domingo, 6 de março de 2016

DESCOBRIMENTO DA GUINÉ 1412-1441

Descobrir foi destapar algo que se sabia existir mas não se sabia como era. Os portugueses já sabiam daquelas terras e foram ver como eram e o que podiam delas tirar. Não foi um "achamento" como foi o Brasil (Pedro Vaz de Caminha), um acaso encontrado no que se pensava ser o caminho para a Índia.Durante a descoberta, e mesmo nos primeiros séculos depois, Guiné era o nome dado à costa africana que vai aproximadamente desde o Cabo Verde, no Senegal, até à foz do rio Ogooué, no Gabão. 


1412 - Não se conhece com certeza a época em que, por mandado do Infante D. Henrique, sahírão de Portugal os principais descobridores a correr a Costa Occidental da Barberia; mas sabe-se que, neste anno de 1412, mandou huma embarcação a essa commissão,e talvez fosse a primeira que dobrou o Cabo de Não (1).
As embarcações empregadas nestas viagens erão grandes barcos Latinos de coberta, demandando pouco fundo, e pequenas equipagens, systema bem adaptado às circunstancias; porque os Descobridores partião no Verão, em que dominão na Barberia os ventos do primeiro quadrante, e sobre tudo os do quarto, com os quais hião á popa, mas na volta para Portugal, com estes ventos ficavam ponteiros, era-lhes necessário ir bordejando para o Norte, até avistarem algum ponto da Costa já conhecido, donde podessem atravessar em busca dos portos do Algarve, sem risco de se desgarrarem para o Occidente. Tinhâo de mais a vantagem de se poderem chegar bem a terra, ou para buscarem abrigo, ou para examinarem os Rios, Portos, e Bahias que descobrissem; e sendo as suas guarnições pequenas, achavam mais facilmente aguada, e refrescos. Nesses descobrimentos empregava o Infante duas e tres embarcaçóes cada anno, e ás vezes mais; e assim porfiou com grandes despesas até ao anno de 1433, sem achar hum navegante, que se aventurasse a dobrar o Cabo Bojador, que parecia tão terrível antes de o ser, como pareceu pouco formidavel depois. Nao pude descobrir o nome do Commandante desta primeira embarcação, que se disse ter chegado ao Cabo Bojador, nem as circunstancias da sua viagem. A cada passo se encontrão destas omissões nos nossos antigos Escriptores, até em materia de grande importância.
(1)O Cabo o está situado na Costa Occidental da África. Póximo a este cabo está uma boa Bahia, onde vem desaguar hum Rio.
«Partiaõ os Exploradores prornettendo atrevimentos; mas voltavaõ fem acçaõ, que os honraffe, naõ fe animando a paffar do Cabo Bojador feffenta legoas a diante do de Nam. Alli paravaõ, efpantados de hum novo movimento das aguas, parecendo-lhes, que ferviaõ; e a caufa era hum baixo de feis legoas medonho à vifta, e impoffivel a vencer-fe por quem naõ fabia navegar, fenaõ de Levante a Poente. Se os Pilotos daquella idade foubeffem cortar mais largo, e afaffarfe do Cabo as legoas, que ocupava o baixo, paffariaõ a diante; porém como aquella Cofta era a hunica agulha de que fe ferviaõ, ou foffe ignorância, ou medo, naõ fe arrojavaõ a apartarfe do feu rumo.»
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, L I S BOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg. 151-152
«Mas os navios , que daquella vez , c d'oútras foram, e vieram, não defcubríram mais que té o Cabo Bojador , que ferá davante de Cabo de Nam obra de feffenta .Ieguas, e alli paravam todos, fem algum oufar de commetter a paifagem delle. Porque como efte Cabo começa de encurvar a terra de mui longe , e ao refpeél:o da cofta que atrás tinham defcuberta , lança , e boja pera .. :\Ioefte pcrtô de quarenta leguas, (donde defte muito bojar lhe chamáram bojador,) era pera elles coufa mui nova apartar-fe do rumo, que levavam, e feguir outro pera Aloefte de tantas lcguas. Principalmente porque no rofto do Cabo achavam huma reftinga ,. que lançava pera o mefrno rumo da Loeflc obra de f eis lcguas ; onde por razão das aguas , que alli correm naquele efpaço , o baixo as move de maneira , que parecem faltar , e ferver : a vifta das quaes era a todos t~o temerofa , que não ouíàvam de as commetter, e mais quando viam o baixo. O qual temor cegava a todos , pera não entenderem , que affaftandofe do Cabo o efpaço das [eis leguas , que occupava o baixo, podiam paífar além ; porque como eram cofturnados ás navegações , que entao faziam de Levante a Ponente, levando fem.Pre a cofta na mão por rumo d'agulha , nao fabiam cortar tão largo que falvaff~rn o efpaço da reftinga , fórnenre com a vifta do ferver deftas aguas, e baixo que achav:arn, concebiam que o mar dalli por diante era todo aparccllado , e que não fc podia navegar; e que efl:a fora a caufa, por que os povoadores defla parte da Europa não fe eftendêram a navegar contra aquellas regiões. … de maneira que a navegaçáo das taes regiões eram mais praias cubertas de baixos, que mar navegavel.», João de Barros, DECADA L L1v: I. CAP. II. pp. 20-22, Lisboa, 25 de Fevereiro de 1778,  Nicoláo Pagliarini, Director geral da Regia Officina Typographica «… Porque diziam muitos que· como fe havia de paffar hum cabo que os marcantes de Hefpanha puzeram por termo e fim da navegação daquelas partes , como homens que fabiam .não fe poder navegar o mar, que eftava além delle , affi por as grandes correntes , como .por fer mui aparcelado , e com tanto fervor das aguagens , que forvia os navios.», ibidem, Cap. IV, p. 37 « e fegundo a fua fituação , podemos dizer fer aquelle o Cabo , a que Pclwlomeu chama Ganaria promontorio.» Ibidem, p. 41
«O puro sistema económico foi sempre materíalista, e nunca se doeu da escravização dos corpos e das consciências aos seus interesses. Portugal foi encontrar esse sistema que adoptou e praticou também. Lemos, de facto, no ltinerarium, do Dr. Jerónimo Münzer (31): «Este D. Henrique, irmão de D. Duarte, vendo que os rendimentos paternos não chegavam para tão grandes despesas, dedicou-se ao descobrimento de novas terras. Sabendo que o rei de Túnis, isto é, de Cartago, obtinha todos os anos  muito ouro, mandou espiões a Túnis, e, tendo averiguado que esse rei enviava mercadorias à Etiópia do sul através dos Montes Atlânticos, recebendo em troca escravos e ouro, tentou fazer por mar o que o rei de Túnis fazia havia muitos anos por terra».
 (31) Em Monumenta Missionaria Africana, 2.•, 1, p. 215
Henrique Pinto Rema, As primeiras missões da Costa da Guiné 1434-1533, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, N.os 83, 1966
1415/07/25
No tempo de D. João I (1385-1433) tropas portuguesas sob o seu comando conquistam Ceuta. Este acontecimento é geralmente referido como o início da expansão ou descobrimentos portugueses. O primeiro passo da expansão ultramarina teve lugar em 25 de Julho de 1415 com a partida de Lisboa da armada de 200 embarcações para a conquista de Ceuta, tendo chegado, no dia seguinte, a Lagos e, no dia 21 de Agosto, a Ceuta. Mas a armada apenas prosseguiu viagem de Lagos quando, no dia 28 de Julho, foi lida a Bula de Cruzada concedendo absolvição plenária a todos os participantes. D. João I, depois de confirmar a independência nacional, iniciou as conquistas de além-mar, a Expansão marítima e a obra dos Descobrimentos: “Em 1415, portanto decorridos apenas quatro anos sobre a assinatura da paz com Castela, o rei de Portugal, à frente de uma enorme expedição militar (19.000 combatentes, 1700 marinheiros, 200 navios), conquistou a importante cidade de Ceuta, no Norte de África. Este facto é considerado como o ponto de partida da polítca oficial da expansão ultramarina.”46
46 SARAIVA, José Hermano, História concisa de Portugal, Publicações Europa-América, Col. Saber, 7ª ed., Mem-Martins, 1981, pp. 122
1416
O famoso cosmógrafo Jaime de Malhorca, contratado para instruir o infante e os seus homens, veio logo nesse ano (1416) instalar-se em Sagres. E a João Gonçalves Zarco, fidalgo da sua casa, deu o comando duma frota de cruzeiro na costa marroquina.
1418
Antes de Gil Eanes, em 1418, fõra mandado Bartolomeu Perestrelo, cavalleiro da casa do infante D. João, dobrar o Bojador; sendo assaltado por um temporal não conseguiu e nem tentou mais.
«Neste anno foi mandado Bartolomeu Perestrello, Cavalleiro da Casa do Infante D. João, á empreza de dobrar o Bojador; mas sendo asaltado da tempestade, perdeo a derrota que levava, e foi arrojado a huma ilha desconhecida, a que deo o nome de Porto Santo, por ter achado nella abrigo; e descanço de sua trabalhosa navegação.
Damião de Góes, e Soares da Silva põem este descobrimento no anno seguinte de 1419.
Alguns negão que Perestrello fosse o descobridor desta ilha, e somente dizem que o Infante lhe dera a Capitania delia: mas a pratica geral d'aquelle tempo nos parece persuadir o contrario.»
Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o princípio do século xv. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841 pg. 9
1419
João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz decobrem a ilha de Porto Santo.
«A Providencia difpunha eftas demoras para dar a Joaõ Gonçalves Zarco, e a Triftaõ Vaz a primeira gloria defta empreza. Eraõ ambos Cavalleiros da Cafa do Infante, e que na facçaõ de Ceuta ferviraõ a Patria com tanto valor, que feu Amo entre os foldados mais dignos refervava para elles hum lugar diftincto. Depois da tomada daquela Praça, ambiciofos de mais fama (comercio corrente dos Portuguezes naqueles bons tempos) pediraõ eftes animofos Cavalleiros ao Infante, que vifto armar navios para o defcobrimento da Cofta de Barbaria, e Guiné, fe ferviffe occupallos em taõ honrado ferviço. Como eraõ peffoas, que tinhaõ nos feitos intrépidos bons fiadores para fe lhes cometerem acções arrifcadas, alegre aceitou o Infante o offerecimento, parecendo-Ihe que via já de perto o fim venturofo de fuas efperanças.»
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, L I S BOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg. 153
1419 e 1420
No anno seguinte de 1419 voltou Perestrello com os outros dous navegantes, João Gonsalves Zarco, e Tristão Vaz, Cavalleiros do Infante D. Henrique, cada um em seu navio á ilha de Porto Santo, levando Perestrello ordem, e alguns preparos para começar a sua cultura.
Dizem os escriptores antigos, que lançando-se na ilha uma coelha, que no mar havia parido, fora a criação destes animaes em tanto augmento, que destruião as searas, e por algum tempo retardarão, ou embaraçarão o projecto da colonização da ilha.
O Perestrello voltou a Portugal: mas João Gonsalves, e Tristão Vaz, tendo observado huma espécie de nevoeiro, que constantemente se lhes offerecia no mar, e sempre no mesmo sitio, e direcção, suspeitarão o que poderia ser, e dirigindo-se para aquella parte, descobrirão a ilha da Madeira, a que derão este nome pelo alto e basto arvoredo, de que a acharão coberta. Algumas antigas memorias dizem que Francisco Alcoforado, Cavalleiro da Casa do Infante D. Henrique, fora neste descobrimento, e o descrevera em huma exacta Relação. De João Gonsalves Zarco se diz que foi o primeiro Portuguez, que usou da pólvora, e artilharia nos navios. Manoel Thomaz, na Insulan. 1. 1.° est. 83 fallando delle diz
«Bem he verdade, que este o Lusitano, Primeiro foi, no mar com nome eterno. Que usou da dura fruta de Vulcano, E o salitrado aljôfar do inferno;»?
Índice chronologico das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841. Pg.10-11
1420
Os mesmos navegadores, com Bartolomeu Perestrelo, descobrem a ilha da Madeira, que foi imediatamente colonizada
1422
 Após sucessivas viagens, o cabo Não, considerado o limite navegável a sul por árabes e europeus, é ultrapassado, alcançando-se o Bojador

1424
Anos depois, tendo um certo Maciot de Bettencourt, donatário virtual das Canárias, doado os seus direitos ao infante D. Henrique, êste, em 1424, mandou ocupar essas ilhas selvagens, por uma forte expedição de 1:500 homens e 120 cavalos, sob o comando de D. Fernando de Castro. Conquistadas parte das ilhas, «Plantada affim a Fé em huma grande parte das Canarias era neceffario naõ fo cultivar o difpofto mas fenmear mais o terreno: mandou logo o Intante a Antaõ Gonçalves, feu Guarda-roupa com Ministros do Evangelho; eftes para obreiros da nova vinha, e aquelle parra confervar em paz, e justiça aos convertidos, defendendo-os dos teimofos em viver na religião que lhes deixaraõ feus Mayores. Crefcia a Conquista com honra para Portugal, porque com fruto para a Igreja, quando entrou a contentar a EIRey de Caftella o noffo trabalho; e querendo incorporar as novas terras à fua Coroa, moftrou, que com gente, mantimentos, e munições do feu Reino, fe apoderaraõ os dous Betancoures das Ilhas Lançarote, Forteventura, Ferro, e Gomeira, os quaes em reconhecimento fempre deraõ obediencia a Hefpanha... Nós naõ quizemos entaõ entregar a caufa à juftiça das armas, ou por parecerem juftas as razões de Caftella, ou por o aconfelhar affim huma occulta politica. Votou o Infante que fe largaffe a Conquifta; proteftando, que naõ levando elle em fuas emprezas outro fim, fe naõ o de dilatar o nome Chriftaõ, efte já o havia confeguido naquelas Ilhas, introduzindo, e radicando nellas a Ley do Evangelho; e que entregando-as aos Caftelhanos, vinháõ eles por fua grande piedade, e religiaõ a fer novos inftrumentos de fe completarem feus defejos. Reftava fó neffe negocio attender Hefpanha às groffas defpezas que o Reino, e o Infante fizera na dita Conquiíla; mas foraõ depois contempladas nos Capitulos das pazes entre os Reys D. Fernando de Caftella, e D. Affonfo V, os quaes julgamos, fe naõ alheyos, tediofos para o noffo argumento.»
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, L I S BOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg. 181
Bettencourt é um apelido de família da onomástica da língua francesa com aaízes toponímicas. Os Bettencourt, sobrenome também grafado por vezes como Bitencourt ou Bittencourt, são originários da Normandia, onde foram Senhores de Béthencourt e Granville. Fixaram-se primeiro nas ilhas Canárias em 1402 nas pessoas deHenrique e Maciot de Bettencourt, sobrinhos de Jean de Bettencourt, que recebera o senhorio das ilhas e que se chegou a intitular rei das Canárias. Das ilhas Canárias passaram à ilha da Madeira e desta para os Açores, na pessoa de Francisco de Bettencourt que faleceu em Angra em 1592, deixando como herdeiro o filho primogénito João de Bettencourt de Vasconcelos, tristemente celebrizado pela adesão que teve à causa de Filipe II de Espanha. Esta adesão valeu-lhe ter sido degolado na Praça Velha da cidade de Angra do Heroísmo, a mando da justiça do Prior do Crato.
ORIGENS HISTÓRICAS
A família Bettencourt é originária da França, da região da Normandia, lugar de BéthencourtNord na região de Nord-Pas-de-Calais na Picardia, pelo que o seu apelido é de raiz toponímica. O primeiro desta família a chegar à Península Ibérica foi Messire Jehan de Bethancourt ou Jean de Bettencourt que partiu à descoberta ao comando de uma frota de naus, veio a encontrar o arquipélago das Canárias, das quais se intitulou rei. Jean de Bettencourt não teve filhos, pelo que foram seus herdeiros Maciot Bettencourt e Henri de Bettencourt, seus irmãos.
Falecendo Maciot, vendeu Henri de Bettencourt aquelas ilhas ao Infante D. Henrique de Portugal, passando em seguida à ilha da Madeira, onde se fixou e teve as saboarias da ilha.
Jean de Bettencourt também não teve descendência legítima por ser Cavaleiro professo da Ordem de São João de Jerusalém, na altura chamada Ordem de Rodes. No entanto obteve a legitimação de uma filha bastarda, que foi casada com Rui Gonçalves da Câmara, casamento de que também não houve descendência. Perante esse facto a esposa instituiu com o citado marido o morgado que veio a ser conhecido por Morgado de  Águas de Mel, chamando para seu primeiro administrador Germano Gaspar de Bethancourt, seu primo. Este Germano Gaspar de Bethancourt teve muita descendência, que se dispersou tanto nas ilhas atlânticas como no continente português tendo o seu nome sido deturpado para Bethencourt e popularizado sob as mais diversas formas: Bettencourt, Betencour ou Betencur, Bittencourt, Bitencourt, etc.
1427
Diogo de Silves descobre (ou redescobre) as ilhas açorianas ocidentais e centrais, que seriam colonizadas em 1431 por Gonçalo Velho Cabral
1429
O infante D. Henrique tenta por mais de doze annos dobra-lo com os seus navios.
Depois de tantas investidas sem resultado algum, é facil de presumir que a opinião dos geographos arabes causava medo aos navegadores d'aquella epoca, aos quaes elles davam inteiro crédito.
Foi o Bojador dobrado pelos annos de 1429 a 1430 e assim desfez Gil Eanes a lenda d'aquelles geographos; a notícia echoaoda por toda a Europa inspirou a todos os povos uma grande admiração pelos portugoezes.
Vieram fidalgos e marinheiros de todas as nações, castelhanos, italianos, allemães e suecos, a Portugal para tomarem parte nas nossas grandes empresas e verem as maravilhas, que a nossa audacia arrancara ao mysterio em que estavam sepultadas.
«Gil Eannes, natural de Lagos, dobrou em fim o formidável Bojador.
Dizem os antigos escriptores portuguezes, que esta passagem do cabo fora então reputada como huma façanha igual a algum dos trabalhos d’Hercules: expressão, que hoje parece nimiamente exagerada, mas que o não era tanto naquelles tempos, vistas as dificuldades, os medos, e os perigos, que ou se tinham experimentado, ou se imaginavão e sopunhão na mesma passagem, e que por tanto tempo a havião retardado.
Parece-nos não se ter ainda determinado com bastante precisão, e certeza a época deste notável acontecimento. Muitos dos nossos escriptores a referem ao anno de 1433: alguns ao de 1432: outros ao de 1434: e outros finalmente ao de 1428.
Se nesta matéria pôde haver lugar a conjecturas, nós temos por mui verosimil que a passagem do Bojador se executou em 1429 ou quando mais tarde em 1430. As razões, em que nos fundamos, são as seguintes:
Primeira: que os nossos antigos uniformemente dizem, que o Infante D. Henrique, por mais de doze annos, fizera tentativas para dobrar este cabo, mandando a elle frequentemente os seus navios. E como estas tentativas  começarão logo depois da expedição de Ceuta, isto he, em 1416, ou ao mais tardar em 1417, parece que a passagem do cabo seria em 1429 ou em 1430.
Segunda: que o Papa Martinho V. permittio por huma sua bulia, que se podesse contractar e commerciar com os infiéis. Esta permissão, cuja verdadeira data ignoramos, não podia ser posterior a 20 de Fevereiro de 1431, em que aquelle santo Padre falleceo. Tinha pois sido pedida, e pode ser que concedida pelo menos em 1430. Por outra parte he de presumir, que o Infante somente a pediria depois de se ter vencido a grande dificuldade do Bojador; porque até então nem sabemos que os nossos navegadores sahissem em terra a negociar, ou procurassem ter comunicação e commercio com os habitantes; nem he verosímil que o intentassem a respeito dos Mouros, com que os Portuguezes estavão em  actual, e contínua guerra. Donde se collige, que antes de 1430, ou quando muito nesse mesmo anno, já se tinha vencido o Bojador.
Terceira: que na bulla do Papa Nicoláo V (já citada) dos principios de Janeiro do anno da Encarnação de 1454, que he anno vulgar de 1455, se diz que o Infante havia vinte e cinco annos (a viginti quinque annis citra, isto he, ha vinte e cinco annos a esta parte) não cessava de mandar navios ao descobrimento das terras, e costas do Bojador para as partes do sul. Logo o Bojador já tinha sido dobrado, e já se navegava além delle para o sul vinte e cinco annos antes da data da bulla, o que vem a dar em Janeiro de 1430, e mui provavelmente no anno antecedente de 1429.
Advertência
Pareceo-nos aqui lugar próprio para notar em geral, que algumas das diflerenças que se encontrão nos antigos escriptores a respeito de datas, e que talvez parece que embaração a chronologia dos descobrimentos, se devem attribuir, segundo o nosso juizo, a que huns tomavão por época de tal, ou tal expedição e descobrimento o anno em que os navegantes sahião de Portugal: outros o anno em que chegavão á costa de Africa, e effectivamente tocavão o ponto descoberto, o que muitas vezes succedia no anno seguinte ao da sahida: e outros finalmente o anno em que voltavão ao reino, e se divulgava a noticia.
Por onde entendemos, que quando a differença das datas he pequena, e de anos immediatos, se não deve fazer conta com ella para d'ahi arguir alguma incerteza no acontecimento, ou alguma variação essencial na sua época.»
Índice chronologico das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.15-18
1432
 No mesmo anno de 1432 mandou o Infante a Gil Annes, seu criado, natural do Algarve,commandando huma embarcação, para que tentassse dobrar o Cabo Bojador; mas elle, ou contrariado dos ventos, ou incitado da cubiça, sem porfiar no cumprimentoda sua com missão, dirigio-se ás Ilhas Canarias onde colheo alguns selvagens, com os quaes voltou para o Infante, que o recebeo mal, e como Gil Annes era homem animoso,  offereceo-se a fazer nova tentativa, e ou dobrar desta vez o Cabo, ou acabar na empresa (1).
(1)               Barros, Decada 1ª, L.º 2.º, Cap.º 4º


1432/08/15
A 15 de Agosto de 1432, Gonçalo Cabral descobria a ilha a que pôs o nome de Santa Maria, no arquipélago depois chamado dos Açôres.
«O Infante D. Henrique mandou no anno de 1431, que o Commendador de Almourol na O. de Chr. Fr. Gonçalo Velho Cabral fosse correr os mares a Oeste, em demanda de novas terras. O navegante encontrou os baixos das Formigas, situados entre as ilhas de Santa Maria, e S. Miguel, mas não deo fé de nenhuma dellas, e voltou a Portugal a informar o Infante do que tinha observado.
Foi outra vez mandado no anno seguinte de 1432 a explorar os mares, em que existião aquelles baixos, e então com melhor fortuna descobrio a ilha de Santa Maria, primeira descoberta no archipelago dos Açores a 15 de Agosto, e pela circunstancia da festividade do dia lhe deo aquelle nome. O Infante fez a Gonçalo Velho Capitão donatário da ilha, e elle a começou logo a povoar, e cultivar com grande proveito e interesse.»
Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841. pg.19
Em compensação, em 1431, Gonçalo Velho, comendador de Almourol, enviado pelo infante para oeste, em busca de certas ilhas de cuja existência para essas bandas havia já vagas notícias, encontrou as ilhas Formigas; mas tornando-se-lhe aí perigosa a navegação, desanimou e regressou a Sagres.
Descrição de Gaspar Frutuoso
"...no ano do Senhor de 1431...tendo o dito Infante em sua casa um nobre fidalgo e esforçado cavaleiro chamado Frei Gonçalo Velho...de quem por sua virtude, grande esforço e prudência tinha muita confiança, o mandou descobrir de estas ilhas dos Açores a Ilha de Santa Maria, ou porventura também esta de São Miguel, o qual aparelhando o navio com as coisas necessárias para a sua viagem, partiu no dito ano da Vila de Sagres, e navegando com próspero vento para o Ocidente, depois de passados alguns dias de navegação teve vista de uns penedos que estão sobre o mar, e se veem da Ilha de Santa Maria, e de uns barulhos que fazem, outros que estão ali perto, debaixo do mar, chamados agora todos Formigas, nome imposto por ele, ou por serem pequenos como formigas, em comparação das ilhas, ou porque ferve ali o mar, como as formigas fervem na obra que fazem..."
"Vindo a estas Formigas, Frei Gonçalo Velho do novo descobrimento...não achando ilha frutuosa e fresca, senão estéreis e feios penedos, e, em lugar de terras altas e seguras, vendo somente baixas pedras tão baixas e perigosas, cuidando e suspeitando ele e os da sua companhia que o Infante se enganara, julgando aquela pobre penedia por uma rica ilha, não entendendo todos eles com esta suspeita que havia mais que descobrir, se tornaram desgostosos ao Algarve, de onde partiram sem mais ver outra cousa que terra parecesse..."
A lenda passa-se numa altura em que Portugal ansiava descobrir novas terras. À frente desta iniciativa encontrava-se o Infante D. Henrique, fundador da Escola Náutica de Sagres. Gonçalo Velho Cabral, marinheiro do Infante e, segundo a lenda, frade devoto da Nossa Senhora, saiu de  Portugal por ordem de D. Henrique e fez-se ao mar numa caravela, fazendo uma promessa à santa de dar o nome dela à primeira terra que encontrasse no oceano.
Gonçalo Velho Cabral esquadrinhava os mapas, anotava as correntes e rezava. Passaram-se calmarias e tempestades, noites e dias, meses. Foi então que num dia de Verão, no dia de Nossa Senhora em Agosto, amanheceu um dia claro, suave, de céu limpo. A vista alcançava grandes distâncias.
As viagens marítimas dos descobrimentos eram geralmente difíceis, demoradas e imprevisíveis. Os marinheiros dependiam do vigia, no alto cesto da gávea quase na ponta de um mastro, para olhar o horizonte, desde o raiar da madrugada até ao anoitecer e tentar descobrir terra.
Mas na linha do horizonte foi surgindo uma nuvem, que foi se agigantando, ganhando forma e nitidez. A dada altura o gajeiro já não tinha mais dúvidas e gritou: "Terra à vista!". Gonçalo Velho Cabral e a restante marinhagem começavam o dia, como era hábito nessas alturas, orações a Deus e a Nossa Senhora para que os ajudasse a encontrar terras novas. Estavam a rezar a "Ave Maria", e nesse preciso momento pronunciavam "Santa Maria".
Gonçalo Velho Cabral considerou que se tratava de um milagre de Nossa Senhora a lembrar-lhe a promessa que tinha feito. Esta era a primeira ilha descoberta nos Açores, a ilha mãe, que recebeu de imediato o nome de ilha de Santa Maria. Segundo a lenda, esta fé de Gonçalo Velho perpetuou-se no local, onde ainda se mantém grande devoção em Nossa Senhora, festejada efusivamente no mês de Agosto de cada ano.
1433
«Em 1433 - Mandou o Infante armar uma barca, da qual deu capitania a Gil Eanes, seu escudeiro, natural de Lagos, com encargo de ultrapassar o cabo Bojador. Mas Gil Eanes, como atrás já vimos, não se atreveu a navegar além das Canárias, donde trouxe alguns homens cativos
 João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 16
Obtida licença do Infante, partio Gil Eanes segunda vez na mesma embarcação, e dobrando finalmeme o suspirado Cabo, foi desembarcar em huma Bahia ao Sul delle; e reconhecido o Paiz, e nâo achando povoação, nem rasto algum de gente, levantou na praia huma Cruz de páo, e contentou-se com trazer dali i algumas plantas em hum barril cheio de terra, em prova de não ser aquella Região deserta, vindo assás satisfeito com tão grande descobrimento, segundo então se reputava a acçao de dobrar aquelle Cabo, em que se trabalhava havia tantos annos.
Chegado Gil Annes á presença do Infante, recebeo este o presente daquelas hervas com alvoroço maior, do que receberia outra qualquer cousa de grande valor, premiando com honras, e mercês não só o Descobridor, porém todos os indivíduos da sua embarcação. Não sabemos em que dia dobrou elle o Cabo Bojador; mas he certo, que quando voltou a ·Sagres, estava ja no Throno EIRei. D. Duarte, que mostrou igual prazer ao do Infante por aquelle descobrimento; o ultimo acontecido na vida de seu Grande Pai (1).
Faleceo ElRei D. Joáo I em 14 de Agosto de1433
(1) Faria , Asia Porrugueza, no lugar já citado - Goes, Chronica do Princlpe D. João, Capitulo 8º - Galvão, Tratado dos Descobrimentos, pag. 22, Soares da Silva, Memorias de D. João I, tomo 1º, capitulo 83 – Barros, Decada 1ª, Lº 1º, Capitulo 4º
1434
«Em 1434 - Novamente D. Henrique insiste com o mesmo Gil Eanes para que tente mais uma vez a passagem daquele ponto, procurando demonstrar-lhe a inanidade das lendas temerosas que o cercam. E como «o Infante era homem de grande autoridade, pela qual suas admoestações, por brandas que fossem, eram para os sisudos de mui grande encargo,determinou (Gil Eanes) em sua vontade não tornar mais ante a presença do seu Senhor, sem certo recado daquilo por que o enviavam». De facto, o intrépido navegador assim fez, e nessa viagem dobrou o célebre e lendário cabo que, segundo a tradição da época, «era o termo que Deus pusera nos mares à audaciosa temeridade dos homensA passagem do cabo Bojador revolucionou a arte de navegar o sul do Atlântico, não só por ter destruído as lendas antigas, mas sobretudo por se ter descoberto a rota das viagens de regresso, por alto mar, fugindo dos ventos alisados, que tornavam impraticável a navegação costeira além das Canárias e do cabo Jubi. Não tendo encontrado ao longo da costa senão dunas desertas de areia, Gil Eanes trouxe como sinal da sua passagem «estas hervas que aqui apresento a Vossa Mercê, as quais nós em este reino chamamos rosas de Santa Maria.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 16-17
Em Maio de 1434, Gil Eanes aparelhou uma barca de 30 toneladas, com um só mastro, e uma única vela redonda e também movida a remos e parcialmente coberta. Com ela ao chegar nas proximidades do cabo do medo, decidiu manobrar para oeste afastando-se da costa africana. Após um dia inteiro de navegação longe da costa, deparou com uma baía plácida de ventos amenos, e então dobrou para sudeste e logo percebeu que havia deixado o Cabo Bojador para trás
«Duarte Pacheco Pereira, no capítulo 22 do livro I do seu Esmeraldo, referindo-se à passagem do Cabo Bojador, em 1434, diz: «E certamente cousa é para repreender os cavaleiros creé1, dos do Infante que êle mandou por capitães dos seus navios descobrir êsse cabo Bojadór e assim os mareantes que com eles iam não ousavam passar alem, porque doze anos continuamente foram enviados cada ano pelo Infante a êste descobrimento...»
Temos, por fim, o depoimento de Azurara, no capítulo IX da sua Chronica, em que, falando da primeira tentativa feita por Gil Eanes para a passagem do Bojador, diz: «E finalmente, depois de doze anos, fez o Infante armar uma barca da qual deu capitania a um Gil Eanes... o qual seguindo a viagem dos outros, «tocado daquele mesmo temor, não chegou mais que às ilhas de Canária… E foi isto no ano de Jesus Cristo de mil quatrocentos e trinta e três».
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg.15-16
Tornou o Infante D. Henrique a mandar Gil Annes, e com elle em outra embarcação maior, chamada então Barinel (creio que era hum Patacho), Affonso Gonçalves Baldaia, seu Copeiro, para prosseguirem o exame da Costa de Africa além do Cabo Bojador, como fizeram; e favorecidos dos ventos, corrêrão obra de oitenta milhas para o Sul delle, até huma bella Enseada em que surgirão, e pelos muitos ruivos gue alli pescárão, lhe chamárão Angra dos Ruivos, nome que ainda conserva em todas as Cartas (3). Examinando o Paiz, achárão rasto de gente, e de camelos em diferentes direcções; com cujas noticias regressarão a Portugal (4).
(3) Galvão, pag. 23 – Chronica do Principe D. João, Cap.º8.º - Barros, Decada 1.ª, L.º 1.º, Cap. 5º - Memorias de D. João I, Capitulo 83. - Faria, Asia , Parte 1, tomo 1.
(4) A terra deste Cabo Bojador para o Sul he montanhosa, mas vai progressivamente abaixando para a Enseada, ou Angra dos Ruivos, e não tem coisa notavel, que a faça conhecer de longe, senão hum monte alto, e piramidal, cousa de doze léguas além do Cabo, chamado Penha Grande. Esta Angra tem quatro léguas de boca, e fundo de area, com três a duas braças de agua.
«O mesmo Gil Eannes, que dobrara o cabo Bojador, voltou em 1434 áquellas paragens com Affonço Gonsalves Baldaya, Copeiro do Infante. Passarão obra de 30 léguas adiante do cabo, e descobrirão huma angra, ou bahia, a que posérão nome Angra de ruivos por acharem ali muitos dos peixes, a que os Portuguezes chamão ruivos.
No anno seguinte ou estavão ainda nas mesmas paragens, ou a ellas voltarão. Adiantarão mais 12 léguas pela costa, e sahindo em terra Heitor Homem, e Diogo Lopes de Almeida, encontrarão alguns bárbaros, que á vista dos nossos se poserão em fugida. Passarão ainda depois hum pouco mais adiante, e chegarão a foz de hum rio, aonde matarão muitos lobos marinhos (espécie de phocas, segundo parece) cujas pelles trouxeram a Portugal.
Este lugar he o que nas antigas relações se ficou denominando o posto dos lobos marinhos: e o rio tomou logo depois o nome de Rio do ouro pelo resgate que ahi se fez deste metal. Sobre o Rio do ouro, segundo a  observação de hum antigo piloto portuguez, corre a linha do trópico de Cancro, pelo que se vê que denotava o rio a 23° e 30' septemtr., que era a posição que algumas antigas cartas davão á linha do trópico.»
Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.20-21
1435
«Em 1435 - Nova expedição de Gil Eanes, com sua barca, acompanhado de um barinel sob a capitania de Afonso Gonçalves Baldaia, copeiro do Infante, os quais avançaram 50 guas ao sul do Bojador, até uma angra a que, segundo Barros, se deu o nome de Angra dos Ruivos, por causa de grande número de peixes dêsse nome que ali encontraram.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 17
Em 1435, Afonso Baldaia e Gil Eanes, enviados para ir mais além do Bojador, avançaram mais 50 léguas e descobriram uma angra (Angra dos Ruivos) onde viram rastos de homens e de camelos. Em 1436, os mesmos nautas atingiram um ponto da costa, a Ponta da Galé, a 170 léguas ao sul do Bojador.
Nesse anno mandou o Infante os mesmos dous Navegantes, para continuarem os descobrimentos além da Angra dos Ruivos; e para que podessem examinar o Paiz a maior distancia do mar, fez embarcar dous cavallos no navio de AFFONSO GONÇALVES BALDAIA.
As suas instrucções erão, que procurassem chegar a terra povoada, e colher algum dos naturaes, que désse boa informação do estado daquellas Regióes. Sahirão de Sagres os dous Descobridores, e dobrandoo Cabo Bojador, seguirão a Costa, que da Angra dos Ruivos para o Sulhe muito raza com algum mato; e obra de quarenta milhas além della acharão uma Enseada, onde ancorárão (1). E como a terra era descoberta, mandou Affonso Gonçalves desembarcar os cavallos, e nelles partirão armados de espada, e lança, HEITOR HOMEM, e DIOGO LOPES DE ALMEIDA, mancebos de nobre nascimento, educados no Palacio do Infante D. Henrique, de idade de dezessete anos, levando ordem pra examinar o Paiz, sem nunca se apearem, nem apartarem hum do outro; e que achando algum dos  naturaes, e podendo aprisiona-lo sem risco seu, o fizessem. Explorárão eles inutilmente a campanha quasi toda a manhã, e achando-se já mui longe dos navios, encontrarão dezenove Mouros de medonho aspecto, cada um com a sua azagaia na mão; e tão de súbito foi este encontro, que os moços houveram por melhor acommette-los logo, que retirar-se depois de vistos, por lhes não dar mais ousadia. Porem os Mouros, espantados de verem homens estranhos, de que não tinhão ideia alguma, refugiárão-se em huma caverna, que ficava debaixo de huns penedos, onde se defendêrão bom espaço, que durou a briga, á custa de algumas feridas dos seus, e de huma que hum dos moços também recebeo; sendo este o primeiro sangue Portuguez, que se derramou naquela barbara Região; e vendo os dous, que não lhes era possível forçar a entrada da gruta, voltarão para os navios, onde chegárão na manhã seguinte.
Corn esta noticia partio Affonso Gonçalves com gente bem armada em busca os Mouros, de que só achou algum miseravel despojo, que por temor abandonárão na caverna; e recolhendo-se aos navios, sahio daquelia Bahia a que deo o nome de Angra dos Cavallos, e proseguio o seu descobrimento para o Sul.
Havendo navegado outras quarenra milhas, vio hum Rio, que entrava pela terra na direcção de N.E. (he o mesmo Rio do Ouro, de que adiante falarei), e tinha na boca uma Ilhota de aréa, em que havia tanta multidão de lobos marinhos, que os Portuguezes os avaliarão em cinco mil, e deles matárão muitos, para aproveitar as peles, que naqueles tempos valião muito no Commercio. Affonso Gonçalves, que a todo o custo queria levar ao Infante algum natural daqueles Paizes, não se contentando de interesses mercantis, seguiu quarenta léguas mais avante, e chegando a uma ponta a que deo o nome de Pedra da Galé, pela similhança que se lhe figurou ter com huma Galé, achou humas redes de pescadores, que pareciam ser feitas de fibras de alguma arvore, e na esperança de tomar algum habitante, desembarcou varias vezes naquella Costa; mas não achando o que buscava, e tendo ja os mantimentos gastos, voltou para Portugal (2).
(1)               Esta Enseada, ou Angra dos Cavallos tem sete braças de fundo limpo de aréa vermelha.
(2)               Esta relação he tirada de João de Barros, de Faria e Sousa, de José Soares da Silva, e da Chronica do Principe D. João, nos lugares já citados.
A expedição a Tânger e a morte de El-Rei D. Duarte, fizeram com que as viagens para Sul na costa Ocidental da África ficassem suspensas durante cerca de cinco anos.
«Mas finalmente, apezar de mil pareceres contrarias, a licença dada prevaleceo e dizem que efta confirmaçaó tornara a deverfe à Rainha, interceffoia que tudo podia no amor de ElRey. Mandoufe aliftar gente, até encher o numero de quatorze mil foldados, e logo aqui começou a guerra nas vexaçoes ao povo, arrancando-lhe com os filhos pezados tributos. ·Em fim defaferrou a Armada aos 22 de Agosto de 1437; e chegando os Infantes a·Ceuta aos 27 do mesmo mez, fizeraõ revilla da gente, e acharaõ pouco mais de feis mil homens; porque os Navios naõ eraõ os que baftavaõ para alojar o numero, que fe havia determinado. Tambem fugio huma grande parte; e daqui fe colherá, qual fora a violencia defta Expediçaõ, fugindo della homens de huma Idade, em que o naõ ir à guerra fe tinha por defhonra.
Aconfelhados do temor os Mouros de Henamede quizeraõ voluntariarmente comprar feu defcanço, oferecendo hum tributo em final de fua vaffallagem à Coroa Portugueza. Aceitarao-no os Infantes, e tiveraõ o fucceffo como prefagio de futuras victorias. Por iffo defprezados os confelhos de Capitães experimentados nos perigos de Ceuta, que aconfelharaõ fe mandaffe pedir mais gente ao Reino, determinaraõ dar principio à Acçaõ, julgando a falta como circunstancia, que no juizo do Mundo daria mayor valor à Conquifta.
Com efta occafiaõ vio, que era impraticavel a paffagem por aquella parte, obftando naô fó a afpereza do fragofo caminho, mas a multidão de Mouros, que o defendiaõ. Affentou em marchar por Tetuaõ; e como o Infante D. Fernando o naõ podia acompanhar, por eftar de huma perna gravemente enfermo, foy embarcado efperallo nas prayas de Tangere.
Chegaraõ em fim em 14 de Setembro a Tangere, cançados de deixar affolladas muitas Villas, e Lugares, fem que as mortes de naõ poucos Mouros nos cuftaffem huma fó vida. Já os efperava o Infante D. Fernando, e aquartelando-fe todos , defcançaraõ da prolixa marcha.
Se baftaffe fó o valor, para igualar em partido o noffo limitado poder a efta inundaçaõ de Inimigos, tanto fiava dos feus o magnanimo Infante, que quafi podia lifonjearfe com a Conquifta de toda a Africa; mas cabendo a cada Portuguez quafi hum exercito de Mouros, bem via, que era forçofo darfe à multidaõ a victoria.
Invocado o todo Poderofo entrou-fe ao affalto. Com mais tremeridade que valor fe arrimou à muralha huma unica efcada, que tinhamos. Subiraõ muitos foldados com animo taõ intrépido como fe a Praça eftiveffe deferta; mas foraõ infelices, porque logo queimou a efcada o muito fogo, que os Inimigos arrojavaõ, de que foy confequencia perderem as vidas os que por ella fubiaõ. Os Mouros foberbos já com a certeza da victoria, naõ a quizeraõ demorar, e fahiraõ a acometternos ao campo: oppozemo-nós com animo imperturbavel; mas como elles tinhaõ para oprimir dobrados esforços, à maneira de rio defpenhado que leva na corrente tudo o que encontra, fizeraõ-nos retroceder, e deixarlhes com a artilharia os mais petrechos, que ainda eftavaõ na praya.
Intentou o Infante já arrependido tomar a invefvir, querendo que lhe tiraffem a vida as mesmas maos, que lhe tiravaõ a victoria. Oppozeraõ-fe os Cabos principaes, propondo-lhe :…
Aprefentaraõ-nos na praya hum horror de gente armada; tomaraõ-na, e renderaõ-nos por bloqueo, ajufiando-fe naõ fó a entrega de Ceuta, e de feus prizioneiros, mas todo o trem, e bagagem, que traziamos; rematando o ajufte com a claufula, de que por cem annos lhes naõ fariamos guerra.
Para ficar em refens, offereceo-fe o lnfante D. Henrtque; mas nao fe lhe confentio huma acçaõ, que coroaria de nova gloria feu nome illuftre. Coube efta ao Infante D. Fernando, que a foube merecer de maneira que defde entaõ çomeçou juftamente a pronunciarfe feu nome com o epiteto de Santo. Para noffa fegurança Zalá Benzalá, que agora governava Tangere com melhor fortuna, do que Ceuta em outro tempo, entregou feu filho a Ruy Gomes da Silva, regebendo por certeza da reftituiçaõ a Joaõ Gomes do Avelar, Pédro de Ataide, Ayres da Cunha, e Gomes da Silva, Fidalgos, a quem feri esforço dera entre aquelles Barbaros húm nome diftinto».
VIDA DO INFANTE D. HENRIQUE, POR CANDIDO LUSITANO, LISBOA, Na Officina Patriarcal de FRANCISCO LUIZ AMENO. MDCCLVIIl., pg. 111-139
1436
«Em 1436 - Foi enviado novamente o capitão Afonso Baldaia com a missão de avançar o mais que pudesse e de «haver lingua dessa gente, filhando algum, por que o certamente o possais saber». Quere dizer, Baldaia levava ordens para aprisionar algum indígena que pudesse servir de intérprete e informador.
Nessa viagem Baldaia navegou aàs proximidades do Rio do Ouro, a 120 guas ao sul do cabo Bojador, atingindo a foz de um rio a que se deu o nome de Angra de Cavalos. Desembarcou dois cavalos que trazia e confiando-os a Heitor Homem e Lopo de Almeida, encarregou-os de reconhecerem a região.
Pela primeira vez, os expedicionários portugueses tomaram contacto com um grupo de 19 mouros, não tendo, porém, conseguido prender nenhum deles por terem fugido. Descontente por não poder levar ao Infante qualquer habitante da localidade, Baldaia resolveu continuar a navegar até que, 50 léguas mais para o Sul, avistou um alto penedo a que deu o nome de Pedra da Galé (a), por causa da sua figuração. O navio trouxe no seu regresso um importante carregamento de couros e óleo de lobos marinhos (Phoca Vitulina, de Linneu) de que encontraram grande número na referida angra.
(a)A Pedra da Galé, ou Pôrto da Galé, que em alguns mapas estrangeiros aparece com o nome de Pedra da Galha ou Galha's Point, fica situada entre o Cabo das Barbas e o Cabo Carvoeiro, no paralelo 22°.12, Norte, havendo portanto entre êste ponto e o Cabo Bojador uma diferença de quási 4 graus. É difícil conciliar esta distância de 4 graus com as 170 léguas que, segundo Azurara, Baldaia teria percorrido nesta sua viagem ao Sul do Bojador. Teríamos uma légua de cêrca de 2.400 metros, ou sejam 42 léguas ao grau. Devemos portanto admitir que houve exagero no número das léguas aqui indicadas, ou que a légua de Azurara tinha um valor diferente, regulando por metade da extensão daquela que se supõe teria em geral no século XV: grau de 70 milhas, ou 17,5 léguas. Légua = 5.920 metros, Convém notar que Duarte Pacheco indica 12 léguas como distância entre o Cabo Branco e a ilha de Arguim, ao passo que Azurara fixa-a em 25, isto é, também o dôbro das primeiras.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 17-18
1439
«Anno de 1439 ou 1440.
Diniz Fernandes, Escudeiro do Infante D. João, checou em algum destes annos a hum grande rio, que os naturaes da costa chamavâo Quedec, (*) e a que os nossos derão o nome de Sanagá, do nome de hum senhor da terra, com quem fallárão, arrumando a sua foz a 16° de latit. septentr.
Cadamosto que fez a sua primeira viagem em 1445, diz expressamente que o Senegal tinha sido descoberto cinco annos antes. (Navegações de Cadamosto. Relação l.ª)
(*) Damião de Góes na Chron. do Princip. D. Joam, edição de 1724, em lugar de Quedec escreve Sonedcch» — Manoel Corrêa, nos Commentarios a Camões, escreve Quedec, e diz que he o nome que os Mouros dão ao rio na entrada do mar. E Barros 1. 1. 13, diz que o verdadeiro nome do rio, ali na sua foz, he Ouedech, segundo a lingua dos negros que habitão o paiz; e que subindo por elle acima toma diííerentes nomes.»
 Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.23
«SANAGA ou ÇANAGA: que de ambos os modos acho em nossos escritores e também Cenagá, hé um notavel rio, que divide a terra dos Mouros Azenegues dos primeiros negros de Guiné, chamados Gelofos ou Talofos. Mete-se em o mar Oceano Occidental. Chamam-lhe os naturaes da terra Denguch e os Tucuraes, que sam outros povos mays acima Mayo e os Caragoles Colle: porem logo na entrada se diz Ovedech: e quando corre per uma comarca chamada Bagano, que hé mays Oriental, chamam lhe Zimbalam, donde às vezes, per causa delle dão à comarca este nome: e no Reino de Tangubutu, lhe chama Iça; como Barros diz em a Decada 1. L. 3. C. 8. O poeta o chama Negro C. 5. est. 7. por correr per terra de negros. Nós chamamos Çanagá, per razam que o primeiro resgate, que se ali começou, foy per um negro dos principaes da terra assi chamado. Vem das partes Orientaes, e corre per grandes Reynos e provindas, polo que entenderam alguns que era braço do Nilo. Descubrio-o o Capitam Lançarote.»
MICROLOGIA CAMONIANA, JOÃO FRANCO BARRETO, IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, BIBLIOTECA NACIONAL, LISBOA, 1982, pg. 672
1439/06/01
«1439 -1 de Junho, confirmação, feita por D. Afonso V da carta de D. Duarte de 25 de Setembro de 1433, pela qual ao infante D. Henrique era concedida a isenção do quinto das presas obtidas por navios e fustas, que ele armasse à sua custa e trouxesse de armada com capitães seus. 9
(9) - Doc. em Chancelaria de D. Afonso V, 1.0 19, fl. 19, I.0 dipl., Arq. Nae. Da Torre do Tombo; publ. por Silva Marques - Descobrimentos Portugueses, vL I, p. 398, doc. n.º 311, p. 271, doc. n.º 255 - texto confirmado.»
Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1440
Neste anno mandou o Infante D. Henrique dias Caravelas para prosseguirem no descobrimento da Costa da Africa; mas por máos tempos, ou outra alguma causa, regressárão a Sagres, sem fazerem cousa alguma (1)
(1)               Barros, Decada I, Lº I, Capº 6 – Soares da Silva, Memorias etc., tomo I, Capº 83
1441
«Anno de 1440 e 1441.
Nuno Tristão, e Antão Gonsalves, criados fio Infante D. Henrique, hindo ao posto dos lobos marinhos, tomarão alguns bárbaros.
Antão Gonsalves, que ainda era mancebo, foi ali armado cavalleiro, e por esta circunstancia se deo áquelle lugar o nome de Porto do Cavalleiro, que parece ser o mesmo, que Ortelio em suas Taboas designa. «P. de cavalli» alterando o nome, como faz outras muitas vezes, ou por ignorância do idioma portuguez, ou por se ter já perdido de vista o facto, que motivara a denominação.
O Gonsalves voltou a Portugal, e Nuno Tristão, proseguindo, chegou ao Cabo-branco, que os nossos arrumavão a 20° septemtr., e lhe deo o nome.»
Índice chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.24
«Em 1441- «... E foi assim que em aquesto ano de quatrocentos quarenta e um, havendo já os feitos do reino algum assassego, ainda que grande não fosse, fez o Infante armar um navio pequeno, no qual mandou por capitão um Antão Gonçalves, seu guarda roupa, homem assaz de nova idade...» (Azurara, cap. XII).
Antão Gonçalves foi até ao Rio do Ouro carregar peles e óleo de lobos marinhos e, não querendo regressar sem levar ao Infante algum dos habitantes da região, meteu-se com os seus homens pelo interior, tendo conseguido aprisionar um homem azenegue e uma moura negra.
Nessa mesma época e ano, Nuno Tristão, «um cavaleiro assaz valente e ardido, que fora criado de moço pequeno na camara do Infante», tendo saído com encargo de passar além da Pedra Galé, já conhecida desde 1436, foi encontrar Antão Gonçalves no pôrto que mais tarde se chamou Porto do Cavaleiro, por ser ali que Antão Gonçalves foi armado cavaleiro.Depois de uma escaramuça com os alarves da região, na qual os portugueses fizeram 10 prisioneiros, Nuno Tristão prosseguiu a viagem até descobrir o Cabo Branco, isto é, até 2.º, 46' de latitude norte.
Pelos prisioneiros trazidos por Antão Gonçalves e Nuno Tristão, obteve o Infante· importantes informações sôbre o comércio do ouro e doutras mercadorias, começando desde então a desfazerem-se muitos erros e fantasias que corriam sôbre os povos e terras da África Central.
Ao mesmo tempo, o Infante D. Pedro, em nome do rei D. Afonso V, cedia a D. Henrique o direito do quinto real, isto é, a faculdade de cobrar uma contribuição no valor de um quinto sôbre tôdas as transacções feitas com as regiões descobertas, concedendo-lhe também o exclusivo do comércío e navegação nessas paragens.
Foi também nessa ocasiao que os Infantes D. Pedro e D. Henrique enviaram a Roma o embaixador Fernando Lopes de Azevedo, com a missão de informar o pontífice das descobertas já realizadas e solicitar a doação  perpétua à corôa de Portugal de tôdas as terras que se iam descobrindo para além do cabo Bojador. Atendendo a que o principal objectivo dos seus trabalhos era a propagação da religião cristã entre os infieis, pediam a S. Santidade indulgência plenária para todos aqúeles que os auxiliassem na luta contra os mouros. O pedido dos Infantes foi satisfeito pelo papa Eugénio IV e os privilégios concedidos foram confirmados por diversas bulas de pontífices que o seguiram.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg. 19-20                                                                                                
No reinado de D. Afonso V (1438-1481) NUNO TRISTÃO chega ao Cabo Branco com GONÇALO ALONSO.
Mandou o Infante a ANTÃO GONÇALVES (1), seu Guarda Roupa, em hum navio pequeno, com ordem de ir ao Porto, onde Affonso Gonçalves no anno de 1434 fizera a matança dos lobos marinhos, e carregar alli de peles, o que elle executou; mas como ainda era mancebo, e cubiçoso de gloria, chamou AFFONSO GUTERRES, Moço da Camara do Infante, e escrivão do navio, e a toda a equipagem (que pouco excedia a vinte pessoas), e lhes expôs de quanta vantagem seria explorarem o Paiz, para colherem algum habitante que levassem a Portugal. Convieram todos, depois de algumas alterações, em que fosse elle pessoalmente a esta perigosa expedição; e partindo de noite com oito homens, depois de caminhar tres léguas, encontrou um natural nu, com duas azagaia na mão, que hia tangendo hum camelo. O primeiro, que travou delle, foi Affonso Guterres, ficando o Mouro tão cortado de súbito pavor, que lhe causou a vista dos Portugezes, que  sem tentar fugir, ou defender-se, foi tomado. Voltava Antão Gonçalves alegre para o navio com o seu prisioneiro, quando se achou na presença de perto de quarenta naturaes, que assobrados da novidade, se acolherão a huma altura que ficava próxima, abandonando huma mulher, que foi tambem logo aprisionada. Queriam os Portuguezes ataca-los, pesar da desigualdade do numero, porém Antão Gonçalves, mais prudente, os dissuadio do intento, por ser quasi posto o sol, e considerável a distancia a que estavão do mar. Assim continuarão seu caminho, sem serem seguidos dos contrarios.
Recolhido Antão Gonçalves ao seu navio, e estando no dia seguinte para se fazer á véla, chegou de Sagres, por Commandante de uma Caravela, NUNO TRISTÃO, Cavalleiro da Casa do Infante, mancebo corajoso, que trazia instruções para passar ao Sul da Pedra da Galé, e desembarcar em qualquer parte da Costa, a fim de tomar alguma língua de terra.
Instruido do caso acontecido, instou Nuno Tristáo com Antão Gonçalves para que marchassem logo em busca dos Mouros e, concodando elle, partirão ambos ao anoitecer com a gente mais escolbida, em que entravão DIOGO DE VALLADARES, que depois foi Alcaide Mor de Villa Franca, GONÇALO DE CINTRA, e GOMES VINAGRE, Moço da Camara do lnfante, todos homens do mais resoluto valor; e na mesma noite derão com aquelles, ou com outros Mouros,onde se travou huma furiosa briga, a pesar da escuridão, que não deixava distinguir amigos de inimigos, senão por andarem estes nus,e agueles vestidos. Alli morrêrão três dos Mouros, a hum dos quaes matou Nuno Tristão com assás perigo seu, e ficárâo  cattvos dez,com que voltaram para os navios já de dia; e em memona; e táo importante acontecimento, armou Cavalleiro Nuno Tristão a Antão Gonçalves, donde resultou dar-se então áquelte lugar o nome de Porto de Cavalleiro, que depos veio a confundir-se com o de Rio do Ouro.
Achou-se entre os cativos um, que falava Arabe, e pôde entender-se com hum Mouro, que NunoTristão levava por interprete; e persuadidos os dous Commandantes, que conseguirião por seu meio ter pratica com os naturaes, puzerão o Lingua em terra com a Moura, na esperança de que virião resgatar os prisioneiros, mas não aconteceo assim, porque passados dous dias, vierão ao Porto cento e cincoenta homens, huns em cavallos, outros em camelos, querendo attrahir os Portuguezes a uma cilada, que tinhão armado por trás de hum monte de aréa, e vendo que não sahião do batel, em que estavão, começarão a descobrir-se, trazendo prezo o Lingua, o qual avisou logo os Commandantes, que não desembarcassem. Os Mouros, desenganados, atirárão aos do batel algumas pedradas, que a eles custariam bem caras, se as ordens do Infante não fossem positivas, para que se não maltratassem desnecessariamente os habitantes, com os quaes só queria paz, e commercio. Em consequencia, Antão Gonçalves, e NunoTristão volrárão para bordo dos seus navios, sem lhes fazer damno; e consultando sobre o mais, que farião,voltou Antão Gonçalves para Portugal, trazendo metade dos cativos, de que o Infante ficou tão satisfeito, e contente, que, por este e outros anteriores serviços, o fez seu escrivão da Puridade, e lhe deo a Alcaídaria Mor de Thomar, e huma Commenda.
NUNO TRISTÂO, na conformidade das suas instrucções, espalmou naquelle Porto a Caravela, e seguiu a Costa para o Sul, e chegando a hum  Cabo, a que chamou Cabo Branco(2) , em razão da côr do terreno, desembarcou algumas vezes, e posto que achou redes de pescadores, e vestigios de gente, não vio pessoa alguma. Por esta causa, e como os mantimentos se lhe acabavão, e a Costa mudava de direcção, encurvando-se muito para Leste, com grandes correntes de agua, temeo achar se ensacado em alguma Enseada, de que nâo podesse sahir, e voltou para Portugal.
(1)               Barros no lugar citado – Goes, Chronica do Principe D. João – Galvão, Tratado dos Descobrimentos, pag. 21 – Faria e Sousa, que erradamente põe este facto no anno de 1440, Asia Portuguesa, tomo Iº, Parte I
(2)               Este Cabo forma como huma Peninsula, por detrás da qual entra para o Norte humagrande Bahia de dez leguas de saco, e oito de largo, cuja ponta do Sul he o Cabo de Santa Anna. Em toda ella se podo ancorar em bom fundo de aréa, mas ha por aqui muitos baixos. A’ roda do Cabo Branco, vindo do Norte, se acha sonda a mais de cinco leguas de serca. Pouco ao Sul do Cabo, inclinando-se para o SE, correhum parcel de mais de vinte e cinco léguas de comprimento, com desigual largura, que tem dezoito, e vintebraças nas suas proximidades.
Neste parcel naufragou lastimosa, e brutalmente a Medusa, Fragata ·Franceza, no dia 2 de Julho de 1816, pelas três horas da tarde. Este parcel tem o nome de Banco do Cabo Branco, ou de Arguim. Aqui está situada a Ilha de Arguim próxima á terra, cousa de oito léguas ao Sul do Cabo Branco, e ao pé della há outros Ilhotes. Doze, ou treze léguas ao Sul da Ilha de Arguim está a Ilha de Tider, que he maior, e há outras mais de diferentes grandezas. Por toda esta grande Enseada, que acaba em Cabo Mirick, há muitos ribeiros, e correntes de agua, e infinito peixe, que os Mouros hião alli pescar,
No prosseguimento das Descobertas, Nuno Tristão chegou ao Cabo Branco em 1441 e, dois anos depois, atingiu Arguim. Diz Diogo Gomes: «Depois o senhor infante mandou caravellas, em uma delias foi um seu familiar chamado Gonçalo de Sintria e na outra um certo Dinis Dias, e que fossem alem do logar chamado Pedra da Galé mais longe, a ver se podiam  apanhar ou achar mais línguas. E navegando alem acharam um logar agora chamado Cabo Branco, e acharam gente naquelle logar que agora chamam Furna, e apanharam alguns. E foram alem, ao logar que agora chamam Arguyn. Arguyn é uma ilha próxima de terra e muito povoada de Cenegios, que estavam avisados d'aquelias caravellas, de modo que muitos fugiram; muitos d'elles porém foram captivos e mortos.
Aquella ilha tem muitos logares onde nasce agua doce na areia.
E por isto o senhor infante depois mandou construir ahi um castello, e poz ahi gente sua enrista e um sacerdote chamado Polono, da villa de Lagos, e este foi o primeiro que celebrou o ofíicio divino na Guiné.
E a este castello vinham os árabes da terra trazendo ouro puro em pó, e recebiam em troca trigo e mantas brancas (mantones) e berneses e outras mercadorias que para alli mandou o infante em uma lúdica grande, que foi de Robert Kerey (ou Ererey). E assim sempre até agora se faz o commercio, trazendo os negros o ouro da terra de Tambucutu. Este castello foi construído no anno de 1445.»
O Cabo Branco foi atingido por Nuno Tristão em 1441 e talvez este tenha sido o primeiro navegador a chegar ao Senegal, ao rio Gambia e ao Saloum (O delta do Saloum é um delta fluvial no Senegal, na desembocadura do Rio Saloum que flui até o Oceano Atlântico O delta cobre 180.000 hectares1 e se estende 72,5 quilômetros ao largo da costa e 35 quilômetros para o interior.) Foi neste ano de 1441 que o Infante D. Pedro, ainda regente, concede a D. Henriue o exclusivo do tráfico destas terras e bem assim o direito de cobrar o imposto do quinto real sobre todas as mercadorias oriundas  daquelas paragens. Estamos pois em face da primeira norma administrativa para estas paragens africanas - o monopólio comercial a favor de D. Henrique. Este regime de monopólio perdurou por toda a época florescente dos descobrirnentos, com diversas concessões, havendo contudo produtos que nunca deixaram de ser monopólio real.
Tudo começou no ano de 1441. Antes desta data e durante muitos anos já o comércio de escravos era um empreendimento com bons lucros em todo o continente europeu. Os ricos na Europa compravam escravos, brancos e negros, aos negreiros do norte da África, para trabalhos nas propriedades rurais e em serviços domésticos. Por seu lado os europeus por exemplo de Veneza e Génova, vendiam escravos cristãos aos monarcas do Egipto e de outras nações do norte de África. Ninguém tinha poder ou queria terminar com o comércio de seres humanos. Até mesmo reis europeus cristãos com escravos cristãos.
Os Papas Clemente V e Martinho V ameaçaram com excomunhão, expulsão da igreja e do reino dos céus, a todos aqueles que vendessem escravos cristãos aos ”infiéis”. Mas, as ameaças dos papas não deram resultado.
Mas em 1441 ocorreu algo que iria mudar o rumo da história para todo o continente africano. O príncipe Infante D. Henrique despachou de Portugal um navio sob o comando de ANTÃO GONÇALVES com ordens de velejar ao longo da costa atlântica de África, passar o cabo Bojador e encher os porões com peles e óleo de leão-marinho. A tarefa foi cumprida por Antão Gonçalves a contento e com boa margem de tempo. Mas Antão Gonçalves não ficou por aí. Há tempos que desejava subir no conceito do seu amo, e por isso mesmo queria levar para Portugal algo especial para lhe dar como presente. Antão Gonçalves decidiu desembarcar na costa e aprisionar  africanos para levar para Portugal como escravos. Desembarcou com nove homens da guarnição e iniciou a procura. Penetraram uma longa distância na terra africana mas sem resultado.
Quando os portugueses já tinham desistido do empreendimento e voltavam para o barco avistaram finalmente um homem que vinha andando sozinho pela praia com o seu camelo. O homem foi rapidamente cercado pelos dez portugueses mas não se rendeu. Lutou corajosamente armado com sua lança e só depois de dura luta e ferido foi aprisionado e levado para o navio.
Assim foi o primeiro encontro entre europeus e africanos ao sul do Sara. Lança contra lança em luta pela liberdade. Antes de regressarem ao barco, Gonçalves e seu bando, aprisionaram também uma mulher que encontraram nas cercanias.
Mas a viagem dos salteadores ainda não tinha terminado. Já no mar encontrou Antão Gonçalves um outro português, NUNO TRISTÃO, comandante de uma grande caravela armada. Tristão tinha recebido ordens do Infante D. Henrique para aprisionar e levar para Portugal pessoas que encontrasse na costa de África. Gonçalves e Tristão aliaram-se em empreitada comum. À noite desembarcaram com uma grande força armada e tiveram a sorte de localizar um acampamento de pescadores a dormir. Os portugueses atacaram com toda a força. Uma parte das pessoas conseguiu fugir mas os portugueses mataram quatro e aprisionaram dez entre homens, mulheres e crianças.
Já em Portugal, causou este primeiro saque em África um enorme alvoroço nas Cortes do Infante D. Henrique. Pela façanha foi Antão Gonçalves promovido a Cavaleiro, recebendo a medalha da Ordem de Cristo. O Infante D. Henrique despachou imediatamente um embaixador especial ao Papa Eugénio IV com intuito de descrever a presa e revelar os seus planos de novas conquistas e empreendimentos de caça a escravos em África. O Infante D. Henrique queria a bênção e aprovação do Papa para as expedições à África. Do Papa recebeu o que solicitava, e não só isso.
O Papa declarou também que a ” Cada um que participar desta guerra deverá receber o perdão de todos os seus pecados”. Nada mal, quando sabemos que os pecados nesta guerra então iniciada, eram assalto, escravidão, estupro e uma orgia colossal de assassinatos de crianças, mulheres e homens, numa extensão difícil de igualar. Os ”perdoados” antecipadamente, dos quais muitos vinham dos piores estratos da sociedade, criminosos com crimes inomináveis muitos deles condenados à morte, não necessitavam do apoio papal para atacar populações indefesas, assaltar, escravizar e assassinar.
A bênção e o perdão dos pecados, dados pelo Papa Eugénio IV, tiveram um resultado devastador para todo o futuro de África. Também os Papas seguintes repetiram o exemplo de Eugénio IV. Em todas as guerras de rapina ou empreendimento de saque no continente africano os Papas declararam sempre o perdão dos pecados para os cristãos europeus.

Sem comentários:

Enviar um comentário