quarta-feira, 30 de março de 2016

TRÁFICO DE ESCRAVOS 1640-1650


1640/06/05
Em 6 de junho de 1640 teve o almirante JOÃO SERRÃO DA CUNHA carta de governador de Cabo Verde; foi passada em Madrid em attenção aos grandes serviços que prestou no cerco de Moçambique, conquista de Ceyllo, etc. (D. Filippe IlI, Lº 18, n. 37 v.)
«João Serrão da Cunha, almirante, nomeado por carta de 5 de Junho de 1640 em recompensa dos empréstimos à família real de Castela. Faleceu em 1645. Por comerciar abusivamente em escravos cometer arbitrariedades foi sindicado, sendo nomeado para o substituir, em Julho de 1644, Rodrigo de Miranda Henriques que renunciou. Seguiu-se-lhe António de Sousa Meneses, que também não chegou a tomar posse.» João Barreto
Serrão da Cunha teve uma devassa tirada em Janeiro de 1644 pelo ouvidor da alfândega dos "procedimentos de João Serrão da Cunha, governador de Cabo-Verde, acerca da nau que aí carregou de negros para Pernambuco."

1641/12/05
CARTA DOS HABITANTES DE CACHEU A SUA REAL MAJESTADE (5-12~1641)
SUMÁRIO - Contam como foi feito o juramento e aclamação de D. João IV - A fome durava ali havia três anos, com a falta de comércio a agravá-la O capitão tem bem merecido, tanto antes como depois da aclamação – Situação perigosa em que se encontram para a defesa, pedindo mais gente para o fazerem.
Senhor
Por carta que teue o Cappitam desta Capitania e os moradores della, do Gouernador ·do Cabo Verde, fomos sertefícados em como auia sido V. Magestade por Mercê diuina restetuido e estaria empossado do seu Reino de Portugal, que por direito lhe pertençia, e éstaua por potençia vsurpado por El·Rej de Castela, com aplauzo e beneuoleçia asim da nobreza de todo o Reyno como de todos os pouos. //.
Para o que sendo comuocados os moradores desta pouoação (1) de Cacheó, cabesa desta Capitania de Guiné pello Cappitam della, nos fez sabedores da Mercê que Deos nos auia feito em restetuir a V. Magestade estes seus Reynos, ao que sem dilação alguã, em a mesma ora e pomto, como leaês vasalos de V. Magestade e como muito de amtes tinha anteuisto seu dereito, vnanimes e comformes respomdemos, que obedesiamos a V. Magestade como a Rey, e senhor natural nosso, offerecemdo às uidas, homrras e fazemdas em defemsa do proposto, como de feicto fazemos, oferesemdose alguã ocaziaõ.
A falta de nauios desculpar pode para com V. Magestade a dilação que pareçe [h]á auido neste auizo pois se não achou atté o prezemte para que o Cappitam e nós o podesemos mandar yumto com não auer (2) piloto portug[u]es nen marinheiros, senão castelhanos, de quem não hé justo fiarsé, que dispostos estauamos ao mandarmos á nossa custa, e pello mesmo respeito o dito Cappitam o ha dexado de o .fazer, nen ouue outra via, mais que pella Ilha de Samtiago, por omde esta tambem vay, que serue de auizar a V. Magestade o apertto· em que fica esta pouoasão (3), oreginado premsipalmente de huma gramde fomee que [h]á trez annos dura nesta pouoação e destritos de Guiné, a que se [h]á seg[u]ido tanta mortandade de escrauos e despemdido de fazemda dos vassalos de V. Magestade, que milagrozamente nos auemos podido sustemtar em a forma nesesaria, que hé semdo não somente soldados defemsores desta pouoação (3), senão temdo para o mesmo effeito cada hum conforme sua posebilidade muitos negros catiuos para .a defemsa della, o que ·não nos fora defecultozo sustemtar como até agora, se se comseruara o comersio que por agora faltou, por mandar V. Magestade não se nauegaçem as naos de registo para Ymdias de Castela, de que pemdia todo o comersio della; asim por não ter outra saca (4) mais que de escrauos para omde nós os uemdiamos, ou os nauegauamos, de sorte que jumto á fome sobre dita, ficamos emposibilitados de poder sustemtar os ditos escrauos, e morar nesta pouoação (3), se V. Magestade, como Senhor nosso, não acodir com o remedio que comum, asim para bem de sua Real Fazemda, como para que nos posamos sustemtar nella e defemdela, para que suposto que algús de nós pertemdemos mudarnos para a ylha de Samtiago, ou outras pouoaçoes (i5) de V. Magestade.fora desta, o deixamos de fazer comsiderando depemde a Comseruação desta pouoação (3) de V. Magestade de nosa asistemsia, pello pouco poder que ao prezemte e sempre V. Magestade teue nela, o que fazemos atropelamdo todos os inconuenientes que aya, athé auizo de V. Magestade, que ficamos esperamdo, em que nos mande o que auemos de fazer, que mais comuenha ao Real seruiço de v  Magestade, ao que ficamos expostos, com muito dispendio de nosas fazemdas, sustentando não tão somente a nosos escrauos, como tambem ao gentio da terra, que pella falta que semtem de nauiose dadiuas que delles tem de indomesticos (6) que sempre forão se nos uão fazemdo jnimigos, o que uamos reparamdo com dadiuas o melhor que podemos.
O Cappitaõ Luís de Magallaês que ao prezente honrra esta Capitania, o [h]á feito mauilhozamente, asim no tenmpo de V. Magestade como no atrazado, porçedemdo como bom menistro e leal vasalo de V. Magestade, asim en o que se ofereseu tocante á g[u]erra como na paz e beneplaçito e comtento de todos nós, pelo que V. Magestade deue ser seruido premiar seus seruiços, que o que parese se lhe deu em esta capitania pode alegar pello major, pois de mais de chegar perdido em huã barca, não teue nunca lugar, pelo tempo calamitozo em que ueo, de poder ter proueito algum amtes em seruiço de V. Magestade [h]á despemdido muita fazemda, que toda nos está deuemdo; dito Cappitam escreue e apomta a V. Magestade a forma e modo com que por agora se pode sustentar em alguma maneira este comersio, que hé mandando aos nauios que partem para o Brazil e Maranhão, tome este porto, asim para comprarem algüs escrauos, como para leuarem outros por nossa comta, com que se emtroduza este trato para o Brazil, que neseçita de escrauos, e nós nos posamos sustemtar e defemder esta puoação (3) .de V. Magestade, asim dos negros gentios como de outros coaes quer enemigos, em que prezumimos serão os castelhanos os majores, por cauza dos grandes poruentos que tirão destes resgates e da muita nesesidade que tem delles para as minas de prata e  outras muitas couzas em que os ocupão. / /
E asim deue V. Magestade ser seruido de mais do que pedimos, para nos comstruarmos, mandar mais gente, que semdo nesesario nos ajudem a resestir o impetu do inimigo, que nós o faremos até perder as uidas ,como leaes vassalos de V. Magestade, de mais que esta terra, não tem outra fortaleza do prezemte nem defemsa de forteficasão, mais que nossos peitos e o animo com que os poremos por defemsa nas ocazioés que ofereser se podem. //
Goarde Nosso Senhor a muy Catholica e Real Pessoa de V. Magetade por muitos annos.
Cacheo, de dezembro 5, de 1641. ·(As assinaturas em fotocópia)
 AHU., Guné, ex. 1.
(1)  No original: Pauoçaõ.
(2) No original: ouer.
(3) No original: pauoasão.
(4) Saída, licença para exportar.
(5) No original: pauoaçoés.
(6) Bravos, indomesticáveis.
1642
O rei francês LUÍS XIII autoriza o tráfico de escravos e a escravidão nas possessões francesas.
1642/05/22
Pedro do Canto Pacheco bacharel, nomeado em 22 de Maio de 1642, foi preso pelo Governador Serrão da Cunha e condenado à multa de 2000 cruzados. Tendo agravado do castigo, El-Rei resolveu substituir tanto o Governador como o ouvidor. Em 1645 foi restituído à liberdade por ordem real: Durante a sua ausência foi substituído por António de Barros, nomeado pelo Governador da província.
«Para ouvidor geral fôra nomeado o bacharel Pedro do Canto Pacheco, em 22 de maio de 1642.
Em 14 de julho do mesmo anno foi creado, por um decreto, o conselho ultramarino, instituição modelo de D. João.
Uma das primeiras providencias d'aquelle conselho foi um alvará, datado de 11 de agosto, franqueando o commercio da Guiné aos naturaes d'alli e mais vassallos do reino.
Uma outra foi o alvará de 9 de setembro de 1642, fazendo concessão a Affonso Coelho da metade do Maio, que tinha vagado para a corôa. Foi boa medida porque a ilha estava abandonada.» 
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg.3, Lisboa, 1900
1642/11/12
GONÇALO DE GAMBOA AYALA, capitão-mor e feitor de Cacheu, temendo a influência de navios espanhóis nos rios da Guiné, chama para o facto a atenção da Metrópole e pede a presença de fragatas portuguesas para impedirem a entrada de navios estrangeiros.
1643
«Em 1643, queixando-se o governador do Brazil, Antonio Telles da Silva, a El-rei, de o governador de Cabo Verde ter consentido que um navio hollandez carregasse escravos para Pernambuco, sendo christãos, ao passo que os hollandezes eram herejes, e ao mesmo tempo que negava esse commercio aos naturaes, mandou-se por esse motivo ao ouvidor que devassasse este caso.
Provou-se ser verdade e propoz o ouvidor que se devia demittir o governador.» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 3, Lisboa, 1900
JONHATAN WINTHROP, colonizador da Baía de Massachusetts, regista no seu diário que um navio saído de Boston, levando aduelas de navio para vender em Inglaterra, fez uma viagem à Ilha do Maio, em Cabo Verde, e ali adquiriu "africoes" que foram depois levados para os Barbados e vendidos para adquirir melaço para enviar para produtores de rum em Boston. Este é a primeira vez que aparece relatado o infame mercado "triangular" de escravos.
1644/11/24
O rei manda que se recolha a resolução que tomou para os navios que forem da Guiné com escravos para o Brasil paguem os direitos em Cacheu.
1645/06/26
CARTA DE EL-REI D. JOÃO IV AO BISPO DE CABO VERDE (26-6-1645)
SUMÁRIO - Dinheiro das obras da Sé desviado para a fortaleza de Cacheu Pergunta ao Prelado a quanto subiu a importância para a restituir dos direitos dos escravos a obrar na dita fortaleza e na Guiné.
Reuerendo Bispo de Sanctiago de Cabo Verde. Ev EIRey uos inuio muito saudar. //
Hauendo visto o que me escreuestes em carta de 27 de Janeiro deste anno prezente, açerca das ordens que a essa Ilha leuou o Capitam Paulo Barradas da Silua para cobrar os depozitos que nella ouuesse, e o dinheiro que estaua depozitado pera as obras da Sée, como hia cobrando, sem embargo de estar aplicado pera a ditta obra, me pareçeo dizeruos que este dinheiro se tomou por empréstimo pera se fazer com elle a fortaleza de Cacheu, uisto a necessidade que há della, porquanto por ora está parada a obra da ditta See; e me auizareis a quantidade de dinheiro que o ditto Paulo Barradas tomou pera a ditta fortaleza, pera o mandar restetuir do rendimento dos direitos dos escrauos da mesma fortaleza de Cacheu, e Guiné. //
Escrita em Lisboa, a 26 de Junho de 645
E eu o Secretario Afonço de Barros Caminha o fis escreuer. //
Rey.
AHU., Cód  275, fl. 63.
1647
«O capitão-mór GAMBÔA AYALLA, em Cacheu, não luctava só contra os navios estrangeiros; os portuguezes que se empregavam no trafico da escravatura não menos o incommodavam, e assim se viu forçado a mandar presos para S. Thiago: ANTONIO DA CUNHA, DIOGO BARRASSA, THOMAZ BARRASSA FERNÃO LOPES DE MESQUITA, que mantinham tratos com castelhanos, bem como MANUEL FRAGOSO SOTTO MAYOR JOÃO RODRIGUES DA COSTA.
Estes presos, que eram os principaes moradores da Praça de Cacheu, não se defendendo da accusação do capilão-mór, limitaram-se a pedir a soltura a titulo da sua innocencia, e de leaes vassallos por terem acclamado Elrei e acudido em todas as occasiões de serviço e defeza da Praça.
Passou-se isto em 1647, quando em maio chegaram alll tres frades capuchos castelhanos, que diziam ser enviados pelo Summo Pontiftce para a conversão dos infleis. O capitão-mór oppoz-se a que elles missionassem, dizendo-lhes que só com licença de Portugal podiam exercer essa missão e nunca do Papa, que alli nada mandava, e que para os livrar dos ardores do sol os ia reter n'uma casa até que seguissem sob prisão para S. Thiago. E assim foi.
O capitão-mór de Cacheu pediu soccorro a El-rei pela segunda vez em 8 de maio de 1646, pois que jã o tinha feito em 25 de fevereiro, dizendo que se até setembro não fosse soccorrido, a Praça de Cacheu cabiria em poder dos castelhanos, e ao mesmo tempo que mostrava a conveniencia de se prenderem uns sete ou oito individnos, principaes da Praça, antes de chegarem os castelhanos, foi-os prendendo, como jã vimos, como promotores de uma lucta imminente, pois queriam a Praça ã sujeição de Castella, a ponto de tentarem seduzir os soldados para fugirem com a promessa de largas recompensas pecuniarias. Era chefe da revolta FERNÃO LOPES DE MESQUITA» -
Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné,  por Christiano José de Senna Barcellos,  parte II, pg. 12, Lisboa, 1900
1647/02/25
CARTA do capitão-mor de Cacheu, GONÇALO DE GAMBOA DE AYALA, ao rei [D. João IV] informando que fora avisado por FRANCISCO VAZ DE FRANÇA que tinha chegado à Gâmbia uma embarcação de ANTÓNIO DA CUNHA e que o prendera porque tendo antes saído com escravos para a Ilha Terceira foi antes às Índias e a Sevilha, sem licença e combinado com o rei de Bissau; referindo que era capitão do navio JOÃO LUÍS DA CUNHA, onde António da Cunha viajara como passageiro com ALEXANDRE MESQUITA, FERNÃO LOPES DE MESQUITA, JOSÉ RODRIGUES PINHEIRO e SALVADOR RODRIGUES PINHEIRO; relatando que JORGE GONÇALVES FRANCÊS, o informara que recolhera em sua casa um seu parente, DIOGO BARRASA CASTANHO, morador em Sevilha; dando conta que tinham chegado de Sevilha catorze frades capuchos [capuchinhos] barbados dizendo que vinham cristianizar mas não traziam licença e era estranho porque nunca o rei castelhano tal fizera quando regera Portugal, devendo andar à procura de aliados; mencionando a incapacidade de PAULO BARRADAS DA SILVA para ser capitão de Cacheu; esclarecendo sobre a mudança dos moradores de Geba.
Obs.: ver AHU_CU_CONSULTAS MISTAS, Cod. 14, fl. 50-50v: anexo: carta.
AHU-Guiné, cx. 1, doc. 52.
AHU_CU_049, Cx. 1, D. 48.
1647/06/01
ESCRAVOS DA GUINE E CABO VERDE PARA AS ÍNDIAS DE CASTELA (1-6-1647)
SUMÁRIO - Dá el-Rei licença aos moradores de Cacheu e de Cabo Verde para venderem seus escravos para as Índias de Castela, nas condições expressas.
Ev EIRej faço saber aos que este Aluará virem, que tendo respeito á conueniencia que resulta aos vassallos deste Reino, principalmente aos moradores de Cacheo, dilatarsse a naue a aõ em ordem ao augmento o comercio, e por folgar de lhes fazer mercê, hej por bem de lha fazer de licença para que possã mandar seus escrauos ás Jndias de Castella, emtendendosse o mesmo nos que se emviarem de Cabo Verde a Angola, Saõ Thomé e mais conquistas do Reino, cõ declaraçaõ que as fianças se naõ daraõ nunca em Cacheo, senaõ no Reino ou em Cabo Verde, como sempre foi custumeli
Pello que mando ao Prouedor dos Almazenes faça registar este Aluará nos livros delles e tomar as fianças referidas ás pessoas que daqui forem ás ditas partes, para daly leuarem os ditos escrauos à Jndia, na forma que se aponta. E outrosi mando ao Gouernador de Cabo Verde e Prouedor de minha fazenda delle, que na mesma conformidade façaõ tomar as ditas fianças aos que forem daquela Ilha e da praça de Cacheo ao mesmo efeito. E ordeno a todos os Gouernadores, Prouedores de minha fazenda e mais ministros a que tomar[em] as conquistas deste Reino, naõ embaracem as embarcasois que leuarem das ditas partes escrauos a Jndias, constandolle que tem dado a fiança asima declarada na parte a que tocar, e cumprao e guardem este Aluarâ taô jnteiramente como nelle se conthem, sem duuida nem contradiçaõ alguã, o qual vallerá como Carta, sem embargo da ordenaçaõ do 2.º liuro, titulo 40 em contrario. E se passou por tres vias. / /
Antonio Serraõ o fes ao primeiro de Junho de BCXLVII E eu o Secretario Afonço de Bairros Caminha o fis escreuer.
Rej.
ATT, Chancelaria de D ..João IV, liv. 15, fl. 99.
1647/06/04
PAULO BARRADAS DA SILVA queixa-se do capitão da praça de Cacheu GONÇALO DE GAMBOA DE AYALA.
GONÇALO DE GAMBOA DE AYALA, capitão de Cacheu, diz que os moradores daquela praça estão feitos com os castelhanos.
1647/06/29
CARTA DOS HABITANTES DE CACHEU A SUA MAJESTADE D. JOÃO IV (29-6-1647)
SUMÁRIO - Queixam-se amarguradamente do capitão Gamboa de Aiala, declarando como procede e como os vexa, pedindo a sua substituição por outro que seja humano para com eles, e para com os pretos e gentios.
Senhor
Muitos dias há que auemos intentado fazer esta a V. Magestade, como nosso Rei, e Senhor natural, pois não temos cá na terra a quem nos socorramos, senão a V. Magestade, em manifestarmos nossas mizerias e neçeçidades e uexaçois de Capitais/ /
Vai em sette annos Senhor, que aclamamos a Vossa Real Magestade, á ora que nos foi dado ter noua de V. Magestade estar restituido destes seus Reinos, como pode informar o Capitão Luis de Magalhais que aqui se achou, com a uontade de leais e verdadeiros portuguezes, estando nesta pouoação mais de outenta castiIhanos, todos homês de feito, e nós sinco ou seis moradores tão somente, que nesse tenpo aqui estauamos, tendo todos a mor parte de nossos cabedais em Castela, que nos não alenbrou nem os que de prezente tínhamos em nossas cazas, que erão negros para mandar em duas naos de registo, que aquy estauão pera partir pera as índias. / /
Com grandes fomes que auia na terra, que não auia quem se pudeçe sustentar a si, quanto mais cantidade de negros que tínhamos pera embarcar, que hüs nos morrerão á fome, e outros fugirão, e os que ficarão e uendemos por menos do que custarão a metade; e tudo se malbaratou, de que ficamos arruinados, sem cabedais, nem comercio nenhum de que nos puder sustentar, que tudo nos não pareçeo nada á vista de termos Rei e Senhor natural, e a remuneração que até o prezente auemos tido, sendo que não ouue outros mais uerdadeiros purtugueses, pois estamos numa parte taõ remota donde nos não faltão embarcaçoís se quizeramos ir pera Castelacomo fazem muitos nesse Reino; e com nossas mizerias estarmos asistindo nesta praça pera a defendermos, como fazemos, com os poucos negros que nos ficarão, há sette annos, como atrás dizemos, sem auer mudança em nós, como hé publico e notório, se quem gouerna quizer dar uerdadeira informação, que nós não queremos outra couza; e asim pidimos a V. Magestade, prostrados a seus reais peis (sic), se queira informar desta uerdade, pois hé serto nos não dispomos a fazer esta senão iá mui atropelados de sem rezois que com nosquo vza o Capitão mor Gonçalo de Ganboa de Aialaque nos trata pior que se fôramos castilhanos, não lhe dezobedesendo em couza alguã, e nos acha em tudo que nos ocupa do seruiço de V. Magestade com muita pontualidade naõ fazendo cabedal de nenhum de nós, nem tomar pareser nen concelho cõ nenhum, mais que fazer o que lhe dá na cabeça, que çoçeda bem quer mal, vzando tanben cõ demaziado rigor e más palauras com os gintios da terra e sercunuizinhos afugentando os de virem a esta pouoação, que a não estarmos tão bemquistos com eles, com os muitos dispêndios que cõ elles fazemos, não tiueramos pazes com elles, e corria muito risquo esta praça de V. Magestade e perderçe pelos muitos amiassos que lhe fas; e nenhum fidalguo da terra emtrou aqui há muitos dias por seu respeito, e se lhe dizem alguã couza, dis que não há mister concelho de níguem, que só elle basta pera todos; e se lhe dizemos a uerdade nos chama de traidores que de sua boca não temos outra honrra nem agradecimento, siruindoçe com os nossos mossos em todos os trabalhos que se oferecem e dos nossos carpinteiros, sem lhe dar pagamento, nem a nós agradecimento algumhe asim nas armadas que fas pera si, que asi se pode dizer, pois ele só se aproueita delas e não V. Magestade, como se uerá nas despezas que fas; algum dia donde nos matarão algüs negros sem os pagar nem dar agradecimento algum a seus donos; faz de conta que V. Magestade está muito longe, e quem nos desagraua dos agrauos que nos fas; e o pior de tudo hé que iá mais cunpre a palaura que dá em nome de V. Magestade e a torto e a direito fas o que quersem níguem lhe falar palaura, porque loguo se desconpoin con nosquo e nos mete em grylhois, como fes a algüs moradores desta praça indolhes requerer sua justiça contra outras partes; e loguo sobretudo, que hé o pior, tolher o comercio e naõ querer que níguem vá a parte alguã, inda que seia em huã barca e ter danado os principais portos destes Rios, pondo tributos nouos que nunca ouue, pera seus oficiais, em todas as embarcaçoís que andão nestes resgates, e tem islados aqui ha muitos homês sem os querer dexar fazer uiagem pera os resgates, dizendo se dexem estar, que spera algüs auizos, e o mais, cumo há dado muito dano a hum JOÂO ROIS DA COSTA, que tem feito huã embarcação nesta terra, q°ue lhe tem custado outenta negros há coatro annos, sem o querer dexar ir pera parte alguã, que está arriscada a perderçe, e seu dono, que aclamou a V. Magestade, sendo Capitão de infantaria, ficar arruinado, de que elle se lhe dá bem pouco; couza mui estranha de todos se não que seus anteçeçores se não metião em mais que dos despachos a quem os pidia, não retendo os nauios como [o] dito Capitão fas. / /
Está fazendo a todos mil asintis, e couzas outras que a não sermos tão leais nos há dado motiuo a que fizeçemos couza mal feita, o que não faremos, e nos uamos portando em tudo, pois temos a V. Magestade pera que nos acuda, e mande licença pera que nos não acabemos de ruinar de todo, pois lho não merecemos, nem lhe contamos os bocados das couzas que fas; que tomou huã nao e huã mula (1) dos castilhanos, onde se achou muita cantidade de fazendas, e toda a conuerteu em negros, mandando os por sua conta e risco hüs pera o Brazil por duas uezes, e outros muito pera a ilha de Sanctiago, na fragata que V. Magestade lhe deu pera uir nela e pera o apresto da fortaleza que uinha a fazer, trazendo a na carreira do frete, e outros negros que mandou na fragata de DOMINGOS GARCIA, que se perdião em Galiza, e outros na fragata de MANOEL FERNANDEZ SILUA, que despachou pera o Brazil com o dinheiro dos direitos que rendeu a dita fragata, tudo por sua conta e risco, ficandolhe a caza cheia de negros, sem mandar nada em todas estas embarcaçois, por conta de V. Magestade, e dizendo na praça desta pouoação, estando fazendo almoedas, que ainda lhe ficaua V. Magestade deuendo muito dinheiro, e a nós não paçou nunca pelo pensamento falar nestas couzas, que huã couza hé ue lo, e outra contalo; que não hé home Senhor de [se] lhe dizer nada que loguo nos salta no rosto; e não falamos aqui até gora na muita fazenda que lhe tinha emtregue o Capitão Paulo Barradas da Silua, anttes de sua morte, e a que lhe achou em caza, de que tudo fas soma de muitas mil barafulas, que hé o dinheiro da terra, sem fazer couza que boa seia em tres annos que uaj que está nesta pouoação, que a tabanca dela, que hé a fòrtificaçrão desta praça, os moradores com seus nauios e moços a tem feita com huã uontade mui larga á sua custa. / /
Pidimos a V. Magestade como Rey e Senhor nosso nos socorra dandonos nouo Capitão, e emcomendandolhe o noso bom tratamento. Porque afirmamos que tem paçado os limites do sofrimento que temos tido, e não podemos iá mais e nenhum de nós oza a dizerlhe nada, porque desde o dia que aqui emtrou nos dis todas as uezes que quer, que tem ordem pera nos mandar a todos prezos, pera com isto nos tapar a boca, pera lhe não emcontrarmos o que fas. E não sabemos em que temos delemquido contra o siruiço de V. Magestade, asim que pidimos a V. Magestade nos acuda com breuidade, porque se durar muito este catiueiro nos meteremos pelos matos, que isto hé terra firme e não ai quem poça sofrer tanto, e jsto suplicamos a V. Magestade mui emcarecidamente, porquanto o dito Capitão publicou que V. Magestade lhe tem concedido mais tres annos de gouerno, por ter começado a fortaleza que uinha a fazer, pera a acabar, a coal hão se lhe tem posto mão, nem ai ordem nenhuã pera ele a poder obrar, porque todo o dinheiro que troxe o Capitão Paulo Barradas da Silua, e o que lhe achou por sua morte e das tomadias que fes, que tudo inporta milhor de uinte mil barafulas, que está tudo conçumido e não há hum real de nada e tudo está deitado em despeza, e inda dis lhe fica V. Magestade deuendo muito dinheiro. / /
Ficamos confiados em que V. Magestade mandará acudir a tudo como tão Católico que hé e zeloso do bem de seus uasalos.
Guarde Deos a catholica e Real peçoa de V. Magestade por muitos annos, pera aumento dè seus Reinos. / /
Cacheo, 29 de Iunho de 1647.
(Assinaturas em fotocópia)
AHU., Guiné,, cx. 1.
(1)Deve tratar-se da muleta, curiosa embarcação de vela para a pesca de arrasto.



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