quarta-feira, 30 de março de 2016

COLONIZAÇÃO DA GUINÉ 1630-1639

1630
 Antonio Espinosa, fez um relato típico das atividades evangélicas de judeus no porto de Cacheu por volta de 1630 :
Um dia, ele e seus colegas de tripulação se reuniram com quatro homens portugueses que conheciam o capitão Correa [ o capitão do navio em que estava navegando Espinosa , que já tinha tentado para converter -se ao judaísmo Espinosa ] e todos eles disseram tantas coisas para [ Espinosa ] sobre a lei mosaica , discorrendo sobre isso por um longo tempo, e contando como Deus tinha dada a lei a Moisés sobre a montanha, e como em sua descendência de que ele havia encontrado o povo de Israel caiu em idolatria, gastando mais do que uma folha inteira de papel explicar isso a ele , de modo que no final [ Espinosa ] decidiu seguir a lei mosaica.
Acusa o governador JOÃO PEREIRA CORTE REAL a pouca capacidade da Ilha para albergar uma Sé com tantos clérigos, capelães e Bispo, "em cidade (Ribeira Grande) que não chega a ser aldeia" e onde os cidadãos são quinze ou dezasseis homens de Portugal que somados aos crioulos da terra não chegam a 35;
1630/11/00
 «Se Landim era um homem sem relações familiares no meio mercantil, o mesmo não sucedia com Francisco Dias Mendes de Brito. Descendente de uma família de mercadores cristãos-novos com fortes ligações ao comércio de escravos, Francisco Dias era natural de Trancoso e vivia em Lisboa desde os 25 anos, no Poço do Borratém. Na época em que se concertou com Landim teria cerca de 50 anos e era viúvo de Beatriz Pereira, cristã-nova (1), prima de Duarte Dias Henriques, também este contratador de escravos (2). A família Mendes de Brito tinha intensas relações comerciais concretizadas por laços conjugais com outras influentes famílias de mercadores cristãos-novos, nomeadamente os Fernandes de Elvas (3).
Sabendo ler, escrever e contar, o sócio de António Fernandes Landim era um representante do tipo de mercadores que referenciámos como um modelo perfeitamente distinto do de Landim. A sua ligação pessoal e familiar à "Lei de Moisés" levou a que, a par do término da sua companhia com António Fernandes, fosse preso pela Inquisição em Novembro de 1630 (4).
Acusado por se ter "apartado da nossa santa fee catholica e se passou à crença da ley de Moysés tendo-a ainda agora por boa e verdadeyra esperando-se salvarsse nella e não na Fé de Christo noso senhor" (5) era-lhe apontado o facto de guardar os sábados de trabalho, vestindo neles camisas lavadas e melhores vestidos, jejuar às segundas e quintas sem comer nem beber senão à noite, não comer porco, lebre, coelho ou peixe sem escamas, nem acreditar no sacramentos que só praticava "por comprimento do mundo" (6). O ano de 1630 foi destruidor para a família Mendes de Brito. Sucederam-se a um ritmo galopante as prisões de vários membros da família: irmãos, sobrinhos, primos.
Os bens de Francisco Dias Mendes de Brito foram confiscados para a Câmara Real, dos quais constavam inclusivamente escravos que haviam ficado na Guiné, quer de negócios particulares de Mendes de Brito - 40 escravos e 311 barafulas que foram "arrematados por dívida" ao mercador lisboeta António Lopes Soares (7) - quer procedidos das transacções da sua companhia com Landim (8) . Tendo terminado por confessar as suas culpas na Mesa do Santo Oficio, mandado ao Cárcere da Penitencia para ser instruído nas cousas da fé, em Março de 1632, Francisco Dias Mendes de Brito acabou por ser solto sob fiança por estar muito doente, falecendo de seguida.
(1) Processo de Francisco Dias Mendes de Brito, cristão-novo, mercador, natural de Trancoso, morador nesta cidade, prezo nos cárceres da Inquisição dela, in ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 7703.
(2) José Salvador Gonçalves, Os Magnatas do Tráfico Negreiro. São Paulo. 1981, p. 206.
(3) Idem, Ibidem.
(4) Processo de Francisco Dias Mendes de Brito l, .. ), in ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 7703.
(5) Ibidem.
(6) Ibidem.
(7) Carta régia ao capitão de Cacheu, Francisco Sodré Pereira, para que este mande que Fernão Lopes de Mesquita, escrivão da capitania, entregue a António Fernandes Landim, procurador de António Lopes Soares os escravos e barafulas que tem em seu poder, confiscados a Francisco Dias Mendes de Brito. ANTT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, fls. 513-517, de 22 de Setembro de 1632.
(8) Em Cacheu havia ficado 15 escravos da companhia, 1/2 dos quais pertenciam ao fisco estando nas mãos de Fernão Lopes de Mesquita. Carta régia ao capitão de Cacheu, Francisco Sodré Pereira, para que Fernão Lopes de Mesquita entregue os ditos negros a António Fernandes Landim "pera este os navegar com os seus pera aqui dar conta deles quando vier". Ibidem, fls. 561- 564, de 22 de Setembro de 1632.»
DE SANTIAGO PARA A COSTA DA GUINÉ: A TRANSFERÊNCIA DO CENTRO GEOGRÁFICO DOS NEGÓCIOS E A MANUTENÇÃO DA ELITE COMERCIANTE as transacções da companhia de António Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito (1629-1630) por Maria Manuel Ferraz Torrão
1630/11/19
«Frei Cristóvam de Cabral - nomeado em 19 de Novembro de 1630, tomou posse em 1632. Tentou firmar a nossa soberania na costa da Guiné, mandando construir um forte na embocadura do rio de Gâmbia.» João Barreto
1631
CRISTOVÃO CABRAL inicia o exercício do cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
Só em 1631 aparece uma medida que segue a linha de orientação consignada na legislação das relaciones geográficas. Tratou-se duma “ordem” régia que o recém-nomeado secretário de Estado da Índia e Conquistas, Francisco de Lucena procurou fazer cumprir e que, pela sua importância se extracta: “Em Carta de 17 do mes de Dezembro passado, dis sua Magestade que por quanto importa muito a seu serviço por muitas occazioẽs delle (…) aver nas Secretarias destado, das materias tocantes há india e mais partes ultramarinas a descripção de todas as costas dellas, cada governo, e cappitania de per sy, tudo arrumado, com declaração dos portos (…) com plantas, em papeis Aparte das fortalezas, feitorias e casas fortes (…) Artelharia, e armas (…) gente de guerra, e offiçiais (…) Relaçoẽns particulares das monçoẽns que correm na Costa (…) e asy dos Reys visinhos, ley que profeção, comercio, Paz ou guerra que se tenha cõ elles, e de tudo o mais que ouver em particular dos mesmos Reys que convenha aver lembrança pera todos os fins, assy em Rezão da converção dos Gentios, como do trato, ou comercio, ou conquista, e se tem commonicação com naçoẽns estrangeiras, e quais, e os meyos que pode aver de se impedir pera se tomarẽ as noticias referidas, manda sua Magestade que peça dellas plenaria informação aos governadores, ou capitaẽns que estiverem neste Reyno, que o aião sido nas conquistas (…)” (1).
Tornava-se, desta forma, obrigatório que os governadores e capitães, regressados dos seus cargos, respondessem com “plenária informação” a um questionário semelhante — se bem que mais genérico — aos que eram enviados para as Índias de Castela. Se esta ordem de Filipe IV (III) constituía a confirmação, ou o retomar de disposições similares dos seus antecessores para as “conquistas” de Portugal, desconhecêmo-las. Mas o próprio facto daquele monarca se queixar, implicitamente, da ausência de relações específicas para cada capitania ou governo indicia pelo menos que, a existirem, essas disposições não seriam sistematicamente aplicadas (2). Existiam sim as relações, de carácter muito geral e puramente administrativo, de todas as capitanias e governos, de que seriam desafectados para maior funcionalidade a parte ou partes que interessavam a um determinado utilizador oficial (3).
(1) “Copia da ordem que me mandou o secretario de Estado Francisco de Luçena em 9 de Janeiro de 1632”: B. Ajuda, cód. 51-VIII-31, 2º vol., fol. 10v. a 18v. (cota não conferida), in Alfredo de Albuquerque Felner, Apontamentos sôbre a ocupação e início do estabelecimento dos Portugueses no Congo, Angola e Benguela extraídos de documentos históricos, coligidos por (…), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, Apêndice, pp. 570-572, p. 570.
(2) Nenhuma outra legislação filipina foi possível compulsar a este respeito. A mencionada ordem régia de 1631 apenas foi antecedida de um decreto de 30 de Setembro de 1628, clarificado numa carta régia de 31 de Outubro seguinte. Neles se mandava que os vice-reis, governadores, e embaixadores, quando mudassem de posto ou terminassem o seu tempo enviassem ao rei, “relações distinctas por diarios, do estado em que fica o Reino, Estado ou Provincia, os negocios graves que ocorreram, e a sua actual figura, e das negociações , e o que falta para concluí-las…”, Ind. Chronologico, tom, 2º p. 239, apud José Justino de Andrade e Silva (ed.), Collecção chronologica da legislação portugueza, compilada e annotada por […], 10 vols., vol. IV, Lisboa, Imprensa de J. J. A. Silva, 1855, p. 138, v. também idem, ibidem, p. 136. Como se verifica as relações em causa tinham carácter administrativo e não o objecto alargado das descrições pedidas em 1631.

(3) ANÓNIMO, Relação, da Costa de Guiné, e das capitanias e povoações de Portug[u]ezes que nella ha
1632
FRANCISCO CRISTÓVÃO CABRAL Capitão-general e Governador-geral de Cabo Verde
1633
Os mercadores com quem DIOGO TEIXEIRA DE SAMPAIO comerciava eram Tomé Lopes de Ilhão, Jorge de Andrade e Diogo Gomes de Alter (Antuérpia); SIMÃO SOARES (Lisboa, até 1633) e seu cunhado Duarte Fernandes; Gil Lopes Pinto e Vasco da Veiga; Marco Fernandes Monsanto e Salvador Vaz Martins; e André Rodrigues de Andrade (Veneza).
Em Antuérpia Diogo dedicava-se ao comércio de produtos de África como o açúcar de S. Tomé e a pimenta da Índia, mas como correspondente de Simão Soares comerciava diamantes, açúcar e escravos assim como seguros marítimos. Diogo especializou-se no negócio de diamantes, mas também tinha actividades bancárias. O pai era mercador ligado ao comércio de açúcar do Brasil tal como os primos Marco Fernandes Monsanto e Salvador Vaz Martins. A família Teixeira de Sampaio destacou-se nas comunidades sefarditas de Hamburgo, Amesterdão, Londres e Paris e estava ligada ao comércio com o Oriente e com o comércio de escravos.
MANUEL DA SILVA BOTELHO é administrador de Cacheu até 1640
Em 1633, na capela de um engenho da Baía o padre António Vieira, e dirigindo-se a uma assistência maioritariamente composta por escravos africanos, dizia assim: «Oh se a gente preta tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto deve a Deus e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é senão milagre, e grande milagre! Dizei-me: vossos pais, que nasceram nas trevas da gentilidade, e. nela vivem e acabam a vida sem lume da fé, nem conhecimento de Deus, aonde vão depois da morte? Todos ( ... ) vão ao Inferno, e lá estão ardendo e arderão por toda a eternidade.» (Sermão 14.0 do Rosário)
Em data bastante posterior mas difícil de precisar, pregando para a irmandade dos «homens pretos» de Nossa Senhora do Rosário, mantinha a coerência do discurso:
«Todo o homem é composto de corpo e alma; mas o que é e se chama escravo, não é todo o homem, senão só metade dele. (...) De maneira, irmãos pretos, que o cativeiro que padeceis, por mais duro e áspero que seja ou vos pareça, não é cativeiro total ou de tudo que sois, senão meio cativeiro. Sois cativos naquela metade exterior e mais vil de vós mesmos, que é o corpo; porém, na outra metade interior e nobilíssima, que é a alma,  principalmente no que a ela pertence, não sois cativos, mas livres.» (Sermão 27.0 do Rosário)
1633/02/05
Embora a feitoria de Arguim tivesse perdido parte da sua importância com a abertura de novas feitorias mais a sul, como a de São Jorge da Mina, a localização estratégica de Arguim fez da ilha um local cobiçada pelas nações mercantis da Europa. Ainda assim, os portugueses mantiveram-se na ilha até 5 de Fevereiro de 1633, data em que a ilha foi conquistada pelos holandeses das Províncias Unidas, então em plena Guerra dos Oitenta Anos contra a Espanha, à qual Portugal se encontrava ligado desde 1580.
1633/06/24
A recém criada Congregação para a Propaganda Fide, decidiu tomar ao seu cargo a “conversão das almas” naquela região africana, neste sentido dirigiu um convite ao provincial dos Capuchinhos da Normandia, em 24 de Junho de 1633
1633/11/00
FRANCISCO NUNES DE ANDRADE, Administrador de Cacheu, de Novembro de 1633 a 1634
1634
Em 1633, a Congregação de Roma decide arranjar missionários para a Guiné. O convite foi aceite pelos capuchinhos franceses da Normandia. De Novembro de 1634 a meados de 1638, capuchinhos franceses desembarcaram na Guiné, com vista a constituir uma missão, que todavia fracassou.
DOMINGOS LOBO REIMÃO é administrador de Cacheu
«Um dos primeros capitãis nomeados foi Francisco Nunes de Andrade, que foi rendido por Domingos Lobo Reimão, em 1634. Êste oficial levava o encargo especial de prender um comerciante de nome Álvaro Gonçalves, naturalizado súbdito francês para cometer tôda a sorte de tropelias, com mais liberdade.
A sua moral era de tal fôrça que mandou envenenar o capitão Lobo Reimão, pouco depois do seu desembarque em Cacheu. Foi substituído por Paulo Barradas da Silva, que conseguiu prender o criminoso.
Segundo a narrativa de André Alvares d'Almada, a actual povoação de Cacheu principiou a formar-se por volta de 1588.
Antes disso, os comerciantes moravam numa aldeia indígena de mistura, com os brames, sujeitando-se a muitos vexames.
Mas naquele ano um morador de Santiago, M. Lopes Cardoso, obteve do régulo chamado Chapala autorização para edificar a nova aldeia, que os comerciantes trataram de fortificar com algumas peças de artilharia. Os indígenas, compreendendo as intenções dos brancos, reuniram-se em número de alguns milhares e atacaram a povoação no ano de 1590, mas foram repelidos» 
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 87
PAULO BARRADAS DA SILVA é administrador de Cacheu
Numa petição de 1634 escrita pela mão do governador de Cabo Verde, FREI CRISTÓVÃO CABRAL, afirma-se num dos seus artigos que: “…o destrito de Guiné se estende desde o rio Sanaga té [até] toda a Serra Leoa” (1) .
À margem apôs-se a nota probatória da afirmação: “He notorio a praticos” enumerando logo a seguir “Donella” e “Alvarenga”. A identificação provável com o nosso autor da primeira autoridade na questão dos limites do distrito foi feita por Teixeira da Mota (2). Partindo dessa hipótese (3), terá sido, portanto, também a opinião de Donelha — lida na Descrição ou transmitida oralmente — que terá sustentado em 1634 a legitimação de direitos mercantis sobre despojos oriundos da Serra Leoa (no sentido restrito), por parte do governador. Os seus oponentes no litígio eram os jesuítas da missão de Cabo Verde, que, implicitamente, se baseariam, pelo contrário, numa percepção apartada do espaço Serra Leoa.
(1) ANTT, Cartório dos Jesuítas, maço 58, nº 165.
(2) Cfr. ANTT, Cartório dos Jesuítas, maço 58, nº 165. O documento foi primeiro citado e comentado por T. da Mota, "Introdução", ed. Donelha, p. 18. Pormenorize-se: tratava-se duma petição a favor dum armador, João Bernaldes Falcão, que viera da Serra Leoa (a península, presume-se) com despojos dum navio holandês. Frei Cristóvão Cabral apoia-o, em conflito com os Jesuítas na luta pelos direitos que estes exigiam lhe fossem pagos pelo armador. O governador passa assim a escrito uma petição em favor dele e contra os Jesuítas. O documento tem uma data próxima (e não posterior) a 19 de Dezembro de 1634 e deve ser lido com os nºs 161, 164 e 166 do mesmo maço.
(3) Saliente-se com T. da Mota que na assinatura autógrafa lê-se, seguramente, “Donelha” ou “Donella”. Acrescente-se que o seu nome foi lido como “Donella” por um dos manuseadores coevos do códice, eventualmente pelo próprio proprietário, o Governador Francisco Vasconcelos da Cunha, a quem Donelha dedicou o escrito. Grafou desta forma o nome numa das primeiras folhas não numeradas do início do códice, folha em que listou os autores dos “papéis” que se seguiam. Cfr. B. Ajuda, cód. 51-IX-25. Pelo precioso conteúdo da Descrição que tornara pública em 1625 e pelos muitos anos de Guiné que tinha, Donelha seria certamente considerado pelo sucessor daquele a quem tinha dedicado a obra um “prático dos Rios de Guiné”.  
1634/09/14
PADRE JOÃO DE ALMEIDA, vigário de N. Senhora do Vencimento, de Cacheu, em 14-9-1634. Liv. 27, fl. 201v e liv. 12, fl. 35,274v.
1634/11/03
Todavia, antes de aceitar a missão, a província francesa enviou dois capuchinhos normandos, os padres ALEIXO DE SAINT-LÔ e BERNARDINHO DU RENOUARD para a Guiné. Os dois capuchinhos embarcaram em 11 de Outubro de 1634, no porto de Dieppe. Esta viagem teve como principal objectivo fazer um reconhecimento e exploração da região.
A viagem dos religiosos franceses para a costa africana ficou registada na obra do padre Alexis de Saint-Lô , Relation du Voyage du Cap- Vert, publicada originalmente na capital francesa em 1635. No capítulo III da relação, intitulado “descouuert du cap-vert e des habitantes du pays”, o autor informa que ancoraram ao porto de Rufisque (perto da actual Dakar) em 3 de Novembro de 1634.
1635
 AMBROSIO DIAS RABELO, cristão-novo, está na Petite Côte
No Roteiro da Guiné de 1635 a povoação de Cacheu é descrita como “situada de leste e oeste. Sua grandeza é como da Porta dos Contos à porta da Caza da Índia; na banda do mar tem uma tabanca, digo estacada de paus a pique e por fora deles tem uma cava que de preia-mar se enche de água, com que nos defendemos dos negros gentios, que dela para fora tudo é do gentio” (Brásio, 2ª série, vol. V, 1979:288). Presumimos que a Porta dos Contos mencionada na referência acima fosse a entrada da Casa dos Contos que se localizava em Lisboa, a sul do Terreiro do Trigo ou Terreiro do Pão, a funcionar no edifício da Alfândega Nova.
A povoação cresceu de um modo anárquico numa primeira fase, em que a única preocupação, provavelmente, terá sido a construção de um espaço fora da alçada directa dos africanos que pudessem controlar. Cremos que nesta fase não houve qualquer distinção significativa em termos arquitectónicos na habitação dos lançados, de acordo com Almada “as casas da dita povoação são de taipa como as de Casamança, delas sobradas, cobertas de olas, com grandes cercas de pau fincados a pique, feito um muro de palha a que chamam tapadas, e por dentro destas cercas vão as casas por dentro, segundo as posses dos moradores” (Almada, 1594-1964:71). Todavia, posteriormente a povoação acaba por (re)organizar-se e delimitar o seu espaço interno através da criação de ruas, como é bem visível nas descrições de Labat “Elle [Cacheu] est étroite, deux longues rues en font toute la larguer avec quelques petites rues de traverse” (Labat, 1663-1738:58) e Lemos Coelho “duas ruas, uma, que é a principal, na qual ficão as casas dos moradores de maior trato, que chamão a rua Diante1, e outra rua por detrás desta, junto da fortificação, que chamão a rua da Tabanca” (Coelho, 1669/1990-34)
Além das ruas podemos ainda verificar como elementos fundamentais na organização interna da vila a existência de dois bairros, um que esta no principio, a onde mora o capitão-mor, e nele a igreja matriz de Nossa Senhora do Vencimento, e chamão o bairro de Vila Fria; o outro é no cabo da povoação com o qual está uma ermida de Santo António, e chamão lhe Vila Quente(Coelho, 1669/1990-34). Estamos perante uma tentativa de controlar o espaço interno da praça através da criação de espaços com características distintas, delimitados pelas ruas e vilas. A rua Diante ou rua Direita, era a principal da povoação, e o local onde habitavam os moradores mais importantes, desempenhou um papel estrutural fundamental na ligação entre o porto e a povoação.
As ruas demarcavam o espaço físico entre cada um dos bairros, no de Vila Fria era onde se encontrava as principais estruturas da povoação, como é o caso da casa forte onde morava o capitão-mor. As casas onde morava o capitão-mor eram “feitas de adobes e cubertas de palha” à semelhança das restantes da povoação, entre estas havia as “cumbetes” onde se guardavam as fazendas, tinham a particularidade de serem “terrada por cima”, com o objetivo de evitar a perca das mercadorias guardadas em caso de incêndio. Havia um armazém onde se guardava a pólvora e as munições, e uma igrejazinha com duas ou três celas em que ficavam os padres capuchos quando estavam em Cacheu. “Cerca tudo isto uma muralha feita de paus a pique, com as pontas aguçadas e pregadas com as travessas, e duas portas que se fecham de noite, a qual cerca se chama Tabanca de Caza Forte” (Coelho: 1669-149). Adiante, estava a igreja matriz feita de pedra e cal e coberta de telha. As casas dos portugueses eram de “figura quadrada, grandes, e bem situadas, algumas com seus sobrados, as paredes de adobes cubertas de folhas de cibe” (Álvarez: fl14v-fl 15).
Em relação ao bairro de Vila Quente as informações são menos, e dizem ser o local onde estava a ermida de Santo António, as casas dos negros e gentios, assim como de alguns portugueses. As casas deste bairro são de figura redonda e de barro.
Lemos Coelho, antigo morador da praça, apresenta-nos uma leitura um pouco mais pormenorizada dizendo que o 'dito bairro de Vila Quente he povoado de negros grumetes forros. e de negros gentios pescadores, e hum cubil de ladroens muy prejudicial a dita povoação" (Coelho, 1669/ l 953:35). Ele acrescenta numa versão posterior do texto que 'muitos capitaes mores quiseram 'arrazar' o dito bairro e que os moradores 'enganos e onzenas' deste 'formosíssimo covil' ficaram agora separados dos notáveis por uma palissada. Enquanto homens são mencionados, de mulheres só se percebe que ali trabalham como 'lavandeiras' nas casas dos notáveis, corno no caso do autor em questão (Coelho, 1684/1953: 147). Um eufemismo para concubinas. Um contemporâneo francês, Mr. Brue em Labat, tem menos escrúpulos em denunciar a 'libertinagem excessiva das mulheres' da Vila Quente que levou as autoridades portugueses de multar moradores por ter abusado do seu poder sobre os seus escravos (Labat, 1728: 69). Assim ficamos a saber quais os costumes ardentes aí praticados e quais os seus protagonistas!
Mais tarde, mais informação foi facultada por outros “práticos”, como Francisco Pires de Carvalho e Lemos Coelho, mas estes escrevendo numa altura em que as informações já seriam do conhecimento geral (1). Pires de Carvalho ainda chama a atenção de Filipe IV (III) para o interesse em Cacheu ser porto de chegada da cola que vinha da Serra Leoa, enquadrando, assim, um tráfico cujos lucros escapavam à Fazenda Régia:
“Fora de muito grande vtilidade vir esta colla á pouoação de Caxheo, porque se fizera mais comercio e mais vpulenta vindo ali estes navios que tratão nesta colla, porque da mesma Ser[r]a Lioa vão ao rio da Geba. E do rio da Gueba á Ser[r]a Lioa sem darem obediencia nem conhecerem os Capitans de V. Magestade.” (2)
(1) George Brooks, Kola trade…, pp. 9-15 e passim, e idem, "Cacheu…", Mansas…,, pp. 192-194. Sobre Francisco Pires de Carvalho e o seu relato ver Guy Thilmans e Nize Isabel de Moraes, "Le Routier de la côte de Guinée de Francisco Pirez de Carvalho (1635)", Bulletin de l'IFAN., XXXII, ser. B, nº 2, Dakar, 1970, pp. 343-369. V. infra, 2.2..
(2) Francisco Pires de Carvalho, [Roteiro da Costa da Guiné], Lisboa, 1635: BNM, Ms. 3015, fls. 198-201, in MMA, V, p. 290.  
1635/01/05
Nomeação de JORGE DE CASTILHO no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde. Posse no ano seguinte.
1635/09/20
O visitador e vigário de Cacheu comunicou a presença de missionários franceses ao bispo de Cabo Verde, D. FREI LOURENÇO GARRO (1625 -1646), que por sua vez em carta ao rei D. Filipe III, de Portugal, informou sobre a presença destes religiosos na Guiné e do seu trabalho apostólico, dando conta da relação dos baptismos de gentios por eles feita. Dada a falta de clero na diocese e das noticias que teve de “[…] fazerem suas doctrinas e administrar os sacramentos com grande aproveitamento das almas[…]”, o bispo mandou agradecer-lhes o esforço missionário naquela região do seu bispado.
Em consulta de 20 de Setembro de 1635 sobre a carta do bispo, a Mesa da Consciência e Ordens foi de parecer que sendo o porto de Joala, onde se encontravam os dois capuchinhos franceses, uma zona estratégica, situada a trinta léguas a sudoeste do Cabo Verde e setenta léguas da ilha de Santiago, não era conveniente ter missionários estrangeiros na região: “[…] ruins consequencias consentirense estrangeiros, ainda que religiosos nas conquistas destes reynos e andarem pregando nellas e fazendo officios de parrochos sem licença e ordem de V. magestade. E que deve V. magestade mandar estranhar ao bispo aver dado graças a estes estrangeiros sem que primeiro viessem amostrar os titulos que traziam, e serem examinados pelo mesmo bispo […]
A Mesa da Consciência e Ordens condenou a ida dos missionários franceses, não aprovando a presença de religiosos estrangeiros enviados pela Propaganda Fide, com o consentimento de outro monarca, que não fosse o rei de Portugal. Neste caso, o rei francês, Luís XIII (1610 – 1643), havia de certa forma apadrinhado esta missão. Para aquele tribunal os religiosos deviam ser enviados com a devida autorização do padroado português e a viagem para o continente africano devia ser feita a partir da cidade de Lisboa.
O Conselho de Estado, também se pronunciou sobre o assunto, aconselhando o envio dos missionários para Lisboa, por representarem uma ameaça o facto dos “ […] françeses vão metendo pee na costa da Guiné, e com o pretexto de salvação das almas andavam dous capuchos françeses […]”
1635/10/13
Cópia de uma carta do cripto-judeu BLAS DE PAZ PINTO para TOMÁS RODRIGUES BARASSA, um residente em Cacheu, na qual Pinto diz que “o que estava devendo a VM pago ao senhor DIEGO BARASSA e ao senhor ÁLVARO GONÇALVES FRANCÊS que eram as pessoas a quem tinha de pagar…”
1636
JORGE DE CASTILHO Capitão-general e Governador-geral de Cabo Verde
Existe um escrito da época-Descripção de Guiné – por Francisco de Azevedo Coelho, datado de 1669, que nos dá uma idea da situação do rio de Bulola, na primeira metade do século XVII.
Diz Azevedo Coelho:
«... O porto de Guinala ... foi o primeiro asilo que tiveram meus parentes em Guiné, abrigando-os tão bem que nele tiveram a maior casa que houve em aqueles tempos, em tôda a costa. Na parte mais chegada ao rio estavam as casas onde morou Diogo Henriques de Sousa, avô materno de Fernão de Sousa Coutinho, que agora morreu acabando de governar Pernambuco... e  teve tanto cabedal que indo-se para Portugal... só . em navios deixou vinte e dois.
O capitão Cristóvão de Melo, no ano de 1636, foi fazer nova habitação e casa no porto de Bolola... e com a sua mudança do porto de Guinala se levantaram todos os brancos que viviam no dito porto e vieram morar com êle no de Bolola ... No porto de Biguba... viveu Sebastião Fernandes com muita fábrica de navios e cabedal, o qual se levantou para ir para as Indias, e foi para Cacheu com 18 embarcações suas e nelas 1800 negros.
«Em Cacheu, antes de se embarcar, fez a casa forte que hoje é de Sua Alteza (D. Pedro II) que a deu para nela viverem os capitãis-mores... Acima dêste porto de Biguba meia maré está a povoação de Bolola, primeira casa que me recebeu em Guiné; nela estava uma formosa povoação com uma igreja de N. S. de Encarnação ... Com um sacerdote que sustentava o capitão Cristóvão de Melo, meu primo ... e nela tinha o dito meu primo mais arrogantes casas, sendo tôdas elas uma fortaleza com duas plataformas em que tinha 14 peças de artilharia».
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 106
1636/10/10
 Doação da capitania do Fogo a D. JOÃO LUIZ DE VASCONCELOS
1637
1637- Os holandeses conquistam a fortaleza de São Jorge da Mina.
«Pressionados pela concorrência internacional, os portugueses tinham cada vez mais dificuldades em manter operacional a fortaleza (cujas despesas, nalguns anos, eram superiores às receitas) e em 1637, depois de quatro ou cinco tentativas fracassadas, os holandeses conquistaram o castelo. Utilizaram, desta vez, um exército de 800 soldados europeus e de mais de um milhar de auxiliares africanos contra uma guarnição portuguesa que nao devia chegar a 35 homens, muitos deles debilitados pela doença.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg. 66
ADÃO DIAS DE SOLIS,  de 24 anos, é Capitão de registos do rei e está agora como estante na povoação de Cacheu.
Entretanto, na Europa as negociações entre a província francesa e a Propaganda Fide continuavam para o envio de uma missão dos capuchinhos franceses para a costa africana. O novo grupo foi constituído por quatro religiosos, incluindo os dois padres que estiveram na Guiné. Em 1637, os capuchinhos Alexis de Saint - Lô, Bernard du Renouard, Gervasio de Argentam e André de Constances, partiram para a costa da Guiné, constituindo a primeira missão de religiosos franceses naquela região. 
Em Março de 1637, quando a Propaganda Fide confirmou definitivamente os missionários para a Guiné, estes já se encontravam na região, por ordem de Luís XIII.
O vigário de Cacheu, o padre João de Almeida escreveu à Princesa Margarida sobre a presença deste novo grupo de religiosos franceses, e em Outubro de 1637, a regente escreveu ao bispo ordenando o envio destes mesmos missionários para Lisboa.
Permaneceram até meados de 1638, saindo voluntariamente da região, após alguns problemas com as autoridades portuguesas.
O provincial dos capuchinhos da Normandia, escreveu a congregação para a Propaganda Fide, quase dois anos depois da retirada dos frades, em 28 de Maio de 1640, explicando os motivos do abandono da missão, alegando que os inconvenientes para a continuação do trabalho foram as dificuldades que missionários enfrentaram devido ao clima pouco sadio e à situação de abandono a que se encontravam remetidas as comunidades cristãs da região por parte do bispo, queixando-se das actividades do visitador, o padre João de Almeida, que não se deslocava junto das comunidades de Casamansa em missão apostólica, acusa-o de fazer negócio a custa dos baptismos. Desta forma, apesar das diligências das autoridades portugueses para afastar os religiosos, a oposição das autoridades portuguesas face a missão não foi um dos motivos apresentados pelo provincial para justificar a retirada dos missionários. O fim daquele missão deveu-se a falta de logística e a incapacidade dos frades em se adaptarem ao meio e a situação da igreja na região.
1637/08/00
 Em Agosto de 1637, uma poderosa força militar flamenga desembarcou entre o Cabo do Corso e o forte da Mina. Juntaram a eles algumas centenas de africanos. Os portugueses tiveram que se resignar e partir para a ilha de São Tomé.
1638
 FREI LOURENÇO GARRO bispo da ilha de Santiago.
1638/04/24
 Nomeação de JERÓNIMO CAVALCANTE E ALBUQUERQUE no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde. Posse no ano seguinte.
1639
 JERÓNIMO CAVALCANTE E ALBUQUERQUE Capitão-general e Governador-geral de Cabo Verde
Uma década mais tarde, já na posse do litoral Nordeste do Brasil, e na iminência da conquista de Angola (1641), em 1639 a WIC efetuou nova tentativa de estabelecer-se na ilha, erguendo sobre uma colina o Forte de Orange e, na parte baixa, armazéns para mercadorias destinadas aos postos de comércio continental. Apesar da sua presença prologar-se por quase meio século, foram desalojados em diversas ocasiões.   
1639/01/23
Domingo 23 de Janeiro de 1639.  Durante o auto de fé ANTÓNIO DE ESPINOSA pediu misericórdia e, para lhe ser dada por D. António de Castro, confessou que quem lhe ensinara a lei de Moisés na Guiné tinham sido GONÇALO DIAS ROVALO, JORGE MARTINEZ e MIN DIAZ.

Sem comentários:

Enviar um comentário