quarta-feira, 30 de março de 2016

TRÁFICO DE ESCRAVOS 1630-1639

1630/11/00
 «Se LANDIM era um homem sem relações familiares no meio mercantil, o mesmo não sucedia com FRANCISCO DIAS MENDES DE BRITO. Descendente de uma família de mercadores cristãos-novos com fortes ligações ao comércio de escravos, Francisco Dias era natural de Trancoso e vivia em Lisboa desde os 25 anos, no Poço do Borratém. Na época em que se concertou com Landim teria cerca de 50 anos e era viúvo de Beatriz Pereira, cristã-nova (1), prima de Duarte Dias Henriques, também este contratador de escravos (2). A família Mendes de Brito tinha intensas relações comerciais concretizadas por laços conjugais com outras influentes famílias de mercadores cristãos-novos, nomeadamente os FERNANDES DE ELVAS (3).
Sabendo ler, escrever e contar, o sócio de ANTÓNIO FERNANDES LANDIM era um representante do tipo de mercadores que referenciámos como um modelo perfeitamente distinto do de Landim. A sua ligação pessoal e familiar à "Lei de Moisés" levou a que, a par do término da sua companhia com António Fernandes, fosse preso pela Inquisição em Novembro de 1630 (4).
Acusado por se ter "apartado da nossa santa fee catholica e se passou à crença da ley de Moysés tendo-a ainda agora por boa e verdadeyra esperando-se salvarsse nella e não na Fé de Christo noso senhor" (5) era-lhe apontado o facto de guardar os sábados de trabalho, vestindo neles camisas lavadas e melhores vestidos, jejuar às segundas e quintas sem comer nem beber senão à noite, não comer porco, lebre, coelho ou peixe sem escamas, nem acreditar no sacramentos que só praticava "por comprimento do mundo" (6). O ano de 1630 foi destruidor para a família Mendes de Brito. Sucederam-se a um ritmo galopante as prisões de vários membros da família: irmãos, sobrinhos, primos.
Os bens de Francisco Dias Mendes de Brito foram confiscados para a Câmara Real, dos quais constavam inclusivamente escravos que haviam ficado na Guiné, quer de negócios particulares de Mendes de Brito - 40 escravos e 311 barafulas que foram "arrematados por dívida" ao mercador lisboeta ANTÓNIO LOPES SOARES (7) - quer procedidos das transacções da sua companhia com Landim (8) . Tendo terminado por confessar as suas culpas na Mesa do Santo Oficio, mandado ao Cárcere da Penitencia para ser instruído nas cousas da fé, em Março de 1632, FRANCISCO DIAS MENDES DE BRITO acabou por ser solto sob fiança por estar muito doente, falecendo de seguida.
(1) Processo de Francisco Dias Mendes de Brito, cristão-novo, mercador, natural de Trancoso, morador nesta cidade, prezo nos cárceres da Inquisição dela, in ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 7703.
(2) José Salvador Gonçalves, Os Magnatas do Tráfico Negreiro. São Paulo. 1981, p. 206.
(3) Idem, Ibidem.
(4) Processo de Francisco Dias Mendes de Brito l, .. ), in ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 7703.
(5) Ibidem.
(6) Ibidem.
(7) Carta régia ao capitão de Cacheu, Francisco Sodré Pereira, para que este mande que Fernão Lopes de Mesquita, escrivão da capitania, entregue a António Fernandes Landim, procurador de António Lopes Soares os escravos e barafulas que tem em seu poder, confiscados a Francisco Dias Mendes de BritoANTT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, fls. 513-517, de 22 de Setembro de 1632.
(8) Em Cacheu havia ficado 15 escravos da companhia, 1/2 dos quais pertenciam ao fisco estando nas mãos de Fernão Lopes de Mesquita. Carta régia ao capitão de Cacheu, Francisco Sodré Pereira, para que Fernão Lopes de Mesquita entregue os ditos negros a António Fernandes Landim "pera este os navegar com os seus pera aqui dar conta deles quando vier". Ibidem, fls. 561- 564, de 22 de Setembro de 1632.»
DE SANTIAGO PARA A COSTA DA GUINÉ: A TRANSFERÊNCIA DO CENTRO GEOGRÁFICO DOS NEGÓCIOS E A MANUTENÇÃO DA ELITE COMERCIANTE as transacções da companhia de António Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito (1629-1630) por Maria Manuel Ferraz Torrão
1633
Os mercadores com quem DIOGO TEIXEIRA DE SAMPAIO comerciava eram Tomé Lopes de Ilhão, Jorge de Andrade e Diogo Gomes de Alter (Antuérpia); SIMÃO SOARES (Lisboa, até 1633) e seu cunhado Duarte Fernandes; Gil Lopes Pinto e Vasco da Veiga; Marco Fernandes Monsanto e Salvador Vaz Martins; e André Rodrigues de Andrade (Veneza).
Em Antuérpia DIOGO dedicava-se ao comércio de produtos de África como o açúcar de S. Tomé e a pimenta da Índia, mas como correspondente de SIMÃO SOARES comerciava diamantes, açúcar e escravos assim como seguros marítimos. Diogo especializou-se no negócio de diamantes, mas também tinha actividades bancárias. O pai era mercador ligado ao comércio de açúcar do Brasil tal como os primos Marco Fernandes Monsanto e Salvador Vaz Martins. A família TEIXEIRA DE SAMPAIO destacou-se nas comunidades sefarditas de Hamburgo, Amesterdão, Londres e Paris e estava ligada ao comércio com o Oriente e com o comércio de escravos.
MANUEL DA SILVA BOTELHO é administrador de Cacheu até 1640
Em 1633, na capela de um engenho da Baía o padre ANTÓNIO VIEIRA, e dirigindo-se a uma assistência maioritariamente composta por escravos africanos, dizia assim: «Oh se a gente preta tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão milagre, e grande milagre! Dizei-me: vossos pais, que nasceram nas trevas da gentilidade, e. nela vivem e acabam a vida sem lume da fé, nem conhecimento de Deus, aonde vão depois da morte? Todos ( ... ) vão ao Inferno, e lá estão ardendo e arderão por toda a eternidade.» (Sermão 14.0 do Rosário)
Em data bastante posterior mas difícil de precisar, pregando para a irmandade dos «homens pretos» de Nossa Senhora do Rosário, mantinha a coerência do discurso:

«Todo o homem é composto de corpo e alma; mas o que é e se chama escravo, não é todo o homem, senão só metade dele. (...) De maneira, irmãos pretos, que o cativeiro que padeceis, por mais duro e áspero que seja ou vos pareça, não é cativeiro total ou de tudo que sois, senão meio cativeiro. Sois cativos naquela metade exterior e mais vil de vós mesmos, que é o corpo; porém, na outra metade interior e nobilíssima, que é a alma,  principalmente no que a ela pertence, não sois cativos, mas livres.» (Sermão 27.0 do Rosário)
1636
Existe um escrito da época-Descripção de Guiné – por Francisco de Azevedo Coelho, datado de 1669, que nos dá uma idea da situação do rio de Bulola, na primeira metade do século XVII.
Diz Azevedo Coelho:
«... O porto de Guinala ... foi o primeiro asilo que tiveram meus parentes em Guiné, abrigando-os tão bem que nele tiveram a maior casa que houve em aqueles tempos, em tôda a costa. Na parte mais chegada ao rio estavam as casas onde morou Diogo Henriques de Sousa, avô materno de Fernão de Sousa Coutinho, que agora morreu acabando de governar Pernambuco... e  teve tanto cabedal que indo-se para Portugal... só . em navios deixou vinte e dois.
capitão Cristóvão de Melo, no ano de 1636, foi fazer nova habitação e casa no porto de Bolola... e com a sua mudança do porto de Guinala se levantaram todos os brancos que viviam no dito porto e vieram morar com êle no de Bolola ... No porto de Biguba... viveu SEBASTIÃO FERNANDES com muita fábrica de navios e cabedal, o qual se levantou para ir para as Indias, e foi para Cacheu com 18 embarcações suas e nelas 1800 negros.
«Em Cacheu, antes de se embarcar, fez a casa forte que hoje é de Sua Alteza (D. Pedro II) que a deu para nela viverem os capitãis-mores... Acima dêste porto de Biguba meia maré está a povoação de Bolola, primeira casa que me recebeu em Guiné; nela estava uma formosa povoação com uma igreja de N. S. de Encarnação ... Com um sacerdote que sustentava o capitão Cristóvão de Melo, meu primo ... e nela tinha o dito meu primo mais arrogantes casas, sendo tôdas elas uma fortaleza com duas plataformas em que tinha 14 peças de artilharia».
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 106

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