domingo, 6 de março de 2016

TRÁFICO DE ESCRAVOS 1442-1514



1442

«ANTÃO GONÇALVES depois de armado cavaleiro no posto dos Lobos marinhos voltando a Portugal trouxe alguns bárbaros que ali captivára, dos quaes o Infante não cessava de tirar novas informações sobre as costas, terras e gentes que por ali habitavão. Como estes Mouros promettessem dar alguns negros de Guiné, em seu resgate, cousa que o Infante muito dezejava, pelo que o vulgo fabulava daquellas terras, voltou o Gonsalves com elles a Africa neste anno de 1442. Os Mouros cumprirão a promessa, e derão em preço da sua liberdade algum ouro, e dez negros de differentes terras. Este (dizem os nossos escriptores) foi o primeiro ouro que veio daquellas parles, assim como os negros forão os primeiros escravos, que da Costa occidental de Africa vierão a Portugal»  Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.25

«Em 1442 - Entre os prisioneiros trazidos por Antão Gonçalves, encontrava-se um velho de nome Adahu, que vendo-se posto em cativeiro, no qual como quer que fosse docemente tratrado, desejava ser livre; pelo que muitas vezes requeria a Antão Gllz que o levasse à sua terra, onde lhe afirmava que daria «por si 5 ou 6 mouros negros».
Mais dois prisioneiros azenegues faziam análogas propostas, e por isso Antão Gonçalves pediu licença ao Infante para voltar ao Rio do Ouro fazer a permuta nas condições propostas, «pois melhor era salvar 10 almas do que três, que pero negros fossem assim tinham almas como os outros.»
Concordou D. Henrique com o oferecimento, encarregando ao mesmo tempo o moço e diligente cavaleiro de trazer novas não somente daquelas terras, mas ainda das Indias e da terra de Prestes João, se ser pudesse.
Tendo chegado ao Rio do Ouro, Antão Gonçalves desembarcou o velho Adehu, que não tornou a aparecer, esquecendo-se das promessas feitas em Portugal. Mas, como se encontravam a bordo os outros dois prisioneiros, vieram as suas famílias com 10 escravos de raça negra e uma porção de ouro em pó, com o que obtiveram a sua libertação, ou resgate.
Esta transacção realizada por Antão Gonçalves, em 1442, é apontada por alguns autores, embora erradamente, como o primeiro acto do comércio de escravos, que mais tarde viria a tomar uma importância considerável na história da África e Arnérica.
«AZENEGUES: Povos, que confinam com os negros de Jalof, aonde se começa a regiam de Guiné, a que os Muoros chamam Guinauha. Terra muyto ifalta de agua, e aonde se vive com tanta meseria que nem ervas tem para comer, como o poeta diz C. 5. est. 6
Deyxamos de Massilia a esteril costa
Onde seu gado os Azenegues pastam:
Gente, que as frescas aguas nunca gosta,
Nem as ervas do campo bem lhe abastam:
A terra a nenhuiD; fruyto em fim disposta,
Onde as aves no ventre o ferro gastam,
Padecendo de tudo extrema inopia ec."
Pala qual rasam vivem pelos campos, como animaes brutos e agrestes. Entre elles se criam as emas, aves grandíssimas, e na opinião de alguns tamanhas como cavallos, ou como diz Plínio, lib. 10. cap. I. excedem na altura a um ornem a cavallo, e o vencem na ligeyreza em correr, que para isto lhe servem as penas, nam para voar, perque se nam levantam do cham pala qual razam Eucherio as compara aos hereges, que parecendo ter penas de Sabidoria, nam podem voar) seus ovos, vemos em as cordas das alampadas: comem ferro) como o poeta diz em o lugar citado, e eu experimentey já: e de suas penas se fazem os penachos, se I 62 I bem as  cores sam artificiaes, perque as naturaes sam brancas, com algumas manchas de pardo.»
MICROLOGIA CAMONIANA, JOÃO FRANCO BARRETO, IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, BIBLIOTECA NACIONAL, LISBOA, 1982, pg. 128
Diz João de Barros que à região foi posto o nome de Rio do Ouro, em virtude desta primeira porção de ouro indígena ali adquirido. A mesma designação já era usada entre os mouros e aparece nos escritos anteriores àquela data, aplicada vagamente ao rio de Senegal.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 20-21
- D. Affonso V o Africano, pelos annos de 1442, vindo os primeiros negros trazidos de Guiné a Portugal, por Antonio Gonçalves, creado do sr. Infante Henrique, duque de Vizeu, e pelos anos de 1448 os primeiros dentes de elephante da costa do S. de Cabo Verde, ordenou este monarcba a Alvaro de Sousa, senhor de Miranda, seu mordomo mór, que a todos os actos públicos da côrte assistisse à direita do soberano com um bastão ou bengala de marfim tendo por bastão uma cabeça de negro como para indicar o novo dominio da coroa portugueza n'aquella parte do mundo.
- Enviou outra vez o Infante a Antão Gonçalves para ir ao Porto do Cavalleiro, levando a bordo alguns Mouros, que dalli trouxera, os quaes diziam ser bem aparentados, e queriam resgatar-se por Negros escravos, que não faltavam naquelle Paiz. Aproveitou-se desta ocasião um Fidalgo Alemão, de nome Balthesar, Gentil-Homem da Camara do Imperador Friderico III, que viera com cartas suas ao Infante, para que o enviasse a Ceuta, a fim de ser armado Cavalleiro; e pedio-lhe licença, que obteve,  para fazer viagem com Antão Gonçalves, porque já neste tempo dava tão grande brado pela Europa e fama dos descobrimentos dos Portuguezes, que os fazia contemplar como superiores aos outros Povos; e os homens de genio audaz, e aventureiros desejavam participar com eles da gloria destas empresas, avaliadas então por muitos superiores aos dos antigos.
Partindo Antâo Gonçalvespara o seu destino, soffreo huma tempestade, que o forçou a arribar a Portugal; e foi ella tão furiosa, que Balthasar, indo com desejos de ver huma, se deo por satisfeito com esta, e só lhe restava pisar a terra Africana para saciar a sua nobre ambição.
Reparado o navio, volveo Antão Gonçalves á sua derrorata, e com tempo favorável ancorou no Porto, que buscava, onde a troco dos Mouros, que levou, recebeo dez Negros de diferentes terras, sendo alguns de Guiné, e consideravel quantidade de ouro em pó, o primeiro que veio a Portugal, bem como os Negros. Daqui ficou áquele Porto o nome de Rio do Ouro, pelo qual é conhecido em todas as Cartas (1). Cumprida assim a ua comissão, regressou Antão Gonçalves a Portugal, trazendo muitos ovos de Ema, e outras raridades, que o Infante estimou sobremaneira.
(1)               Este Rio, ou antes braço de mar, entra pela terra dentro cousa de outo léguas, e he cheio de baixos, com alguns ilhotes. A sua ponta do Norte fica perto de quarenta milhas ao Sul da Angra dos Cavallos. A roda della há um recife de pedra, como observou o Capitão Glass, Inglez em 1760.
1442/04/17
17 de Abril de 1442 - Salvo-conduto, passado pelo regente D. Pedro a FRANCESCO USODIMARE, mercador genovês residente em Lisboa, para ele e para as mercadorias que trouxer ao país ou levar para fora, desde que pague a el-rei os direitos respectivos.
In . Monumenta Henricina, 7º vol., 1965, pp. 303-304. ANTT., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 23, fl. 89. SILVA MARQUES, Descobrimentos Portugueses, vol. 1, p. 415.
Seria irmão de ANTONIETO USODIMARE, companheiro de Noli e Cadamosto.
1443
«Nuno Tristão, a quem ha pouco deixámos no Cabo-branco, proseguindo as suas explorações, descobrio a ilha de Adeger, e a das Garças (no golfo de Arguim) á segunda das quaes deo o nome das muitas aves assim chamadas, que ali achou.
Depois voltou a Portugal, trazendo mais de quarenta negros captivos, que cá se estimarão muito (diz hum antigo escriptor portuguez) por sua estranha figura.»
Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841. pg.26
«Em 1443 - «E no ano de Cristo de mil quatrocentos e quarenta e tres, fez o Infante armar outra caravela, na qual rnandou aquele nobre cavaleiro Nuno Tristão, com outras algumas gentes de sua casa; e seguindo sua viagem chegaram ao Cabo Branco. E querendo seguir mais avante, passado o dito cabo quanto podia ser XXV leguas, viram uma ilha pequena, cujo nome ao diante souberam que havia nome a de Gete.» (Crónica de Guiné, cap. XVII). Tratava-se da ilha de Arguim, conhecida entre os árabes pelo nome de Ghir, do qual parece terem derivado os vocábulos Gete, Deget, Adejer, Adeject, Ergim, Erguim e Arguim. Próximo desta ilha notaram uma outra, a que deram o nome de ilha das Garças, por causa do grande número destas aves que ali existiam, e aprisionaram nelas 15 azenegues, com que regressaram a Portugal.
 «As conveniencias, que de prefente se vaõ, e muito mais as que se esperavaõ com a amoftra do ouro de Guiné levantava os animos abatidos com as fintas, e tributos, em que entao se gemia, frutos tirados das expedições de Ceuta e Tangere; e já o povo naõ chamava ao Infante, fenaõ o redemptor de feus naturaes, abrindo-lhe hum novo caminho, em que fem oppreffaõ podeffem refarcir com o commercio fuas antigas perdas; e caminho aberto à cufta de tantas defpezas, fem fe dever ao publico a contribuiçaõ do minimo fubfidio. A cubiça excitou a muitos, lifonjeados das boas noticias, e muito mais das cargas, que traziaõ os navios. Para eftabelecerem com mais fegurança fua fortuna, uniraõ·fe alguns como em companhia, e pediraõ licença ao Infante para armarem embarcações à fua cufta, e hirem defcobrir mais a Cofta de Guiné, pagando-lhe hum tanto, de tudo o que lhes rendeffe fua induftria. Os primeiros a proporem effe negocio foraõ os moradores de Lagos, Villa onde entaõ defcarregavaõ os navios deffes defcobrimentos, por habitar o Infante na de Terça Nabal, que (como deixamos efcrito) havia fundado para os bons progreffos de taes expedições.»
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, L I S BOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg. 222-223
O êxito das últimas viagens e a pouca combatividade dos indígenas até ali conhecidos, levaram o almoxarife da vila de Lagos, Lançarote, a apresentar ao Infante a proposta para uma expedição particular, que, sem desprezar os beneficios materiais dos armadores, procuraria também auxiliá-lo na descoberta de novas terras.
Obtida a competente autorização, a frota de Lançarote, composta de seis navios, em que embarcaram também como capitãis Gil Eanes, Estevão Afonso, Rodrigo Alvares, João Dias e João Bernaldez, seguiu directamente para o pôrto de Arguim.
Passaram a explorar as ilhas próximas e numa delas, chamada Naar, desembarcaram 30 homens., que aprisionaram 165 indígenas, contando mulheres e crianças.
«O effeito approvou a oufadia por que forao tao afortunados, que quando os Mouros a brados avifavaõ huns a ou·tros dos novos hofpedes, já eftavaõ cativos cento e cincoenta e cinco, e feguros nos bateis. Paffara a mais o numero; mas muitos tiveraõ por mais fuave a morte, que o cativeiro, e inveftindo aos aggreffores, moftraraõ valor na refiftencia; porém naõ poderaõ jactarfe delle com os feus, porque em fim cederaõ aos golpes repetidos, perdendo com gofto as vidas, onde feus companheiros perdiaõ a liberdade. Soberbos os noffos, como fe as prezas foffem defpojos de huma cançada victoria, remaraõ para os navios, onde a briofa trifteza dos que naõ se haviaõ achado no honrado feito lhes augmentou a vaidade
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, L I S BOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg.226-227
É provàvelmente a esta operação que se refere Diogo Gomes na sua Relação do Descobrimento da Guiné, quando declara: «E eu Diogo Gomes, almoxarife da Sintria, sosinho, apoderei-me de 22 pessoas, que estavam escondidas e as trouxe ante mim, sosinho, como se fossem rezes, por meia légua até os navios.»
Dali dirigiram-se à ilha de Tider, (Tyder ou Tiger) afastada umas cinco léguas onde prenderam 48 «cenegios» e com alguns outros aprisionados no Cabo Branco, na viagem de regresso, chegaram ao pôrto de Lagos em 7 de Agôsto, com 235 cativos, entre os quais «havia alguns de razoada brancura, formosos e apostos; outros menos brancos, que queriam semelhar pardos; outros tão negros como etíopes.» (Azurara).
Como o Regente do Reino havia cedido ao Infante o direito ao quinto r:eal, Lançarote entregou a quinta parte da prêsa a D. Henrique, que «mui breve fez delas sua partilha, que toda a «Sua principal riqueza estava em sua vontade, considerando com «grande prazer na salvação daquelas almas, que antes eram perdidas. E certamente que seu pensamento não era vão, que, como já dissemos, tanto que estes haviam conhecimento da linguagem, com pequeno movimento se tornavam Cristãos; e eu que esta historia ajuntei em este volume, vi na vila de Lagos moços e moças, filhos e netos daquetes, nados em esta terra, tão bons e tão verdadeiros Cristãos como se descenderam do começo da lei de Cristo...» (Azurara, cap. XXV) (a).
O regresso da frota de Lançarote, com apreciável prêsa, pois que assim eram considerados na época os cativos, foi motivo de grande alegria em Portugal e contribuiu para serenar as críticas que alguns fidalgos e homens do povo faziam à obra do Infante de Sagres, cujos resultados não tinham correspondido até ali nem às despesas feitas, nem às esperanças fantasiosas que se depositavam nas supostas minas de ouro da Guiné.
(a)O senhor José de Bragança, analisando esta passagem da Crónica e uma outra análoga do capítulo VII, nota que, admitindo-se ter Azurara acabado de escrever o seu livro em 1453, não poderia ter visto os filhos e até netos dos cativos adoptarem a religião católica em Portugal. O reparo até certo ponto tem cabimento. Mas podemos admitir que Azurara, falando de uma maneira geral dos mouros cativos, tivesse na mente os prisioneiros feitos antes de 1441, no norte de África. Além disso, como entre os indígenas aprisionados na costa de Guiné e transportados para Portugal figuravam famílias inteiras compreendendo pais, filhos e netos, podem-se interpretar as passagens discutidas da Crónica, sem que vejamos nelas necessàriamente uma contradição ou equívoco.»

João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 21-23

Mercado de escravos em Lagos






Edifício de Lagos no local onde se ergueu provavelmente a «Casa da Guiné». Aqui, segundo uma tradição nunca confirmada, teria funcionado o mercado de escravos. (Postal ilustrado. Fototeca Municipal de Lagos)
Lagos. 8 de Agosto de 1444. Os campos ao redor desta vila estão cheios de homens e mulheres, moças e moços, lavradores que deixam suas terras e gados, mesteirais que largam seus ofícios, tanto nesta vila como nas aldeias em redor, para verem os cativos de África que vieram a este reino. São duzentos e trinta. e cinco, uns muito negros. Outros muito pardos. É coisa nunca vista. Vão ser divididos em cinco quinhões, para se pagar o quinto do infante.
Este, segundo os tratos que faz com os mercadores, tem direito a metade das presas quando fizer as despesas da expedição e à quinta parte quando as expedições se façam à custa de armadores particulares.
Para formar os cinco lotes os filhos são separados das mães, as mulheres dos maridos, os irmãos das irmãs, os amigos dos amigos. Cada um cai onde a sorte o leva e são terríveis seus gritos e choros. Os filhos correm para as mães, as mâes deitam-se de bruços para não largarem os pequeninos que têm ao colo, os maridos gritam pelas mulheres, as mulheres gritam pelos maridos.
Este triste e spectáculo emocionou todos quantos a ele assistiam. Desde muito que há escravos no mundo, mas os portugueses nunca tinham visto vender gente em hasta pública como se fosse gado.
A CHEGADA DOS NAVEGANTES
Lagos. Agosto de 1444
Gomes Eanes de Zurara descreve nestes termos a chegada dos navegantes:
«Chegaram as caravelas a Lagos de onde antes partiram, tendo bom tempo de viagem e não lhe foi a fortuna menos graciosa na bonança do tempo do que antes lhe fora no tomar da presa. E como as gentes são desejosas de saber, uns procuraram chegar à ribeira outros meterarn-se nos batéis que acharam amarrados ao longo da praia e foram receber seus parentes e amigos de forma que logo foi sabido seu bom sucesso, com o qual geralmente, todos estavam alegres. Neste dia, bastou aos principais beijar a mão ao infante, seu senhor, contando-lhe em breve a soma de seus feitos. E foram repousar, como homens que chegavam à sua terra e às suas casas, onde já sabeis qual seria a sua alegria entre suas mulheres e filhos
«O Infante D. Henrique, para que tomaffe forças aquelle novo negocio encheo de mercês aos fundádores da util Companhia, e ao Capitaõ Lançarote, como fe diftinguira em ferviços, accrefcentou-lhe a nobreza, e por fua Real maõ o armou Cavalleiro, honra que fora de fobejo, se elle voltaffe com a conquifia das terras, donde trouxera os cativos; mas o Infante, em cujo coraçaõ naõ podia caber alegria de mayor pezo, quafi avaliava aquella grande quantidade de prezas por defpojos de huma importante victoria
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, L I S BOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg.229
1444
«Coube aos portugueses o papel pouco honroso de terem iniciado o tráfico de escravos no Atlântico, uma vez que o avanço das caravelas lhes tinha permitido encontrar uma alternativa às tradicionais rotas transarianas. E durante cerca de 180 anos, entre 1444 (chegada a Portugal do primeiro grande contingente de escravos) e 1621 (fundação da Companhia Holandesa das Índias Ocidemais), praticamente detiveram o exclusivo desse comércio. Ainda assim, um exclusivo relativo: quase desde o início, espanhois (sobretudo das Canárias), franceses e ingleses desafiavam as restrições do mare clausum formuladas no Tratado de Tordesilhas e apareciam a negociar no litoral africano. Além disso, se a imensa maioria dos navios e dos traficantes era portuguesa, muitos dos capitães pertenciam a italianos e flamengos.
Os primeiros dois séculos são ainda, em volume e em estrutura, uma pequena amostra do tipo de tráfico que virá a seguir, embora cerca de três mil escravizados sejam vendidos em cada ano.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg.29
1468
«Ao longo de todo o Antigo Regime, o principal beneficiário do tráfico de escravos foi o próprio Estado.
Desde a morte do infante D. Henrique, em 1460, que o comércio africano era monopólio da Coroa, o que significava que os navios que navegavam para África necessitavam de autorização prévia do rei e que os produtos que de chegavam estavam sujeitos ao pagamento de direitos e impostos. Essas funções competiam inicialmente à Casa do Trato da Guiné, com sede em Lagos, que foi transferida para Lisboa em 1468 com o nome de Casa da Mina e Tratos da Guiné, ou só Casa da Mina.
Na Casa da Mina foi criada, em 1486, uma repartição destinada a superintender o tráfico dos escravos, a chamada Casa dos Escravos, cujo edifício, além de acolher a parte administrativa, dispunha também de um grande armazém onde eram concentrados os cativos após o desembarque.
Aliás, em 1512, o rei D. Manuel proibiu expressamente que fossem desembarcados fora de Lisboa quaisquer escravos trazidos a Portugal.
O número de escravizados entrados no país subiu de algumas centenas no fim do século xv para urna média anual de cerca de 2500 nas duas primeiras décadas do século XVI. Provenientes da Senegâmbia (a maioria) ou do golfo da Guiné, muitos desses escravos eram reexportados, como já se disse atrás, para o Sul de Espanha, de onde uma parte deles era, por sua vez, remetida para as Antilhas.
Quando, em 1518, foi autorizada pelos reis de Portugal e de Espanha a exportação direta de escravos para a América Espanhola a partir de Cabo Verde e de São Tomé, diminuiu a importância de Lisboa como cenrro de distribuição, mas não como centro de adminisrração e controlo.
Entre as competências da Casa dos Escravos (e que depois irão passar para outros organismos) estavam: a venda de licenças para o tráfico; o arrendamento a terceiros, em regime de monopólio, do comércio em determinadas áreas do litoral africano; e a concessão a particulares, mediante pagamentos anuais, de contratos de exploração dos direitos régios em áreas povoadas e com atividade económica própria, como Cabo Verde ou São Tomé.
A outra solução usada pela Coroa foi a administração direta dos monopólios comerciais pela Fazenda Real, o que exigia montar um corpo de funcionários especializados, pagos com as receitas que resultavam da sua ação, em geral mais motivados pelos interesses privados do que pelo serviço do rei e demasiado recetivos à corrupção.
Ao arrendar esses recursos a capitalistas privados, a Coroa poupava em meios humanos e em despesas, e, sobretudo, garantia receitas fixas, não sujeitas às oscilações e caprichos do mercado. Não se livrava, claro, dos ataques do contrabando, muitas vezes promovidos pelos próprios contratadores. E também não tinha como fugir ao problema dos pagamentos, que nem sempre eram tão vultuosos e pontuais como estabelecia a letra dos contratos, embora, para os garantir, se exigisse fiadores abonados e credíveis.
Ainda no século xv, o banqueiro e armador Bartolomeu Marchionni, representante dos Médicis em Portugal, aparece como arrendatário do «rio dos Escravos», entre 1486 e 1493, e dos «rios da Guiné de Cabo Verde» (Senegâmbia) entre 1490 e 1495. Em 1502 e 1503 essa área passa para Fernando (ou Fernão) Loronha, ativo mercador cristão-novo, cavaleiro da Casa Real, que tivera por duas vezes o monopólio do comércio do pau-brasil e foi um dos primeiros a conseguir o contrato de abastecimento de escravos e vinho a São Jorge da Mina.
Outras áreas houve colocadas sob regime de exclusividade, como a da Serra Leoa ou a dos rios Cantor e Gâmbia, esta arrendada ao comerciante João Rodrigues de Mascarenhas.
As maiores receitas iriam vir, no entanto, dos arrendamentos para a cobrança dos direitos régios nos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe e, a seu tempo, no «reino de Angola».
Os contratos de arrendamento nas ilhas de Cabo Verde iniciam-se em 1501 e mantêm-se durante cerca de 20 anos. Depois disso, na perspetiva de grandes lucros que nunca se concretizaram, a Coroa tenta o regime de administração direta. Quando, em 1535, se regressa ao modelo de arrendamento a particulares, o contrato para a cobrança dos direitos sobre os escravos trazidos da costa de África surge separado do das outras mercadorias entradas ou saídas das ilhas, o que mostra a importância que  o tráfico de mão-de-obra estava a ter na economia do arquipélago. E os contratos passam a ter a duração de seis anos, em vez dos três habituais.
À medida, porém, que o comércio dos «rios da Guiné» se autonomiza, passando a fazer-se diretamente com as Américas, o tráfico negreiro vai-se progressivamente afastando do arquipélago cabo-verdiano e, a partir do século xvii, em muitos dos anos, não há sequer quem arremate o contrato.
Não sabemos que valores atingiu o arrendamento dos direitos no período de maior prosperidade dos negócios em Cabo Verde. Para o período de 1602-1606, Jácome Ficher e Custódio Vidal, com pouca experiência neste negócio, arremataram-no por 27 000$000 mas, em 1605, tiveram de largar o contrato por incumprimento. No seguimento, o mercador lisboeta cristão-novo João Soeiro conseguiu o arrendamento por 16 000$000 réis anuais e a partir de então os valores do contrato foram sempre abaixo dessa ordem de grandeza»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg. 158-160


Brasão de armas de FERNÃO GOMES DA MINA , o primeiro grande negreiro atlântico. Figuram no brasão com que foi agraciado as «mercadorias» que tinham feito a sua fortuna: ouro e escravos africanos. (Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas de António Godinho, c. 1500. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa)
FERNÃO GOMES, um comerciante de Lisboa possui os direitos exclusivos para negociar escravos e ouro em Cabo Verde e ao longo da costa da Guiné (ele foi obrigado a explorar cem léguas a oeste da Serra Leoa em troca de tais concessões).
«Em primeiro lugar a concessão de FERNÃO GOMES em 1469-74.
Deixemos tudo o mais e as peripécias que rodeou esta concessão mercantil onde a troco de uns patacos para a coroa se fez uma enormíssima fortuna, ou melhor, se fizeram enormíssimas fortunas pois os homens que Fernão Gomes associou a si - famosos pilotos e capitães - foram partícipes indirectos nesses enormes lucros do concessionário.
Após peripécias e desforços vários com o Monarca, Fernão Gomes construiria no espaço atlântico uma verdadeiro potentado marítimo e mercantil de uma extraordinária dimensão geográfica, que jamais alguém conseguiu igualar: o maior espaço mercantil concedido a um particular na Europa do seu tempo Infelizmente não conhecemos o texto em que se estipularam os termos e exactas condições deste arrendamento ou “conçerto” (tal como a da renovação de 1473). Ignoramos, assim, os exactos termos e condições deste contrato de arrendamento. Mas é seguro que houve uma “Carta de Contrauto” onde se especificavam a “maneira e condiçõões e declaraçõões e cousas com que lho temos dado e outorgado” estipulando condições possivelmente mais pormenorizadas do que as sumariadas pelos cronistas.
O seu conteúdo foi mais largamente anotado por Barros e são os termos e cláusulas sumariadas por este cronista que se têm sido tomadas como o conjunto de condições mutuamente aceites em Novembro de 1469.
Para além de algumas determinações específicas, retenhamos o essencial para o ponto aqui em análise:
O arrendamento ou concessão, do comércio (por quatro anos mais um) incluía toda a extensão da costa que viesse a descobrir e explorar, além dos limites da Serra Leoa. Na verdade o arrenadamento dos tratos incluía a obrigação de navegar e explorar, pelo menos, 100 léguas de costa ”de maneira que no cabo de seu arendamento, désse quinhentas légoas descubertas”.
Ressalte-se um aspecto pouco focado com esta concessão: a Coroa impunha a colocação de Padrões nas terras que e viesse a descobrir. Com esta cláusula a coroa quase que se resigna e se limita a reivindicar para si uma mera posse administrativa em termos de titularidade.
Tudo ficava neste acorde ou concessão a exclusivo encargo do Concessionário, que organizaria o trato conforme o entendesse e mediante ainda um pagamento anual ao Monarca de 200.000 reais brancos (que pareceu quase simbólico como o Povo o referia em Cortes, logo depois).
Posteriormente a este Contrato com o Rei, viria Fernão Gomes a acertar outro com o Príncipe D. João. Embora não se saiba exactamente quando, assegura Barros que veio efectivamente o mercador a negociar com o Príncipe o comércio de Arguim que Afonso V não incluiu no seu primeiro contrato assenhoreando-se também deste rico trato da costa.
Não se pense, porém, que de 1469 em diante tudo se deve apenas a Fernão Gomes. Há outros grandes mercadores e os capitães e pilotos que com ele colaboraram (e ao serviço do qual efectivamente estiveram) os quais foram participantes, intervenientes e interessados activos, nesse mesmo comércio e que, por aqui, foram botando e deixando raízes.
Desconhecemos os termos exactos dessa associação mercantil que este Fernão Gomes utilizou para a exploração do Golfo entre a Serra Leoa e o Cabo de Santa Catarina, mas, no mínimo, ela deveria ter-se pautado pelas normas então em voga nos meios náuticos: a parceria, qualquer que fosse a percentagem estipulada com cada um deles.
Parceria que implicou obrigatoriamente com este o estabelecimento de contratos ou até subcontratos de participação envolvendo esses pilotos, capitães e até marinheiros que nas mesmas viagens participavam. Uns no local ou caminhos do trato, outros na logística e preparação de meios em Lisboa. (construção, aluguer e apresto das embarcações etc.) Subcontratos, por seu turno estabelecidos com outros mercadores, alguns dos quais já incluídos ou referenciados pelo próprio monarca.
A preservação desse circuito atlântico e áreas territoriais com ele envolvidas frente a outros interesses estranhos ficaria, depois, muito devedor também à acção deste mercador. Naturalmente em benefício directo próprio mas, indirectamente, garantindo aos nacionais as ricas áreas que obviamente sabia que a prazo lhe iriam sair das mãos em virtude do contrato a termo certo lavrado com a Coroa. É o caso da oposição frontal às tentativas dos italianos, “encabeçados” por António de Nola para penetrar nessas áreas quer a partir de Cabo Verde quer da Madeira.
Não sabemos que tipo de conflitos houve, mas que correram processos movidos por Fernão Gomes contra o genovês não fica dúvida. O pleito ficou documentado tendo obrigado o Monarca a intervir em 1472 na sequência dos letígios com o italiano cuja verdadeira dimensão e gravidade infelizmente desconhecemos (mas violentos, na opinião de Verlinden). Para além do mais, sob pena de confisco de todas as embarcações: “porque o dito capitamm foy e he demandado per o dito fernam gomez” (50).
Acautelando interesses próprios, um relevante serviço prestado a sua alteza nesta reserva estratégica do Atlântico onde fervilhava toda uma clientela nacional construindo uma área que emergia com um interesse económico decisivo para toda uma “maquina” estratégica em lançamento visando o assalto definitivo a outras áreas e espaços.»
As Concessões mercantis e a construção atlântica portuguesa, Aurélio de Oliveira, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, in Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades, Comunicações
Concessão da exploração e comércio da urzela a João e Pedro de Lugo. Nos primeiros anos após o descobrimento em que o povoamento se encontrava ainda muito incipiente o Infante D. Fernando, então donatário do arquipélago, fez “ (...) trato da urzela das suas ilhas de Cabo Verde com João de Lugo e Pêro de Lugo Castelhanos mercadores e moradores em Sevilha”.
O primeiro contrato para e exploração desse líquen em Cabo Verde que se tem conhecimento foi firmado em 1469/09/30 com os irmãos João de Pêro e Lugo, Castelhanos, que se ocupavam da mesma actividade nas ilhas Canárias, depois desse contrato há conhecimento que foram efectuadas mais de 13 novos contratos incluindo o da Companhia do Grão Pará e do Maranhão. Só esta empresa extraiu das ilhas 1.858 toneladas de urzela, cujo custo na origem foi de 250.530 mil réis, tendo em lucro cerca de 210 contos de réis. Houve um outro contrato da venda da urzela em 12 de Novembro de 1836 entre João António Martins e os Franceses. “Em 27 de Março de 1837 desembarcou-se do brigue Dois Amigos, de Manuel António Martins, na alfandega de Goré, 87 sacos de urzela” 13. “Em toda a ilha onde se apanha ou colhe a urzela há um comprador privado, essa pessoa é o feitor da fazenda real e ao mesmo tempo comandante militar, este tomava a urzela dos urzeleiros, não lhes pagavam em dinheiro, mas sim em géneros. Ele vai fazer as embarcações para os países externos, a maior parte dos lucros é para o comprador não para as pessoas que apanhavam” 14. As pessoas que apanhavam aperiguavam a sua vida para fazer a recolha, e os compradores privados compravam a um preço que não compensavam as canseiras, e as vezes eram pagas em géneros alimentícios. “O modo de comprar, pesar e pagar é a única causa da pouca urzela que se colhe, é certo que o preço de 25 rs.que se paga por cada libra é ténue, atendendo ao risco e trabalho, que há com aquela colheita”15. Isto é a sua principal causa da sua diminuta quantidade.
A urzela produz um corante de cor púrpura  (ou azul violáceo) que antes da invenção das anilinas sintéticas atingia grande valor para tingir têxteis. O extracto da urzela, agora denominadorceína ou azul de tornesol, continua a ter ampla aplicação como contrastante em microscopia e como base para indicadores químicos e bioquímicos. Entre as utilizações do corante conta-se o papel indicador, que em inglês deu origem ao teste de "litmus" tão utilizado na linguagem corrente.
Em Cabo Verde, onde a urzela se desenvolve em altitude até ao limite dos contra-alísios, a apanha da urzela constituiu até ao século XIX uma importante atividade, permitindo a subsistência em épocas de grave carestia causada pela seca. A sua apanha era porém muito penosa pois exigia o acesso a falésias e escarpas, causa de muitas mortes por queda.
1469 - Neste anno passou a Africa o Infante D.Fernando com huma Armada , em que levava muita e boa gente, e foi desembarcar em Anafe, que já tinha mandado reconhecer por Estêvão da Gama (1) , Fidalgo da sua Casa, o qual esteve alli disfarçado em mercador com huma pequena embarcação carregada de figos, e passas do Algarve. Os Mouros, quando vírao o numero dos navios Portuguezes, não ousarão opor-se ao desembarque, e desamparárão a Cidade e o Castello. O lnfante, não julgando acertado conservar esta conquista mandou queimar a povoação, depois desaqueada, e desmantelar as fortificações; e feito isto, regressou a Portugal (2).
Neste mesmo anno de 1469 arrendou ElRei o Commercio da Guiné (3) a FERNÃO GOMES, Negociante de Lisboa, por duzentos mil réis cada anno, devendo durar o seu Contracto cinco anos, obrigando-se elle a descobrir á sua custa cem legoas da Costa em cada anno, a começar da Serra Leoa para o Sul.
(1)Anafe. Tem uma Bahia de pouco abrigo, em que se pode surgir por 18 até 25 braças.
(2)Ruy de Pina, Cap. 110. - Damião de Goes , Chronica doPrincipe D. João, Cap. 17.
(3)Barros, Decada I, Liv.2, Gap.2.

Placa de latão do Benim representando um soldado português. De cada lado, aparecem manilhas de cobre, uma das principais mercadorias com que eram comprados os escravos nesse reino do delta do rio Níger. Século XVI. Museum für Volkerkunde, Viena, Áustria)

1501 -

ESCRAVOS TRANSPORTADOS:

1501/11/15
Gonçalo, escravo negro de Mem Gonçalves, cavaleiro e cidadão, morador em Lisboa,enviou dizer, por sua informação que fora condenado a ser açoutado publicamente, com pregão na audiência, pelas ruas de Santarém, e lhe cortassem as orelhas, por se dizer contra ele que lançara mão de uma mulher solteira que andava de eira em eira,segundo na sentença de condenação se continha. 1501-11-15.Portugal, Torre doTombo, Chancelaria de O. Manuel I, liv. 46, f. 108v.
1502 -
1502- São introduzidos os primeiros escravos africanos nas Antilhas (ilha Hispaniola).
- “…certos capítulos das prouincias do titulo real…”, de Valentim Fernandes (1502);
1502/02/22
A ORDEM DE CRISTO, por seu turno, tinha o direito de receber a vintena dos escravos procedentes da Guiné, conforme autorização subscrita por D. Manuel a 22 de fevereiro de 1502
1513
 Registos oficiais de recenseamento da população da Vila de Ribeira Grande, apenas cinquenta anos após o início da colonização, começam a reflectir a forma da futura demografia de Cabo Verde: 162 residentes, incluindo 58 "brancos", 12 pastores, 16 "negros livres", soldados e condenados portugueses, e cerca de 13 000 escravos. Entre 1513 e 1515, um total de 2 966 cativos foram trazidos para Santiago por 29 navios. Muitos foram levados para Portugal, outros vendidos a navios espanhóis em rota para as Canárias ou para as Índias Ocidentais.
N'esse mesmo anno de 1513, sahindo para a Guiné, Gaspar Dias, almoxarife da jurlsdicção e villa dos Alcatrazes, e ficando esta abandonada da autoridade que devia assistir ao quartejamento dos rendimentos, mandou o contador das ilhas Ruy Lopes, cavalleiro da ordem de Santiago, que Alvaro Dias, almoxarife da villa da Ribeira Grande, tomasse o carrego (conta) d'aquelle almoxarifado para a boa arrecadação das rendas d'El-Rei.
Regista-se o tráfico de 565 escravos da Guiné.
Os escravos  vendidos no mercado de Santiago eram classificados em três tipos. Por ordem crescente de valor, eram boçais (de boçal: ignorante), escravos recém-importados que falavam apenas as suas línguas nativas; ladinos, escravos residentes há mais tempo em Santiago que tinham aprendido Kriolu, tinham sido baptizados e "ensinados a trabalhar"; e naturais, os nascidos em Cabo Verde (Carreira 1972: 267 citado por Meintel).
1514
Regista-se o tráfico de 978 escravos da Guiné
1514/04/25
Provisão para o almoxarife dos escravos que vêm da Guiné dar a Jorge de Vasconcelos um escravo de preço de 10.000 réis. 1514-04-25. Portugal, Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte 11, mç. 46, n.º 117.
Provisão do rei D. Manuel por que mandou ao recebedor dos escravos que vêm de Guiné, desse a Francisco Velho, escrivão do armazém da lndia, um escravo de preço maior de seu ordenado. 1514-07-12. Portugal, Torre do Tombo, Corpo Cronológico,Parte li, mç. 49, n.0 69.
1515
Regista-se o tráfico de 1515 escravos da Guiné
1515/10/24
Daí partiam em grandes contingentes e acondicionados em carga, numa difícil travessia que para muitos foi fatal, em direcção a Lisboa, convertida no eixo de uma vasta rede de ligações comerciais. Esta posição da capital foi consolidada com a lei manuelina de 24 de Outubro de 1512, tornando-se Lisboa no único local autorizado para praticar o rentável negócio da Guiné. De facto, possuía a infra-estrutura necessária, a Casa dos Escravos, uma repartição da Casa da Guiné, situada junto ao Tejo, que além das salas do almoxarife e do escrivão dos escravos, dispunha de prisão e vários pavilhões onde após o desembarque se procediam às formalidades de avaliação e divisão por lotes para posterior leilão. (1) Seguia-se a exposição em praça pública onde eram sujeitos a uma avaliação por vezes exaustiva e eram vendidos por correctores de escravos, conforme ilustrou o mercador florentino FILIPE SASSETI no final do século XVI, que embora não questionando a validade moral deste comércio, testemunhou a “miséria daqueles brutos e a desumanidade dos seus senhores.” (2) Após a aquisição, assentava-se a propriedade na mesa dos escravos das Sete Casas, na Alfândega, a mesma entidade que estava habilitada a passar certidão de liberdade sempre que se era alforrado.
Muito embora no século XVI com a colonização do Brasil e as possessões espanholas na América, se tenham traçado novos rumos do comércio de escravos, (3) os navios negreiros continuaram a aportar e a ter mercado na cidade de Lisboa, cuja mercadoria continuou indispensável, pelo menos até ao estabelecimento das leis pombalinas de limitação ao comércio de escravos, conforme atesta a quantidade de escravos de primeira geração sujeita ao acto sacramental de baptismo nas paróquias de Lisboa
(1) Ao cargo de almoxarife, entre outras atribuições, cabia a vistoria das embarcações da coroa ou por ela fretadas, à sua chegada, a logística e a venda dos escravos, bem como a venda de licenças a particulares, o arrendamento de monopólios de regiões africanas e a concessão de contratos de exploração das ilhas de Cabo Verde e golfo da Guiné. Quando os impostos da vintena (5%) e do quarto (25%) não eram cobrados na alfândega de Cabo Verde, ou no Golfo da Guiné, onde previamente passavam os escravos procedentes da costa africana era o almoxarife dos escravos que arrecadava esse imposto. A dízima e a sisa cobrados na alfândega de Lisboa constituíam outra valiosa fonte de lucro com o comércio de escravos aqui desembarcados. A Câmara Municipal de Lisboa tinha a seu cargo a designação do corretor “dos mouros, e mouras negros e alvos que se ouuessem de vender em a dita cidade e seus termos”.
(2) LAHON, cit. Filipe Sasseti, 1999:33.
(3) ALEXANDRE, 1979.

Nos anos de 1511 a 1513 (no reinado de D. Manuel I) passaram por aquela Casa 1.265 escravos de ambos os sexos, pertencentes ao rei, avaliados em 8.086.795 reais


1512


Das 51 viagens negreíras identificadas, 41 partiram de Arguírn com mais de 100 escravos. De entre os 6 298 escravos embarcados em Arguím, temos notícia de que 6 042 chegaram vivos a Lisboa. O que representa uma taxa média de mortalidade de 4,24%um valor muito baixo, sobretudo se tivermos em conta que os escravos "moços" e "crianças", ou seja com menos de 18 anos, representavam uma percentagem significativa dos escravos embarcados. 
A carreira Arguím-Lísboa funcionava em circuito fechado numa travessia que, em média, durava pouco mais de 3 semanas. Na realidade tratavam-se de viagens pendulares, um mesmo capitão e um mesmo navio efectuavam uma série ininterrupta de idas-voltas entre Arguím e Lisboa. No conjunto das 51 viagens, 13 foram efectuadas pelo navio Santiago e 12 pelo navio Conceição. Ou seja, metade das viagens foram realizadas por estes dois navios. No que aos capitães diz respeito, as 51 viagens foram efectuadas por pilotos: Pero Anes de Leiria e Pero Ribeiro, tendo cada um, efectuado pessoalmente 11 travessias, o que corresponde a mais de metade do total das viagens. 















1512/07/15
Constituíam receita do HOSPITAL DE TODOS OS SANTOS várias mercadorias, nomeadamente escravos, açúcar, cera e marfim, que eram uma considerável fonte de receitas, bem como a multa de 100 cruzados, instituída pelo alvará de 15 de Julho de 1512, a aplicar a todos aqueles que, ao transportarem escravos da Guiné, os desembarcassem sem baptizar.


1513/04/27
«Já vimos, que data de 1513 uma maior actividade no commercio dos escravos da Guiné, recebidos em numerosas caravellas; porém a verdade é que algumas d'ellas sendo pilotadas por marinheiros rudes, que desconheciam por completo a arte de navegar ou se perdiam nos bancos da Guiné, ou se afastavam das ilhas no regresso, e que só por uma felicidade inexplicavel eram encontrados no alto mar; este caso deu-se com Braz Fernandes, creado de Diogo Fernandes, marinheiro, que tendo ido ao Rio Grande na caravella s.n Crlll buscar negros, teve que arribar ao rio Casamansa, porque o navio estando oomido pelo bwano (Jlusano, teredo navalis), fazia agua.
Abandonados como estavam, e tendo conhecimento de no rio de S. Domingos haver alli um capitão da villa, que era Duarte Ribeiro que havia sofrido uma royndade e represaria (represalia) do piloto e marinheiros de uma e outra caravella de DIOGO FERNANDES, que alli fóra prover-se do necesario, a qual se destinava depois á Serra Leoa a buscar negros, sendo abandonada pelo piloto, tomara posse d'ella BRAZ FERNANDES com a condição de poder embarcar os seus escravos e entregal-a em Santiago ao dono. Partiram a 17 de abril de 1513 para Santiago e ao cabo de 18 dias (15 de maio) toparam com a nau Conceição navegando para Lisboa, capitaneada por Gonçalo Preto que regressava da ilha de S. Thomé. O piloto da caravela, que calculava estar entre as ilhas, soube pelo capitão da nau, que estava a 150 leguas a oeste d'ellas; depois de lhe fornecer mantimentos e agua de que tanto careciam, quiz o piloto ainda arribar á Guiné, o que não fez, por lhe ter feito ver o capitão, que seria melhor elle procurar terra de christãos e que os soccorreria.»
Subsidios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte I, pgs. 77-78, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899
1513/05/14
Petição apresentada por BRÁS FERNANDES, morador em Santiago, a João Álvares Neto, almoxarife da ilha Terceira, dizendo que, em 14 de Maio de 1513, partira de Cabo Verde para a Guiné como marinheiro do navio Santa Cruz, do armador RUI PEREIRA. Vindo já com a armação feira, o navio arribou no rio Casamansa, sendo necessário deitar fora toda a carga. Porém, não puderam continuar a navegar, encontrando então o navio de DIOGO FERNANDES, morador na ilha de Santiago, cujo piloto andava amorado. Brás Fernandes pediu ao piloto que lhe desse o navio, encarregando-se de o entregar a Diogo Fernandes. Aproveitou o transporte para levar certas peças de escravos de que devia quarto e vintena ao rei. Tendo partido para Santiago, o navio foi apanhado por uma tempestade, achando, na volta da Guiné, o navio Conceição, de que era capitão e piloto GONÇALO PRETO, vindo de S. Tomé. Este dispôs-se a conduzi-los aos Açores, ilha Terceira. O suplicante pede justiça
O inquiridor ouviu as seguintes testemunhas, confirmando o depoimento do suplicante:
GONÇALO PRETO, cavaleiro da casa del-rei. 4 de Julho de 1514
PEDRO ANES, mestre do navio Conceição. 4 de Julho de 1514
AFONSO ÁLVARES. 4 de Julho de 1514
LOPO DIAS. 26 de Agosto de 1514
Ouvidas as testemunhas, BRÁS FERNANDES requer ao almoxarife que lhe seja passada certidão comprovando que lhe foram cobrados o quarto e a vintena sobre os escravos
1513/07/20
Registo da saída no navio São Gião da vila da Ribeira Grande para Portugal. Cobrança da dízima sobre dois escravos de um genovês.
GONÇALO CASTRO, Mercador Importa e exporta peças (peças quer dizer escravos) e mercadorias da Costa da Guiné (1514-1528) Escrivão de navio (1515) Proprietário de terras
ÁLVARO CHAVES Importa peças e mercadorias da Costa da Guiné (1514-1528) Capitão de navio (1515, 1528) Proprietário rural
JOÃO CORDEIRO, Sua filha era casada com Tomé Falcão Falecido (1540) Escrivão do almoxarifado da vila de Alcatrazes (1514-1516) Escrivão da Câmara da vila da Ribeira Grande (1519) Tabelião “por El rei” na vila da Ribeira Grande (1526, 1528, 1529) Grande importador de escravos da Costa da Guiné (1514-1528) Proprietário rural – Fez avença com os rendeiros “por toda a sua fazenda que nesta ilha tem por o dízimo /…/ se obrigou a pagar 5.000” (1513-1516)
ANTÓNIO FERNANDES, Mercador Importador e exportador de mercadorias da Costa da Guiné (1514-1528) Possui escravos de confiança que vão comerciar à Costa da Guiné
JOÃO FERNANDES, Escudeiro Vizinho de Alcatrazes/Praia  Mestre do navio (1514, 1515) Capitão do navio (1514) Piloto do navio (1515) importa peças e mercadorias da Costa da Guiné (1513-1515, 1528)
ÁLVARO GONÇALVES, Está na Costa da Guiné em Julho de 1515 Meirinho diante do Corregedor das ilhas de Cabo Verde (Novembro de 1527,1528, 1529) Escrivão de navio (1514) Importa peças e mercadorias da Costa da Guiné (1514, 1515) Proprietário rural
RUI GONÇALVES, Em Julho de 1514 esta nos Açores e em Maio de 1515 em Cabo Verde Feitor de Francisco Martins (O velho), rendeiro dos direitos reais da ilha de Santiago (1514) Procurador do Rei (1528) Proprietário de uma caravela (1527) Importa e exporta escravos e outras mercadorias africanas Fez “lanço nos quartos de 1528” – quer arrendar os quartos e vintenas
JOÃO VAZ LORDELLO Oficial da Câmara da Ribeira Grande (1528) Importa peças e mercadorias da Costa da Guiné (1514)
GONÇALO PIRES, Escudeiro do Rei (1527) Falecido (1537) Escrivão dos almoxarifados de Santiago (1527-1528) Escrivão dos contos das Ilhas de Santiago e Fogo (1530 - 1537) Mercador (1514, 1527, 1528) – Importa peças e mercadorias da Costa da Guiné
FRANCISCO RIBEIRO, Falecido (1549) Escrivão da correição e chancelaria de Cabo Verde (1540 - 1549) Escrivão da Câmara da Ribeira Grande (1546) Escrivão de navio (1514) Importa peças e mercadorias da Costa da Guiné (1514, 1515)
1513/11/13
Registo da cobrança dos direitos, pagos nos Alcatrazes, sobre os escravos transportados no navio Santa Cruz, do armador JOÃO VAZ, resgatados na costa da Guiné pelo armador e viajantes. Inclui as encomendas.
1514/01/11
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, em Santiago, sobre os escravos transportados pelo navio Santa Catarina, do armador JOÃO VAZ, resgatados na costa da Guiné pela armação e pelos viajantes. Inclui o registo da cobrança dos mesmos direitos sobre marfim e arroz.
1514/01/30
Registo da cobrança dos direitos sobre os escravos transportados pelo navio Santa Maria da Ajuda, do armador RODRIGO AFONSO COLAÇO, resgatados na costa da Guiné pelo armador e pelos viajantes. Inclui as encomendas.
1514/02/22
Partida do navio Santa Maria da Vitória do porto da Ribeira Grande, pertencente a FRANCISCO MARTINS, rendeiro das ilhas de Cabo Verde, com destino às Canárias. Registo da cobrança da dízima sobre as seguintes mercadorias: escravos e couros.
1514/03/04
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, cm Santiago, sobre os escravos transportados pelo navio Santa Maria da Graça, dos armadores RUI PEREIRA e SIMÃO FERNANDES, em parceria, resinados na costa da Guiné pelo armador e pelos viajantes.Inclui a cobrança dos mesmos direitos sobre as encomendas e o mantimento: milho e arroz.
1514/05/03
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, cm Santiago, sobre os escravos transportados pelo navio Santa Margaridado armador JOÃO ALEMÃO, resgatados na costa da Guine pelos viajantes, tendo o armador e a respectiva armação vindo noutro navio,
1514/05/25
Alvará de D. Manuel I para António do Porto, recebedor da Casa dos Escravos, dar ao prior e frades do CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA SERRA 7.000 réis de esmola, para comprar um escravo. 1514-05-25. Portugal, Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 15, n.º 44.
Alvará para se dar ao MOSTEIRO DE JESUS DE SETÚBAL um escravo de esmola. 1515-07-15. Portugal, Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 18, n.º 37.
1514/06/05
Partida do navio castelhano Santa Maria do porto da Ribeira Grande, de que era mestre GONÇALO DE LEVA, Registo da cobrança da dízima sobre as seguintes mercadorias: escravos e couros.
1514/06/19
Empossamento de MANUEL SOLTEIRO como escrivão do almoxarifado da Ribeira Grande. Escrivão do almoxarifado da Ribeira Grande (Junho de 1514 a Outubro de 1514) Importa peças e mercadorias da Costa da Guiné (1515) Tem um escravo de confiança – André (1515)
1514/07/03
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, cm Santiago, sobre os escravos da armação do navio Santa Maria via Graçaque se perdeu na Guiné, pelo que o transporte foi feito no navio São GiãoOs escravos pertenciam ao armador RUI PEREIRA e aos viajantes. Inclui as encomendas.
1514/07/15
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, cm Santiago, sobre os escravos transportados no navio Santo Antãodos armadores FERNÃO MENDES e MARTIM MENDES, em parceria, resgatados na costa da Guiné pela armação e viajantes. Inclui as encomendas.
1514/07/17
Registo da cobrança dos direitos, pagos na vila dos Alcatrazes, sobre os escravos e o marfim transportados pelo navio Nazarédos armadores PERO AFONSO e NICOLAU RODRIGUES, em parceria, resgatados na costa da Guine pela armação e viajantes. Inclui as encomendas
1514/08/16
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, em Santiago, sobre os escravos transportados pelo navio Santiagodo armador FERNÃO DE MELO, resgatados na costa da Guiné pelo armador e viajantes
1514/08/28
Registo da cobrança dos direitos pagos sobre os escravos e o marfim transportados no navio Santa Catarinado armador FRANCISCO MARTINS, pelos viajantes que foram à Guiné. Da armação não foi feito despacho, visto o armador ser o próprio rendeiro.
1514/09/21
Registo da cobrança dos direitos pagos sobre os escravos, o marfim e a cera transportados no navio A Princesado armador VICENTE DIAS, obtidos na costa da Guiné pela armação e pelos viajantes. Inclui as encomendas.
1514/10/27
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, em Santiago, sobre os escravos, marfim, gamelas, balaios, esteiras, arroz, milho e cera transportados no navio Santa Maria da Graçado armador RUI PEREIRA, resgatados na costa da Guiné pela armação e pelos viajantes. Inclui as encomendas.
1514/11/27
Registo da cobrança dos direitos, pagos na Ribeira Grande, em Santiago, sobre os escravos, o marfim e o arroz transportados no navio Santa Bárbarados armadores JOÃO ALEMÃO e ÁLVARO ANES, obtidos na costa da Guiné pela armação e pelos viajantes. Inclui as encomendas.
1514/12/20
Partida do navio castelhano Santo António do porto da Ribeira Grande para Castela, de que era mestre FRANCISCO LA FERIA. Registo da cobrança da dízima sobre os escravos e couros vacuns.
Registo da cobrança da dízima sobre as mercadorias dos portugueses que iam no navio Santo AntónioEste transporte apenas foi aceite na condição de ser cobrado um montante fixo sobre cada escravo.



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