domingo, 6 de março de 2016

DESCOBRIMENTO DA GUINÉ 1443-1444


1443
☻ Nuno Tristão entrou no golfo de Arguim
☻ O regente D. Pedro decreta o monopólio da navegação na costa oeste africana, reconhecido pela bula Rex Regum, que atribui ao irmão Infante D. Henrique.
Expediu o Infante a Nuno Tristão para prosseguir o seu anterior descobrimento de Cabo Branco, e com efeito passou para o sul dele, e chegou a uma das Ilhas de Arguim, onde viu com extraordinária surpresa mais de vinte almadias (1), cada uma das quais levava três, ou quatro homens, que escachados na borda remavam com as pernas: tão profunda era a ignorância destes Povos, que ainda estavam na primeira infância da Arte! Nuno Tristão mandou logo em seu alcance uma lancha com sete homens, que cativarão catorze indivíduos; e fugindo os outros para a Ilha, não poderam aí escapar, porque a lancha, deixando os prisioneiros a bordo do navio, foi buscar o resto.
Desta pequena Ilha passou Nuno Tristão a outra, a que deu o nome de Ilha das Garças, pelas muitas que matou, colhendo-as à mão, e lhe serviram de refresco; e fazendo depois de alguns desembarques na terra, sem achar alguma presa, voltou para o reino.
1São o mesmo que canoas, embarcações construídas de um só tronco, cavado por dentro, e algumas tão grandes, que têm sessenta pés de comprido.
     Em 1443, de novo Nuno Tristão recebe o encargo de voltar para os mares do sul. Desta vez passou mais além do Cabo Branco onde já tinha chegado. A 25 léguas a sul descobre a ilha de Arguim que veio ter grande preponderância no intercâmbio comercial que se desenvolveu entre o continente e as terras que iam sendo trazidas à luz da civilização. O erudito Visconde de Santarém afirma que este descobrimento facilitou aos portugueses o meio de obter notícias e estabelecer relações com os Estados negros situados nas margens do Senegal e do Gãmbia. Era esta,  de resto, a grande preocupação do preclaro e esclarecido espíriÍo do Infante. O regresso de Nuno Tristão, que também havia explorado a ilha das Garças, perto de Arguim, tirou aos mais cépticos dúvidas quanto aos futuros lucros da empresa marítima pelo grande carregamento de cativos que chegaram a Portugal e que seriam novas almas cristãs.
As características, científica e religiosa, que envolveram de começo toda a obra henriquina vão sofrer a influência decisiva e dominadora dos interesses materiais. A exploração lucrativa logo desperta no espírito de alguns forte entusiasmo.
Neste mesmo ano, LANÇAROTE, oom a devida autorização de seu amo e senhor, organiza a primeira expedição de finalidade mercantil composta de seis navios, armados e equipados por particulares do porto de Lagos. Esta expedição não recebeu o encargo de ir mais além da última terra visitada, pois o seu fim era o resgate de peles, de óleo, e, principalmente, de cativos mouros, mercadoria que se antolhava de bons lucros materiais aos olhos profanos, de maiores lucros espirituais aos olhos dos crentes. A iniciativa de Lançarote, que regressou ao reino com mais de duas centenas de cativos, futuros escravos e novas almas cristãs, teve retumbante êxito, levantou os ânimos e acicatou ainda mais a curiosidade de D. Henrique que obtinha mais e melhores conhecimentos por intermédio da mercadoria humana que vinha chegando a Portugal em quantidade apreciável e em ritmo sempre crescente. Da importância desta expedição e da sua repercussão, embora João de Barros só lhe tenha dedicado algumas linhas, falam contudo as numerosas páginas da crónica de Zurara, onde minuciosa e desenvolvidamente se relata tão esforçado trabalho para a conquista das graças divinas, para aquisição dos bens materiais do mundo e para aprazimento do Infante.
☻ Nuno Tristão descobre as Ilhas de Gete (Arguim) e das Garças. Nos primeiros anos da década de 1440 as viagens de exploração sucederam-se depois de em 1441 o navegador Nuno Tristão ter explorado o Golfo de Arguim, assinalando a existência de ilhas. Existem relatos de viagens naquela região capitaneadas por Gonçalo de Sintra (1442), Dinis Dias (1442) e Nuno Tristão (1443). Fazendo fé em Valentim Fernandes, a ilha de Arguim foi descoberta por Gonçalo de Sintra em 1445.
☻ A ilha de Arguim fica situada a cerca de 80 km a sueste do Cabo Branco, no extremo nordeste do Golfo de Arguim. A ilha tem 6 km de comprido por 4 de largura máxima e uma altitude que não ultrapassa os 15 m acima do nível médio do mar. A ilha é rodeada de bancos de areia e recifes, já que todo o Golfo constitui uma zona de baixa profundidade com fundos de apenas 5 m na baixa-mar a cerca de 60 km da costa. A amplitude da maré é pequena, sendo de apenas 2 m nas marés vivas e de só 0,6 m nas marés mortas. A ilha é rodeada por zonas pantanosas, algumas contendo alguns restos de mangais e extensos prados de gramíneas marinhas do género Zostera. Como as restantes ilhas do Arquipélago do Golfo de Arguim, a ilha de Arguim é coberta por dunas de areia rodeando zonas de afloramento rochoso, sendo na sua maior parte inteiramente despida de vegetação.



☻ «O senhor Infante D. Henrique fez nesta ilha de Arguim um contrato por dez anos, deste modo; que ninguém pudesse entrar no golfo para traficar com os Árabes, salvo aqueles que entrassem no contracto, o qual tem uma feitoria na dita ilha, e Feitores, que compram e vendem àqueles Árabes, que vêm à marinha; dando-lhes diversas mercadorias, como são panos tecidos, prata e alquiceis, que são uma espécie de túnicas, tapetes e sobretudo trigo, do qual estão sempre famintos, e recebem em troca Negros, que os ditos alarves trazem da Negraria, e ouro Tiber. De modo que este Senhor Infante faz actualmente trabalhar em uma fortaleza na dita ilha, para conservar este comércio para sempre; e por esta razão todos os anos vão e vêm caravelas de Portugal à Ilha de Arguim. Têm também estes Árabes muitos cavalos silvestres, com os quais traficam: e os conduzem às terras dos Negros, que lhes dão em troco escravos, e vendem os ditos cavalos por dez ou vinte cabeças de escravos cada um, segundo a sua qualidade. Igualmente compram sedas mouriscas, que se fabricam em Granada, e em Tunes de Barbaria; prata e muitas outras causas, e obtêm pelo seu resgate quantidade de Negros, e alguma soma de ouro. Estes escravos chegam à escala, e lugar do Hodem [Uadan], e daí se dividem; indo parte deles aos montes da Barca, donde chegam a Sicília, e alguns outros a Tunes, e depois se estendem por toda a costa da Barbaria; finalmente a outra porção é conduzida a este lugar de Arguim, e vendida aos Portugueses do contrato; de modo que cada ano se trazem para Portugal de setecentos a oitocentos escravos. Antes que se estabelecesse este contrato, costumavam as caravelas de Portugal vir ao golfo de Arguim armadas, umas vezes quatro, outras mais; e de noute desembarcavam, saíam sobre algumas aldeias de pescadores, e faziam correria pela terra; de modo que prendiam estes Árabes tanto machos corno fêmeas, e os traziam a vender em Portugal.»
CADAMOSTO, "Navegação Primeira" in GODINHO, VITOR MAGALHÃES. Documentos sobre a Expansão Portuguesa, vol. III, p. 125-126.
☻ As feitorias foram os entrepostos comerciais criados na Europa, os quais seriam especialmente utilizados fora do continente europeu. A prática de se construir feitorias teve início ainda durante a Idade Média, logo essas organizações típicas do povo europeu foram conquistando territórios. As grandes navegações que tiveram início ainda no fim da Idade Média influenciaram muito na utilização de feitorias pelo oceano Atlântico e o oceano Índico. O Feitor tinha as funções de reger o comércio e arbitrar a comunidade de mercadores, assim como exercer a função de capataz dos escravos de sua feitoria. As feitorias eram espalhadas por terras litorâneas por onde passavam os navegadores. Por terem-se lançado  pioneiramente ao mar, os portugueses são quem recebem as principais identificações com as feitorias. Estas funcionavam como mercado, armazém, alfândega e defesa e ponto de apoio à navegação e exploração nos entrepostos estabelecidos. Em muitas ocasiões, essas mesmas feitorias, serviam ainda como sede do governo das comunidades do local. Graças às feitorias foi possível que Portugal estabelecesse seu domínio comercial no Atlântico e no Índico, tal recurso permitia que o Império se expandisse mesmo utilizando-se de poucos recursos humanos e territoriais. As feitorias foram impulsionadas por variados fatores, como: ouro, na costa da Guiné; especiarias, no Índico; escravos, na América; açúcar, malagueta, cairo, madeira e cavalos, em Goa; cereais e penas de aves exóticas, na Indonésia; pedras preciosas, sedas e porcelana, no Oriente.
1443/01/09
«1443 - 9 de Janeiro, Bula Et si suscepta cura regiminis de Eugénio IV ao infante D. Henrique concedendo-lhe, na qualidade de Administrador da Ordem de Cristo, e aos Mestres que lhe sucederem, receber e aceitar, ter e possuir quaisquer bens móveis ou de raiz que quaisquer pessoas fizerem doação a Ordem de Cristo, ou ela por justo título possa adquirir; bens que usufruiriam dos mesmos privilégios daqueles anteriormente possuídos; podendo ter ilhas no mar oceano, algumas das quais quanto ao domínio tem poral pertenciam já à Ordem, e adquirir por quaisquer meios lícitos outras ilhas, ainda que não fossem povoadas; naquelas em que não houvesse Bispo, ou o houve há tanto tempo que não há memória dos homens que o houvesse, o domínio espiritual deveria ser exercido por Bispos designados pelos Mestres da Ordem (10).
(10) - Doc. em Lívro das escrituras da Ordem de Cristo, cod. n.º 235 do cartório da Ordem de Cristo, fl. 8-8 v.º , Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. Idem - ibidem, vl. I, doc. n.º 325, p. 412-413.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1443/10/22
«1443 - 22 de Outubro, privilégio, concedido por D. Afonso V ao infante D. Henrique, do monopólio da navegação e comércio para o Sul do cabo de Bojador, ninguém podendo ir a essa zona sem seu mandado ou licença, incorrendo na pena da perda - em favor do infante - dos navios e respectivas cargas; ficando isentos do pagamento, ao erário real, do quinto ou dízima os produtos de lá trazidos pelo Infante ou por emissários seus, ou por outrem autorizado pelo Infante, a quem, por virtude da autorização concedida, deveria pagar o direito do quinto ou dízima do que de lá trouxesse (11). (11 ) - Doc. em: Chancelaria de D. Afonso V, l.º 24, fl. 61, 4.º dipl.; Místicos, l.º 3, fl. 278 v.0 2.ª col.; ambos no Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. idem - Ibidem, vl. I , doc. n.º 339, p . 435-436. De 22 de Outubro de 1443 a 26 de Dezembro de 1457 – época em que o infante D. Henrique deteve o exclusivo da navegação e comércio na zona ao Sul do Cabo do Bojador - D. Afonso V teria de conseguir mandado ou licença do Infante, seu sobrinho, antes de enviar os navios (sob pena de serem apreendidos e confiscadas as cargas), no caso do objectivo da viagem visar a realização de comércio, logo que os navios regressassem a Portugal, D. Afonso V deveria mandar pagar, aos oficiais da Fazenda do infante D. Henrique, o quinto ou dízima dos produtos resgatados;»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
☻ Por carta de 22 de Outubro de 1443, o Regente Infante D. Pedro, em nome do rei D. Afonso V com onze anos de idade, informa todos de que, relativamente aos Descobrimentos, "(...) e da grande despesa que o Infante D. Henrique, meu muito prezado e amado tio, tem feito e entende fazer, defendemos que em vida do dito meu tio ninguém passe além do dito Cabo Bojador sem seu mandato e licença e os que passarem nos apraz que percam para o dito Infante, meu tio, o navio ou navios em que assim lá forem e tudo o que nele(s) encontrarem". Em 1446, aos catorze anos, D. Afonso (V) já pode assumir legalmente o cargo de rei, mas julga ainda necessitar das orientações do Infante D. Pedro e só em 1447, D. Afonso V é rei em toda a plenitude.
Com efeito, nos primeiros diplomas régios da época dos descobrimentos, como por exemplo a carta de privilégio concedida ao Infante D. Henrique por D. Pedro, em nome do seu sobrinho D. Afonso V,  com a data de 22 de Outubro de 1443, não se utiliza o termo “descobrimento” mas sim expressões como estas: “[...] a mandar seus naujos a saber parte da terra que era alem do cabo de bojador por que atee Entã nõ auja njngem na cristandade que dello soubese parte2 nem sabiam se avia la poboraçã [...]”.3
3 “Privilégio (Carta de) ao Infante D. Henrique, em virtude do qual ninguém poderia passar além do cabo de Bojador sem seu mandado ou licença, [...]”, nº 339, de 22 de Outubro de 1443, transcrita por MARQUES, João Martins da Silva (Documentos para a sua História publicados e prefaciados por) – “Descobrimentos Portugueses”. Vol. I (1147-1460). Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1988, p. 435.
1444
«Coube aos portugueses o papel pouco honroso de terem iniciado o tráfico de escravos no Atlântico, uma vez que o avanço das caravelas lhes tinha permitido encontrar uma alternativa às tradicionais rotas transarianas. E durante cerca de 180 anos, entre 1444 (chegada a Portugal do primeiro grande contingente de escravos) e 1621 (fundação da Companhia Holandesa das Índias Ocidemais), praticamente detiveram o exclusivo desse comércio. Ainda assim, um exclusivo relativo: quase desde o início, espanhois (sobretudo das Canárias), franceses e ingleses desafiavam as restrições do mare clausum formuladas no Tratado de Tordesilhas e apareciam a negociar no litoral africano. Além disso, se a imensa maioria dos navios e dos traficantes era portuguesa, muitos dos capitães pertenciam a italianos e flamengos.
Os primeiros dois séculos são ainda, em volume e em estrutura, uma pequena amostra do tipo de tráfico que virá a seguir, embora cerca de três mil escravizados sejam vendidos em cada ano
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg.29
Diniz Fernandes descobrio o cabo, que forma o ponto mais occidental de Africa, denominado pelos antigos geógrafos gregos «hesperion keras (occidentale cornu)» e arrumado pelos antigos navegadores portuguezes em pouco mais de 14° septemtr. (hoje em 14° 48').
A este cabo derão o nome de Cabo-verde, pelo aspecto, que mostrava, todo coberto de verdura: e parece que era ornado, na sua maior elevação, da grande arvore baobab, a que alguns naturalistas chamão colosso do reino vegetal: a qual extendendo ao largo seus grandes ramos, desce com as folhas até á superfície da terra, e a cobre de verdura mui agradável. O seu tronco cavernoso serve talvez de sala de assemblêa a huma povoação inteira.
Os nossos escriptores varião sobre a época deste descobrimento entre os annos 1440 e 1446. Nós adoptamos os annos de 1443 ou 1444, porque Cadamosto diz que o cabo fora descoberto por Portuguezes hum anno antes da sua primeira viagem, e como esta foi em 1445, vem o descobrimento do Cabo-verde a cahir em algum dos ditos dous annos, conforme o maior, ou menor rigor, em que tomarmos as palavras de Cadamosto.
(Cordeiro, na Hist. Insulan. assigna o anno de 1443) Vej. o liv. 2. cap. 8. pag. 57. e liv. 6. cap. 1. pag. 241, aonde diz que as ilhas de Cabo-verde forão descobertas em 1443, e muito mais em 1445.»
Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.27-28
«Em 1444 - Fez-se ao mar uma frota sob o comando de Antão Gonçalves, Gomes Pires e Diogo Afonso, sendo um dos navios enviado pelo Regente D. Pedro, levando a bordo intérpretes árabes com missão especial de entabular relações comerciais com os habitantes da costa.
Nesta expedição ia um antigo escudeiro, João Fernandes, que conhecia a língua árabe por ter estado cativo dos mouros em Marrocos. João Fernandes dispunha-se a desembarcar no Rio do Ouro e demorar-se alguns meses entre os indígenas com o fim de entabular relações de amizade e colher mais informações desejadas pelo Infante.
Antão Gonçalves esteve alguns dias no Rio do Ouro, mas não tendo obtido resultados apreciáveis nas suas negociações com os mouros desconfiados, regressou ao reino, deixando em terra o escudeiro Fernandes e trazendo a bordo um indígena que expontâneamente se ofereceu para isso.
Nêsse mesmo ano, Nuno Tristão fez a sua terceira viagem numa caravela, indo directamente até às ilhas de Arguim. Encontraram-nas abandonadas pelos indígenas, que assim fugiam às perseguições dos portugueses. Resolveram, por isso, continuar á exploração ao longo da costa e «passaram aquela terra e «viram outra mui desassemelhada desta primeira, porque esta era areosa e maninha, desacompanhada de arvores, como cousa em que faleciam aguas, e a outra viram acompanhada de muitas palmeiras e outras arvores verdes e formosas.» (Azurara).
Visconde de Santarém conclue que Nuno Tristão teria alcançado nesta sua viagem o ponto designado com o nome de Palmar, mas as vagas indicações da Chronica· não permitem fazer uma idea segura sôbre o local atingido, supondo alguns que teria chegado até às proximidades do Cabo Verde. Certo é que Nuno Tristão foi, como diz Azurara, o primeiro que chegou à terra dos pretos, quere dizer, ao sul do rio de Senegal.
Os marinheiros portugueses diferenciaram desde logo as duas zonas da costa africana separadas por êste rio. Ao Norte, a vasta região compreendida na zona do deserto de Sahará, habitada por homens «de côr avermelhada», de feições menos grosseiras, conhecidos pela designação de azenegues ou cenégios, convertidos à religião de Mahomet, mas falando uma língua própria (dialecto de berbere) embora houvesse entre eles alguns que conheciam o árabe. A segunda zona, situada ao Sul do rio Senegal, que se contrastava da primeira pela sua notável vegetação, era habitada por povos de côr negra e feições rudes, mais corpulentos e aguerridos, fetichistas e selvagens -  país dos jalofos e doutras tríbus negras, onde se localizava a terra de Guiné, propriamente dita (a).
(a)A palavra Guiné deriva do nome de uma povoação indígena fundada por volta do ano 1040, nas margens do alto Niger, aproximadamente a 14 graus de latitude norte.
«GELOFO: Sam estes primeyros negros da costa da Guiné, cuja província hé grande e se estende sobre o mar Oceano Occidental; e jaz entre os dous grandes rios, Sanagá e Gambea, dos quaes falamos em seus lugares. Desta província falla o poeta C. 5. est. 10. dizendo:
Por aqui rodeando a larga parte
De Africa, que ficava no Oriente,
A província Gelofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente
MICROLOGIA CAMONIANA, JOÃO FRANCO BARRETO, IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, BIBLIOTECA NACIONAL, LISBOA, 1982, pg. 163
«A qual diligencia lhe refpondeo com o premio , que elle defeja• va ' porque veio faber per elles nao fomente das terras dos Alarves , que sao vizinhos aos dcfertos de Africa , · a que ellcs chamam Çahará , mas ainda das que habitam os póvos Azenegues , que confinam com os negros de Jalof, onde fe começa a região de Guiné , a que os mefmos Mouros chamam Guinauhá , dos quaes recebemos etTe nome.», João de Barros, DECADA I. Lrv. r. CAP. II. p. 19, , Lisboa, 25 de Fevereiro de 1778,  Nicoláo Pagliarini, Director geral da Regia Officina Typographica
Pela sua situação geográfica tornou-se um ponto de passagem concorrido das caravanas que faziam o comércio do Sudão e da África Meridional com os mandingas e árabes do Norte. Conquistou por êste facto certa prosperidade e fama. O seu renome propagou-se, por intermédio dos mercadores árabes, para o Norte da África e dali para os países europeus, muito embora a sua importância comercial e política não fôsse de molde a justificar a reputação que chegou a adquirir.
Tem-se escrito sob várias formas o nome desta aldeia: Genna, Ghenea, Ginea, Jenni, Qenni, Jinne, Djienné, Djenné, etc. É fácil de ver que todos êstes nomes não são mais que tentativas de adaptação da pronúncia indígena à grafia e fonética das línguas europeias.
Em Portugal o vocábulo sofreu pequenas alterações. Na primeira edição da Chonica do Descobrimento e Conquista de Guirré, de Azurara, feita em 1841 por cópia fiel do original existente em Paris, encontramos umas vezes a forma Guinee, com duplo e final, e outras vezes, Guinea e Guynea - v. g. mandar buscar terras de Guynea.
Na Ásia de João de Barros lêmos: «...região de üuiné, a que os mesmos mouros chamam Guinauhá, dos quais recebemos esse nome» (Decada I, livro I, Capítulo II da edição de 1778).
No Esmeralda De Situ Orbis, de Duarte Pacheco, encontramos períodos como êste: «...e esta Ethiópia corre e se estende per costa do «dito rio de Çanaguá ate e o cabo de Boa Esperança...e do dito rio atee este cabo sam 1340 leguoas; a qual por outro nome Guinee chamamos…» (Capítulo XXVII do livro I).
Nos primeiros anos dos descobrimentos portugueses a designação de Guiné compreendia tôda a região situada ao Sul do Cabo Bojador; mas depois da descoberta do rio de Senegal e confirmadas as distinções geográficas e étnicas marcadas por êste rio entre os azenegues e os negros, o vocábulo Guiné serviu para designar especialmente a costa situada ao Sul do rio, como acabamos de ver pelo período acima transcrito do Esmeraldo.
Veio depois a descoberta da Costa da Mina, que pelas suas vantagens comerciais relegou a um plano secundário a zona de Senegambia. Foi então que os reis de Portugal acrescentaram o título de Senhores de Guiné, passando a estabelecer-se uma vaga distinção entre a Guiné superior e inferior. Com o tempo cada uma das zonas costeiras foi adquirindo a sua autonomia geográfica e administrativa, perdendo-se a pouco e pouco o sentido do vocábulo Guiné, até que chegámos à situação presente com o Golfo de Guiné na zona equatorial e as colónias de Guiné Portuguesa e Francesa situadas mais ao Norte.
Em resumo, a palavra Guiné não chegou a ter um valor geográfico rigorosamente definido. Em Portugal atribuiu-se ao termo quási sempre o género feminino, mas também por vezes encontra-se a palavra Guiné com o género masculino. Assim André Álvares de Almada no seu Tratado Breve, fala no nosso Guiné e do Guiné. Também Azevedo Coelho na sua Descrição de Guiné, escrita em 1669, diz por exemplo: o melhor tabuado que ha em todo o Guiné.
Em geral o nome próprio Guiné foi empregado desde os primeiros tempos sem ser precedido do artigo definido. Assim o encontramos na Chronica de Azurara, muito embora o Sr. José de Bragança, na edição de 1937, tenha dado ao livro o título de Cronica... da Guiné. A fórmula - a Guiné -, com artigo, começou a ser empregada com mais freqüência no século XIX, e hoje está quási generalizada.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 24-26
☻ DINIS DIAS descobriu o cabo Cabo Verde (Dakar) e a Ilha da Palma (Goreia)
Descoberta do Cabo Verde
Diniz Dias, também conhecido na História pelo nome de Diniz Fernandes, antigo escudeiro do Rei D. João I, foi de Lisboa a Sagres oferecer os seus serviços ao Infante, que lhe entregou uma caravela com o encargo de ir expressamente à terra dos guinéus.
Com efeito, Dinís Dias passou a terra dos mouros e chegou ao país dos pretos. Passou além do rio Senegal e num local, cuja situação não pode precisar-se por falta de indicações na Cnica, aprisionou quatro pretos, os únicos que conseguiu prender.
Continuou, porém, a viagem e dobrou um importante cabo, a que pôs o nome de Cabo Verde por causa da côr que lhe emprestava a sua abundante vegetação.
Desembarcaram numa ilha próxima do cabo «onde acharam muitas cabras e aves de que houveram grande resfresco» (parece tratar-se da ilha de Bezeguiche, hoje, ilha de Gorêa). Dali regressaram directamente a Portugal. «E pero que a presa não fosse tamanha como as outras que antes vieram, o Infante a teve por mui grande, por ser daquela terra, e assim fez por ela a Dinis Dias e a seus companheiros, grandes mercês (Azurara, cap. XXXI).
Embora quási todos os historiadores coloquem a descoberta do Cabo Verde no ano 1445, sobretudo de acôrdo com a indicação de João de Barros, há quem deduza da leitura da Crónica de Guiné que o facto se teria passado no ano de 1444 (a). Esta última hipótese harmoniza-se melhor com os factos e as datas indicadas por Azurara nos capítulos seguintes da sua obra.
Quanto ao testemunho de João de Barros, convem recordar que o seu livro Asia foi escrito cem anos depois, em 1552, e na parte relativa à Guiné foi baseado na leitura e interpretação da narrativa deixada por Azurara. São por isso aceitáveis certos reparos sôbre o rigor da sua informação em relação a êste facto.
(a)Armando Cortesão; no Boletim da Agência Geral das Colónias n.º 76,. de I93I.» João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 26-27
1444 - Chegada a Lagos (Portugal) do primeiro grande contingente de escravos negros. Início da «fase moderna» do tráfico europeu de escravos africanos.
☻ Vendo os moradores de Lagos a prosperidade que começava a ter o Commercio marítimo, por meio destes descobrimentos, que ja produzião quantidade de ouro, e de escravos, e que todas as embarcações nelles empregadas vinhão descarregar áquella Cidade, pella habitual assistência  do Infante D.Henriqueem Sagres, formárão, com sua licença, huma Companhia, que se obrigou a pagar-lhe o quinto de todos os generos, que exportasse daque!les Paizes: e em consequencia armou seis Caravelas de que o Infante deo o commando geral a LANÇAROTE, que fôra seu Moço de Camara, e a quem dera o Almoxarifado de Lagos; e os outros Commandantes erão GIL ANNES, que primeiro dobraram o Cabo Bojador, ESTEVÃO ALFONSO, RODRIGO ALVARES, JOAO DIAS e outro (1).
Chegou a Esquadra á Ilha das Garças, onde matou muitas, e querendo assaltar a Ilha de Nar (huma das de Arguim), por tevarem informações de que poderião alli fazer boa presa nos naturaes do Paiz, resoveo-se em conselho mandar primeiro espiar a Ilha, e cerca-la depois com as lanchas, para lhes cortar a retirada para o Continente; e em consequência deste acordo, partirão de noite MARTIM VICENTE, e GIL VASQUES, cada um em sua lancha com quatorze soldados, e alguns marinheiros, mas as correntes, que por alli são mui fortes, e variaveis, os detiverão de modo, que rompia o Sol quando chegárâo á Ilha; e como se achavão defronte de huma Aldea, d'onde julgavão ter ja sido descobertos, determinárão-se a desembarcar logo, por não perderem tempo em dar aviso ás Caravelas; e pondo em pratica este acertado projecto, cativárão sem resistência cento e cincoenta e cinco pessoas.
Estes cativos derão notlcia de que na Ilha de Tider, que ficava próxima, havia também gente, porém indo la o Commandante Lançarote com todas as Lanchas, a achou ja despejada, e quasi o mesmo Ihe aconteceo em outras, de maneira, que tanto nestas llhas, como em algumas entradas que fez pela terra dentro, apenas tomou mais quarenta e cinco indivíduos; e voltando para Portugal, por lhe faltarem viveres para tanta gente, colheo ainda quinze pescadores em Cabo Branco, e foi recebido do Infante com tantas honras, que pela sua propria mâo o armou Cavalleiro, e fez outras mercês a elle, e aos outros Commandantes, e pessoas mais notaveis.
(1)               Vede Barros, Decada 1., Lº 1., Cp.º 8.- Soares da Silva, Memorias etc., Tomo 1., Cap.º 84 - Faria, tomo I, Parte I e tomo 3 no fim. - Chronica do Principe D. João, Cap.º 8, onde põe esta Viagem no anno de 1443 - Galvão, pag. 23
☻ Neste mesmo anno de 1444 (1) DINIZ FERNANDES, homem valoroso, que fôra Escudeiro d’ElRei D. João I, e vivia em Lisboa abastado de bens, querendo agradecer ao Infante algumas mercês que lhe fizera, armou á sua custa hum navio com determinação de passar alem dos ultimos descobrimentos, e assim o fez; porque chegando ao Rio Senegal, não quis ter alli demora, e seguindo para o Sul, avistou algumas Almadias de pescadores, ás qaues se dirigiu logo na sua lancha, que levava atoada por popa, e alcançando huma, a tomou com quatro Negros Jalofos, que forão os primeiros colhidos na sua propria terra, que vierão a Portugal.
Daqui continuou a sua derrota examinando a Costa, sem perder tempo em desembarcar, até que chegou a hum grande Cabo, que se avançava muito para Oeste, já conhecido dos antigos pelo nome de Aesinarium Promontorium, a que chamou Cabo Verde (2), pelo frondoso arvoredo, que o cobria; e vendo que a terra, alem delle, se encurvava muito para Leste, formando como huma peninsula, e que o vento lhe ficava ponteiro para continuar o seu reconhecimento, ancorou em huma Ilhota proxima do Cabo, onde matou muitas Cabras, que lhe servírão de refresco, e deixando nella arvorada huma Cruz de páo, regressou a Portugal, onde foi recchido pelo Infante com aquellas honras e mercês, que elle costumava fazer aos que tão bem o servião.
(1)               Barros (Decada I, Lº1, Capº9) põe esta descoberta em 1446 – O Padre Cordeiro (Lº2, Capº3) dá as Ilhas de Cabo Verde descobertas em 1445; e he bem sabido, que o Cabo foi descoberto antes –Galvão (pag.24) diz, que o Cabo se descpbrio em 1446. O Anno Historico (tomo2, pag.2) diz, que em 1445 – Faria, e Soares da Silva (nos lugares acima citados), dizem, que foi descoberto em 1446 – Damião de Goes (Cap.3) segue aqui a opinião de Cadamosto, e supõe a descoberta em 1443 – Eu ponho o descobrimento em 1444, porque em 1445 foi a sua primeira viagem, e elle o dá por descoberto no anno antecedente.
(2)               He o ponto mais Occidental da Africa, e he formado por huma peninsula, que sahe do Continente para Oeste mais de cinco léguas, sendo a sua menor largura de seiscentas toezas. Da parte do N.E. tem dous montinhos, que chamam as Mamas, e servem de reconhecimento aos Navegantes. Segundo alguns Sabios, que modernamente examinárão aquelle terreno, estes dous montinhos são restos de hum antigo Volcão. Do extremo Occidental do Cabo se estende uma perigosa restinga de pedras, que entra muito pelo mar. A ponta do Norte do Cabo chama-se Ponta da Almadia; e Cabo Manoel a sua ponta mais do Sul. Entre estas duas pontas estão três pequenas Ilhas, chamadas da Magdalena, ou dos Passaros. Em huma dellas desembarcou Diniz Fernandes, se he certo, que o fez em huma Ilhota que está pegada ao Cabo, como diz Barros; mas eu persuado-me, que elle desembarcou na Ilha Gorea, que tem abrigo, e fica só distante delle cousa de duas léguas.
☻ O entusiasmo continua e a vontade indómita do Infante persiste na orientação desta obra que vai tomando foros de gigantesca.
Por isso, em 1444, NUNO TRISTÃO, a quem já se devia a passagem do Cabo Branco e a descoberta do arquipélago de Arguim, volta, pela terceira vez, a visitar a costa africana e atinge a Ponta Palmar. Tinha-se alcançado terra nova e de outras gentes. Neste mesmo ano ainda se passa o rio Senegal, o Cabo Verde é atingido por DINIZ DIAS, embora João de Barros chame DINIZ FERNAMDES. Estava-se em terras de jalofos,de características étnicas diferentes das dos azenegues, os únicos povos até então conhecidos.
NUNO TRISTÃO chegou ao Senegal. A angra onde está a ilha de de Bezeguiche, ou ilha da Palma, atual baía de Dakar, é limitada a norte pela península de Cabo Verde. Foi descoberta pelo navegador português DINIS DIAS em 1444. DIOGO GOMES aí manteve relações com um chefe local denominado Bezeguiche, do qual a angra tomou o nome. Dotada de bons fundeadouros, com vários locais dispondo de água (inclusive a ilha da Palma, atual Gorée), desde cedo os portugueses comerciaram na região com os nativos, habituando-se a ali procurar abrigo e a sepultar os seus mortos na ilha da Palma, onde ergueram uma capela em 1482.
☻ Mas de Bezeguiche diz DIOGO GOMES: «Pouco tempo depois o senhor infante mandou que as caravellas caminhassem mais alem, indo porém preparadas para paz e guerra. E descobriram um promontório formosíssimo, entrando ao mar, a que chamaram Cabo Verde. E n'este logár começa a linha equinoxial, porque dias e noites ahi sempre são iguaes no inverno como no verão, e aquellas gentes são na maior parte negros. E as caravellas indo alem de Cabo Verde, isto é, para o polo antárctico, descobriram terra deserta. E navegando ainda alem acharam uma grande praia, e chegaram a ella com os seus bateis. E logo saíram dos arvoredos innumeraveis gentes pretas: e o senhor d'aquelle gentio, por nome Besegichi, homem mau e traiçoeiro; e todos os seus visinhos o odiavam, porque era péssimo. E arremessou aos christãos setas envenenadas, e ficaram feridos alguns christãos que logo morreram do veneno. E assim enganou os christãos, dissimulando a malícia, mostrando  o rosto bom e risonho, para que se approximassem da terra. E approximando-se da praia mandou aos seus para que atirassem as setas aos christãos. E assim morreram muitos dos christãos. E não entrando na terra voltaram ao rio Cenega, onde acharam outras caravellas suas, e assim todos voltaram a Portugal
☻ Em 1444, DINIS DIAS descobriu o Cabo Verde e o Cabo dos Mastros que se situam no território da República do Senegal. Um pouco mais adiante, ao cabo que se lhes apresentou luxuriante de vegetação, chamaram entusiasmados Cabo Verde, nome que aproveitará depois ao arquipélago fronteiro, embora já com razões menos óbvias. Além da mudança de paisagem, outra novidade: a população passava a ser exclusivamente negra de cor de pele. Noutro passo, conta Zurara: «E esta gente desta terra verde é toda negra e por isso é chamada terra dos negros ou terra da Guiné por cujo azo os homens e mulheres dela são chamados Guinéus que quer dizer o mesmo que negros.» A palavra «Guiné» ganhava assim um sentido muito amplo, que se manterá durante séculos e iria aplicar-se a toda a extensão da costa africana desde o rio Senegal até ao cabo de Lopo Gonçalves. Por sua vez, do ponto de vista étnico-religioso, era também o rio Senegal que separava os berberes islamizados ou «mouros• dos negros «gentios». Estes anos marcam a chegada dos navegadores portugueses às vastas terras onde se integrava aquela que foi a futura Guiné Portuguesa.
☻ Em 1444, o português DINIS DIAS desembarcou no Cabo Verde, continuando as viagens, integradas nas orientações do Infante D. Henrique. Como vimos, o objectivo destas viagens era já, com grande probabilidade, descobrir novas rotas comerciais, um caminho marítimo que permitisse o acesso ao comércio das Índias, aos mercados das especiarias que à época vinham, por outras rotas, do Oriente para a Europa. Como ilustrámos anteriormente, parece-nos que esses interesses económicos justificam o primeiro impulso para esta grande aventura das viagens marítimas empreendidas pelos portugueses. Embora tudo pareça indicar que, à época, se adivinhava uma distância mais curta, e um acesso mais rápido a esses mercados.
☻ O início do tráfico português de escravos africanos, esse pode ser datado de 1444. Vale a pena, seguindo Zurara, contar as circunstâncias em que se estabeleceram as primeiras relações comerciais. Nesse ano ou no anterior, o escudeiro JOÃO FERNANDES, exemplo acabado de aventureiro, que já tinha estado prisioneiro dos muçulmanos em Marrocos e aí aprendera árabe, ofereceu-se para ficar sozinho na costa sariana e recolher informações entre as populações locais sobre os circuitos de comércio. Por lá ficou sete meses e parece não se ter dado mal com os azenegues, pois, no seu regresso, alguns vieram despedir-se dele, comovidos. À tripulação do navio que o recolheu, que se dedicava às habituais ações de pilhagem, passou a informação de que um chefe local, Ahude Maimon, estava interessado em comerciar escravos «guinéus» com os portugueses. Reunidas as mercadorias disponíveis a bordo, que não eram muitas, e garantida a segurança da operação mediante uma troca de reféns, uma delegação, encabeçada pelo próprio comandante da expedição, ANTÃO GONÇALVES, foi negociar com o chefe azenegue, que lhes vendeu, por bom preço, nove escravos negros. «No anno de 1444 se organizou, e estabeleceo com autoridade, e aprazimento do Infante a Companhia de Lagos, destinada a continuar os descobrimentos, e o commercio de Africa, debaixo da direcção do ilustre Príncipe, e com certas condições, que elle lhe prescreveo. Esta Companhia aprestou logo algumas caravelas, em que sahírão ao mar Lançarote, Gil Eannes, Estevão Affonço, Rodrigo Alvarez, João Dias, Martim Vicente, João Vasquez &c. os quaes descobrirão a ilha de Nar e de Tider e outras. (Barros: Faria e Souza: Vid. do Inf. D. Henr. fyc.)»

 Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.29

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