1465
A ilha
de S. Vicente foi descoberta ao mesmo tempo que a de S. Nicolau, em 1465, e
doada depois ao duque de Viseu, na ideia de que trataria de a colonizar com gente das ilhas vizinhas; tal colonização porém não se realistou, e a ilha ficou
esquecida quase até ao século XVIII. Em 1781 foi mandada povoar regularmente,
assim como as demais ilhas desertas do arquipélago, O que todavia só se levou a efeito em 1795, quando João Carlos da
Fonseca, proprietário da ilha do Fogo, obteve licença para a ir povoar com vinte
casais daquela ilha, sendo nomeado capitão-mor.
Mas
apesar das desprezas feitas por aquele capitão-mor, tão superiores ás suas forças que chegou quase à mendicidade, não obstante os esforços do governo da metrópole, e sem embargo do grande empenho que nisto pôs o governador José da Silva Maldonado de Eça,
não se obteve senão a aglomeração de umas poucas de choupanas, a que se deu o
nome de Povoação de D. Rodrigo.
Em
1819 estavam já quase todas por terra, e não havia talvez mais de 120 habitantes
em toda a ilha, de modo que frustrou isto inteiramente o plano do governador Pusich, de para ali
transferir a capital da província, querendo erigir uma denominada Vila Leopoldina.
O
nobre visconde de Sá da Bandeira, que sempre tem mostrado o mais sincero e
ardente desejo de fazer prosperar as colónias de Portugal, determinou em 1838
que se fundasse no mesmo lugar uma povoação com o nome de Mindelo,
em memoria do desembarque do imperador com o exército expedicionário nas
praias do Mindelo, em Portugal; vinte anos depois, em 29 de Abril de 1858, foi
esta povoação, contando já então bastantes edifícios urbanos, elevada á
categoria de vila.
1466
1466
Em Cabo Verde, colonos do Algarve, região meridional de Portugal, rogam à Coroa
e recebem autorização para comerciarem
escravos. Em 1469, o primeiro
"contrato de concessão" para a compra e venda de escravos é emitido
pela Coroa. Um Decreto Real de 1472 concede aos "moradores
estantes" de Santiago o privilégio de "terem escravos, homens e
mulheres, trabalhando para eles, permitindo-lhes viver e estabelecer-se
melhor". Portugal concedeu autoridade para o comércio em toda a África
Ocidental excepto Arguim, na costa da Mauritânia. Os Africanos continentais, forçados à submissão e levados para Cabo
Verde, eram geralmente dos povos Balanta, Papel, Bijagó e Mende, da Costa da
Guiné. As únicas restrições impostas pela Coroa aos colonizadores
caboverdianos eram uma taxa de 25% sobre todas as importações da Costa e o
acatamento total do velho embargo à
venda de armas, ferro, navios e equipamento naval aos "selvagens".
Muitos
dos primeiros colonos brancos foram expulsos para Cabo Verde sem as suas
famílias e arranjaram ligações com mulheres escravas, fazendo aumentar a
população mulata. Alguns dos colonos ou seus descendentes mulatos passaram para
a Alta Guiné e formaram uma classe de intermediários ("lançados") que
iria ter um papel crucial na expansão do tráfico de escravos e no
estabelecimento do "lugar" dos Caboverdianos na história económica da
África Ocidental. Muitos destes intermediários casariam com mulheres africanas
para solidificarem a sua posição social em várias sociedades da África Ocidental.
Os interesses políticos e económicos portugueses na região colidiam
frequentemente com os dos lançados.
1466/01/28
Início
da construção da igreja do Espírito Santo na Ribeira Grande. Presença do primeiro franciscano na Ribeira Grande.
Em Cabo Verde, a evangelização começou em
1466,
com a presença de dois religiosos, FREI
JAIME e FREI ROGÉRIO. Ambos
franciscanos do Convento de São Bernardino da Atouguia em Lisboa. Essa
assistência foi efémera, terminando no decorrer de um conflito entre os frades
e o capitão Bartolomeu de Noli, que teria mandado matar frei Rogério e prender
o seu companheiro.
BARTOLOMEU DE NOLI, irmão do governador
de Noli e também proprietário de uma plantação em Cabo Verde, é relatado ter
ordenado em 1466 o assassinato de um
franciscano - FREI ROGÉRIO - alegadamente por este, em nome da Igreja, se
ter oposto à convivência de Bartolomeu de Noli com uma mulher portuguesa fora
do quadro católico do matrimônio.
Recorde-se
que os primeiros franciscanos “tinham vindo com Bartolomeu de Noli que teria
iniciado a colonização com uma vida escandalosa, pelo que o Frei Rogério, por o
ter levado a razão a amante do italiano, foi por ele assassinado. O mesmo
Bartolomeu mandou encarcerar o Frei Jaime, mas temendo a ira popular mandou-o
libertar. “ (cfr. Bernardo P. Vaschetto, ilhas de Cabo Verde, Origem do povo
cabo-verdiano, p.230).
«Em 1466 desembarcaram na ilha Fr. Rogerio e seu companheiro Fr.
Jaime os quaes levados pelo fervor religioso para ali seguiram de Portugal,
afim de se occuparem da sua elevada missão, convertendo ao christianismo os
negros povoadores, futuros obreiros da civillsação, e confessando a todos.
Não foi muito feliz Fr. Rogerio n'esta missão, que pela segunda
vez deixava o seu convento de Athouguia, pois que da primeira passara á Madeira.
Eis o que nos relata Fr. Povoa, que extrahiu do Breviario de
Servo de Deus, escripto por alguem que estivesse ao pé de Fr. Rogerio,
ou pelo seu companheiro Fr. Jaime.
Em 1466 seguiu para Cabo Verde Fr. Rogerio, com o seu
companheiro Fr. Jaime, ambos franciscanos do convento de S. Bernardino de
Athouguia, arcebispado de Lisboa e naturaes de Catalunha.
•Que Cabo Verde fôra descoberto em 1460 por Antonio da Noli, e
que este era acompanhado pelo seu sobrinho Raphael e irmão Bartholomeu.
•Este ullimo estava já alli como capitão da ilha, quando
n'ella aportou o veneravel Fr. Rogerio com Fr. Jaime. Fr. Rogerio achou a terra como elle desejava, só e
destituída de povos, exceptuando alguns genovezes, que mais tratavam de colher
o algodão pelo matto. Ainda assim se retirava d'este limitado concurso, e
posto em deserto, fez uma casa de ramos e terra, para si e seu companheiro, e
junto a ella um oratorio dos mesmos materiaes, onde ambos celebravam.
•A caridade nos visinhos pouca e demasiado o seu retiro, pelo
que viviam em grandíssima pobreza e necessidade, sustentando-se quando muito,
de algum peixe que pescavam, mas sempre satisfeitos e alegres.
•Aconteceu n'este tempo confessar-se a Fr. Rogerio uma mulher, que ocapitão (Bartholomeu)
levara de Portugal, e a conservou sempre, vivendo em estado de culpa, com muita
publicidade e grande escandalo; e concorrendo a graça divina, com os santos
conselhos do veneravel padre se viu ella
livre do laço, com que o inferno a trazia presa.
•Voltou para o reino,
fugindo á occasião do pecado, e o capitão sentido de perder a causa da sua
ruina, tratou de tomar vingança no
confessor innocente.
Dispoz
que o companheiro fosse levado a outra ilha, e n'este meio tempo lhe deu
secretamente garrote e para que tudo se effectuasse em segredo fez do mar
ataúde do seu cadaver.
•Padeceu este veneravel religioso em defensão da virtude e
extirpação do vicio no anno do
Nascimento de 1466 aos 28 de janeiro com 70 annos de edade, todos
empregados ao serviço de Deus.
•Foi o tyrano Noli tão cego, como são todos os filhos da
perversidade, pois queria dissimular o sacrilegio, augmentando a culpa e
fazendo maior a fogueira da soa condemnação. Levantou que o devoto Fr. Jayme fõra o homicida, não obstante estar
elle n'aquella oceasião ausente por sua ordem: lançou-o em prisão rigorosa,
onde padeceo muitos trabalhos, até que sabida a sua maldade no povo e temendo
que as mesmas pedras se levantassem castigando a insolencia, o fez sabir da
cadêa. E porque não lhe faltasse o vicio de ladrão, roubou jontamcnte quanto
havia no oratorio, não obstante ser tudo pobreza.
Fr. Rogerio era famoso letrado, musico, excellente escrivão,
muito alegre nas suas conversações e a todos agradavel. Escreveu Breviarios,
Discursos, Rltuaes e outros não só de reza, mas de materias differentes.
Este assassinio devia ter sido na Ribeira Grande, unico povoado
da capitania do sul dominado pelos Nolis. Ignoramos
se Bartholomeu da Noli ficou ou não impune. É certo que na ilha corre uma
lenda, de que houve ali uma villa que alguns suppõem ser a dos Alcatrazes, que
fõra arrasada e salgada por mandado d'El-Rei, por o capitão d'ella ter raptado
a filha de um capitão de navios, que a bordo levava em sua companhia;
realisando-se esse rapto, na occasião em que o capitão da localidade mimoseava
com um jantar o capitão de navios e tambem á sua filha, ficando o pobre pae só
á mesa; que este sem meio de obter qualquer reparação, veio para Lisboa
queixar-se a El-Rei da infamia do capitão, e que El-Rel mandou alli um navio de
guerra para prendel-o, arrazar e salgar a vllla para que nunca mais houvesse
outra n'aquelle local.
Por multo mão senso que tivesse El-Rei, não acreditamos que elle
mandasse arrazar um povoado, tornando victimas os moradores, que não podiam ser
responsaveis pelos actos deshonestos do capitão.
Esta
lenda parece relacionar-se com o procedimento do Fr. Rogerio, que como
confessor da amante de Bartholomeu, a induzira a abandonal-o. Abandonou-o,
certamente, mettendo-se a bordo de qualquer navio que por alli appareceu.
Uma lenda atravessa o decorrer dos seculos, sempre com o cunho
de verdadelra, embora sofra mais ou menos allerações na sua narração.
Quer-nos parecer que a scena, que deu origem ao assassinio de
Fr. Rogerio, é a mesma lenda, porque n'ella figuram os mesmos personagens; os
capitães e uma mulher; com a differença, porém, que o capitão do navio foi quem
proporcionou a fuga á amante do Bartholomeu, dando origem a que á Ribeira
Grande fosse um navio, não pelo motivo que a lenda nos conta mas sómente pelo
assassínio do veneravel Fr. Rogerio.
Em 1779, suscitando-se no reino algumas duvidas, se a capella de
Nossa Senhora da Conceição da cidade da Ribeira Grande, fõra mandada edificar
pelo infante D. Henrique, pediram-se informações ao governador de Cabo Verde, o
qual respondeu que a tradição dizia, que fôra erecta por elle para n'ella se celebrarem missas por sua alma, uma em
cada sabbado, com a ordinária de 60$000 réis no rendimento proprio da alfandega;
que fôra esse o primeiro edificio que alli se construiu, e que d'isso não havia
assento nem clareza, por ter sido a ilha invadida pelos francezes por duas
vezes, que queimaram os antigos cartorios da cidade.
Era infundada essa tradição, pois que em 1466 vemos Fr. Rogerio
a celebrar missas n'um oratorio que fez.
Podemos dar-lhe inteiro credito, attribuindo a construcção
d'esta egreja ao infante D. Fernando, filho adoptivo e herdeiro de seu tio o
infante D. Henrique o qual falleceu em 1470.
Entre 1466 e 1470 marcaremos a data da conslrucção d'aquella
egreja, que fôra erguida sobre invocação do Espírito Santo.
Nem podia ter sido o infante D. Henrique, se lêrmos com attenção
a carta de privilegios dada aos moradores em 12 de junho de 1466, que diz: «A
quantos esta carta virem, fazemos saber que o infante dom Fernando meu presado
e amado irmão nos enviou dizer como haverá quatro annos que elle começara a
povoar a sua ilha de Santiago...
Começando
o povoamento em 1462, não podia certamente, o infante D. Henrique, que falleceu
em 1460, ser o promotor d'esse povoamento, e, muito menos, da construcção de qualquer edificio, que tambem
requeria pessoal habilitado e material, que decerto levaria alguns annos a
conseguil-os alli.»
Subsidios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Senna Barcellos, parte I,
pgs. 28-31, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899
1466/06/12
1466 - 12 de Junho, carta de privilégio dada por D. Afonso V aos moradores
da ilha de S. Tiago, referindo o Monarca que: Lhe pertencem os tractos das partes da
Guiné;
À excepção do tracto de Arguim, com suas demarcações, aonde apenas
poderá ir comerciar «quem nos quisermos e por bem
tivermos per nossa licença e lugar»; os moradores de S. Tiago ficavam autorizados
a, sempre que quisessem, ir com navios tractar e resgatar em todos os restantes
tractos, transportando todas as mercadorias
que tivessem e quizessem levar, desde que não
fossem armas e ferramentas, navios e aparelhos
deles;
Segundo a Ordenança estabelecida para todos
aqueles que do Reino pretendiam ir comerciar à Guiné, cada
armador tinha de solicitar licença ao Rei, directamente ou através dos seus
oficiais, e requerer a nomeação de escrivães para
os acompanharem nas viagens e elaborarem
o rol de todas as mercadorias trocadas;
Os moradores de S. Tiago, que quisessem ir comerciar à Guiné, pediriam
licença e nomeação de escrivães ao recebedor ou
almoxarife, designado pelo Rei para na ilha de S. Tiago, assim que regressassem
os navios que tinham ido efectuar o tracto à Guiné, arrecadar
o
direito
do quarto sobre todas as cousas resgatadas na Guiné, rendimento este que pertencia ao Rei e que a expensas
suas seria transportado para Portugal;
Os escrivães, que iam nos navios
saídos de S. Tiago, venciam os mesmos ordenados do que aqueles que saiam de Portugal, mas apenas
durante o tempo que durava a viagem de S. Tiago para a Guiné e volta;
Liquidado o direito do quarto, os mercadores podiam vender livremente os produtos e escravos, dentro ou
fora da ilha; no caso de trazerem as mercadorias para venderem em Portugal ficariam isentos de aqui pagar direitos e dízimas (23).
(23) - Doc. transcrito no Livro das Ilhas, fl. 2 v.•, Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. por Senna Barcellos - Subsidies
para a hist6ria de Cabo Verdie e Guiné, Parte 1, p. 21-23.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
Foi
concedida a Carta Régia pela qual o
lnfante D. Fernando passou a arrecadar o «quarto de todas as coisas que os
moradores de Cabo Verde resgatarem em as ditas partes da Guiné».
Só
em 1466, por carta régia, todas as ilhas de Cabo Verde receberam um foral com
privilégios especiais para os seus moradores.
A política africana das
descobertas, defendida pela burguesia, levou os descobridores às terras da
Guiné que foi um dos grandes centros de comércio com as populações autóctones,
em que se incluía o recrutamento de escravos.
Na altura da chegada
àquelas paragens, governava em Portugal o rei D. Afonso V (1438-1481).
Carta
régia da concessão de privilégios para o incentivo da fixação de colonos em Cabo Verde.
Para cativar a presença de novos povoadores a coroa acenava
com um soldo dobrado em relação ao do reino e as possibilidades de comércio na
costa africana. Os privilégios concedidos em 1466, para o comércio nas costas
da Guiné, exceptuando as mercadorias defesas e o trato de Arguim, foram o
principal chamariz para os novos colonos esquecerem as agruras do clima.
No
enquadramento de monopólio régio que se esboçou, em que apenas por arrendamento
e concessões pontuais se entreabria a particulares, os habitantes de Santiago
ou excepcionalmente aqueles que, não o sendo de facto, tinham obtido do rei o
estatuto de “moradores” da ilha, ganharam direitos especiais. Para promover a
colonização da ilha, D. Afonso V, deu-lhes, em 1466, a possibilidade de
participar livremente e num regime de certa exclusividade nos tratos da costa
da “Guiné”. Mas a costa da Guiné (a até então descoberta) da carta régia de
1466 tinha o sentido mais lato do termo dos documentos oficiais de então, com
uma excepção importante: o comércio da feitoria portuguesa de Arguim. 9
9Carta régia de 12 de
Junho de 1466: ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, L. 14, fl. 104 e Livro das
Ilhas, fl. 10, pub. in História Geral
de Cabo Verde. Corpo Documental, vol. I, pp. 19-22.
1468
«Ao longo de todo o Antigo Regime, o principal
beneficiário do tráfico de escravos foi o próprio Estado.
Desde a morte do infante D. Henrique, em 1460, que o comércio africano
era monopólio da Coroa, o que significava que os navios
que navegavam para África necessitavam de autorização prévia do rei e que os
produtos que de lá chegavam estavam sujeitos ao pagamento de direitos e
impostos. Essas funções competiam inicialmente à Casa do Trato da Guiné,
com
sede em Lagos, que foi transferida para Lisboa em 1468
com o nome de Casa da Mina e Tratos da Guiné, ou só Casa da Mina.
Na Casa da Mina foi criada, em 1486, uma repartição destinada
a superintender o tráfico dos escravos, a chamada Casa dos Escravos,
cujo edifício, além de acolher a parte administrativa, dispunha também de um
grande armazém onde eram concentrados os cativos após o desembarque.
Aliás, em 1512, o rei D. Manuel proibiu expressamente que fossem desembarcados fora de Lisboa
quaisquer escravos trazidos a Portugal.
O número de escravizados entrados no país subiu de algumas cenrenas no fim do século xv para urna média anual de cerca de 2500 nas duas primeiras décadas do século XVI. Provenientes da Senegâmbia (a maioria) ou do golfo da Guiné, muitos
desses escravos eram reexportados, como já se disse atrás, para o Sul de Espanha, de onde uma parte deles era, por sua vez, remetida para as Antilhas.
Quando, em 1518, foi autorizada
pelos
reis de Portugal e de Espanha a exportação direta de escravos para a
América Espanhola a partir de Cabo Verde e de São Tomé, diminuiu a importância de Lisboa como cenrro de
distribuição, mas não como centro de adminisrração e
controlo.
Entre as competências da Casa dos Escravos
(e que depois irão passar para
outros organismos) estavam: a venda de licenças para o tráfico; o
arrendamento a terceiros, em regime de monopólio, do comércio em
determinadas áreas do litoral africano; e a concessão a particulares,
mediante
pagamentos
anuais, de contratos
de
exploração
dos direitos régios em áreas já povoadas e com atividade económica própria, como Cabo Verde
ou São Tomé.
A outra solução usada pela Coroa foi a administração direta
dos monopólios comerciais pela Fazenda Real, o que exigia montar um corpo de
funcionários especializados, pagos com as receitas que resultavam da sua ação, em geral mais motivados pelos interesses privados do que pelo serviço do rei e demasiado
recetivos à corrupção.
Ao arrendar esses recursos a capitalistas privados, a Coroa poupava em meios humanos e em despesas,
e, sobretudo, garantia receitas fixas, não sujeitas às oscilações e caprichos do mercado. Não se livrava, claro, dos ataques do contrabando,
muitas
vezes
promovidos
pelos próprios contratadores. E também não tinha como fugir ao
problema dos pagamentos, que nem sempre eram tão vultuosos
e pontuais como estabelecia a letra dos contratos, embora, para os garantir, se exigisse fiadores abonados e
credíveis.
Ainda no século xv, o banqueiro e armador Bartolomeu Marchionni, representante dos Médicis em Portugal,
aparece como arrendatário do «rio dos Escravos», entre
1486 e 1493, e dos «rios da Guiné de Cabo Verde» (Senegâmbia) entre
1490 e 1495. Em 1502 e 1503 essa área passa para Fernando (ou Fernão) Loronha, ativo mercador cristão-novo, cavaleiro da
Casa Real, que tivera por duas vezes o
monopólio do comércio do pau-brasil e foi um dos
primeiros a conseguir o contrato de abastecimento de escravos e vinho a São Jorge
da Mina.
Outras áreas houve colocadas sob regime de
exclusividade, como a da Serra Leoa ou a dos rios Cantor e Gâmbia, esta arrendada
ao
comerciante João Rodrigues de Mascarenhas.
As maiores receitas iriam vir, no entanto, dos arrendamentos
para
a
cobrança dos direitos régios
nos arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe e, a seu tempo, no «reino de Angola».
Os contratos de arrendamento nas ilhas de Cabo Verde
iniciam-se em 1501 e mantêm-se durante cerca de 20 anos. Depois
disso, na perspetiva de grandes lucros que nunca se concretizaram, a Coroa
tenta o regime de administração direta. Quando, em 1535,
se regressa ao modelo de arrendamento a particulares, o contrato
para a cobrança dos direitos sobre os escravos trazidos da costa de África
surge já separado do das outras mercadorias entradas ou saídas das ilhas, o que mostra
a
importância que o tráfico
de mão-de-obra estava a ter na economia do arquipélago. E os contratos
passam a ter a duração de seis anos, em vez dos três
habituais.
À medida, porém, que o comércio dos «rios da Guiné» se autonomiza, passando a fazer-se diretamente
com as Américas, o tráfico negreiro vai-se
progressivamente afastando do arquipélago cabo-verdiano
e, a partir do século xvii, em muitos
dos anos, já não há sequer quem arremate o contrato.
Não sabemos que valores atingiu o arrendamento dos direitos
no período de maior prosperidade dos negócios em Cabo
Verde. Para o período de 1602-1606, Jácome Ficher e Custódio Vidal, com pouca experiência neste negócio,
arremataram-no por 27 000$000 mas, em 1605, tiveram de largar o
contrato por incumprimento. No seguimento, o mercador lisboeta cristão-novo João Soeiro conseguiu o arrendamento por
16
000$000
réis
anuais e a partir de então os valores do contrato
foram
sempre abaixo dessa ordem de grandeza»
ESCRAVOS
E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no
Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do
Livro, Lisboa, 2013, pg. 158-160
1469/11/00
«1469 - Novembro, D. Afonso V arrendou por 'cinco anos a Fernão Gomes o exclusivo da exploração comercial da costa da
Guiné, mediante o pagamento da renda anual de 200.000 reais e a obrigação
de, em
cada ano, descobrir cem léguas de costa a partir da Serra Leoa. Ficaram excluídos do contrato: o tracto da zona de
Arguim, presumivelmente pelo facto de «el Rei o ter dado ao Príncipe (D. João) em parte do assentamento que dêle tinha»; o tracto da zona de terra firme, fronteira às ilhas de Cabo Verde, por ele ficar para os moradores
delas, zona esta que (segundo identificação de João Barreto (24),
baseado em André Álvares de Almada - Tratado breve dos rios
da Guiné de Cabo Verde) deveria
ser compreendida entre os rios de Senegal e de Serra Leoa. Todo o marfim
resgatado deveria ser vendido ao Rei à razão de 1.500
reais o quintal, ficando Fernão Gomes com o direito de todos os anos resgatar um gato almiscarado, animal este
muito valorizado em virtude de produzir urna
substância aromática usada para a preparação
de perfumes e em terapêutica.
Em 1470 a renda anual foi aumentada de
100.000 reais por Fernão Gomes ter conseguido
o
exclusivo do resgate da malagueta, conforme acertadamente deduziu
Fontoura da Costa (25). Por carta régia de 1 de Junho de 1473 foi o arrendamento prorrogado por mais um ano (26).
(24) - História da Guiné, p. 66, nota (a).
(25) - Em A actividade dos
descobrimentos desde a morte de D. Henrique até ao advento de D. João II, em Hístório
da Expansão Portuguesa no Mundo, vl. 1.0 , cap. IX, p. 359.
(26) - João de Barros-Asia, década l.ª, l.• 2.•, cap. 2, p. 71-73; Damião Peres - História dos Descobrimentos Portugueses,
p. 144-145.»
De Novembro? de 1469 a 1474, D. Afonso V
continua detendo o pleno domínio e jurisdição da Guiné, mas as armadas que ele
enviasse - dado que a continuação do descobrimento e
reconhecimento geográfico para o Sul tinha sido adstrito a Fernão Gomes - apenas poderiam visar: a
caça aos corsários que andassem realizando ilegalmente o tracto e
assaltassem os navios autorizados a resgatar, os quais pertenciam
a Fernão Gomes, ao Príncipe e aos indivíduos a quem ele desse licença para traficar na zona de Arguim, aos moradores de Cabo
Verde que visassem o resgate na sua zona,
(embora a função de caça aos corsários devesse ser realizada
principalmente por Fernão Gomes, como forma de defesa da
integral usufruição dos seus direitos, é admissível que
também pudesse ser prosseguida pelo Rei); o resgate de gatos almiscarados
e
unicórnios,
e
– anteriormente a Novembro? de 1471, data em que esse resgate
foi concedido a Fernão Gomes - malagueta; no entanto é de presumir que os navios régios, mesmo neste
período, desde que autorizados por Fernão Gomes e mediante
o pagamento a este de certos direitos, pudessem ir realizar o resgate de outras mercadorias
aos tractos da Guiné.»
Jorge Faro, Duas
expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D.
Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º
45, Janeiro 1957
1469
Fernando Gomes, um mercador de
Lisboa, adquire os direitos exclusivos do comércio em escravos, ouro e outros
bens de valor, na Costa da Guiné, sob a condição de "descobrir" 100
léguas de costa e pagar uma soma fixa à Coroa por cada um dos cinco anos do
contrato. A área da costa em frente de Cabo Verde estava excluída do seu
domínio, juntamente com a área junto à fortaleza de Arguim, a primeira tendo
sido atribuída a mercadores de Santiago. Em 1472, Fernando Gomes conseguiu que
a Coroa alargasse o âmbito do seu contrato de comércio individual, restringindo
o comércio por caboverdianos apenas a produtos caboverdianos. Parcerias entre
caboverdianos e estrangeiros eram proibidas. Este sistema permaneceria em vigor
até meados do Séc. XVII.
Os escravos vendidos no
mercado de Santiago eram classificados em três tipos. Por ordem crescente de
valor, eram boçais (de boçal: ignorante), escravos recém- importados que
falavam apenas as suas línguas nativas; ladinos, escravos residentes há mais
tempo em Santiago que tinham aprendido Kriolu, tinham sido baptizados e
"ensinados a trabalhar"; e naturais, os nascidos em Cabo Verde
(Carreira 1972: 267 citado por Meintel).
Em 1469, por contrato, a coroa
arrendou o comércio da Guiné ao mercador Fernão Gomes que viu confirmado esse
arrendamento no reinado de D. João II (1481-1495), para explorar o litoral
africano a sul da Serra Leoa. Desde
então, os mercadores caboverdeanos começaram nas tarefas comerciais nas zonas
próximas da foz dos rios guineenses, onde se fixaram alguns mercadores. Por
isso é que, desde o início, a história da Guiné integra-se na de Cabo Verde.
A costa ocidental da África mostrava-se
atractiva para o lucro dos mercadores e para a Coroa. Da Guiné saíram não só bens de comércio mas também e especialmente
muitas pessoas - os escravos - que eram considerados verdadeiras mercadorias.
Brasão de armas de Fernão Gomes da Mina, o primeiro grande negreiro atlântico. Figuram
no brasão com que foi agraciado as «mercadorias» que tinham feito a sua
fortuna: ouro e escravos africanos. (Livro da Nobreza e
Perfeiçam das Armas de António
Godinho, c. 1500. Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
Lisboa)
Fernão
Gomes, um comerciante de Lisboa possui os direitos exclusivos para negociar escravos e ouro em Cabo
Verde e ao longo da costa da Guiné (ele foi obrigado a explorar cem léguas
a oeste da Serra Leoa em troca de tais concessões).
«Em
primeiro lugar a concessão de Fernão Gomes em 1469-74.
Deixemos
tudo o mais e as peripécias que rodeou esta concessão mercantil onde a troco de
uns patacos para a coroa se fez uma enormíssima fortuna, ou melhor, se fizeram
enormíssimas fortunas pois os homens que Fernão Gomes associou a si - famosos
pilotos e capitães - foram partícipes indirectos nesses enormes lucros do
concessionário.
Após
peripécias e desforços vários com o Monarca, Fernão Gomes construiria no espaço
atlântico uma verdadeiro potentado marítimo e mercantil de uma extraordinária
dimensão geográfica, que jamais alguém conseguiu igualar: o maior espaço
mercantil concedido a um particular na Europa do seu tempo Infelizmente não
conhecemos o texto em que se estipularam os termos e exactas condições deste
arrendamento ou “conçerto” (tal como a da renovação de 1473). Ignoramos,
assim, os exactos termos e condições deste contrato de arrendamento. Mas é
seguro que houve uma “Carta de Contrauto” onde se especificavam a “maneira
e condiçõões e declaraçõões e cousas com que lho temos dado e outorgado” estipulando
condições possivelmente mais pormenorizadas do que as sumariadas pelos
cronistas.
O
seu conteúdo foi mais largamente anotado por Barros e são os termos e cláusulas
sumariadas por este cronista que se têm sido tomadas como o conjunto de
condições mutuamente aceites em Novembro de 1469.
Para
além de algumas determinações específicas, retenhamos o essencial para o ponto
aqui em análise:
O
arrendamento ou concessão, do comércio (por quatro anos mais um) incluía toda a
extensão da costa que viesse a descobrir e explorar, além dos limites da Serra
Leoa. Na verdade o arrenadamento dos tratos incluía a obrigação de navegar e
explorar, pelo menos, 100 léguas de costa ”de maneira que no cabo de seu
arendamento, désse quinhentas légoas descubertas”.
Ressalte-se
um aspecto pouco focado com esta concessão: a Coroa impunha a colocação de
Padrões nas terras que e viesse a descobrir. Com esta cláusula a coroa quase
que se resigna e se limita a reivindicar para si uma mera posse administrativa
em termos de titularidade.
Tudo
ficava neste acorde ou concessão a exclusivo encargo do Concessionário, que
organizaria o trato conforme o entendesse e mediante ainda um pagamento anual
ao Monarca de 200.000 reais brancos (que pareceu quase simbólico como o Povo o
referia em Cortes, logo
depois).
Posteriormente
a este Contrato com o Rei, viria Fernão Gomes a acertar outro com o Príncipe D.
João. Embora não se saiba exactamente quando, assegura Barros que veio
efectivamente o mercador a negociar com o Príncipe o comércio de Arguim que
Afonso V não incluiu no seu primeiro contrato assenhoreando-se também deste
rico trato da costa.
Não se
pense, porém, que de 1469 em diante tudo se deve apenas a Fernão Gomes. Há
outros grandes mercadores e os capitães e pilotos que com ele colaboraram (e ao
serviço do qual efectivamente estiveram) os quais foram participantes,
intervenientes e interessados activos, nesse mesmo comércio e que, por aqui,
foram botando e deixando raízes.
Desconhecemos
os termos exactos dessa associação mercantil que este Fernão Gomes utilizou
para a exploração do Golfo entre a Serra Leoa e o Cabo de Santa Catarina, mas,
no mínimo, ela deveria ter-se pautado pelas normas então em voga nos meios
náuticos: a parceria, qualquer que fosse a percentagem estipulada com
cada um deles.
Parceria
que implicou obrigatoriamente com este o estabelecimento de contratos ou até
subcontratos de participação envolvendo esses pilotos, capitães e até
marinheiros que nas mesmas viagens participavam. Uns no local ou caminhos do
trato, outros na logística e preparação de meios em Lisboa. (construção,
aluguer e apresto das embarcações etc.) Subcontratos, por seu turno
estabelecidos com outros mercadores, alguns dos quais já incluídos ou
referenciados pelo próprio monarca.
A
preservação desse circuito atlântico e áreas territoriais com ele envolvidas
frente a outros interesses estranhos ficaria, depois, muito devedor também à
acção deste mercador. Naturalmente em benefício directo próprio mas,
indirectamente, garantindo aos nacionais as ricas áreas que obviamente sabia
que a prazo lhe iriam sair das mãos em virtude do contrato a termo certo
lavrado com a Coroa. É o caso da oposição frontal às tentativas dos italianos,
“encabeçados” por António de Nola para penetrar nessas áreas quer a partir de
Cabo Verde quer da Madeira.
Não
sabemos que tipo de conflitos houve, mas que correram processos movidos por
Fernão Gomes contra o genovês não fica dúvida. O pleito ficou documentado tendo
obrigado o Monarca a intervir em 1472 na sequência dos letígios com o italiano
cuja verdadeira dimensão e gravidade infelizmente desconhecemos (mas violentos,
na opinião de Verlinden). Para além do mais, sob pena de confisco de todas as
embarcações: “porque o dito capitamm foy e he demandado per o dito fernam
gomez” (50).
Acautelando
interesses próprios, um relevante serviço prestado a sua alteza nesta reserva estratégica
do Atlântico onde fervilhava toda uma clientela nacional construindo uma área que
emergia com um interesse económico decisivo para toda uma “maquina” estratégica
em lançamento visando o assalto definitivo a outras áreas e espaços.»
As Concessões mercantis
e a construção atlântica portuguesa, Aurélio de Oliveira, Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, in Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de
Antigo Regime: poderes e sociedades, Comunicações
Concessão da exploração e comércio da urzela a João e Pedro de
Lugo. Nos primeiros anos após o descobrimento em que o povoamento se
encontrava ainda muito incipiente o Infante D. Fernando, então donatário do
arquipélago, fez “ (...) trato da urzela das suas ilhas de Cabo Verde com João
de Lugo e Pêro de Lugo Castelhanos mercadores e moradores em Sevilha”.
O primeiro contrato para e exploração desse líquen em Cabo
Verde que se tem conhecimento foi firmado em 1469/09/30 com os irmãos João de
Pêro e Lugo, Castelhanos, que se ocupavam da mesma actividade nas ilhas
Canárias, depois desse contrato há conhecimento que foram efectuadas mais de 13
novos contratos incluindo o da Companhia do Grão Pará e do Maranhão. Só esta
empresa extraiu das ilhas 1.858 toneladas de urzela, cujo custo na origem foi
de 250.530 mil réis, tendo em lucro cerca de 210 contos de réis. Houve um outro
contrato da venda da urzela em 12 de Novembro de 1836 entre João António
Martins e os Franceses. “Em 27 de Março de 1837 desembarcou-se do brigue Dois Amigos,
de Manuel António Martins, na alfandega de Goré, 87 sacos de urzela” 13. “Em
toda a ilha onde se apanha ou colhe a urzela há um comprador privado, essa
pessoa é o feitor da fazenda real e ao mesmo tempo comandante militar, este
tomava a urzela dos urzeleiros, não lhes pagavam em dinheiro, mas sim em
géneros. Ele vai fazer as embarcações para os países externos, a maior parte
dos lucros é para o comprador não para as pessoas que apanhavam” 14. As pessoas
que apanhavam aperiguavam a sua vida para fazer a recolha, e os compradores
privados compravam a um preço que não compensavam as canseiras, e as vezes eram
pagas em géneros alimentícios. “O modo de comprar, pesar e pagar é a única
causa da pouca urzela que se colhe, é certo que o preço de 25 rs.que se paga
por cada libra é ténue, atendendo ao risco e trabalho, que há com aquela
colheita”15. Isto é a sua principal causa da sua diminuta quantidade.
A urzela produz um corante de
cor púrpura
(ou azul violáceo) que antes da invenção das anilinas sintéticas atingia grande
valor para tingir têxteis. O extracto da urzela, agora denominado orceína ou azul de tornesol,
continua a ter ampla aplicação como contrastante em microscopia e como base
para indicadores químicos e bioquímicos.
Entre as utilizações do corante conta-se o papel indicador, que em inglês deu
origem ao teste de "litmus"
tão utilizado na linguagem corrente.
Em Cabo Verde, onde
a urzela se desenvolve em altitude até ao limite dos contra-alísios, a apanha
da urzela constituiu até ao século XIX uma
importante atividade, permitindo a subsistência em épocas de grave carestia
causada pela seca. A sua apanha era porém muito penosa pois exigia o acesso a
falésias e escarpas, causa de muitas mortes por queda.
1469
- Neste anno passou a Africa o Infante D.Fernando com huma Armada , em que
levava muita e boa gente, e foi desembarcar em Anafe, que já tinha mandado
reconhecer
por Estêvão da Gama (1) , Fidalgo da sua Casa, o qual esteve alli disfarçado em
mercador com huma pequena embarcação carregada de figos, e
passas do Algarve. Os Mouros, quando vírao o numero
dos navios Portuguezes, não ousarão opor-se ao desembarque, e desamparárão a
Cidade e o Castello. O lnfante, não julgando acertado conservar esta
conquista mandou queimar a povoação, depois desaqueada, e desmantelar as
fortificações; e feito isto, regressou a Portugal (2).
Neste
mesmo anno de 1469 arrendou ElRei o
Commercio da Guiné (3) a FERNÃO GOMES, Negociante de Lisboa, por duzentos mil
réis cada anno, devendo durar o seu Contracto cinco anos, obrigando-se elle
a descobrir á sua custa cem legoas da Costa em cada anno, a começar da Serra
Leoa para o Sul.
(1)Anafe. Tem uma Bahia de pouco abrigo, em que se pode surgir por 18 até
25 braças.
(2)Ruy de Pina, Cap. 110. - Damião de Goes , Chronica
doPrincipe D. João, Cap. 17.
(3)Barros, Decada I,
Liv.2,
Gap.2.
Placa de latão do Benim representando um soldado português.
De cada lado, aparecem manilhas de cobre, uma das principais mercadorias com que
eram comprados os escravos nesse reino do
delta do rio Níger. Século XVI. Museum für Volkerkunde,
Viena, Áustria)
A ORDEM DE CRISTO FOI (TAMBÉM) GRANDE BENEFICIÁRIA NOS PRIMEIROS ANOS DA COLONIZAÇÃO
1470/02/01
«1470 · l de Fevereiro, o Papa II, em virtude de, pela morte do infante D. Fernando, em 18 de Setembro de 1470, ter ficado vago o cargo de Governador e Administrador da Ordem Militar de Cristo - e em face da solicitação feita por D. Afonso V - concede
pelas le tras Dum regalis a D. Diogo (filho do falecido infante D. Fernando) \vitaliciamente o cargo de
Administrador e Governador da Ordem de Cristo, competindo-lhe governá-lo, por si ou por outrem, nas coisas
temporais, visto que nas questões espirituais deveria superintender pessoa ou pessoas idóneas da
Ordem; em virtude de D. Diogo contar então apenas 8 anos de idade, ficava confiada a
D. Afonso V, e aos tutores e curadores de D. Diogo, a função de Administrador e Governador até que D. Diogo atingisse a maioridade.
Os rendimentos da Ordem de Cristo eram computados em 8.000
libras tornezas pequenas, destinavam-se a prover às necessidades da
Ordem, não devendo D. Diogo, ou os indivíduos designados para o substituir enquanto durasse o impedimento da
sua menoridade, alienar bens imóveis ou móveis preciosos.
Por morte do Papa Paulo II em 28 de Julho de 1471, sucede u-lhe em Agosto de 1471, Xisto IV, a quem o Rei solicitou a confirmação das disposições do seu
antecessor acerca da Ordem de Cristo; alcançando D. Afonso V
«toda plenaria e livre aministraçam do Mestrado de Christos» enquanto
durasse a menoridade de seu sobrinho D. Diogo, função que exercitou - presumivelmente sem a colaboração
dos tutores e curadores de D. Diogo até 1475, designando D. Afonso V, por carta de 15 de Abril de 1475, Governadores e
Administradores da Ordem de Cristo Fr. Pedro de Abreu, Vigário de Tomar, e Fr. Antão Gonçalves, Alcaide-mor do castelo de Tomar; designação
confirmada pelo Pontífice em 19 de Junho de 1475, em que nomeia a infanta D. Brites, mãe de D.
Diogo, Administradora no temporal da
Ordem de Cristo, enquanto durasse a menoridade de seu filho e por virtude de D. Afonso
V
dessa função se
ter escusado para se dedicar às campanhas de
Castela, motivadas pelo seu casamento com D. Joana, a Excelente Senhora (29).
(29) - Concessão pormenorizada e documentada em Dias Diniz – Reflexos políticos do segundo testamento henriquino,
p. 29-33, p. 48-55.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1470/08/11
«1470 - 11 de Agosto, carta de lei de D. Afonso V autorizando os escrivães, que na Guiné faziam o inventário das
mercadorias resgatadas, e de outros quaisquer direitos, a poderem servir juntamente em outra qualquer repartição da Fazenda (27).
(27) - Doc. transcrito em Livro de Extras, fl. 53 "·º, Arq. Nac. da Torre do Tombo.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1470/10/10
Os
rendimentos de Cabo Verde e Guiné passam à viúva do Infante D. Fernando, D.
Beatriz, tutora de D. Diogo, Duque de Viseu.
1470/10/19
«1470 - 19 de Outubro, carta de D. Afonso V
declarando que: Examinou os Regimentos, dados pelo infante D. Henrique aos que com
sua licença iam em caravelas e navios resgatar nos tractos e terras da Guiné;
verificando,
por esse exame, que sempre fora vedado aos mercadores resgatarem «gatos d'allguallea (gatos
almiscarados), malagueta e toda espeçiaria, allicornees» para
eles, visto o resgate dessas matérias pertencer exclusivamente
ao Infante;
Posteriormente à morte de D. Henrique, «por estas ditas cousas ... emtam, nom
serem descubertas
nem achadas», os
oficiais que, em nome do Rei, concediam os «privilégios e liçemças .. . pera os
ditos trauctos e terras de Guinee» deixiaram de nelas especificar
que
o
resgate das matérias em questão ficava excluído das concessões;
«Avemdo nos ora fundamento no suso dito
e
confirmando asi por nosso serviço, e pollos dos nossos regnos, e boa hordem e aviamento
dos ditos
nossos trautos de Guinee, determinamos, declaramos, mandamos e defendemos que em privilegio ou liçemça allgúa
que atee ora tenhamos dada, nem daqui endiante
demos a quaaesquer lugares ou pessoas particulares, de qualquer estado e condiçam
que sejam, pera os ditos nossos trautos e terras de Guinee
poderem resgatar, se não entendam as ditas cousas, nem a cada húa delas, a saber: guatos d'allguallia,
malagueta e toda
outra especiaria, allicomees que pera nos somente reservamos»; igualmente proíba
que fossem resgatadas pedras preciosas, «tintas de brasil ou allacar que daqui adeante forem achadas ou
descobertas»;
Todo aquele que, embora devidamente autorizado a eíectuar o resgate na Guiné,
tivesse obtido para si, todas ou qualquer das
mercadorias excluídas pelo Rei do comércio jurídico privado, por serem
objecto exclusivamente dos seus
direitos, incorreria na pena de apreensão
e
confisco dos navios e fazendas (28).
(28)- Doc. em: Cancelaria de
D. Afonso V, 1.º 21, fl. 56 v.º; transcrito em Livro de Extras, fl. 56; Arq. Nac. da Torre do Tombo. Com ligeiras variações e omitindo a data vem este doc. publ. em Livro
vermelho de D. Afonso V, doe. n.º 20, p. 458-459.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471
«1471 -· Concessão feita por D. Afonso V a seu filho, o Príncipe herdeiro D. João, dos tractos e rendas da Guiné; precisar a data em que se efectuou esta concessão
-
enquanto não surjam documentos directa e claramente esclarecedores - é para nós
impossível.
Com efeito Damião de Gois (30), no capítulo «em que brevemente se trattam, algúas cousas que neste armo de mil, e quatroçentos, e settenta, e hum
se passaram nestes Regnos», refere que «depois d'el Rei Dom Afonso tornar
aho Regno (chegou a Silves, vindo da
conquista de Arzila e Tànger, 1a 18 de Setembro de 1471), tendo ja dada há
governança das cousas d'Africa aho Prinçipe, has quaes elle com hos do seu
conselho governava com muito tento, e prudençia, lhe fez doaçam das rendas da alfandega de Lisbõa e dos trattos e rendas de Guiné, com a governança de tudo ho
que era atte aquelle tempo descuberto, entrando e lle já em idade de dezasette
annos, hos quaes trattos entam trazia arrendados Fernam Gomez de Mina; dado que o Príncipe D. João nasceu em
3 de Maio de 1455, depois de 18 de Setembro de 1471 entrava, com efeito, «elle já em idade de
dezasete anos». Convém no entanto advertir-se que, no mesmo capítulo, Damião de Gois atribui a 1471 a feitura por D. Afonso V da lei
proibindo aos comerciantes, resgatarem nos tractos da Guiné, gatos almiscarados,
malagueta e
especiarias, e unicórnios, que conforme anteriormente vimos - é datada de 19 de Outubro de 1470 no registo exarado
na Chancelaria de D. Afonso V.
Aliás, já anteriormente a 1469, mas em data
posterior a 1466, o Príncipe possuía o resgate de Arguim
por el Rei lho ter dado «em parte do assentamento que dele tinha», segundo João de Barros (obra
citada na nota n.º 26), e sempre o deveria ter usufruído visto que – contrariamente ao que afirma João de Barros, que
atribue o aumento de 100.000 reis na renda do contrato de Fernão
Gomes em 1470 ao facto dele passar a explorar
também o tracto de Arguim - Fontoura da Costa, no
trabalho referido na nossa nota n. º 25, provou - pelo
exame da carta régia de 1 de Junho de 1473, pela qual
foi feita a prorrogação por mais um ano do contrato de Fernão
Gomes
-
que o aumento de 100.000 reis em 1470 (Novembro?)
proveio da adjudicação a
Fernão Gomes do exclusivo do resgate da malagueta que, como já vimos, fora
considerada monopólio da Coroa pela carta de D. Afonso V de 19 de Outubro de 1470.
(30) - Cronica do príncipe Dom Joam, cap. 32, p. 89-91.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471/1474
«1471-1474-O valor económico, dos rendimentos dos tractos e rendas da
Guiné que o Príncipe recebia, é computado em 4 contos
por ano, segundo se menciona
no Rol das «cidades, e villas e lugares, e outras rendas que el Rey Dom Afonso deu des que foi Rey», rol que, como anteriormente dissémos, precede, nos quatro manuscritos referidos, a relação das despesas desde a tomada de Ceuta a 1473 (31).
(31) - FI. 23 v.0 do manuscrito mandado copiar por Manuel Severim de
Faria, pertencente hoje à Biblioteca particular
do Sr. Visconde da Trindade - por nós descrito a propósito do texto (I); fl. 242 v.º do manuscrito 51-V-35 da Biblioteca da Ajuda, Lisboa - por nós analisado quando referimos o texto
(IV).»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471/03/12
Inaugurada com a
nomeação do primeiro almoxarife para a ilha de Santiago, em 1471 (107),
podemos considerar como limite natural desta primeira fase de construção da
organização régia em Cabo Verde o momento que imediatamente antecede ao da
fundação das instituições cimeiras da administração local: as Provedorias dos
Órfãos, dos Defuntos e da Fazenda régia, o Governo e a
Ouvidoria geral das ilhas.
107 - ANTT, Chanc.
de D. Afonso V, liv. 16, fl. 133 vº., in João Martins da Silva Marques, Descobrimentos Portugueses (1461-1500), vol.
III, Edições do Instituto para a Alta Cultura, Lisboa, 1988, doc. 68, 12-Mar-1471.
DIOGO
LOPES 1º almoxarife da ilha de Santiago. 1º Contador da Ilha de Santiago (1480) . Foi lhe concedido de mantimentos o dobro do Reino.
Foi antes morador da Ilha da Madeira e criado de DIOGO DA SILVEIRA. JOÃO CORREA é o seu escrivão.
«Quanto
aos rendimentos, pensou-se na melhor forma de os fiscalisar tendo sido nomeado
em 12 de março
de 1471 o primeiro almoxarife (Oficial
da fazenda real que arrecada as rendas e direitos reaes; o administrador ou
feitor das propriedades que pertencem ao Rei.), cargo que recahiu em Diogo
Lopes creado de Diogo da Silveira, cuja nomeação dizia: recomendo aos feitores
da nossa fasenda e aos capitães da dita ilha,
e a quaisquer outros nossos ofliciaes, e pessoas a que isto pertencer, e a
esta nossa caria for mostrado, que hajam o dito Diogo Lopes por nosso almoxarife
na dita ilha e que lhe dem logo a posse. Tem todas as rendas e direitos,
e quaes outras cousas, que nolas pertencem, ou pertencerem na dita ilha e tem
164 r'is para mantimentos, dobro do que os outros recebem no reino (Livro
16, D. Atfonso 5.º fl33 v.)»
Subsidios para a
História de Cabo Verde e Guiné, por Christiano José de
Senna Barcellos, parte I,
pgs. 35, Lisboa, Imprensa Nacional, 1899
1472
O documento que
institucionalizou o Conselho no arquipélago foi a Carta Foral implementada pelo
infante D. Henrique e mantida por D. Afonso V em 1472 e por D. Manuel em 1515, esta permitia a auto organização dos
habitantes de uma área geográfica através do reconhecimento da capacidade que
uma comunidade tinha para se administrar e gerir.
SEBASTIÃO
GONÇALVES Escudeiro do Rei
Carta de escudeiro d'El Rei -"…nos tomamos ora por
nosso escudeiro e em nossa espiçial guarda e em comenda
Sebastiam Gonçalvez escudeiro morador em a ylha de Santiago…" (1472)
FERNÃO
GOMES obtém autorização para alargar os direitos sobre o tráfico
de escravos e ouro, para limitar o comércio de produtos domésticos e dos bens
preciosos por cabo-verdianos para os produzidos nas ilhas.
A ilha de Santiago, correntemente chamada
“ilha do Cabo Verde” ou simplesmente “o Cabo Verde” foi o local da primeira feitoria da costa guineense, o seu porto da
Ribeira Grande constituindo a escala obrigatória para todos os navios em
trânsito para ou da Guiné, segundo a carta régia de1472 (7.)
7 M. M.
F. Torrão, "Actividade comercial…”, HGCV,
I, p. 239 e passim.
A
carta régia de 1472 introduziu alterações importantes ao estipulado em 1466 10,
das quais nos interessa aprofundar aqui a questão do “limite” sul do comércio
de Santiago. O termo entre aspas (a analisar adiante), que ficou no léxico da
comunidade mercantil cabo-verdiana, resulta da própria forma verbal “limitar”
que se usou no documento oficial de 1472 11.
Recentemente,
chamou-se a atenção para o carácter não exclusivamente restritivo da
carta régia de 1472, no sentido em que se visava, por um lado, clarificar as
cláusulas de 1466 e reforçar o estímulo a um desenvolvimento do povoamento e
colonização de Santiago que tinha sido, afinal, o motivo das primitivas
concessões 12. Poderá, também, ser reequacionada a interpretação mais corrente
das restrições da zona de comércio que foram feitas em 1472: “até Serra Leoa”,
como se lê no diploma, significa inclusive ou exclusive a Serra
Leoa? De facto, segundo este diploma, o espaço comercial que deveria ser
exclusivo dos moradores de Santiago era equivalente àquele que tinha sido
descoberto até à data da concessão do privilégio de 1466. Ora esse espaço
abrangia necessariamente a Serra Leoa à luz dos critérios vigentes da sua
definição atrás mencionados. A única menção específica a uma proibição aparece
no Manuscrito de Lisboa do Tratado, mais antigo (c. 1592-1593) e com
menor auto-censura que o Manuscrito do Porto (1594) (v. infra, no cap.
2.4., a análise destes manuscritos). Aí, mantendo sempre a interpretação
cabo-verdiana da carta régia de 1472, Almada
atreve-se a exprimir a sua revolta contra o defeso imposto aos moradores
das ilhas (presume-se) de comerciarem “da serra para baixo”, isto é a sul da
Serra Leoa, inclusive na costa da Malagueta 37.
37 “mas oje não vejo senão
leis postas contra nós, porque nos defendem que não vão á costa da Malagueta
nem da Serra pera baixo, so[b] pena de perdimento de nauio e fazenda, e mais
penas crimes”, Almada, Tratado,
p. 148, n. 6.
1472/02/08
Carta régia limitando
os privilégios concedidos aos colonos de Cabo Verde em 12 de Junho de 1466.
Sucedendo-se a partir de então restrições a esta situação privilegiada dos
moradores de Santiago e obriga-los a apostar nas culturas locais, as únicas a
que estavam autorizados a comerciar com a costa africana. A inércia inicial ao
povoamento da ilha havia sido ultrapassada. A Carta de limitações dos privilégios, de 1472, estipulava que
os moradores não mais pudessem comerciar livremente com a Guiné todos os
produtos que por ventura tivessem (como faziam anteriormente, salvo armas,
navios e ferramentas), mas tão somente as mercadorias fruto de suas “novidades
e colheita”, ou seja, produzidas na própria ilha. Os navios também deveriam
“ser de pertença dos moradores e por eles armados e capitaneados, ficando
vedada a parceria com não moradores, nacionais e estrangeiros” 13. Esta
restrição, ao mesmo tempo em que limitava o resgate às, provavelmente, ainda
incipientes mercadorias produzidas na própria ilha, compelia à real ocupação do
território de forma produtiva, atrelando a atividade mercantil a uma
correspondente produção interna assentada na propriedade rural. Esta medida
contribuiu para a conversão do capital mercantil para o capital produtivo,
quando não, na conversão de mercadores em terratenentes. Ou seja, houve
a formação de uma elite de armadores proprietários rurais. 14
13 BRÁSIO. Monumenta,
2ª série, I. Doc. nº 67.
14 CARREIRA, António. Cabo Verde... op. cit. p. 41.
Conforme
a Carta do rei D. Manuel de 1472, acima referida:
“Nós
El Rei fazemos saber a quantos este nosso alvará virem que considerando nós a
perda e dagno que os moradores da nossa Ilha de Santhiago tem feito com suas
armações nos nossos resgates de Guiné de maneira que os tem tão abatidos por a pouca valia e estima em que tem postas as
nossas mercadorias e a careza em que lhe tem alçadas as suas, que há mui pouco ganho e que muita parte deste dagno e perda tem feito os
homens brancos que nas ditas partes de Guiné são LANÇADOS com os negros,
determinados ora vedar o dito resgate aos moradores da dita Ilha e mais
queremos dar forma como os ditos homens brancos, pois estão em tanto desfamas
de Deus e nosso e condenação de suas almas sejam das ditas partes lançados commandamos dar e cometer com todas suas
fazendas aos Reis e negros donde estiverem pêra que os matem ou entreguem so
capitães dos nossos navios (...).”
«Os lançados foram, pois, os pioneiros
do pequeno comércio africano e das pequenas colónias europeias fixadas na costa
ocidental de África. Não pode dizer-se que a
existência dêstes primitivos africanistas fôsse muita próspera e
brilhante. Vivendo em simples palhotas de pretos, geralmente
aliados
a uma ou mais mulheres
indígenas, cujos hábitos e princípios fàcilmente adoptavam, os lançados
não tinham sequer a compensar as possibilidades de realizar fortunas apreciáveis, porque
estavam sujeitos às arbitrariedades e caprichos dos chefes indígenas, cujas exigências tinham de satisfazer
sob pena de perder todos os seus fracos haveres e até as
próprias vidas.
A sua condição financeira e o seu modo de vida estavam longe
de poder comparar-se com a dos colonos
europeus que desde ó alvorecer do século XVI se
iam fixando na América tropical.
Aqui, os brancos eram senhores das
terras e tinham os escravos aos seus serviços; na costa de Guiné, eram os régulos locais que exerciam a soberania absoluta
e sujeitavam os comerciantes brancos ao pagamento dos impostos e outras arbitrariedades.»
João Barreto, HISTÓRIA
DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 69
1473
Falecimento de DIOGO
AFONSO donatário da parte norte da ilha de Santiago. RODRIGO AFONSO substitui-o até 1505.
Parece averiguado que Diogo Affonso, donalario da parte norte da
ilha falleceu em 1473 como se deduz da carta passada por D. Affonso V em 9 de
abril do mesmo anno a Rodrigo Affonso, sobrinho d'aquelle donatario; e que
antes d'esse anno tambem já era fallecido João Affonso, seu filho unico.
FERNÃO
GOMES. Rendeiro dos dízimos da terra das ilhas de Santiago e Fogo.
Foi provavelmente o descobridor de Cabo Verde com António de Noli.
FREI
JOÃO. Frade da Ordem de São Domingos. Vigário da Capitania de
Fernão Gomes (Alcatrazes)
1473/04/09 - Mercê
a RODRIGO AFONSO de metade da ilha
de Santiago. Dom
Manuel concedeu a Rodrigo Afonso amplos poderes sobre a capitania doada:
“Dom Manuel &. A quantos esta carta nossa
virem fazemos saber que por parte de Rodrigo Afonso do nosso conselho foi
apresentada huua nossa carta (... E querendo lhos em alguma parte gallardoar,
assim como é razom e elle merece assim por lhe fazer graça e mercê, tenho por
bem e lhe faço doaçam da capetania da
minha Ilha de Santhiago daquella parte della que lhe já foi assinada, que he a
banda norte (...) Outro sim me praz que elle tenha em a dita terra de sua
capitania a jurdiçam por mi e em meu nome do cível e crimee, resalvando moorte
ou talhamento de nembro (...) Outrosi me praz que de todo ho que se ouverr de
remela na dita terra de sua capitania (...) Item me praz que elle possa dar por
suas cartas a terra de sua capitania forra pello forrai da dita Ilha a quem lhe
prouver tal condiçam que aquelles a quem a derem aproveitem atee cimquo annos,
e nam aproveitamdo que a possam dar a outrem (...).”
A Carta de doação feita
por D. Manuel a Rodrigo Afonso, reservava para a Coroa portuguesa o direito de
decisão sobre a pena de morte ou a mutilação de membros. Ainda obrigava o
donatário a conceder terras a quem julgasse ter melhor condição para
explorá-las, o que deveria ser feito em um período de cinco anos, sob pena de
as terras serem confiscadas e arrendadas para outra pessoa. Em outros termos, a doação configurava um
direito adquirido sob a forma de benefício, mas sempre respeitadas as condições
impostas pela Coroa portuguesa.
1474
«1474 - Administração da Guiné conferida ao Príncipe
D. João. Em carta de confirmação do seu exercício, datada de 4 de Maio de 1481, D. Afonso V
declara que:
Sendo já o Príncipe seu filho em idade de 19 anos, portanto no ano de (1455+19) 1474, o encarregou «dos feitos das partes de
Guinee e emvestigaçam dos mares, terras e gentes
e cousas delles que aos viventes aguora e
aos que nos preçeram foram sempre muyto inotos atee o tempo do ifante
Dom Anrrique, meu tyo, cuja alma Deus aja, que começou e trabalhou muyto por emvestigar e aver de todas as ditas cousas noticia»;
A administração dos feitos das partes de
Guiné seria muito vantajosa para o Príncipe, visto dar-lhe a
possibilidade de se exercitar na prática das principais cousas «em que o
Rey e Primcepe deve saber negociar;
a saber: guerra, justiça e fazenda; guerra porque muitas vezes he necessario
de
se
estes trautos
defemderem per armas, fazendo armadas contra os que a elles querem hir e em elles sem licemça resguatar;
justiça porque aquelles que comtra as lex feitas pera bõo regimento e sortimento dos ditos
trautos vãa, ajam de ser punidos por justiça; fazemda porque dos ditos
trautos se ha rem.da e proveito ao qual se deve dar hordem per que se conserve a acrecemte».
Tinha já feito «doaçam e merçee da remda e proveito que se dos ditos trautos
podese aver, mas nam lhe foy entam dello feita carta, e porque nos sabemos certo que elle da per sy e per seus
ofeciaees muy boa hordem e navegaçam destes trautos e os governa muy bem, praz-nos muyto de lhe termos feita a dita doaçam e mercee della, e comfirmamos-lha e avemolla per feita e firme des o tempo que lha fezemos;
E por mais avomdamento e mylhor decraraçam della, nos de novo lhe fesemos outra vez doaçam e merçee em sua vida dos ditos trautos de Guinee e pescarias
dos mares delles, asy os da Mina e d'Arguim, como de todollos outros rios, e quaesquer lugares homde se ora resguata ou resguatar pode na agoa ou na terra
per quaesquer nomes que sejam chamados ou que nomes nam tenham, e esto desde o começo dos mares e terras omde se per
qualquer guisa resguata, pesca ou resguatar e pescar pode, ou
outro proveito aver atee fim delle e dellas, nam soomente no que atee ora he achado e descuberto, mas no que se ao diamte em qualquer tempo achar e descobrir, o que tuao lhe asy damos tam
imteira e compridamente como a nos pertencem;
E quando lhe asy fizemos a dita doaçam pertemçia asy pella bulla
que do Santo Padre da dita Guinee e trautos della temos, como per a lomgua e comtinuada pose ou casy pose que della sempre tivemos, ou per outro algúu modo que per direito em ella e em os ditos trauttos tenhamos.
E queremos e mandamos que qualquer cousa e parte que dos ditos
trautos de Guinee ou Argym ou ao presemte per comtrauto e doaçam que lhe o ifamte Dom Amrrique, que Deus aja, ou nos fizemos, ou per outro algúu modo tenha ou pesua
ta.into que a dita doaçam ou comtrauto, ou outro modo ouver fim logo todo venha ao dito meu fylho, per que de
tudo lhe fazemos d'agora pera entam doaçam, asy e tam firmemente como do que
de agora pesuimos, ou pesuyamos ao tempo da primeira doaçam, e asy como
se tudo o que agora per outrem he posuido fase ao tempo desta nossa carta em nosa maão e poder.
Defemdemos a todos de qualquer estado e comdyçam que sejam que algum nam Yaa,
nem mande as ditas partes de Guinee, nem a alguma dellas que todas chamamos de Guinee, posto que outros nomes tenham e per outros sejam nomeados, e pelos q ue em ellas praticam, e ernJrar, resguatar, mercadejar, pescar sem mandado ou liçemça do dito meu filho, sob as penas que nas hordenaçõees e regimentos sobre esto caso feitas ou fezermos, contheudas nas quaes emcorram asy como se nos ditos trautos, resguates e pescarias tevessemos em elle ou em outro nom
trespasaramos.
E porque nos tinhamas outorgado ao dito Ifamte meu tyo que os ditos trautos, resguates e pescarias de nos em
sua vida tinha algúus poderes, jurdiçam e graças, acerqua destas cousas a nos apraz e q ueremos que ho dito
Prirncepe aja tudo o que elle dito
Ifante de nos avia, per que tudo lhe cedemos e outorguamos como as o dito Ifamte tinha.
Porem mandamos aos nossos veedores da Fazemda e corregedores, juizes e justiças e todollos outros ofeciaees de nossos regnos, a que esto pertencer que ajam as ditas partes de Guinee, trautos, resguates e pescarias dellas por do dito Primcipe meu fylho, e lhas leixem aver
e
governar, em ellas trautar, e mandar trautar e mandar pescar, per sy e per
aquelles que lhe ele aprouver, e pera ello dar licemça com todos os poderes, jurdiçam e graças, que lhe em esta nosa carta outorguamos, sem algúua duvida, nem pejo
que lho a ello ponham.» (32).
(32) - Doc. em: Chancelaria de D. ·Afonso V, L.º 16, fl. 102 v .º -103, Livro 2.º de Místicos, fl. 11 v.º; Livro 1. de Reis, fl. 61 v.0 ; todos no Arq. Nac. da Torre do Tombo. Publ. em Anaees Maritimos e Coloniaes,
parte não
Oficial, quinta série, p. 37.
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1471/08/31
«1474 - 31 de Agosto, Carta de lei por que D. Afonso V considera que:
«Como os Samtos Padres de Roma nos teem feita merçee e doaçam pera sempre das partes, e mares e terra de Guinea e ilhas do
mar ouçeano, des o Cabo de Nom e Begedor atee o merio dya, e que nenhuma pessoa a elles nom vaa, nem mande trautar, nem guerrear sem licemça e autoridade nossa, sob pena de gramdes escomunhoões que em ellas poem.
E como pera booa govemamça e sostymemto dos
trautos e resgates, que em as dietas partes de Guinea teemos e ao diamte com a ajuda de Deos emcommendamos
teer, pollo que cada dia mamdamos descobrir maar de terra nova, o que fazemos com gramdes gastos e perigos e despesas.
E porem comvem poer lex e ordenaçoões per que o dieta trauro mantheudo
e governado seja a serviço de Deos e nosso, e bem e proveito
de nossos Regnos; e isso meesmo comsirando como sempre em tempo d'el Rey meu padre, que Deos aja, como
nosso, des que o Iffamte Dom Anrrique, meu tyo que Deos
aja, que foy o primeiro que mamdou descobrir e navegar nas
dietas partes e mares de Guinee e ilhas, atee ora, asy per autoridade
das
ditas
leteras
que da dita doaçom teemos, como per posse e custume sempre foy
vedado e defeso per nos aalem das ditas escomunhoões e
defesa dos
dietas Samctos Padres, de pessoa alguuma aver de hyr, nem mandar aas dietas partes e terras e mares de Guineea
trautar, nem resgatar, nem guerrear sem nossa liçemça e autoridade.
E alguns que se dello amtremeteram em caso que foram muy poucos ouveram por ello assaz graves pena e asy nos corpos como
nos
beens.
Empero nom avia hy ordenaçom em escripto de pena çerta nem limitada
naquelles que ousam de se amtremeter e fazer semelhante.
Porem queremdo nos a ello prover, como dieta teemos, por ao diamte non vyr duvida antre os leterados nossos da maneira: que ouvessem de teer em o tall
caso, por hy nom aver pena limitada e çerta, semtindo-o asy por serviço de Deos e nosso, e bem e proveito de nossos Regnos e naturaees, determinamos
e declaramos e poemos por ley que qualquer pessoa, de qualquer previniemçia, estado e comdiçom que seja, que aas dietas partes e terras e mares de Guinea for ou mandar trautar, nem resgatar, nem guerrear ou mouros
tomar sem licemça e autoridade nossa, moira por ello e per esse
meesmo fecto perca todollos beens que tever, asy moves corno de raiz, pera a coroa de nossos Regnos.
E esta meesrna pena, queremos e mandamos que ajam aquelles que roubarem ou tomarem os navios ou alguma cousa delles, que aas dietas partes de Guinea for resgatar,
e
provado
lhe for que nom fez verdade, e digo de Guinea
forem ou vierem per nossa licemça e mandado, ou daqueles que o da nossa maão teem; mais determinamos e
poemos por ley que todo capitam que aas dietas partes de Guinea for resgatar e provado
lhe for que nom fez verdade e sonega ou toma alguuma cousa de moor preço que huum marco de prata
moira por ello, asy como se outro furto fezesse e cometesse.
E levamdo mercadoria escomdidamente ou comsemtindo levar pera resgatar, sem ser vista per os ofiçiaaes
dos dictos trautos, primeiramente
perca todo o que levar e mais seja degradado huum anuo pera a nossa çidade de Tamger.
E esta meesma pena queremos e mamdamos que ajam os escprivaães dos navios que forem resgatar, levamdo mercadoria, ou comsemtimdo
levar escomdidamemte, e nom escrevemdo todo o que lhe mamdamos per nossos Regimentos ou do Primçipe, meu sobre todos
muito preçado e amado filho, a que dos dictos trautos teemos fecta merçee, queremos que ajam pena de falsos como aquelles que em seus ofiçios cometem erro ou falsidade.
E mais determinamos e poemos por ley que nenhuma pesoa de qualquer
estado e comdiçorn que seja, nom leve nem dee em navio, nem barca, nem batell, nenhuma mercadoria
dos navios que forem aa dieta Guinea, sem primeiro ser vista per os fetores dos dictos trautos; e quem o comtrairo fezer, perca a
mercadoria que asy levar e mais o batel, e pague da cadea seisçentos reaees pera o Príncipe e senhor do trauto.
E qualquer que tomar ou reçeber em sy ou casa sua malagueta ou outra espeçiaria que de Guinea veenha, sem primeiro
ser vista pellos dictos feitores.
Porem mandamos a todollos nossos corregedores, juizes e justiças de nossos Regnos
que façam comprir e guardar esta nossa ordenaçom, como se nella comtem, fazendo
eixecutar as dietas penas nos que comtra ella forem, damdo a
cada huum a pena que mereçer, sekumdo nesta ordenaçom e deterrninaçam he contheudo;
a
qual queremos que asy se cumpra e guarde pera sempre» (33).
(33) - Doc. orig. no maço l.º de Leis, doc. n.º 178, Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. por Joaquim Bensaude - L'
Astronomie 11autique au Portugal, p . 273-274.
Apud Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1474/09/10
«1474 -10 de Setembro, carta de lei
por que D. Afonso V estabelece que:
Quaisquer pessoas do Reino que armarem navios,
deYem dar fiança aos oficiais dos lugares aonde os
armarem, antes de partirem, comprometendo-se a não irem fazer dano aos
aliados do Rei e Reino; no caso dos oficiais desses lugares os deixarem
partir sem lhes exigir a fiança, eles responderiam com os seus bens pela reparação dos danos e prejuízos causados por esses
naYios aos aliados do Rei e do Reino;
Devendo para o futuro toda a pessoa que quisesse armar navio para andar
de armada, fazer sabê-lo ao Rei, conseguir dele a licença, com que a
certidão dos oficiais da vila ou lugar em que
deveria armar o navio em como prestou a fiança (34).
(34) - Doc. transcrito
em Livro 1.º de
Extras, fl. 37, Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. por Joaquim Bensaude - obra cit., p. 275-276.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1475
1475-1479
Guerra da Sucessão Espanhola. Navios castelhanos pilham a Ribeira Grande e
raptam muitos habitantes brancos para os trocarem por resgates, e negros para
os venderem novamente como escravos.
Com
o falecimento de Henrique IV de Castela (1474) surge uma crise dinástica que
provoca um conflito grave entre Afonso V e os Reis Católicos. Em 1475, D.
Afonso V, nomeando seu filho regente (14), entra em Castela por
Arronches, à frente de um exército de 20 000 homens, casa com a sobrinha D.
Joana e é solenemente jurado rei de Castela e Leão. Os Reis Católicos vendo os seus interesses peninsulares seriamente
ameaçados e conhecedores das grandes vantagens que para Portugal advinham da
navegação e do comércio ao longo da costa de Africa, decidem atacar-nos vibrando um golpe decisivo na Guiné e em Cabo Verde
e, aproximadamente três meses, após a entrada de Afonso V em terras de Castela,
já estavam a ser dados os primeiros passos no caminho da ofensiva por mar
contra os domínios africanos de Portugal.
Coube aos castelhanos,
que intentavam pressionar a coroa de Lisboa a entregar-lhes o arquipélago das
Canárias: em 1475, atacaram a Ribeira
Grande. Ataque de uma frota castelhana (25 navios), comandada por Carlos
Valera. A coroa de Castela tenta apoderar-se da ilha de Santiago. ANTÓNIO DA NOLI é aprisionado e levado para
a Andaluzia. O incidente acaba com a permuta entre as coroas de Portugal e
de Castela dos arquipélagos de Cabo Verde e das Canárias.
A
rainha Isabel de Aragão reivindicou os direitos que dizia ter à conquista das
partes da Guiné (15) e organizou três
expedições que atacaram quase simultaneamente a costa dos Azenegues e a ilha de
S. Tiago, que devastou, trazendo consigo despojos, quinhentos escravos e o
próprio donatário, o genovês ANTÓNIO DA NOLI. Os mercadores genoveses solidarizaram-se com o seu compatriota e
tentaram resgatá-lo por mil dobras de ouro, mas o rei D. Fernando de Aragão,
certamente graças a outras vantagens, mandou que o soltassem.
Na realidade ANTÓNIO DA
NOLI, nas conversações que teve com D. Fernando, aceitou pura e simplesmente a
sua soberania sobre a ilha e respectivos moradores (16), e revelou-lhe todos os
seus conhecimentos de mercador, navegante e cartógrafo e toda a experiência
acumulada, em doze anos de permanência na escala de navegação mais favorável ao
conhecimento de todo o sistema de comércio da Guiné, incluindo a Mina de Ouro.
Jaime Cortezão, na obra já citada
afirma:
«Esta série de
circunstâncias convence-nos de que este
conhecimento do ponto vulnerável mais importante nos domínios ultramarinos dos
portugueses, assim como dos meios náuticos para atingi-lo e do mecanismo do
comércio que o valorizava, foi revelado por ANTÓNIO DA NOLI o troco da
liberdade e dos grandes interesses de donatário, que ele julgou
irremediavelmente ameaçados. António da Noli, condottiére genovês, anuncia por vários modos Colombo» (17).
E
adiante escreve:
«Mas o alarme - e
alarme terrível - fora dado e provocou da parte de D. João II uma série de
disposições, todas destinadas a reforçar e defender o monopólio do tráfico
ultramarino dos produtos ricos já antes esboçado pelo Infante D. Henrique, mas
que atingem o auge com o Príncipe
Perfeito. Entre essas disposições avultam como vamos ver, as que
respeitam ao segredo sobre as vias e
meios de transporte, os centros produtores, os objectivos últimos e mais
distantes e a ciência náutica e cosmografia adquirida e elaborada na
experiência diuturna dos Descobrimentos» (18).
14) O Prfncipe D. João nesta altura jâ contava 20 anos.
(15) Carta da rainha Isabel de Araglo de 19 de Ago*> de 1475.
(16) D. António de la Torre - Carta de D. Fernando, o
Católico, de 6 de Junho de 1477. Dooumento divulgado em 1958(1)
(17) Jaime Cortezão, A Política de Sigilo dos
Descobrimentos, Lisboa, 1960, págs. 26 e 27.
(18) Idem, idem, pág. 28.
1476
Frota comandada por FERNÃO
GOMES navega ao longo da costa da Guiné assediada pelos espanhóis para
recuperar o controle.
1475-1479
Guerra da Sucessão Espanhola. Navios castelhanos pilham a Ribeira Grande e
raptam muitos habitantes brancos para os trocarem por resgates, e negros para
os venderem novamente como escravos.
CARLOS
DE VALERA e ANDRÉS SONIER, comandando a frota castelhana a navegar
até o arquipélago de Cabo Verde capturaram
ANTÓNIO DA NOLI (1475).
1477/06/06
«Em 6 de Junho de 1477, Fernando, o
Católico, manda a todos os seus súbditos que não façam mal à ilha de Cabo
Verde, aos seus habitantes e ao seu capitão, António de Noli, genovês, porque
os tomou sob a sua protecção. (17)
(17) Torre (Antonio de
la) e Fernandez (Luis Suarez) – Documentos Referentes a las Relaciones com
Portugal Durante el Reinado de los Reyes Catolicos, Vol. I, Valladolid, 1958,
doc. 49, p. 117-119»
Jorge
Faro, Expedições realizadas por espanhóis à Guiné de 1475 a 1479, Boletim
Cultural da Guiné Portuguesa, Vol. XIV, N.os 56, Outubro 1959
1479/09/04
D.
João II, através do tratado de Alcáçovas
conseguiu que «...o senhorio da Guiné,
estendendo-se desde o cabo Não e Bojador até às índias inclusivamente, como
todos os mares adjacentes, ilhas e costas com seus tractos, pescarias e
resgates, e assim as ilhas da Madeira, dos Açores, das Flores e do Cabo Verde,
bem como a conquista do reino de Fez, ficasse in solidum, e para sempre
ao dito rei e príncipe de Portugal, e a todos os seus herdeiros e
sucessores...»
1480
Este
liuto he de rotear…, de
um português anónimo (1480-1485?) Outro
órgão criado nesta estrutura burocrática foi a CONTADORIA em carta de 1480, e o ocupante deste cargo tinha por função superintender o
almoxarifado, fiscalizando regularmente contas sobre importâncias que eram
cobradas, dos pagamentos que eram efetuadas, dos repasses devidos ao reino,
principalmente dos rendimentos resultantes do comércio com a costa ocidental
africana, fiscalizar se os capitães das armações eram realmente homens brancos,
verificar se algum dos homens, os LANÇADOS, que foram á costa tinham
permanecido por lá e confiscar os respectivos bens
1480/07/24
Um
novo regime de tratos e resgates, que favorecia mais os contratadores do que
propriamente os ''moradores da ilha" de Santiago, inconformados com a
perda do exclusivo comercial. Pela Carta
de 24 de Julho de 1480, D. Afonso V proibiu os moradores, os mercadores e os
negociantes da ilha de Santiago de levarem para o resgate produtos como os
panos de terra e a urzela, existentes nas ilhas de Cabo Verde.
Em 1480, a 24 de julho,
publicou D. Affonso V uma lei probiblndo que das Ilhas de Cabo Verde e de
outras quaesquer partes, se trouxessem conchas coriz a este reino e resgate da
Guiné, sem licença do seu filho o principe D. João, e que não podessem vender a
pessoa alguma senão ao príncipe sob pena de perderem todas as conchas e os bens
que tivessem no reino para o referido príncipe; de serem açoitados publicamente
e degradados por sete annos para Alcacer d'Africa; e os que por sua condição e
honra não podessem ser açoitados, cumpririam a mesma pena em Alcacer. As
conchas eram o numerario na Guiné, como o são ainda hoje na costa da Mina.
D. Affonso V receioso da depreciacão d'essa moeda nos resgates
da Guiné, o que certamente viria a succeder com uma grande Importação n'aquelle
tracto, se fosse facultativa a todos os moradores, nacionaes ou estrangeiros,
viu-se obrigado a usar de tanta severidade para com os mercadores ou negociantes.
1481
D. João II, nas cortes de 1481, com
que abriu o seu reinado, num dos capítulos dos povos (20), estes lhe pedirem
que «...não mais consinta que os
estrangeiros se estabeleçam em seu reino e senhorios», alegando várias razões e mencionando expressamente Fiorentinos e Genovêses que «...a estes
reinos nunca fizeram proveito, salvo roubá-los de moeda de ouro e prata e descobrir
vossos segredos da Mina e das ilhas...» (21), manda imediatamente a Cabo
Verde, PEDRO LOURENÇO como
sindicante, com poderes especiais e alçada judicial, julgando os efeitos sem
apelação nem agravo, e execução nos bens dos culpados, podendo ainda aplicar
penas de cadeia, degredo, perdimento de capitanias, ofícios, bens e fazendas.
(20) Burguesia mercantil da época.
(21) Jaime Cortezão, obra citada, pág. 28.
PERO LOURENÇO, escudeiro da Casa
Real. Inquiridor da Coroa em Santiago – Mas situemos primeiro a acção do mais
antigo delegado d’el-Rei, a Cabo Verde, em missão de justiça: Pedro
Lourenço, um sindicante, que, no ano de 1481, exactamente um mês após à
aclamação de D. João II, chegava a Santiago munido de amplos poderes para justiçar todos aqueles que, de uma forma
ou de outra, estivessem envolvidos com o comércio ilícito nos Rios de Guiné.
Instruído
para pôr cobro a todas as transgressões comerciais então praticadas pelos
moradores e estantes na “ilha do Cabo Verde”, o agente trazia Regimento para
“tirar inquirições e haver verdadeira informação” dos culpados, os quais
deveria sentenciar e executar “sem mais apelação nem agravo”, condenando-os em
penas pecuniárias e “de cadeia e degredo e perdimento de capitanias, ofícios e
bens e fazendas” e em quaisquer outras mais “que a ele bem parecer” (189). Os
poderes do oficial são realmente extensos e a actividade mercantil é, mais uma
vez, o móbil que desencadeia a intervenção régia. Desta vez, na área da
justiça, e inaugurando a política ofensiva do novo monarca (190).
Referenciado como
“ouvidor”(91),
Pedro Lourenço fora também encarregue de cuidar de alguns interesses
particulares da Coroa devendo, enquanto procurador “bastante e suficiente” d’el-Rei,
“tratar e contratar acerca de haver para nós algodões e quaisquer mercadorias
que a nosso serviço forem necessárias”(192).
O
carácter desta missão coloca, antecipadamente, o problema de reajustamento do
modelo de justiça implantado em Cabo Verde nos primórdios da colonização. O aumento do tráfico e o desregramento das
acções praticadas em volta desta actividade, aliado à intenção régia de
garantir-se como concorrente activa neste comércio prenunciava para as ilhas
mudanças institucionais importantes e que a este passo, a par da criação do
órgão da contadoria um ano antes, se viam apenas ensaiadas na nova área de
intervenção.
Não
sendo especialmente abundande a documentação acerca da passagem de Pedro
Lourenço pelas Ilhas, as notícias que se seguem relativas ao envio de agentes
similares ou mesmo de corregedores régios, a Cabo Verde, pecam por ser muito
mais exíguas ainda. Das poucas referências com que se podem contar, uma diz
respeito ao corregedor FRANCISCO SOARES,
“que em a dita ilha faleceu” nos inícios do XVI, muito provavelmente em
função (193),chegou a prender GUIOMAR FERNANDES, moradora da ilha, acusada de
“alcoviteira de negras e feiticeira”.
ANTT, Chanc. D. Manuel,
liv. 46, fl. 70-70 vº, in HGCV-CD,
vol. I, doc. 48, 20-Out-1501.
190 - Justiça num estrito domínio, já que Pedro Lourenço
“Não tem poder para se imiscuir na administração judicial da ilha, mas apenas
no que tem a ver com o desrespeito pelos direitos que o monarca detém sobre o
arquipélago: o comércio”. Ângela Domingues, «Administração e Instituições:
transplante, adaptação, funcionamento», in HGCV, vol. I, pp. 81-82.
191 - Em uma carta de perdão passada, posteriormente, por
D. João II ao “piloto, morador na ilha do Cabo Verde” de nome VASCO RODRIGUES, argumenta-se que “Pero
Lourenço, ouvidor que foi na dita ilha”, havia tomado ao agraciado, por uma
armação feita irregularmente para Guiné, 150.000 rs. ANTT, Chanc. D. João II,
liv. 5, fl. 27 vº - 28, in HGCV-CD,
vol. I, doc.
30, 22-Abr-1492.
192 - Carta de 30-Set-1481, in Barcellos, op. cit., pp. 40-41.
193 - Em uma devassa que tirou em Santiago, consta que
Francisco Soares “corregedor”,
Aos
capitães-donatários sucederam os corregedores, criados em Cabo Verde em fins do
séc. XVI, que agiam na esfera judicial e em serviços
administrativos. Competia-lhe fiscalizar a aplicação da justiça e a
administração dos diversos concelhos da sua comarca. A sua ação era conhecida
por correição, termo que, por extensão também se aplicava às próprias comarcas.
Perante os corregedores deveriam comparecer todos os que tivessem queixas a
apresentar de poderosos e que tivessem demandas para desembargar e fiscalizavam
se os juízes postos pelo rei desembargavam as demandas.
O
corregedor desempenhava várias funções como, por exemplo, no que diz respeito à
segurança pública, “ – impedindo o asilo de degredados ou ladrões, ordenando a
inquirição de roubos informando-se da existência de bandos e da segurança das
prisões – a fiscalização dos funcionários administrativos e camarários –
controlando a actuação de advogados e procuradores, escrivães e porteiros,
feitores e almoxarifes, examinando as inquirições e pesquisas feitas pelos
escrivães e as penas impostas pelos juízes, inquirindo sobre as divergências
entre concelhos – a verificação do desenvolvimento económico – incentivando o
povoamento de zonas desabitadas, promovendo a construção de obras proveitosas
para a comunidade”. (11)
(11) Domingues, A. et al. (1991). História geral de Cabo Verde. Vol I.
Coimbra: Imprensa de Coimbra, Lda. p.109
Logo, os corregedores apareceram como um órgão
para controlar as autoridades locais. Como já foi referido, alguns dos
representantes administrativos eram pessoas que participavam no comércio e
grandes proprietários que residiam nas ilhas. Portanto, a função do corregedor
era desempenhada por pessoas que não viviam nas ilhas, ou seja, pessoas
desconhecidas da população. Esta instituição foi a primeira a fazer parte da
hierarquia judicial em Cabo Verde, mas o seu desempenho era sempre controlado pela metrópole (o poder central)
através das queixas dos moradores ou, quando regressavam à metrópole, eram
submetidos a um inquérito de forma a justificarem o exercício das funções nas
ilhas. Quando praticassem alguma infracção, eram afastados do cargo e
regressavam a Portugal continental.
Por fim, refere-se o
papel do meirinho e do carcereiro.
O
primeiro era desempenhado por dois indivíduos que exerciam a função de meirinho
da terra e meirinho da corregedoria e trabalhavam directamente com o corregedor
e contribuíam pela manutenção da justiça nas ilhas. Esses cargos eram
desempenhados por escravos ou negros forros que tinham por obrigação garantir a
segurança da população e das plantações, prender os condenados da justiça e
apreendiam os bens necessários para o pagamento de multas e dividas que
pertenciam ao rei. O segundo era desempenhado por homens negros que eram
responsáveis pela vigilância dos presos e pela deslocação dos mesmos às
audiências.
Se alguns desses presos fugissem da cadeia
eram-lhes aplicadas uma multa e seriam obrigados a abandonar a ilha, ou seja,
eram obrigados a ir para outra região de África durante o tempo que fosse
estipulado pelo corregedor.»
VASCO RODRIGUES, Contrabandista
Armador (1481,1484, 1485) Piloto de navio (1484, 1485)
A
intervenção do Rei através dos seus oficiais está cristalizada na norma
que impõe ao Donatário a obrigação de acatar a correição (inspecção) que o
corregedor da comarca deveria fazer, “duas vezes ao ano ao menos”,
em terras sob jurisdição donatarial (50).
50 - Ord. Af.,
II, 63, §§ 11 e 12. A excepção é feita apenas às rainhas e infantes a quem se
faculta o direito de “fazer correição” em suas próprias terras. Cf. Ord. Af., II, 40, § 5. Em Cabo Verde,
a regra de excepção aplicou-se, com certeza, a D. Manuel e, muito
possivelmente, a D. Fernando que foram donatários de todas as ilhas do
arquipélago. A guarda dessa prerrogativa por D. Manuel é indicada na carta em
que este infante donatário concede a Rodrigo Afonso a capitania da banda norte
de Santiago. Aí lê-se: “Porém,
sem embargo da dita jurisdição [i,é, da que transmitia ao seu capitão] a mim
praz que todos meus mandados e correição sejam aí cumpridos, assim como em
cousa minha própria”. O
documento que tem a data de 14-Jan-1485, foi publicado em várias obras. Entre
elas, na de Senna Barcellos, op. cit.,
Parte I, pp. 41-43. Essa prerrogativa não excluía, no entanto, a hipótese de o
monarca poder enviar, às mesmas terras, um sindicante para tratar de assuntos
de interesse da Coroa. O envio de Pero Lourenço a Santiago, em 1481, deve ser
entendido nesse sentido. V. Barcellos, op.
cit, pp. 39-40.
Ora,
se essas terras ficavam sujeitas a correição régia, bem pode notar-se a
ingerência no poder delegado, sendo aliás uma das principais incumbências do
corregedor em correição averiguar se os donatários ou seus representantes
usavam, de modo abusivo, os seus direitos e as suas jurisdições (51).
Na conformidade do plano, que já tinha
formado para se assegurar do Commercio da Africa Occidental, determinou
ElRei mandar construir huma Fortaleza na Costa da Mina (1); e pondo este
negocio em Conselho, votárão contra elle muitos Conselheiros, tendo a empreza
por arriscada; e até por impossivel, mas as suas razões nao fizerão impressão
no animo Real; e apezar de tudo, fez preparar, a grão pressa, huma expedição
composta de dez navios de guerra, duas grandes Urcas (ou Charruas), e outras
embarcações de transporte, em que se embarcarão quinhentos soldados, e cem
Mestres pedreiros, e carpinteiros, muitos mantimentos, e artigos de Commercio,
munições, madeiras, cantaria lavrada, ferragens, cal preparada, ferramentas, e
todos os materiaes que se julgárão necessários para construir hum bom Castello, com as suas
officinas, e accomanodações competentes.
(1)Vede Ruy de Pina, Chronica deste Rei, Cap.
2: - Galvão, Tratado dos Descobrimentos, pag. 26 - Barros, Decada I. Liv. 3,
Cap. 1. ~ Faria e Sousa, Asia Portugueza, tomo 3. No fim.
Para General deste Armamento nomeou
ElRei a DIOGO DE AZAMBUJA, Cavalleiro
da sua Casa, de grandes talentos, e experiencia: erão Commandantes dos outros navios de guerra
GONÇALO DA FONSECA, RUY DE OLIVEIRA,
JOÃO ROIZ GANTE, JOÃO AFFONSO, JOÃO DE
MOURA, DIOGO ROIZ, BARTHOLOMEU
DIAS, PEDRO DE ÉVORA, e GOMES AYRES, todos homens nobres; e das Urcas PEDRO DE CINTRA, e FERNÃO AFFONSO.
A
12 de Dezembro deste anno de 1481 sahio deLisboa Diogo da Azambuja com a sua
Esquadra, tendo feito partir adiante Pedro de Evora, comboiando os navios de transporte, com ordem de fazer pescaria na grande Enseada, que fica ao
S. E. de Cabo Verde, para provisão da Esquadra, e aguardar alli por elle. Pedro
de Evora não só cumpria o que lhe era encarregado, mas assentou pazes com o
Regulo Bezeguiche, Soberano daquella Bahia, que por muitosa nnos conservouo
nome de Angra de Bezeguiche e parece ser a da Ilha da Goréa, cujas pazes
confirmou Diogo da Azambuja, que a 24 de Dezembro se reuniu á Esquadra.
Levava
elle instrucç6es,
para que na Costa da Mina, comprehendida entre o Cabo das Tres Pontas e o Cabo
das Redes (1), construisse hum Castello no local, que lhe offerecesse melhores
proporções para ampliar, e proteger o Commercio naquelles Paizes ricos de ouro,
e de outros artigos preciosos.
Não
querendo por
consequencia confiar de pessoa alguma hum objecto de tanta importancia,
qual a escolha de similhante ponto, adiantou-se da Esquadra, e foi reconhecendo,
e examinando toda a Costa até chegar á Aldea das Duas Partes, em que surgio a
19 de Janeirode 1482; e aqui achou a João Bernardes, Commandante de hum navio d’ElRei, que estava
negocíando com os Negros, de quem já tinha recebido boa porção de
(1)Este Cabo chama-se
hoje Monte do Diabo, obra vinte legoas a leste de S. Jorge da Mina.
1481/05/04
1481/05/04
Doação de Afonso V ao príncipe D. João do comércio da “Guiné”, em 4 de Maio de 1481: “…que allguũ nõ vaa nẽ mãde aas dictas partes de Gujnea nẽ a aalguã dellas, que todas chamamos de Gujnea, posto que outros nomes tenhã e per outros sejam nomeadas pelos que ẽ ellas praticam a tractar, resgatar, mercadejar, pescar, sẽ mãdado ou liçença do dicto meu filho…”5
5 ANTT, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 26, fls. 102-103; Místicos, liv. 2, fl. 11v.; Reis, liv. I, fl. 61v. Pub. in MMA, I, pp. 487-488.
O mesmo problema da pluralidade de designações é expressamente mencionado noutro passo do mesmo documento: “…tractos de Gujnee e pescarias dos mares delles, asy os da Mjna e Arg[u]im, como de todollos outros ryos e quaeesquer lugares omde se ora resgata ou resgatar pode, nauga ou na terra, per quaeesquer nomes que sejam chamados ou que nomes nom tenham.” (ibidem, p. 486).
Pretende-se, precisamente, clarificar de que “Guiné” se fala: a “Guiné” da administração régia e da Ordem de Cristo exercendo um monopólio. Uma “Guiné”, num sentido lato, que não reconhecia as fronteiras geográficas e étnicas, bem como categorias fundadas em especificidades regionais ou mesmo de raiz socio-profissional. Retinham-se, antes, as vantagens da categoria geográfica mais abrangente, que funcionava simultaneamente como uma categoria jurídica, cuja legitimidade máxima era conferida pelas bulas papais. Esta “Guiné” prolongava-se pela África Atlântica até ao cabo da Boa Esperança.
Este é o conceito genérico, tal como aparece por ex. em Valentim Fernandes.
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