não há memória dos homens que o
houvesse, o domínio espiritual deveria ser exercido
por Bispos designados pelos Mestres da Ordem (10).
(10) - Doc. em Lívro das escrituras da Ordem de Cristo, cod. n.º 235 do cartório da Ordem de Cristo, fl. 8-8 v.º , Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. Idem - ibidem, vl. I, doc. n.º 325, p. 412-413.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1443/10/22
«1443 - 22 de
Outubro, privilégio, concedido por D. Afonso V ao infante
D. Henrique, do monopólio da
navegação e comércio para o
Sul do cabo de Bojador, ninguém podendo ir a essa zona sem seu mandado ou licença, incorrendo na pena da perda - em favor do infante - dos navios e respectivas
cargas; ficando isentos do pagamento, ao erário real, do quinto ou dízima os produtos de lá trazidos pelo Infante ou por emissários seus, ou por outrem
autorizado pelo Infante, a quem, por virtude da autorização concedida, deveria pagar o direito do quinto ou dízima do que de lá trouxesse (11). (11 ) - Doc. em: Chancelaria de D. Afonso V, l.º 24, fl. 61, 4.º dipl.; Místicos, l.º 3, fl. 278 v.0 2.ª col.; ambos no Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. idem - Ibidem, vl. I , doc. n.º 339, p . 435-436. De 22 de Outubro de 1443 a 26 de Dezembro de 1457 – época em que o infante D. Henrique
deteve o exclusivo da navegação e comércio na zona ao Sul do Cabo do Bojador - D. Afonso V teria de conseguir mandado ou licença do Infante, seu sobrinho, antes de enviar os
navios (sob pena de serem apreendidos e confiscadas as cargas), no caso do objectivo da viagem visar a realização
de comércio, logo que os navios
regressassem a Portugal, D. Afonso V
deveria mandar pagar, aos oficiais da Fazenda do infante D.
Henrique, o quinto ou dízima dos produtos
resgatados;»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a
1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da
Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
☻ Por carta de 22 de Outubro de 1443, o Regente Infante D. Pedro, em nome do rei D. Afonso
V com onze anos de idade, informa todos de que, relativamente aos
Descobrimentos, "(...) e da grande despesa que o Infante D.
Henrique, meu muito prezado e amado tio, tem feito e entende fazer, defendemos que em vida do dito meu tio
ninguém passe além do dito Cabo Bojador sem seu mandato e licença e os que
passarem nos apraz que percam para o dito Infante, meu tio, o navio ou navios
em que assim lá forem e tudo o que nele(s) encontrarem". Em 1446,
aos catorze anos, D. Afonso (V) já pode assumir legalmente o cargo de rei, mas
julga ainda necessitar das orientações do Infante D. Pedro e só em
1447, D. Afonso V é rei em toda a plenitude.
Com efeito, nos
primeiros diplomas régios da época dos descobrimentos, como por exemplo a carta
de privilégio concedida ao Infante D. Henrique por D. Pedro, em nome do seu
sobrinho D. Afonso V, com a data de 22
de Outubro de 1443, não se utiliza o termo “descobrimento” mas sim expressões
como estas: “[...] a mandar seus naujos a saber parte da terra que era alem do
cabo de bojador por que atee Entã nõ auja njngem na cristandade que dello soubese
parte2 nem sabiam se avia la poboraçã [...]”.3
3 “Privilégio (Carta de) ao Infante D. Henrique, em virtude
do qual ninguém poderia passar além do cabo de Bojador sem seu mandado ou
licença, [...]”, nº 339, de 22 de Outubro de 1443, transcrita por MARQUES, João
Martins da Silva (Documentos para a sua História publicados e prefaciados por)
– “Descobrimentos Portugueses”. Vol. I (1147-1460). Lisboa: Instituto Nacional
de Investigação Científica, 1988, p. 435.
1444
«Coube aos portugueses
o papel pouco honroso de terem iniciado o tráfico de escravos no Atlântico, uma vez que o avanço
das caravelas lhes tinha permitido encontrar uma alternativa
às tradicionais rotas transarianas. E durante cerca de 180 anos, entre 1444 (chegada a Portugal do primeiro grande contingente de escravos) e 1621 (fundação da Companhia Holandesa das Índias Ocidemais), praticamente detiveram o exclusivo desse comércio. Ainda
assim, um exclusivo relativo: quase desde o início, espanhois (sobretudo das Canárias),
franceses e ingleses desafiavam as restrições do mare clausum formuladas
no
Tratado de Tordesilhas e apareciam a negociar no litoral africano.
Além
disso, se a imensa maioria dos navios e dos traficantes era portuguesa, muitos
dos capitães pertenciam a italianos e flamengos.
Os primeiros dois séculos
são ainda, em volume e em estrutura, uma pequena amostra do tipo de tráfico que virá a seguir, embora já cerca de três
mil escravizados sejam
vendidos em cada ano.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O
comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo
Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg.29
Diniz Fernandes descobrio o cabo, que forma o ponto mais
occidental de Africa, denominado pelos antigos geógrafos gregos «hesperion keras (occidentale cornu)» e
arrumado pelos antigos navegadores portuguezes em pouco mais de 14° septemtr.
(hoje em 14° 48').
A este
cabo derão o nome de Cabo-verde, pelo
aspecto, que mostrava, todo coberto de verdura: e parece que era ornado, na sua
maior elevação, da grande arvore baobab,
a que alguns naturalistas chamão colosso
do reino vegetal: a qual extendendo ao largo seus grandes ramos, desce com
as folhas até á superfície da terra, e a cobre de verdura mui agradável. O seu
tronco cavernoso serve talvez de sala de assemblêa a huma povoação inteira.
Os nossos escriptores
varião sobre a época deste descobrimento entre os annos 1440 e 1446. Nós
adoptamos os annos de 1443 ou 1444, porque Cadamosto diz que o cabo fora
descoberto por Portuguezes hum anno antes da sua primeira viagem, e como esta
foi em 1445, vem o descobrimento do Cabo-verde
a cahir em algum dos ditos dous annos, conforme o maior, ou menor rigor, em que
tomarmos as palavras de Cadamosto.
(Cordeiro, na
Hist. Insulan. assigna o anno de 1443) Vej. o liv. 2. cap. 8. pag. 57. e liv.
6. cap. 1. pag. 241, aonde diz que as ilhas de Cabo-verde forão descobertas em
1443, e muito mais em 1445.»
Índice chronologigo das
navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes
ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na
Imprensa Nacional, 1841, pg.27-28
«Em 1444 - Fez-se ao mar uma frota
sob o comando de Antão Gonçalves, Gomes Pires e Diogo Afonso, sendo um dos navios enviado pelo
Regente D. Pedro, levando a bordo intérpretes árabes com missão especial de entabular
relações comerciais com os habitantes da costa.
Nesta
expedição ia um antigo escudeiro, João
Fernandes, que conhecia a língua árabe por
ter estado cativo dos mouros em Marrocos. João Fernandes dispunha-se a desembarcar
no
Rio
do Ouro e demorar-se alguns meses entre os indígenas com o fim de entabular
relações de amizade e colher mais informações desejadas
pelo
Infante.
Antão Gonçalves esteve
alguns dias no Rio do Ouro, mas não tendo obtido resultados apreciáveis
nas
suas negociações com os mouros desconfiados, regressou ao reino, deixando em terra o escudeiro Fernandes e
trazendo a bordo um indígena que expontâneamente se ofereceu para isso.
Nêsse mesmo ano, Nuno Tristão fez a sua terceira viagem numa caravela,
indo directamente até às ilhas de Arguim. Encontraram-nas abandonadas pelos
indígenas, que assim fugiam às perseguições dos portugueses. Resolveram, por isso,
continuar á exploração ao longo da costa e «passaram aquela terra e «viram outra mui
desassemelhada desta primeira, porque esta era areosa e
maninha, desacompanhada de arvores, como cousa em que faleciam
aguas, e a outra viram acompanhada de muitas palmeiras
e outras arvores verdes e formosas.» (Azurara).
Visconde
de Santarém conclue que Nuno Tristão teria alcançado nesta sua viagem o ponto
designado com o nome de Palmar, mas as
vagas indicações da Chronica· não permitem
fazer uma idea segura sôbre o local atingido, supondo alguns que teria chegado até às
proximidades do Cabo Verde. Certo é que Nuno
Tristão foi, como diz Azurara, o primeiro que chegou à terra dos
pretos, quere dizer, ao sul do rio de Senegal.
Os
marinheiros portugueses diferenciaram desde logo as duas
zonas da costa africana separadas por êste rio. Ao
Norte, a vasta região compreendida na zona do
deserto de Sahará, habitada por homens «de côr avermelhada», de feições menos grosseiras,
conhecidos pela designação de azenegues ou cenégios, convertidos
à religião de Mahomet, mas falando uma língua própria (dialecto de berbere)
embora houvesse entre eles alguns que conheciam o árabe. A segunda zona,
situada ao Sul do rio Senegal, que se contrastava da primeira pela sua notável vegetação,
era
habitada por povos de côr negra e feições rudes, mais corpulentos e aguerridos,
fetichistas e selvagens - país dos
jalofos e doutras tríbus negras, onde se localizava a terra de Guiné,
propriamente dita (a).
(a)A palavra Guiné deriva do nome de uma povoação
indígena fundada por volta do ano 1040, nas margens do alto Niger, aproximadamente a 14 graus de latitude
norte.
«GELOFO: Sam estes primeyros negros da costa da Guiné, cuja província hé grande e se estende sobre o mar Oceano Occidental; e jaz entre os dous grandes rios, Sanagá e Gambea, dos quaes falamos em seus lugares. Desta província falla o poeta C. 5. est. 10. dizendo:
Por aqui rodeando a larga parte
De Africa, que
ficava no Oriente,
A província
Gelofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente.»
MICROLOGIA CAMONIANA, JOÃO
FRANCO BARRETO, IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, BIBLIOTECA NACIONAL,
LISBOA, 1982, pg. 163
«A qual diligencia lhe refpondeo
com o premio , que elle defeja• va ' porque veio faber per elles nao fomente
das terras dos Alarves , que sao vizinhos aos dcfertos de Africa , · a que
ellcs chamam Çahará , mas ainda das que habitam os póvos Azenegues , que
confinam com os negros de Jalof, onde fe começa a região de Guiné , a que os
mefmos Mouros chamam Guinauhá , dos quaes recebemos etTe nome.», João de Barros, DECADA I. Lrv. r. CAP. II.
p. 19, , Lisboa,
25 de Fevereiro de 1778, Nicoláo Pagliarini, Director
geral da Regia Officina Typographica
Pela sua situação
geográfica tornou-se um ponto de passagem concorrido das caravanas que faziam o
comércio do Sudão e da África Meridional com os mandingas e árabes do Norte.
Conquistou por êste facto certa prosperidade e fama. O seu renome propagou-se,
por intermédio dos mercadores árabes, para o Norte da África e dali para
os países europeus, muito embora a sua importância comercial e política não
fôsse de molde a justificar a reputação que chegou a adquirir.
Tem-se escrito sob
várias formas o nome desta aldeia: Genna, Ghenea, Ginea, Jenni, Qenni, Jinne,
Djienné, Djenné, etc. É fácil de ver que todos êstes nomes não são mais que
tentativas de adaptação da pronúncia indígena à grafia e fonética das línguas
europeias.
Em Portugal o vocábulo
sofreu pequenas alterações. Na primeira edição da Chonica do Descobrimento e
Conquista de Guirré, de Azurara, feita em 1841 por cópia fiel do original
existente em Paris, encontramos umas vezes a forma Guinee, com duplo e
final, e outras vezes, Guinea e Guynea - v. g. mandar
buscar terras de Guynea.
Na Ásia de João
de Barros lêmos: «...região de üuiné, a que os mesmos mouros chamam Guinauhá,
dos quais recebemos esse nome»
(Decada I, livro I, Capítulo II da edição de 1778).
No Esmeralda De Situ
Orbis, de Duarte Pacheco, encontramos períodos como êste: «...e esta
Ethiópia corre e se estende per costa do «dito rio de Çanaguá ate e o cabo de
Boa Esperança...e do dito rio atee este cabo sam 1340 leguoas; a qual por outro
nome Guinee chamamos…» (Capítulo XXVII do livro I).
Nos primeiros anos dos
descobrimentos portugueses a designação de Guiné compreendia tôda a região
situada ao Sul do Cabo Bojador; mas depois da descoberta do rio de Senegal e
confirmadas as distinções geográficas e étnicas marcadas por êste rio entre os azenegues
e os negros, o vocábulo Guiné serviu para designar especialmente a costa
situada ao Sul do rio, como acabamos de ver pelo período acima transcrito do Esmeraldo.
Veio depois a
descoberta da Costa da Mina, que pelas suas vantagens comerciais relegou a um
plano secundário a zona de Senegambia. Foi então que os reis de Portugal
acrescentaram o título de Senhores de Guiné, passando a estabelecer-se
uma vaga distinção entre a Guiné superior e inferior. Com o tempo cada uma das
zonas costeiras foi adquirindo a sua autonomia geográfica e administrativa,
perdendo-se a pouco e pouco o sentido do vocábulo Guiné, até que
chegámos à situação presente com o Golfo de Guiné na zona equatorial e as
colónias de Guiné Portuguesa e Francesa situadas mais ao Norte.
Em resumo, a palavra Guiné
não chegou a ter um valor geográfico rigorosamente definido. Em Portugal
atribuiu-se ao termo quási sempre o género feminino, mas também por vezes encontra-se
a palavra Guiné com o género masculino. Assim André Álvares de Almada no
seu Tratado Breve, fala no nosso Guiné e do Guiné. Também
Azevedo Coelho na sua Descrição de Guiné, escrita em 1669, diz por
exemplo: o melhor tabuado que ha em todo o Guiné.
Em geral o nome próprio
Guiné foi empregado desde os primeiros tempos sem ser precedido do
artigo definido. Assim o encontramos na Chronica de Azurara, muito
embora o Sr. José de Bragança, na edição de 1937, tenha dado ao livro o título
de Cronica... da Guiné. A fórmula - a Guiné -, com artigo, começou a ser
empregada com mais freqüência no século XIX, e hoje está quási generalizada.»
João Barreto, HISTÓRIA
DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 24-26
☻ DINIS DIAS descobriu o cabo Cabo Verde (Dakar) e a Ilha
da Palma (Goreia)
Descoberta do Cabo Verde
Diniz Dias,
também conhecido na História pelo nome de Diniz Fernandes, antigo escudeiro do Rei D. João I, foi de Lisboa a
Sagres oferecer os seus serviços ao Infante, que lhe entregou uma caravela
com o encargo de ir expressamente à terra dos guinéus.
Com efeito, Dinís Dias passou a terra dos mouros
e
chegou ao país dos
pretos. Passou além do rio Senegal e num local, cuja situação não pode precisar-se por falta de
indicações na Crónica, aprisionou
quatro pretos, os únicos que conseguiu prender.
Continuou, porém, a viagem e dobrou um importante
cabo, a que pôs o nome de Cabo Verde por causa
da côr que lhe emprestava a sua abundante vegetação.
Desembarcaram
numa ilha próxima do cabo «onde acharam
muitas cabras e aves de que houveram grande resfresco» (parece tratar-se da ilha de Bezeguiche, hoje, ilha de Gorêa). Dali regressaram
directamente
a Portugal. «E pero que a presa não fosse tamanha como as outras
que antes vieram, o Infante a teve por mui grande, por ser
daquela terra, e assim fez por ela a Dinis Dias e a seus companheiros,
grandes
mercês.» (Azurara, cap.
XXXI).
Embora quási todos os
historiadores coloquem a descoberta do Cabo Verde no ano 1445,
sobretudo de acôrdo com a indicação de João de Barros, há quem
deduza da leitura da Crónica de Guiné que o facto se teria passado no ano de
1444
(a). Esta última hipótese harmoniza-se melhor
com os factos e as datas indicadas por Azurara nos capítulos
seguintes da sua obra.
Quanto ao
testemunho de João de Barros, convem recordar que o seu
livro Asia foi escrito cem anos depois, em 1552, e na parte relativa à
Guiné foi baseado na leitura e interpretação da narrativa deixada por
Azurara. São por isso aceitáveis certos reparos sôbre o rigor da sua informação em relação a êste
facto.
(a)Armando
Cortesão; no Boletim da Agência Geral das Colónias n.º 76,. de I93I.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918,
edição do autor, Lisboa, 1938, pg.
26-27
1444 -
Chegada a Lagos (Portugal) do primeiro grande contingente de escravos negros. Início da «fase moderna»
do tráfico europeu de escravos africanos.
☻ Vendo os moradores de Lagos a prosperidade
que começava a ter o Commercio marítimo, por meio destes descobrimentos, que ja
produzião quantidade de ouro, e de escravos, e que todas as embarcações nelles
empregadas vinhão descarregar áquella Cidade, pella habitual
assistência do Infante D.Henriqueem
Sagres, formárão, com sua licença, huma
Companhia, que se obrigou a pagar-lhe o quinto de todos os generos, que
exportasse daque!les Paizes: e em consequencia armou seis Caravelas de que o Infante deo o commando geral a LANÇAROTE,
que fôra seu Moço de Camara, e a quem dera o Almoxarifado de Lagos; e os outros
Commandantes erão GIL ANNES, que primeiro dobraram o Cabo Bojador, ESTEVÃO
ALFONSO, RODRIGO ALVARES, JOAO DIAS e outro (1).
Chegou
a Esquadra á Ilha das Garças, onde
matou muitas, e querendo assaltar a Ilha
de Nar (huma das de Arguim), por tevarem informações
de que
poderião alli fazer boa presa nos naturaes do Paiz, resoveo-se em conselho
mandar primeiro espiar a Ilha, e cerca-la depois com as lanchas, para lhes
cortar a retirada para o Continente; e em consequência deste acordo, partirão
de noite MARTIM VICENTE, e GIL VASQUES, cada um em sua lancha com
quatorze soldados, e alguns marinheiros, mas as correntes, que por alli são mui
fortes, e variaveis, os detiverão de modo, que rompia o Sol quando
chegárâo á Ilha; e como se achavão defronte de huma Aldea, d'onde julgavão ter ja sido
descobertos, determinárão-se a desembarcar logo, por não perderem tempo em dar
aviso ás Caravelas; e pondo em pratica este acertado projecto, cativárão sem resistência cento e cincoenta e cinco pessoas.
Estes cativos derão notlcia de que na Ilha de Tider, que ficava próxima, havia
também gente, porém indo la o Commandante Lançarote com todas as Lanchas, a
achou ja despejada, e quasi o mesmo Ihe aconteceo em outras, de maneira, que tanto nestas
llhas, como em algumas entradas que fez pela terra dentro, apenas tomou mais quarenta e cinco indivíduos; e voltando
para Portugal, por lhe faltarem viveres para tanta gente, colheo ainda quinze
pescadores em Cabo Branco, e foi
recebido do Infante com tantas honras, que pela sua propria mâo o armou
Cavalleiro, e fez outras mercês a elle, e aos outros Commandantes, e
pessoas mais notaveis.
(1)
Vede Barros, Decada 1., Lº 1., Cp.º 8.- Soares da Silva, Memorias etc., Tomo 1., Cap.º 84 -
Faria, tomo I, Parte I e tomo 3 no fim. - Chronica do Principe D. João, Cap.º 8, onde põe esta Viagem no anno de 1443 -
Galvão, pag. 23
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Neste mesmo anno de 1444 (1) DINIZ
FERNANDES, homem valoroso, que fôra Escudeiro d’ElRei D. João I, e vivia em
Lisboa abastado de bens, querendo agradecer ao Infante algumas mercês que lhe
fizera, armou á sua custa hum navio com
determinação de passar alem dos ultimos descobrimentos, e assim o fez;
porque chegando ao Rio Senegal, não
quis ter alli demora, e seguindo para o Sul, avistou algumas Almadias de
pescadores, ás qaues se dirigiu logo na sua lancha, que levava atoada por popa,
e alcançando huma, a tomou com quatro
Negros Jalofos, que forão os primeiros colhidos na sua propria terra, que
vierão a Portugal.
Daqui
continuou a sua derrota examinando a Costa, sem perder tempo em desembarcar, até que chegou a hum grande Cabo, que
se avançava muito para Oeste, já conhecido dos antigos pelo nome de Aesinarium
Promontorium, a que chamou Cabo Verde (2),
pelo frondoso arvoredo, que o cobria; e vendo que a terra, alem delle, se
encurvava muito para Leste, formando como huma peninsula, e que o vento lhe
ficava ponteiro para continuar o seu
reconhecimento, ancorou em huma Ilhota proxima do Cabo, onde matou muitas
Cabras, que lhe servírão de refresco, e deixando nella arvorada huma Cruz de
páo, regressou a Portugal, onde foi
recchido pelo Infante com aquellas honras e mercês, que elle costumava fazer
aos que tão bem o servião.
(1)
Barros (Decada I, Lº1, Capº9) põe esta descoberta em 1446 –
O Padre Cordeiro (Lº2, Capº3) dá as Ilhas de Cabo Verde descobertas em 1445; e
he bem sabido, que o Cabo foi descoberto antes –Galvão (pag.24) diz, que o Cabo
se descpbrio em 1446. O Anno Historico (tomo2, pag.2) diz, que em 1445 – Faria,
e Soares da Silva (nos lugares acima citados), dizem, que foi descoberto em
1446 – Damião de Goes (Cap.3) segue aqui a opinião de Cadamosto, e supõe a
descoberta em 1443 – Eu ponho o descobrimento em 1444, porque em 1445 foi a sua
primeira viagem, e elle o dá por descoberto no anno antecedente.
(2)
He o ponto mais Occidental da Africa, e he formado por huma
peninsula, que sahe do Continente para Oeste mais de cinco léguas, sendo a sua
menor largura de seiscentas toezas. Da parte do N.E. tem dous montinhos, que
chamam as Mamas, e servem de reconhecimento aos Navegantes. Segundo alguns
Sabios, que modernamente examinárão aquelle terreno, estes dous montinhos são
restos de hum antigo Volcão. Do extremo Occidental do Cabo se estende uma
perigosa restinga de pedras, que entra muito pelo mar. A ponta do Norte do Cabo
chama-se Ponta da Almadia; e Cabo Manoel a sua ponta mais do Sul. Entre estas
duas pontas estão três pequenas Ilhas, chamadas da Magdalena, ou dos Passaros.
Em huma dellas desembarcou Diniz Fernandes, se he certo, que o fez em huma
Ilhota que está pegada ao Cabo, como diz Barros; mas eu persuado-me, que elle
desembarcou na Ilha Gorea, que tem abrigo, e fica só distante delle cousa de
duas léguas.
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O entusiasmo continua e a vontade indómita do Infante persiste na orientação
desta obra que vai tomando foros de gigantesca.
Por
isso, em 1444, NUNO TRISTÃO, a quem
já se devia a passagem do Cabo Branco e a descoberta do arquipélago de Arguim, volta, pela terceira vez, a visitar a costa
africana e atinge a Ponta Palmar. Tinha-se alcançado terra nova e de outras
gentes. Neste mesmo ano ainda se passa o rio Senegal, o Cabo Verde é atingido por DINIZ DIAS, embora João de Barros chame
DINIZ FERNAMDES. Estava-se em terras de jalofos,de características étnicas
diferentes das dos azenegues, os únicos povos até então conhecidos.
NUNO TRISTÃO chegou ao Senegal. A
angra onde está a ilha de de Bezeguiche,
ou ilha da Palma, atual baía de Dakar, é limitada a norte pela península de
Cabo Verde. Foi descoberta pelo navegador português DINIS DIAS em 1444. DIOGO
GOMES aí manteve relações com um chefe
local denominado Bezeguiche, do qual
a angra tomou o nome. Dotada de bons fundeadouros, com vários locais
dispondo de água (inclusive a ilha da Palma, atual Gorée), desde cedo os portugueses
comerciaram na região com os nativos, habituando-se a ali procurar abrigo e a
sepultar os seus mortos na ilha da Palma, onde ergueram uma capela em 1482.
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Mas de Bezeguiche diz DIOGO GOMES: «Pouco tempo depois o senhor infante mandou
que as caravellas caminhassem mais alem, indo porém preparadas para paz e
guerra. E descobriram um promontório formosíssimo, entrando ao mar, a que
chamaram Cabo Verde. E n'este logár começa a linha equinoxial, porque dias e
noites ahi sempre são iguaes no inverno como no verão, e aquellas gentes são na
maior parte negros. E as caravellas indo alem de Cabo Verde, isto é, para o
polo antárctico, descobriram terra deserta. E navegando ainda alem acharam uma
grande praia, e chegaram a ella com os seus bateis. E logo saíram dos arvoredos
innumeraveis gentes pretas: e o senhor
d'aquelle gentio, por nome Besegichi, homem mau e traiçoeiro; e todos os seus
visinhos o odiavam, porque era péssimo. E arremessou aos christãos setas
envenenadas, e ficaram feridos alguns christãos que logo morreram do veneno.
E assim enganou os christãos, dissimulando a malícia, mostrando o rosto bom e risonho, para que se
approximassem da terra. E approximando-se da praia mandou aos seus para que
atirassem as setas aos christãos. E assim morreram muitos dos christãos. E não
entrando na terra voltaram ao rio Cenega, onde acharam outras caravellas suas,
e assim todos voltaram a Portugal.»
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Em 1444, DINIS DIAS descobriu o Cabo Verde e o Cabo dos Mastros que se situam no território da República do Senegal.
Um pouco mais adiante, ao cabo que se lhes apresentou luxuriante de vegetação,
chamaram entusiasmados Cabo Verde, nome que aproveitará depois ao
arquipélago fronteiro, embora já com razões menos óbvias. Além da mudança de
paisagem, outra novidade: a população passava a ser exclusivamente negra de cor
de pele. Noutro passo, conta Zurara: «E esta gente desta terra verde é toda
negra e por isso é chamada terra dos negros ou terra da Guiné por cujo azo os
homens e mulheres dela são chamados Guinéus que quer dizer o mesmo que negros.»
A palavra «Guiné» ganhava assim um sentido muito amplo, que se manterá durante
séculos e iria aplicar-se a toda a extensão da costa africana desde o rio
Senegal até ao cabo de Lopo Gonçalves.
Por sua vez, do ponto de vista étnico-religioso, era também o rio Senegal que
separava os berberes islamizados ou «mouros• dos negros «gentios». Estes anos
marcam a chegada dos navegadores portugueses às vastas terras onde se integrava
aquela que foi a futura Guiné Portuguesa.
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Em 1444, o português DINIS DIAS
desembarcou no Cabo Verde, continuando as viagens, integradas nas orientações
do Infante D. Henrique. Como vimos, o objectivo destas viagens era já, com
grande probabilidade, descobrir novas rotas comerciais, um caminho marítimo que
permitisse o acesso ao comércio das Índias, aos mercados das especiarias que à
época vinham, por outras rotas, do Oriente para a Europa. Como ilustrámos
anteriormente, parece-nos que esses interesses económicos justificam o primeiro
impulso para esta grande aventura das viagens marítimas empreendidas pelos
portugueses. Embora tudo pareça indicar que, à época, se adivinhava uma
distância mais curta, e um acesso mais rápido a esses mercados.
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O início do tráfico português de escravos africanos, esse pode ser datado de
1444. Vale a pena, seguindo Zurara, contar as circunstâncias em que se
estabeleceram as primeiras relações comerciais. Nesse ano ou no anterior, o escudeiro JOÃO FERNANDES, exemplo
acabado de aventureiro, que já tinha estado prisioneiro dos muçulmanos em
Marrocos e aí aprendera árabe, ofereceu-se para ficar sozinho na costa sariana
e recolher informações entre as populações locais sobre os circuitos de
comércio. Por lá ficou sete meses e parece não se ter dado mal com os
azenegues, pois, no seu regresso, alguns vieram despedir-se dele, comovidos. À
tripulação do navio que o recolheu, que se dedicava às habituais ações de
pilhagem, passou a informação de que um
chefe local, Ahude Maimon, estava interessado em comerciar escravos «guinéus»
com os portugueses. Reunidas as mercadorias disponíveis a bordo, que não
eram muitas, e garantida a segurança da operação mediante uma troca de reféns,
uma delegação, encabeçada pelo próprio comandante da expedição, ANTÃO GONÇALVES, foi negociar com o chefe azenegue, que lhes vendeu, por bom
preço, nove escravos negros. «No anno de 1444 se organizou, e estabeleceo
com autoridade, e aprazimento do Infante a Companhia
de Lagos, destinada a continuar os descobrimentos, e o commercio de Africa,
debaixo da direcção do ilustre Príncipe, e com certas condições, que elle lhe
prescreveo. Esta Companhia aprestou logo algumas caravelas, em que sahírão ao
mar Lançarote, Gil Eannes, Estevão Affonço, Rodrigo Alvarez, João Dias, Martim
Vicente, João Vasquez &c. os quaes descobrirão a ilha de Nar e de Tider e outras. (Barros:
Faria e Souza: Vid. do Inf. D. Henr. fyc.)»
Índice
chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos
portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco
de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.29
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