1620
1620 - Chegada dos primeiros escravos africanos às colónias continentais inglesas na América.
FRANCISCO DE TÁVORA Administrador de Cacheu, de 1620 de 1623 e, ao mesmo tempo, feitor do contratador ANTÓNIO FERNANDES DE ELVAS para a Guiné
Bacalhoeiros ingleses começam a escalar regularmente o Maio e o Sal para apanhar sal antes de partirem para os ricos bancos ao largo da Terra Nova, no Canadá. Eram tantos os navios ingleses que aportavam à Vila do Maio que ela se tornou conhecida como "Porto Inglez". Cerca de 80 navios por ano vinham à procura de sal.
Se a presença de negros nas actividades comerciais já se afigurava perniciosa aos olhos da Coroa, pior ocorreu quando a mesma presença começou a se traduzir em ligações interétnicas, passando a envolver vínculo sanguíneo. O cruzamento de senhores brancos com suas escravas negras foi de tal modo repudiado que, em 1620, o rei determinou que se degradassem para Cabo Verde as mulheres brancas que se costumavam degradar para o Brasil “[...] a fim que se extinga quanto possível a raça de mulatos”.(1)
Todavia, as medidas adoptadas não parecem ter surtido o efeito desejado. O processo de “miscigenação” tornou-se irreversível e a ascensão de negros e mestiços, indesmentível, a ponto de, em 1617, o padre jesuíta, SEBASTIÃO GOMES, ter desabafado que a terra chegou a taes termos, que quantos dirigem a Câmara são os “scilicet crioulos, que são naturais da terra”.(2)
(1) In. Senna Barcelos, C. Subsídios para a História de Cabo Verde, parte I, p. 210.
(2) Vide História Geral de Cabo Verde, vol. II, p. 271.
Em 1596, os ingleses ainda voltariam a atacar a martirizada cidade da Ribeira Grande. Embora não tenhamos referências muito concretas a esse respeito, os pedidos do almoxarife BRÁS REIMÃO, embora bastante mais tarde, em 1620, sobre um saldo negativo das suas contas no tempo do capitão BRÁS SOARES, assim como a informação do mesmo capitão, de que teria havido novo saque, quando ele se encontrava “quatro léguas fora da povoação”, parecem confirmá-lo. Também mais tarde, o capitão ANDRÉ ÁLVARES DE ALMADA, na confirmação de acesso a um hábito da Ordem de Cristo, teve dificuldade em lhe ser concedido, dada a mãe ser de cor, refere que teria defendido a fortaleza, embora refira então que o capitão Brás Soares que ali se encontrava, “muito apertado” no cerco que lhe tinham feito. Parece não restar dúvidas de mais esse assalto, inclusivamente, porque o hábito de Cristo lhe foi depois concedido por Filipe II.
FELIPE TAVARES METELLO, cristão-novo, está na ilha do Fogo até 1630. Tem outras actividades em São Tomé.
1620/10/20
Por carta d'El-rei de 20 de outubro (colecção da Universidade, tom. v, pag. 37) se mandou que para Cabo Verde se degradassem as mulheres, que se costumam degredar para o Brazil, a fim de que se extinga, quanto possível a raça de mulatos.
1621
Fundação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais com monopólio comercial sobre a África Ocidental e a América.
«A fase do exclusivo ibérico do tráfico negreiro tinha, no entanto, os dias contados.
O primeiro sinal soou em 1621, com a fundação da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (em neerlandês, West-Indische Compagnie, correntemente dita WIC), cuja ação se vai inserir na guerra contra a Espanha, no âmbito da luta pela independência da Holanda. Face à união das Coroas ibéricas, atacar os territórios coloniais portugueses era uma forma de atingir os interesses espanhóis.
Em 1624, a WIC já tinha meios para fazer avançar para o Atlântico Sul uma poderosa esquadra de guerra que não teve muita dificuldade em conquistar a cidade de São Salvador da Baía, no Brasil, capital da colónia e um dos centros da produção açucareira. É certo que os portugueses retomaram a cidade logo no ano seguinte, mas, em 1630, os holandeses ocuparam Olinda e Recife, na capitania de Pernambuco, e por lá ficaram até 1654, tentando a expansão territorial e organizando a sua própria produção de açúcar. A cultura e a transformação industrial da cana exigiam mão de obra abundante e os holandeses passaram a frequentar a costa africana para obtenção de escravos, assaltando os navios portugueses do tráfico e esforçando-se por assumir a iniciativa do negócio. Nesse sentido, conquistam, em 1638, o forte de São Jorge da Mina e ocupam, entre 1641 e 1648, a ilha de São Tomé e o litoral do Congo e de Angola, incluindo os portos estratégicos de Mpinda e Luanda. Durante esses anos, são eles que controlam o comércio de escravos no Atlântico Sul.»
ESCRAVOS E TRAFICANTES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS, O comércio negreiro português no Atlântico durante os séculos xXV a XIX, Arlindo Manuel Caldeira, A Esfera do Livro, Lisboa, 2013, pg. 30-31
Foi escrita, em 1621, a “Relação da Cristandade da Guiné e Cabo Verde”. Trata-se de um mapeamento dos lugares onde havia igrejas, missionários, cristãos e gentios. Não consta a autoria do documento, mas, provavelmente, foi elaborado por um jesuíta, que buscava mostrar o sucesso da missão iniciada em 1604. O autor da “Relação da Cristandade” iniciou a missiva advertindo que os gentios ainda não baptizados, eram “fáceis” de serem convertidos se houvesse mais sacerdotes zelosos e mais igrejas. E que a maior dificuldade de missionação era o fato de a terra ser “muito doentia para os que vão destas partes de Europa”, pois dos 15 padres enviados, durante 17 anos de atividade missionária na
Guiné, apenas dois estavam vivos, em Cabo Verde.
O relator informava à Coroa que na ilha de Santiago,
sede do bispado de Cabo Verde, onde havia a residência da Companhia de Jesus,
eram todos cristãos. Na ilha do Fogo eram todos, igualmente, cristãos e existia
uma igreja com um clérigo. Nas demais ilhas de Santo Antão, Santa Luzia e do
Sal, eram todos cristianizados, e lá ia um clérigo rezar missa.
Em Serra Leoa, diz que “os reis naturais” governam
estas terras e que apenas dois se fizeram cristãos: D. Felipe e D. Pedro de
Caricuri, e que havia três igrejas que eram freguesias, mas para lá não iam
padres desde 1605. Em Cacheu, disse que eram todos cristãos e que tinha uma
igreja com um clérigo. Em Bichancor, cujo rei não era cristão, havia uma igreja
com um padre para assistir os mercadores portugueses, que habitavam casas. No
porto de Santa Cruz, no rio Grande, onde também havia 15 casas de portugueses,
havia uma igreja, mas sem clérigo.
Os lugares citados são ilhas e cidades costeiras de
Cabo Verde e Guiné. Eram habitados pela população local, lançados, funcionários
da Coroa, que eram visitados, intermitentemente, por religiosos, que mandaram
edificar igrejas e capelas. No entanto, isso não garantia a evangelização.
1621/01/22
«D.
Francisco Rolim - nomeado em 22 de
Janeiro de 1621. Tomou posse em 3 de Abril do ano seguinte, falecendo 5 meses
depois, em 12 de Setembro.» João Barreto
Nomeação de D. FRANCISCO
ROLIM no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde
1621/03/23
Alvará determinando que pessoa alguma possa
ter cativo mouro ou turco nos portos de mar de Portugal. 1621-03-23. Portugal,
Torre do Tombo, Chancelaria régia, Núcleo Antigo 2Q, f. 116.
1621/11/03
António
Correia de Sousa - bacharel, nomeado ouvidor em 3 de Novembro de 1621, faleceu
em 1627 na Ilha de Santiago. Para suprir a falta o Governador nomeou
interinamente: Francisco da Cunha
Cerqueira. que exerceu as funções provisoriamente de 1627 a
1631. João de Brito -
exerceu também as funções de ouvidor interino.
1622
FRANCISCO
DE MOURA ROLIM Capitão-general
e Governador-geral de Cabo Verde Nomeado a 22 de Janeiro de 1621
Capitão-general e Governador-geral de Cabo Verde, tomou posse a 13 de Abril de
1622. Faleceu no mesmo ano a 12 de Setembro, deixando no seu testamento o
Governo para o Bispo D. FREI MANUEL
AFONSO DA GUERRA.
Inicialmente
a Câmara não aceitou, acusava o Bispo de ser negociante, e só depois de muitas
negociações propôs que governassem intercaladamente por semanas, mas, passado
tempo, acabou por eleger o Bispo. Uma elite colonial
conflituosa e violenta Não menos
tensas eram as relações ao nível das mais altas esferas do poder, ou seja do
governador, do bispo e do ouvidor-geral (procurador do rei), que administravam
as ilhas com jurisdição estendida à Guiné (até 1879). Tão altivos eram os
governadores e os bispos que se consideravam “reis” aqueles e estes “papas”! –
dizia o padre Sebastião Gomes em 1629. O bispo não vivia à margem
da política, sendo, por tradição, o substituto « natural » do governador por
morte ou impedimento. E não eram raras as situações de interinato, raramente se
entendendo o governador com o ouvidor que não ficava atrás em riolas e
atentados. De duas uma : se cúmplices, convinha desconfiar porque aí havia
corrupção; se inimigos, aqui del-rei que podia chover fogo, pagando um deles
com a vida ! Assim “se” governavam os três principais dignitários da Coroa:
quando não andavam engalfinhados em questiúnculas de preeminência, era cada um
a conspirar para merecer as boas graças do rei e discreditar os demais! A
governação antiga em Cabo Verde é uma sucessão de querelas e conflitos de poder
no seio desse belicoso triunvirato. Igualmente conflituosa era a oligarquia dos
chamados « brancos da terra » (latifundiários, comerciantes, armadores do
tráfico negreiro). Habituados a ditar a sua própria lei na câmara de
Ribeira-Grande, poderosos “coronéis” e outros caciques olhavam com desconfiança
o governador e o ouvidor que encarnavam a autoridade do rei. Gananciosos sem
escrúpulos, era cada um a puxar brasa à sua sardinha, tomando partido por este
ou por aquele consoante os seus mesquinhos interesses. Já em 1555, o ouvidor
João Cardoso dizia dos notáveis de Santiago que mais pareciam « faraós », e dos
habitantes que eram « piores que os de Sodoma » !
1626/09/11
Além
da sua inimizade com a Câmara, esteve também em conflito judicial com os
jesuítas por causa de um legado do rico comerciante DIOGO XIMENES VARGAS e da herança que lhes foi deixada por D. LUÍS PEREIRA DE MIRANDA. Isto é, o
Bispo Manuel Afonso destacou-se mais na interferência na política civil e em
práticas comerciais e financeiras do que na vida pastoral da diocese. Em
Janeiro de 1624 juntou-se na ilha de S. Vicente uma esquadra holandesa de 26
navios, comandada por Jacques Guilherme, que dali seguiu para o Brasil tendo
tomado a Baía em 8 de Maio de 1624. O Bispo faleceu a 13 de Março de 1624. Consta que deixou em dinheiro 80.000
cruzados que tinha acumulado para comprar o barrete de Cardeal.
VER Jornada dos Vassallos da Coroa de Portugal
por Bartholomeu Guerreiro, Lisboa, 1625, Cap. 2º
☻Um
aspecto citado por Moraes como sugestivo do cripto-judaísmo de ÁLVARO GONÇALVES FRANCÊS é uma disputa
entre Francês e ANTÓNIO DE PROENÇA , o
capitão de Cacheu, em 1622 . O conflito girava em torno da recusa de
Francês ir à igreja com Proença , com Francês reivindicando junto com outros
moradores de Cacheu que "para serviço do Rei e defesa dos [ Cacheu ] ele
iria ajudar com os seus homens e escravos, mas quanto a acompanhar [ Proença ]
para a igreja ele [ Proença ] teria que mostrar uma disposição real que o
obrigasse [ Francês ] a fazer isso ".
Francês
foi por algum tempo capitão de Cacheu, mas esta foi uma causa de grande
escândalo dada a sua origem de cristão-novo, e ele foi acusado de negociar com
os inimigos. Foi detido e enviado num navio para Santiago, onde ficou preso na
Ribeira Grande. No entanto, Francês tinha uma forte rede de contactos nas ilhas
bem como na costa e rapidamente gisou uma fuga aproveitando a passagem de um navio. Fez-lhe sinais com
uma lanterna e conseguiu escapar durante a noite.
Perante
isto o Conselho Ultramarino achou que a sua atitude relativamente à igreja era
no mínimo questionável
Além
disso havia as actividades do seu filho, JORGE,
que se tinha integrado na vida dos africanos e casado em Cacheu com CRISTINA PERES, levada pelos inquisidores acusada de bruxa em 1667.
O
mundo religioso que os sefarditas encontrado na costa da Guiné foi uma das que
era ao mesmo tempo familiar e estranho . Durante seu julgamento pela Inquisição
em 1660 , a esposa de Jorge Gonçalves Francês, Cristina Peres, foi acusado de
feitiçaria e adoração fetiches, de organizar cerimónias pagãs em um dos barcos
de Jorge Gonçalves Francês que envolveu uma libação com o sangue de vaca, de
usar os curandeiros locais quando sua filha adoeceu em uma tentativa de
descobrir que tinha envenenado a ela, e de manter um enfeitiçado snake. Esta
crença e uso de cobras enfeitiçadas na prática cultural desta região da África
é antiga e permaneceu vigente até ao século 20 , como surgiu na famosa
autobiografia do escritor guineense Camara Laye, L' Enfant Noir, em que
Laye descreveu como - na década de 1930 - seu pai guardava um certo serpente
negra que lhe advertiu sobre tudo o que estava a acontecer.
No
entanto, nada até então tinha sido dito sobre a força das raízes judaicas de
Francês e a sua possível influência sobre o seu comportamento. Em seu
depoimento na investigação sobre a disputa entre alguns dos moradores de Cacheu
e Proença , Francês declarou que era originário de Cabeça de Vide , perto de
Fronteira.
O Cónego MANUEL SEVERIM DE FARIA, em 1622,
preocupado com a evangelização na Guiné, apontou dois motivos principais do
fracasso na missão: a alta mortandade dos religiosos provocada pelo clima da
terra e os padres que se envolviam com o comércio de escravos. Ao invés
de evangelizar, eles buscavam “remédio temporal para o seu próprio bem, que não
o espiritual da gente”, ou seja, “só se ocupavam de comprar e vender”.
Severim de Faria denunciava que os clérigos enviados para a Guiné eram
degredados do reino, para serem corrigidos de suas culpas no ultramar. Porém,
lá, não deixavam seu vícios e maus costumes; antes, escandalizavam com falta de
virtude e doutrina e o desejo de se tornarem logo ricos e retornarem para
Portugal.
1622/01/00
Algum tempo depois
daquela apologética “Relação”, foi enviada outra: a Relação das Igrejas e christandade das ilhas de Cabo Verde e da
Serra Leoa. Documento escrito por MANUEL SEVERIM DE FARIA, em Janeiro de 1622, intitulado Apontamentos da obrigação que os Reis de
Portugal tem de procurarem a conversão dos povos da Guiné, e os inconvenientes,
porque até agora se não fez, e do meio como se poderá alcançar facilmente com
grande serviço de Deus, e aproveitamento da fazenda de Sua Majestade.
À época, o autor dos “apontamentos” era um conselheiro
da Coroa. Esse denunciou os jesuítas de descumprirem com o “serviço de Deus,
e com suas obrigações, que não com o bem de suas Rendas” durante a missão:
“Entendendo [...] que o seu principal intento, há, que se cumpra primeiro com o
serviço de Deos, e com as suas obrigações, que não com suas rendas.” Num tom anti-jesuítico, ele questionou a concessão papal a Portugal das terras da
África, cuja justificativa da conquista era combater aos povos mouros e a
conversão dos gentios:
O Senhorio que os Reys deste Reyno tem em Guiné (em
que se incluem os Estados do Cabo Verde, Mina, S. Thomé, Angola e parte do
Congo) foi primeiramente concedido aos Reys de Portugal por hua Bulla do Papa
Martinho V, e depois por outras de Eugenio IV, Nicolau V, Sixto IV e Leão X,
nas quaes dizem os Summos Pontífices que dão o domínio daquellas terras a esta
Coroa, com condição que os Reys della proveia de Sacerdotes, e Menistros do
Evangelho que bautizem, e ensinem nossa Santa Fee aos naturaes da terra,
encarregandolhe sobre isso suas consciências, como se vee do theor de todas
ellas.
Manuel Severim de Faria recorreu à Década I, crónica de João de
Barros. Citou em seus “apontamentos” a história da primeira missa em terras
africanas por Diogo de Azambuja, que completava 139 anos naquele ano de 1621,
para denunciar que, além das promessas e dos poucos esforços, não havia
“mais naturais cristãos, apenas alguns nas fortalezas da Mina e Axem”.
O autor negava todas as informações relativas ao
sucesso da conversão conferida pelo jesuíta na “Relação” de 1621.40 Segundo
ele, no arquipélago de Cabo Verde, descoberto desde 1441, a conversão se fazia
apenas nas ilhas de Santiago e do Fogo, onde estavam as povoações portuguesas.
Denunciava que, em terra firme, nos portos do rio de São Domingos, Guinala,
Biguba, rio das Pedras, Bissau, Cacheu e Joala, as poucas pessoas baptizadas foram sacramentadas do mesmo modo dos cativos comprados para o tráfico ou para serviço dos padres. Severim assevera que o Evangelho só passou a ser pregado
naquelas partes quando foi enviada a missão jesuítica, liderada pelo Padre
Baltazar Barreira.
Disse que em São Tomé apenas os cativos dos
moradores das ilhas eram doutrinados. Sobre Angola, referiu que estava reduzida
às guerras e que só eram cristãos os negros de Luanda e Massangano. Os demais
eram escravos que morriam sem baptismo.
Severim de Faria concluiu seus apontamentos
anti-jesuíticos explicando as três principais causas de por que, em tantos
anos, havia poucas conversões dos povos da Guiné: 1) as mortes dos eclesiásticos,
bispos, clérigos e religiosos devido à insalubridade da terra, não chegavam
substitutos dos defuntos, e outros “só se ocupam de comprar e vender”; 2) os
portugueses que tratavam naquelas partes também davam maus exemplos – eram
degredados do reino por delitos graves, tratantes e soldados, interessados no
tráfico de escravos e se envolviam em escândalos; e 3) a malignidade do clima
da terra – as doenças.
Para os três graves problemas apontados acima,
Severim sabia qual era o remédio: a criação de um seminário em Portugal para
atender aos vocacionados de todas as nações africanas.
1622/04/03
A nível local, a Câmara passou a ter
amplos poderes enquanto representante dos moradores, tinha a competência de
intervenção, quer na metrópole onde, por meio de petições, fazia queixas junto ao monarca dos seus secretários e do
capitão-donatário, quer na própria terra, pela sua interferência directa no
governo local e pela partilha de determinados poderes com o capitão. No que concerne à escolha dos
representantes camarários, cabia aos moradores escolher anualmente indivíduos
de maior riqueza e prestígio, isto é, tinham que ser escolhidos entre os homens
proprietários de terras que faziam parte do comércio com a costa africana e com
uma enorme capacidade de intervenção política na sociedade local. Mas, em
1546, devido à evolução da sociedade, surgiu um novo conceito de morador e
vizinho, o que fez com que houvesse alteração jurídica com autorização do rei
para que baços e negros fizessem parte da constituição da Câmara- Os juízes tinham mais importância do que o
resto dos membros porque lhes competia manter a ordem pública, fazer cumprir as
leis do reino e davam ordens para pagamento de determinados cargos. Os vereadores tinham como função gerir os bens
do concelho, recebiam os pagamentos dos foros e arrendamentos, dividas e
coimas, e eram os responsáveis pelo reparo e manutenção dos bens comuns como,
por exemplo, a construção de poços e caminhos. Além disso, fixavam os salários dos jornaleiros, dos oficiais
mecânicos e fiscalizavam os preços dos produtos alimentares e manufacturados. O escrivão tinha um papel muito importante
para o funcionamento da Câmara, pois anotava os mandados e acordos que se fizessem, registava o acto eleitoral dos
vereadores, uma vez que todos os registos feitos teriam de ser guardados. As rendas adquiridas pela Câmara eram
controladas pelo escrivão que registava todas as entradas e saídas das verbas e
emitia os mandados de despesas. Portanto, com a evolução da sociedade começou a
sentir-se uma dinâmica interna que levou os moradores a participarem na vida
política da sociedade e, assim sendo, surgiu
um poder paralelo, concorrente e vigilante à autoridade do capitão. Estas
características correspondem ao munícipe, ou seja, começou a funcionar o poder
local. Assim, pode afirmar-se que o
cargo de capitão-donatário teve restrições e limitações de poderes e o capitão
passou a ser considerado cada vez mais um morador e a sua autoridade, enquanto
entidade administrativa, foi dividida entre a Câmara e pelo Corregedor. Com
a perda gradual dos poderes do capitão, o munícipe foi adquirindo superioridade
de acordo com o progresso social e económico das ilhas e dos seus habitantes e,
nas ilhas de Santiago e Fogo, deu-se a formação dos munícipes nas principais
zonas onde estavam sedeados os representantes da justiça senhorial (Ribeira
Grande, Alcatrazes/Praia e S. Filipe).
1623
De um parecer do juiz da Índia e Mina, acerca
das queixas que lhe haviam chegado da capital das ilhas a este respeito,
pode-se deduzir o que foi a prática dos
governadores com relação ao tráfico de Guiné:
“E prova-se, [relatava o juiz,
referindo-se ao inquérito realizado na
sequência de uma carta da Câmara, escrita em 1623] que alguns Governadores tomam para si o trato, e comércio dos Rios de
Guiné, do que os moradores da ilha se sentem e queixam muito, porque o
remédio deles e da terra depende de negociarem para aqueles Rios, e que segundo
são os Governadores assim sucede nesta matéria. Porque FRANCISCO MARTINS DE SIQUEIRA impedia aos moradores da Ilha o
comércio para os Rios, e NICOLAU DE
CASTILHO também era rigoroso com lhes dar licença; e que DOM FRANCISCO DE MOURA, procedeu
honradamente neste particular, e de maneira que não houve queixas dele. E que D. FRANCISCO ROLIM começou seu governo de
sorte que se queixavam os moradores dele neste particular. Porém faleceu
brevemente. E prova-se que aquela ilha
está muito pobre. E que o estará mais se os Governadores não deixarem negociar
os moradores, e embarcar suas fazendas para os Rios”(1).
Jorge de Mesquita de Castelo Branco teria levado
ao extremo a prática de monopolizar o comércio realizado nas ilhas mas muitos
dos seus antecessores já haviam tido a mesma experiência, segundo, aliás, o
conteúdo da carta da Câmara da Ribeira Grande atrás referida. Um dos
governadores mencionados no documento foi FRANCISCO
MARTINS DE SIQUEIRA (1610-1614) de quem também ficou provado que “tomava por força contra vontade dos
moradores desta ilha os panos que tinham para levar ao resgate de Guiné [...] E
lhos pagava por menos do que valiam”. E
assim mesmo fazia com algumas pessoas que traziam os seus escravos de Guiné,
comprando a vinte e cinco mil réis as que valiam trinta e a trinta as que valiam
quarenta (2). Menos absoluto do que seria, posteriormente Jorge de
Mesquita, Francisco Martins não chegava propriamente a impedir que os moradores
da ilha fossem ou mandassem as suas fazendas à Guiné. Somente “dilatava a
licença” requerida por alguns deles de modo a poder colocar nas armações feitas
em Santiago, antes de qualquer pessoa, o carregamento que lhes impingia “de
seus mantimentos, algodões e roupas”.
De
comum ainda com Jorge de Mesquita, era o facto de Francisco Martins de Siqueira
fazer com que fosse arrematado para si
próprio e a um valor inferior ao maior lanço dado, o produto dos impostos que
ia, por sua ordem, a pregão - pipas de vinho, por exemplo, ou peles de gado
cabrum originárias das ilhas de Barlavento e do Maio. A diferença entre
os dois é que no caso de Francisco
Martins, talvez pelo facto de ser ele o Provedor da Fazenda, ao invés de
aparecer como interessado na arrematação, mandava “lançar nelas por
terceiro”(3).
Os
métodos de ambos também se mostram semelhantes com relação à extorção praticada
com os navios de origem estrangeira, que no caso de Francisco Martins se viam
detidos no porto da cidade “sem causa justa” a fim de se verem obrigados
a “tornarem a vender o que tinham comprado” para refazerem suas matalotagens que,
entretanto, haviam consumido.
Num
acto, em particular, FRANCISCO MARTINS
DE SIQUEIRAparece ter ido mais longe do que JORGE DE MESQUITA: armou para Guiné com mercadorias defesas,
nomeadamente ferro, espadas e fazendas da Índia, o que teria feito mediante “licença” (!) de JOÃO SOEIRO, contratador, e
do seu respectivo feitor.
(1) - AHU, Cabo Verde, cx. 2, doc. 20, 23-Jan-1624.
(2) - AHU, Cabo
Verde, cx. 1, doc. 35, 04-Jul-1614. 643 - Ibidem.
(3) - Ibidem.
ANTÓNIO RODRIGUES
LAMEGO,
cristão-novo, está em Cacheu. Tem
outras actividades em Catagena e Rouen.
DIOGO BARASSA, cristão-novo natutal
de Fronteira, está em Cacheu até
1635. Tem outras actividades em Sevilha e Cartagena.
AMADOR
LOUSADO é
capitão-mor de Arguim até 1624
D. MANUEL AFONSO DA GUERRA, bispo de Cabo Verde,
inicia o exercício do cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde. A seu respeito,
Barcellos teceria o seguinte comentário: “este prelado tinha o mesmo defeito de
alguns governadores, de monopolizar o comércio também para si, e não merecer a
estima geral, pois como era notório muitos diziam mal dele. Efectivamente, mais
tarde essas informações sobre o bispo eram confirmadas pelo seu sucessor D.
Manuel Lourenço Garro, que encontrando no seu espólio 80.000 cruzados, os
distribuiu pelos pobres dizendo ser o sangue deles”.
«Frei
Manuel Afonso de Guerra - bispo de Santiago, foi eleito pela Câmara
para tomar conta do governo interinamente. Tendo falecido em 8 de Março de
1624, o governo esteve entregue à Câmara da Ribeira Grande durante 32 dias.»
João Barreto
As autoridades da Vila de Ribeira Grande rogam
à Coroa que não nomeie um Governador Real para Cabo Verde. Lisboa responde
que "as gentes são revolucionárias,
há casos de homicídio e outros crimes, e os nativos que são muitos
assassinariam os brancos que são poucos e tornar-se-iam chefes do governo e
governariam" (Barcellos, Subsídios para a História de Cabo Verde e
Guiné, Parte 1, pág. 228).
1623/06/03
«Francisco Vasconcelos da Cunha - nomeado em 3 de Junho de 1623 com as
honras de conselheiro, tomou posse em 10 de Abril do ano seguinte.» João
Barreto
1623/06/27
CONSULTA DA JUNTA SOBRE O BAPTISMO DOS NEGROS ADULTOS
(27
... 6-1623)
SUMÁRIO
---Rebaptização dos negros sob condição - Que fossem baptizados em Santiago
de Cabo Verde antes do embarque para as Índias de Castela - Residência de jesuítas em Cacheu e Colégio em Cabo Verde - lnquisidor na Costa de África - Assunto a propor ao Inquisidor Geral.
Per
carta de 10 de mayo do anno passado de 1622, em re[s]posta de huã consulta
da Mesa da Conciencia sobre os Baptismos dos negros adultos que das Costas de
Guiné e porto de Cacheu se leuaõ a Indias, foy V. Magestade seruido mandar que
se juntassem Luis da Silua, Vedor da Fazenda ele V. Magestade e o Doctor
Simaõ Soarez, do Conselho della, e o Doctor Antaõ de
Mesquita, deputado da Mesa da Conciencia e Ordens, e os padres Francisco ele
Gouuea e Antonio Mascarenhas da Companhia de Jesus e vendo a consulta
da Mesa da Conciencia que com a djta Carta uinha e o que no dito negocio se pode e deve fazer, consultassem a V. Magestade o que parecesse, por ser a
matteria taõ graue que obriga a se tratar della com muita prudençía.
E
per carta de 24 de mayo deste anno e per outras ordenou V. Magestade
se satisfizesse ao que pella acima referida tinha mandado, pera cessar o
escrupulo que se offerecia em se di!atar tanto este negocio.
Em
cumprimento do que se ajuntaraõ as pessoas nomeadas por V. Magestade na carta
acima e se uio a copia da consulta que pella Mesa da Conciencia se fez a V.
Magestade em 23 de pagarem os ordenados e ordinarias dos menistros dessa e se
deuiaõ os do dito Bispo e Clero. / /
E
NICOLAO DE CASTILHO acrecenta alem
do referldo, com que se conforma, que acodem tantos rnercadores aos Rios de
Guiné, e com tantas fazendas e nauios adonde
os negros naturaes da terra ouueraõ de uender e resgatar a troco de escrauos,
naõ uendern mais que tres, porque o que
se lhes dá por elles hé tanto que supre bem a necessidade que elles da dita
fazenda podem ter. Com
o que todos os resgates estaõ leuantados e perdidos e os que os
administraõ naõ fazem mais que auenças e jnuiar naos e nauios que nandaõ pera
seus intentos e proueitos. / /
Com
as quais jnformaçoés e pareceres se conformou a Mesa da Conciencia e os
Gouernadores deste Reino, acreçentando que conuem muito á conciencia de V. Magestade fazerse o referido nos ditos pareceres, de que resultaria muito
beneficia á fazenda real; e que isto inesmo se deue introduzir nas
Conquistas de S. Thomé e Angola, leuandosse todos os negros que
ouuerem àe hir pera fora ás Cabeças das Conquistas, a qual consulta uaj com
esta com as jnformaçoens a ella inclusas.
E
vistas as ditas consultas e jnformaçoens em junta, e considerada a
matteria como a jm:portancia della requerre.
Pareceo que os negros adultos que em Cacheu e
Rios de Guiné se resgataô e nauegaõ pera Jndias e outras partes, se naõ
baptizaõ na forma do Direito, por naõ serem primeiro cathequizados e
instruidos como hé necessario. E pello
perigo que corre a saluaçaõ de suas almas, pello dito tespeito deue V.
Magestade ordenar que primeiro que se baptizem sejaõ bem instruídos e
doctrinados na nossa santa fé e tenhaõ uerdadeiro conhecimento do sacramento
do Baptismo que vaõ de receber.
E
porque na Ilha de Santiago (como se propôs a V. Magestade ainda quando os
nauios do Registo uaõ a ella pagar os direitos se naõ podem cathequizar e
instruir pella pouca detença que nella fazem por rezaõ dos gastos que os
armadores fazem com os mesmos escrauos e gente da nauegaçaõ, e em Cacheu
se detem muito tempo e de ordinario estaõ sete e oito meses e mais,
assy por rezaõ de uenderem as fazendas que leuaõ pera o resgate como tamhem
pella detença que há em o proprio resgate das peças que se vaõ de
nauegar e se poderaõ no dito tempo cathequizar e instruir de ·maneira que
possaõ legitimamente receber o sacramento do Baptismo. Deue V. Magestade ordenar que haja no dito lugar de Cacheu huã
Residencia de quatro Relegiosos da Companhia, dandolhe[s] congrua sustentaçaõ
pera elles e pera os seruidores que haõ ele leuar consigo. E como V. Magestade tem mandado se trate logo de se concluir com os ditos Relegíosos
o contrato sobre o Colegio que tem ordenado haja na dita Ilha de Santiago, em
que há de hauer dez Relegiosos se ficará facelitando rnais a Residencia de
Cacheu, porque no dito Colegio poderaó aprender a lingua os que querem
ele hir á dita Residencia e se jnstruiraõ tambem algús moços naturaes pera que
os ajudem no Cathecismo (como se faz na Indja na Cidade de Dio). Onde os
Relegiosos que vaõ de ir á conuersaõ do Abexim aprendem primeiro a
lingua e se faz tambem em outras partes, servindosse dos naturaes que tem doctrinados pera os ajudarem na conuersaõ dos jnfieis. E a estes
Relegiosos se encarregará que os escrauos que naõ forem cathequizados
em modo que entendaõ o que lhe[s] fazem, os naõ deixem embarcar. E naõ
só hé necessario esta Residencia pera o dito effeito mas será também de muita
vtilidade pera a conuersaõ dos jnfieis dos Rios e assy pera os portugueses
que residem naquelle porto e em outros daquella Costa, donde há falta de menistros que lhe[s] administrem o sacramento. E pera que cece de todo
o perigo que estes adultos podem ter na viagem, se deue tambem ordenar
que em cada nauio do Registo uá hum sacerdote aprouado pello ordinarro pera que
possa na viagem confessar os que adoecerem e lhes dar o sacramento da Vnçaó e baptizar algús que acaso se podé embarcar sem o serem .. E a despesa destes clerigos, que haõ de
hir nos ditos -nauios, se fará par conta dos contratadores e armadores; e
em lndias se poderá tarnbem continuar com a diligencia que atté gora se fez,
pera que auendo falta em algús dos baptizados se
haptizem á cautella debaixo de condiçaõ.
E porque no dito porto
de Cacheu e nos mais daquela Costa há muyta gente da naçaõ dos christaõs nouos e que viuem com muita díssuluçaõ, deue V. Magestade
ser seruido mandar ao Inquisidor Geral que nomee por Comissario do Santo
Officio a hum dos Relegiosos da Companhia que lá ouuerem de residir.
E
ordenar que se nomee logo Capitaõ pera a
dita praça que seja pessoa de muita confiança e que com elle se embarquem os
soldados que a ella estaõ ordenados e se lhe encarregue que com os ditos
Relegiosos tenha toda a boa conrespondencia e lhes dê toda a ajuda e fauor
pera que em matteriá taõ importante se consiga o que V. Magestade precende.
E
porque tambem se tem jnformaçaõ que em Angolla e na Ilha àe S. Thomé há a mesma falta
no Baptismo dos ditos adultos, se deue encomendar aos Bispos dos ditos
lugares que primeiro que os mandem baptizar os façaõ instruir e
cathequízar na forma referida, porque nas ditas partes se pode fazer isto [ ... ] par se fazer naquelles portos [ ... ].
E
emquanto se naõ conclue com a ida dos Relegiosos da Companhia
Cacheu que deue ser toda a breuidade deue V. Magestade ser seruido
mandar encarregar ao Bispo do Cabo Verde que pera a monçaõ em que haõ de
partir os nauios, mande dous meses antes dous clerigos de vida prouada e
de muita confiança, que assistaõ aly atté á partida dos nauios, pera
cachequizarem e baptizarem os ditos negros. Porem o principal é hirem os Relegiosos da Companhia o mais
breue que puder ser.
V. Magestade mandará o que for seruido. / /
Em
Lisboa a 27 de Junho de 1623.
Luís
da Silua, / Simaõ Soarez, / Antaõ de Mesquita /Antonio Mascarenhas,/
Francisco de Gouuea.
[À
margem] :
Per carta de Sua Magestade de 4 de Agosto de 1623, Com carta de 15 do mes
passado enuiastes huã Consulta da Junta em que se acharaõ Luis da Silua, Simaõ Soarez,
Antaõ de Mesquita, Antonio Mascarenhas e Francisco de Gouuea e outra da Mesa da Conçiençia sobre os bautismos dos negros adultos de Guiné;
Angola, Cabouerde e Sam Thomé. E há uendo as uisto, hej por bem de approuar
o que se propoem na Consulta da Junta e que pera se acudir com breuidade a materia de tanta importançia, se procure logo effectuar o que toca á Residençia
dos Relogiosos da Companhia em Cacheo, e que em todos os na ui os em que
se nauogarem peças, vaõ (sendo possiuel) clerigos que se ocupem na doutrína
e benefiçio das almas daquella gente e dos mais passageiros. E acerca de
se dar comissaõ a quem nos Rios de Guiné entenda nas materias do_Sancto
Offiçio, e castigue os comprehendidos nellas, me pareceo mandar escreuer ao
Bispo inquisidor geral huã carta ela sustançia que
entendereis pella copia que se uos enuia
Christouaõ
Soarez.
AHU
- Cód. 35, fls. 120 v .-r 241. A 1T - Mesa da Consciência e Ordens, liv.
26, fl. 130.
1623/08/04
CARTA RÉGIA SOBRE A
MISSÃO DA GUINÉ (4-8-1623)
SUMÁRIO
- Manda que em todos os navios vão clérigos para a assistência espiritual a
bordo e se trate da residência dos Padres da Companhia de Jesus em Cacheu. -
Inquisição.
Em
Carta Regia de 4 de Agosto de 1623
Com
carta uossa de 15 do mes passado enuiastes huã consulta da Junta, em que se
acharaõ Luis da Silua, Simaõ Soarez, Antaõ de Mesquita, Antonio Mascarenhas e
Francisco de Gouuea, e outra da Mesa da Conçiençia, sobre os bautismos dos
negros adultos de Guiné, Angola, Cabo uerde e Sam Thomé. E auendoas uisto, hej
por bem de approuar o que se propoem na consulta da Junta, e que pera se acudir
com breuidade a materia de tanta importançia, se procure logo effectuar o
que toca á residencia dos Relegiosos da Companhia em Cacheo, e que em todos os
nauios em que se nauegarem pessas, vão (sendo possivel) Clerigos que se ocupem
na doutrina e benefiçio das almas daquella gente e dos mais passageiros. / /
E
acerca de se dar comissaõ a quem nos Rios de Guiné entenda nas materias do
Santo Offiçio, e castigue os comprehendidos nellas, me pareceo mandar escreuer
ao Bispo Inquisidor Geral uma carta da substançia que entendereis pella copia
que se uos enuia.
Christouaõ
Soarez.
AAT, Mesa
da Consciência e Ordens, liv. 26, fl. 130. -AHU., Cód. 35, fl. 120 v.
CARTA RÉGIA PARA O
INQUISIDOR GERAL
(4-8-1623)
SUMÁRlO-
Manda que se estabeleça uma residência de Jesuítas no porto de Cacheu para
baptizarem. os negros adultos ali embarcados, e que se nomeie um padre da
Companhia para inquisidor naquelas partes.
Reuerendo
Bispo Inquisidor Geral amigo. Eu El-Rey uos enuio muito saudar. Mando oridenar
agora, que para se fazeré deuidamente os baptismos dos negros adultos, que se
tiraõ da costa de Guiné, e mais conquistas desse Reino, e cessar o scrupulo de
como nelles se procede, se ordene no
porto de Cacheu, a donde de ordinario concorrem mais quantidade de negros, e
mais navios para os trazer, hua residencia de Relegiosos da Companhia, que
se occupem particulatmente em negocio de tanta consideração E por que se me
reprezentou que naquelle porto e nos mais da costa de Guiné, há muita gente da
naçaõ dos christaõs nouos, que uiuem com muita dissoluçaõ, e_ seria de grande
effeito nomeardes por comissario do sancto officio, para acudir ao que cumprir,
hum dos Relegiosos que ali residirem, me pareceo aduertiruolo para que
comunicando o com o Conselho Geral, e parecendo conveniente ao seruiço de Deos,
o ordeneis assy, de que me dareis conta para o ter entendido. Escrita em Madrid
a 4 de Agosto de 623/
a)
Rey · · -
a)
O Duque de Villa Hermosa Conde de Ficalho/ Para o Bispo Inquisidór geral
.[No
verso:] Por EIRey Ao Reuerendo Bispo Dom Femaõ Miz Mascarenhas do seu
Conselho de estado, Inquisidor geral ·de Portugal.
ATT, Miscelâneas Manuscritas da Graça, ex. 1 (antiga ex. 12), doc. 147.
1624
Apresentação de D.FREI
LOURENÇO GARRO como bispo da diocese de Cabo Verde
FRANCISCO
CORDOVIL é
capitão-mor de Arguim
Em 1624, foi criada a
capitania de Cacheu, onde havia um grande núcleo populacional ocidentalizado, e, em Maio de 1656,
foi fundada a «Companhia de Cacheu e Rios», destinada ao tráfego de escravos,
tendo sido criado, antes, por decreto de 14 de Julho de 1643, o Conselho
Ultramarino.
DINIS EANES DA FONSECA capitão-mor de Cacheu
1624/02/15
CARTA DO
PROVINCIAL DA COMPANHIA DE JESUS AO DOUTOR ANTÃO DE MESQUITA (15-2-1624)
SUMÃRIO-
Conclusão da obra de Cabo Verde - Falta de missionários apostólicos - As
gentes da Guiné - População
judaica ou judaizante - Missão de Cacheu.
Pax
Christi.
Vejo o que V. M. me diz sobre as fundações que
S. Magestade hé siruido se cõcluaõ é Cabo Verde e Cacheo, e a necessidade que
tê a christãdade daquella Costa de Guiné de se lhe acudir pera sua reformaçaõ e
o gentio pera se cõcertar e que a messe hé muita e os operarios poucos, e que
os que tê bõ intento neste particular que naõ deixaraõ de seguir o concelho de
Christo nosso Senhor, rogate Dominü niessis ut mittat operarias in messem
suam, e certo que esta messe abaixo de ser de Deos de ningué hé tanto como
de S. Magestade
e como tal hé be que ·rwittat operr;zrios in messem suam, e taes
operarios que tratê della e naõ de si· e seus parétes, como muitos fazé.
Já
disse a V. M. o estado da Costa de Guiné, e a sorte de gête que a pouoa e o
que lá se uza, e o que de ordinario en quasi todas estas missoês padecé os da Companhiia, naõ só do trabalho cõ a
cõuersaõ e doutrina dos gétios, mas a maior e mais de sintir do que cõnosco
uzaõ os que mais ouueraõ de ajudarnos, como saõ os ministros, de que eu talvez
sé rezaõ, mais que de jmaginaçoés que ·os nossos poderaõ cõ liberdade fallar
verdade e ·escreuer a S. Magestade o que passa; e como estaõ taõ longe e taõ
deuagarlhes pode ir o .remedia, hé forçado padecerse é tudo asi. os religiosos
·é lhe faltar cõ que sustêtar, como á conuersaõ e mis·soés é se lhe acudir, como
mostrei a V. M. a carta do P.e Superior de Cabo Verde ·é que se me queixa de
auer 3 annos que nê real pode cobrar de esni.olas que S. Magestade lhes mãdou
dar e pede cõ muita instancia os mãde uir pera o Reino ..
Outra rezaõ hé uermos
que segundo se affirma a maior parte da gente da Costa de Guiné hé géte da
naçaõ e guarde Deos naõ seiaõ finos judeos, e viué ala larga, e sabesse a võtade
que té â Companhia e o que podé lá e cá, e
té se por vezes achado gétio que elles circúsidaõ e viuê ao seu modo, et.ª
Os
que naõ saõ desta ordé como é aquellas partes viuê cõ muita liberdade, assi nos
costumes como nos tratos de côpras e vêdas, . porque os Padres da Comparihia
lhos estranhaô queré nos todos mal e andaõ ali as vidas dos nossos mui
arriscadas, alê da malignidade da
terra,e naõ perdé lanço en que é buscar que escreuer aos tribunaes de S.
Magestade cõtra nós e dizeré quanto queré e sei de certo que se té por vezes
tiradas informaçoês secretas do que cõtra nós escreueraõ as·si gouemadores como
camaras e outras pessoas e a Deos graças té achado que a Companhia faz o
que pode e deue assi cõ o siruiço de Deos como de S. Magestade.
Mas
deixãdo todas estas cousas de parte.
Digo
que no que toca a Cabo Verde naõ temos mais que tratar que fazerse o que S.
Magesta;de té ord.enado e que dos aduertédos que dei a V. S. pera se fazer
prouisaõ se metaõ nella os que parecer cõuê, e dos mais se me passé de·spachos
de fora, e pera isso a primeira tarde que tiuer de meu me irei pera V. M. pera
os apõtarmos.
Quanto
a Cacheo segundo me escreue o P.e Sup.erior do Cabo Verde me parece que o que
por ora mais conué, assi ao seruiço de Deos como de S. Magestade, como taõbé a
nós hé que se cõclua logo cô Cabo y.e.rde e que se nos dê ordé pera que dali
uaõ alas ... , nossos a aceo estar e missao
os mezes que vire mais coue e tomê noticia clara da terra e gente della, e do
que se pode dali sperar se faça de fruto, e cõforme acharé mãdê informaçaõ. Ao
certo a S. Magestade, pera que cõ isso ueja se será melhor fazerse logo ali
fundaçaõ de residécia ou se será melhor irse ali.
ATT., Cartório dos Jesuítas, Maço 68, doc.
n.9 138
NOTA:
O destinatário, Doutor Antão de
Mesquita, ·era canonista pela Universidade de Coimbra, deputado da Mesa da
Consciência e do Desembargo do Paço.
1624/03/08
Falecimento de D. FREI MANUEL AFONSO DA GUERRA, bispo
de Cabo Verde, na cidade da Ribeira Grande. Governo da Câmara.
1624/04/10
FRANCISCO VASCONCELOS DA CUNHA tomou posse
de Capitão-general e Governador-geral de Cabo Verde. No seu governo hospedou na
ilha de Santiago a armada portuguesa que ia para a expugnação da Baía: chegou
esta ali a 24 de Dezembro de 1624, e deteve-se no porto cinquenta dias, sem
cair doente um só da tripulação. Saiu para o seu destino a 11 de Fevereiro de
1625, tendo chegado a 7 do mesmo mês a Armada Castelhana comandada por D.
Fradique.
No
mesmo ano passou pelas paragens daquelas ilhas uma armada holandeza de 34
velas, das quais 15 de força, levando 3.000 infantes. Proveu-se de agua por dois pataxos na ilha de Maio, sem as mais lançarem ferro.
Esta
armada foi em socorro da Baía, e por isso o Governador se apressou de mandar
alí ao General da Armada D. Manuel de Menezes numa caravela de aviso. Esta em
lá chegando, teve a agradável noticia que o socorro era baldado, pois havia
quinze dias que a cidade fora recuperada. (Foi no 1º de Maio de 1625). Aquela
armada holandeza de socorro foi derrotada.
Em
Novembro de 1625 ofereceu a este Governador ANDRÉ D’ORNELLAS uma rica Descripção
da Serra-Leoa composta em 14 capítulos. Este manuscrito original existe na
Biblioteca da Ajuda.
Apresentação de D. FREI LOURENÇO GARRO
como bispo da diocese de Cabo Verde.
1624/05/22
CARTA
RÉGIA SOBRE AS MISSÕES DA GUINE (22-5-1624)
SUMÁRIO
- Manda dar toda a protecção aos
Padres Jesuítas sobre a dilatação da Fé e residência projectada para Cacheu.
Em
Carta Regia de 22 de Maio de 1624 ao que mandei escrever ao Provincial
da Companhia, sobre enviar a Angola e ás mais Conquistas, sugeitos bastantes e
capazes para se empregarem na propagação do Evangelho, responde com a carta que
vai neste despacho, que me pareceu enviar-vos, para que ordeneis que, por via
de meus Ministros, se dê todo o favor e ajuda que cumprir a estes Religiosos,
para a dilatação de nossa Santa Fé, e que com effeito se cumpra logo o que
tenho resoluto, acerca das residencias que há-de haver em Cacheu, e em outros
lugares da Costa de Gttiné.
Christovão Soares.
ATT., Mesa da Consciência e Ordens, liv. 26, fl. 153 v. NOTA: O assunto
fora já debatido anteriormente, como o atesta o documento seguinte:
Em
Carta de S. Magestade de 23 de Feuereiro 624.
Enuiastes
com a carta de 6 de Dezembro passado 14 consultas da Mesa da Consciência e
Ordés. [ . . . . .. ] .Outra sobre algüs particulares de que auisou o Bispo de
Cabo Verde, que já se consultou outra vez e se tem
respondido aos pontos de que tratta. E porque importa muito darse ciípriinento
ao que está resoluto acerca do Colegio de Religiosos da Companhia que hade
hauer em Cabo Verde, uos encomendo que assy o procureis e que uendo a petiçaõ
de Antonio Colaço da Companhia,
Procurador Geral das Prouincias de~sa Coroa, que uay com esta
Carta, ordeneis se satisfaça logo a tudo o que contem, e se acuda a pagar com
pontualidade as ordinarias dos Religiosos que de · prezente residem no
Collegio, tomando a execução em particular a seu cargo o Conde Dom
Diogo da Silua.
ATT., Mesa da Consciência e Ordens, liv. 26, fl. 148.
1624/06/01
CONSULTA
DO CONSELHO RÉGIO DA FAZENDA SOBRE A CASA DOS JESUÍTAS EM CABO VERDE. (1-6-1624)
SUMARIO - Sobre a casa professa que há-de
haver em Cabo Verde dos Religiosos da Companhia, para residência em Cacheu.
Per·
carta de 25 de Abril de 622, diz V. Magestade que tornaua a remeter aos
Gouernadores a consulta da Mesa da Conciençia e Ordens sobre a fundação do
Colegio do ·Cabouerde, que está tratada com os Religiosos da Companhia de
Jhesus, e huã petição de Antonio Colaço
seu procurador geral para que ordenassem que tudo se visse neste Conselho. E
consideradas as obrigaçoes que aqueles Religiosos hande ter e quantos
subgeitos se deuem signalar a huã rezidençia que deue auer em Cacheu, com
presuposto que não seraõ menos de tres, se lançassem logo os despachos
neçessariose se enuiassem a V. Magestade [a] assinar, com huã consulta em que
se referissem os fundamentos com que se fizessem.
Consta
que a ditta consulta da Mesa da Conciençia foj feita em 29 de Nouembro de 621,
na qual se contem que V. Magestade tem ordenado que em Cabouerde se faça hü
Colegio em que assistaõ Religiosos da Companhia para effecto da conuerção do
gentioe pregar e ensinar latim e casos. E porque sobre as condições com que os
dittos Religiosos auiaõ de aceitar o ditto Colegio, ouue muitas replicas, que
foraõ causa de se naõ concluir tegora, V. Magestade foj seruido diffirir as
·dittas condiçoes na forma que se contem em hü Relatorio tirado das consultas
e repostas de V. Magestade e só resta fazer se o contrato com os dittos
Religiosos na forma: do dito Relatorio, por este Conselho da Fazenda, a quem
pertençe. .
Â
qual consulta responderaõ os Gouernadores que lhes pareçia que deuia V.
Magestade mandar fazer este contracto pela Mesa da Conciençia e que a execuçaõ
delle deuia correr pella Fazenda.
E
vendosse a ditta carta neste Conselho, se deu nelle despacho per que se ordenou
ao Procurador da Fazenda de V. Magestade, visse a ·ditta carta, consulta da
M·esa. da Conciençia de que se trata e a copia da carta do Prou1nçial da
Companhia e o papel das condiçoês incluso á ditta consulta e comonicando a
matteria com o Procurador Geral da mesma Companhia, do que resolvesse com elle
fizesse híí papel que se traria a este Conselho com toda breuidade.
No
qual papel diz o ditto Procurador da Fazenda, que fez em 12 de Abril deste
prezent·e anno, que tratou com o P.e
Diogo Veloso, procurador geral da ditta Companhia, o negocio do Cabouerde,
e rezidençia de Cacheu de que trataõ as cartas de V. Magestade e as
consultas da Mesa da Conciençia e que elle respondeo na forma conteuda
em suas repostas· que estaõ nos dittos papeis, de que logo no tempo dellas dera
conta neste Conselho.
Que em 14 de Octubro de 1608 se p.assou hü
aluará sobr.e a fundaçaõ de huã Casa professa de Religiosos da Companhia de
Jhesus, a quopia da qual se juntou, e que mostrando o ditto aluará ao P.e
Procurador Geral, porque nelle se
naõ trata de Colegio, senaõ de casa professa, e naõ se tem aprezentado
consentimento do Padre Geral para a ditta Casa professa, e p.ara se fazer a
·doaçaõ que nelle se requere, lhe disse que lhe pareçia que auia outro em
contrario, mas que atté o prezente o naõ vio, e se o há e nellese dispoem outra
forma se deue ver. / /
E
porque estando as cousas nos termos do ditto aluará de V. Magestade do ·anno de
608, está nele dada ordem na ditta funR daç·aõ no tocantie a ser casa professa,
·em conformidade do que na· copia de huã das dittas consultas appontou o P.e
Francisco
Pereira,
da Companhia de Jhesus. E pareçeo a V. Magestade como della pareçe. E para se
effectuar falta o consentimento do Padre Geral, que o naõ tem dado, para a
fundaçaõ da ditta ·Casa professa.
E
quando aja de ser Colegio se deue declarar para que naõ faça duuida o que pelló
ditto aluará foj ássentado, e ordenado.
E
quanto a Cacheu lhe pareçe que s,e naõ satisfaz ao que V. Magestade ·manda, com
a missaõ dos Padres á·quele lugar, porque se isto fora bastante, naõ auia par.a
que V. Magestade mandar tratar com os Padres da ditta Rezidençia, pois conforme
ao ditto aluará da fundaçaõ da Casa ·do Cabouerde, essa obrigaçaõ lhe foj
emcarregada, de mandarem á terra firme Religiosos a uizitar toda a costa della,
·a confessar e s.acrarnentar os Portugueses que nella viuerem e conuerter os
gentios; porem como se naõ fica satisfazendo com a missaõ que se acaba, e
tirando della os Padres fica o lugar desamp.arado do beneffiçio que com a
assistençia deles reçebe, naõ ouue V. Magestade por bastante irem elles em
missaõ; mas comtudo hé seruido que se trate de Rezidençia e que se faça no
ditto lugar como deue auer. E hé necessario por mμytas razoés que todas obrigaõ
muito, a se auer de instar que a ajaJ por ser muy importante ao seruiço de Deus
auer naquelas partes· quem trate dele, e da nossa santa fee Catholica; que se
ent·ende que poderá· lá rezidir gente que tratte de que a naõ sigaõ, e com a
Rezidençia ·dos Padres se naõ consentirá, antes se dará toda a boa ordem para
se viuer bem> e fazer o que conuem ao seruiço de Deus e de V. Magestade E o
que os P·adres dizem em suas repostas de que trata o Procurador da Fazenda, hé que no que toca a Cabouerde, naõ. Tem mais
que tratar que fazerse o que V. Magestade manda e temordenado, e que das
aduertençias que deu ao Procurador da Fazenda o ditto Procurador Geral, para se
fazer a prouisaõ, se metaõ nella as que pareçer que conuem e das inais se lhe
pasassem despachos de fora.
E quanto a Cacheu, que segundo o ·que
escreue o P.e Superior do Cabouerde, lhes pareçe que o que por hora mais
conuem, assj ao seruiço de Deus e de V. Magestade, como também a elles, hé que
s·e conclua logo com Cab·ouerde, e que se lhes dee ordem para que daly vaõ
algüs padres a Cacheu estar em missaõ, os meses que virem mais conuem, e tomem
notiçia clara da terra, e gente della, e· do que se pode daly esperar se faça
de fructo, e conforme acharem enuiem informações ao çerto a V. Magestade, para
que com isso se veja s·e será milhor irse aly por missaõ do Cabouerde cada anno
estar tantos meses.
E vendoss-e em Conselho a carta de V. Magestade,
consultas da Mesa da Conciençia, mais papeis referidos, reposta do Procurador
da Fazenda de V. Magestade e dos Religiosos da Companhia de Jhesus, e como em
Cacheu está resoluido que· aja huã Rezidençia e em Cabouerde cas·a professa,
como V. Magestade tem ordenado pello ditto aluará de 14 de Octubro de 608, de
que neste
se faz mençaõ, cuja copia vay com esta. E porque os Padres naõ vem nisso.
Pareçeo
que V. Magestade deue mandar que na conformidade da resoluçaõ que sobre esta
matteria foj seruido tomar pello ditto aluará, se conclua este negocio e na
forma delle se proçeda, e dee á execuçaõ. / /
Em
Lisboa, 10 de Junho de 1624.
O
C. de Faro. / L. da Sylua. / R. da Sylua / L. Pereira. / S. Soarez.
[À
margem] Per carta
de S. Magestade de 3 de Julho de 624 Vy huã consulta do Conselho de minha
Fazenda sobre os Rellegiosos da Companhia de Jesus, que hade aver no Cabo Verde
e em Cacheu e perque de prezente pede mais breuidade a sua asistençia em
Cacheu, pela necessidade que aly há delles para doutrinarem os gentios
daquellas partes e confessarem e ademenistrarem os sacramentos nellas, Ej por
bem que haja naquele lugar huã residençia de quatro padres da Companhia e que a
cada hü dos que auiaõ de asistir na Jlha do Cabo Verde, com adeuertençia que
assy elles como os que estiuerem na mesma Jlha, em tempo algum naõ poderaõ
herdar fazenda nenhuã de raiz, fazendo tratar logo com o seu prouinçial sobre a
jda del·les para Cacheu, procurandosse que seia cõ a breuidade que tanto conuem
ao seruiço de Deus e meu e ·asentareis com elle ·a fundação da Jlha de Santiago
sem se dizer que hé contrato, com a mesma declaração de que não ediquiriraõ nem
herdaraõ bens de rais. E uereis se conuirá que em Cacheu haja mais dos quatro
padres para que nisto se proueia ao diante, entendendosse que os que estaõ
sinalados para a Jlha de Santiago se hande repartir entre a casa que aly se
hade fazer e a rezidencia de Cacheu, como dote que lhe está signalado. E pelo
muito que jnporta que isto se ponha logo em execuçaõ, volo emcomendo muito. E
me auizareis de como o tendes feito, respondendo juntamente ao que se uos tem
perguntado sobre as mais residencias da costa de Guiné, aduirtindo que se
entende que seria de muito [e]feito á conuerçaõ hauer huã na Serra Lyoa. /
Christouaõ
Soarez.
AHU., Cód. 35. A,
fls. 104-105 v.
1624/07/03
CARTA RÉGIA SOBRE OS
PADRES JESUÍTAS DA ILHA DE SANTIAGO E CACHEU (3-7-1624)
SUMÁRIO
- Manda que em Cacheu haja uma
residência de quatro Jesuítas - Os Padres designados para Cabo Verde
seriam distribuidos por Cacheu e nas condições já estabelecidas na Ilha de
Santiago
Vy
hüa consulta (1) do Conselho da Fazenda sobre os Religiozos da Companhia de
Jhesus que hade auer no Cabo Verde e em Cacheu, e porque de prezente hé de (2)
mais breuidade a sua assistencia em Cacheu, pella necessidade que ally há
delles para doutrinarem os gentios daquellas p·artes e con·fessarem e
administrarem os sacramentos nellas, hey {3) por bem que aja naquell·e lugar
huã rezidençia de quatro padres da Comp·anhia e que a cada hum deles se dê
outro tanto para sua sustentação, como se auia de dar a cada hum dos que aijão
(4) de asistir na Ilha do Cabo Uerde, com aduertençia que asy elles como os que
estiuerem na mesma Ilha em tempo algü (5) não poderão herdar fazenda nenhuã cs) de
raiz, fazendo tratar· logo com o seu Prouincial sobre a bida delles para
Cacheu, procurandosse (6) que seja com a breuidade que tanto conue ao serviço
de Deus e meu. /
E
asentareis com elle a fumdação da Ilha de Sanctiago sem se dizer que hé comtracto,
com a mesma declaração de que não adquirirão E
uerçe se conuirá que em Cacheu aja mais de quatro padres, para que nisto se
proueja ao diante.
Entendendose
que os que uão signalados para a Ilha de Sanctiago se hão de repartir .emtre
a casa que aly se hade fazer, e a reziençia de Cacheu com o dote que lhe está
signalado. E pollo muyto que importa que isto se ponha logo em execução, volo
encomendo muyto. E me auysareis de como o tendes feyto, respondendo juntamente
ao que lá [se] nos tem preguntado sobre as mais rezidençias da Costa de
Guiné, aduertindo que ce entende que seya de muyto effeyto á conuerção
auer huã na Serra Lyoa.
Christouão Soares
AHU., Cabo Verde, Cx. 1, doc. 123; ATT., Cartório dos jesuítas, Maço 68, doc.
11; ARSI., Lus., Cód. 83, fls.
324-324 v ..
NOTA:
Pouco depois voltava el-Rei a insistir no problema da residência de Cabo Verde
(Santiago) e Cacheu.) nestes termos: Em carta de S. Magestade de 23 de Nouembro
de 624
Encomendouos
ordeneis se dé á execuçaõ cõ toda a breuidade o que tenho mandado, acerca do
Colegio que os Religiosos da Companhia de Jhesus haõ de ter nas Jlhas de
Cabouerde e residencia de Cacheu, porque da dilaçaõ se segue muito dano a meu
seruiço, e ao bem espiritual da.s almas daquelias partes.
Christouão
Soares
ATT, Mesa da Consciência e
Ordens, liv. 26, fl.. 167 v.;
AHU., Cód. 285, fl. 5.
NOTA BENE: As variantes em nota são do Cód. 83
do ARSI
(1) Viosse a consulta.
(2) Pede.
(3) hee
(4) auiaõ
(5) alguã
(6) Procurando que nem herdarão bens de raiz
1625
MANUEL
ALVAREZ PRIETO,
cristão-novo natural de Cabeça de Vide, está em Cacheu até 1635. Tem outra actividade em Cartagena.
D. FR. LOURENÇO GARRO, conventual da Ordem
de Cristo, chegou à Ribeira Grande em 1627, dois anos depois de ter sido eleito
bispo.
1625/10/11
REGlMENTO DO CAPITÃO DE CACHEU, RIO GRANDE E DE S. DOMINGOS (11-10-1625)
SUMÁRIO
- Viagem de Lisboa e comunicação com o Governador - Apresentação aos
moradores - Propagação da Fé e ajuda a prestar aos Jesuítas – Casa Forte de Cacheu - Relações com os gentios
e destes entre si -
Defesa militar e regime comercial - Apreensão denavios e destino a dar-lhes -
Regime dos estrangeiros - Relações com os soldados e o povo - Os tangomãos e sua recuperação- Vacatura
dos ofícios e sua provisão.
Eu el Rey faso saber a vós FRANCISCO SODRÉ PEREIRA, fidalgo de minha Caza, que hora emvio por cappitão das pouvoações
de Cacheu, Rio Grande e de San Domingos, e dos mais da comquista de Guiné,
que são do destrito
da ilha de Cabo Verde (1), que Eu hei por bem e me praz que en o exercicio
do dito cargo goardeis o Regimento seguinte:
[I] - Partireis deste porto de Lixboa em
dereitura ao de Cacheu, sem irdes á ilha de Santiago, adonde assiste o Governador Geral; e posto que a Carta Patente,
Provisõis, Regimentos e Despachos que levais, lhe não sejão presentados, nem
tenhão seu cunprasse, hey por bem que se cumprão e guarden
inteiramente, sem embargo de qualquer
provissam ou ordem que aja em conrario, e na primeira ocasião que ouver de
embarcação pera a ilha de São Tiaguo, depois
de resedirdes em Cacheu, lhe enviareis copia da dita patente e despachos, com
carta vasa, perque lhe deis conta de vosa chegada, pera
que elle o saiba, e a forma de voso Provimento e Regimentos.
[II] -Tanto que
chegardes ao ditto porto de Cacheu, fareis ajumtar os moradores e povo da mesma
povoação e os circumvesinhos, podendo ser com commodidade, e pareçendo vos que
assi convem; e da minha parte, e com as palavras que fio de vós lhe sabereis
bem dizer, lhes significareis que, pello desejo que vivão e sejão governados em
paz e justiça, e con segurança de seu comersio e fazenda, vos mando alli, com
os cargos que levais (2), fazendo logo ler perante todos a Patente e Provisões
delles.
[III]
- E porque o prinsipal intento com que vos emvio ás dittas partes hé para
alargamento de nosa Santa Fée, e pera que meus vasallos, que nellas vivem, e a
ellas forem, sejão governados em paz e justiça, o procurareis assim tratar,
tratando em primeiro lugar as couzas da Fée, e favoresendo os menistros da
Igreja, e porque tenho ordenado que aja húa residençia de padres da Companhia
na ditta pouoação pera pregarem e os instruírem nas couzas de nosa Santa Fée,
vos emcomendo em particular deis toda ajuda e favor aos ditos r eligiosos pera
poderem exercitar e comprir com as obrigações pera que vão ao ditto lugar.
[IV]
- E porque Balthazar Pereira de Castello
Branco, quando servio de cappitão do mesmo porto de Cacheu comprou por
ordem dei Rey, meu Senhor e Pai, que Santa Gloria aia a Sebastião Fernandez Cassão húa casa forte, que tinha no ditto lugar, com
quatorze pesas de artelharia, a qual se tem por bastante pera defenção delle,
vos hey por muy emcargado que não
estando em perfeiçõ, e faltando lhe âlguma couza pera gue o esteja, me avizareis
disso, emviando ao meu Conselho de Estado a traça (3) da ditta caza or e e rie
açao o que podera custar o aprefesoar se de maneira que fique defençavel, e
donde com mais comodidade se poderá fazer a despesa.
[V]
- Bom tratamento dos gentios vos hey por muy emcomendado, e que se lhes não
fação vexações, e se guarde igualmente justiça a todos, tratando de os compor
(4) amigavelmente nas duvidas que tiveram, de maneira que escuzando as quanto
for possivel aja cada hum o seu.
[VI]
- Recolher vos eis na ditta caza forte
com os vinte e sinquo soldados de paga, que hey por bem residão nella de
ordinario, e fechado muito, e mais gente que vos pareser, ordenadlo que se
guarde no dito forte a vegia e a ordem meliittar, e que a arteharia, armas e
muniçõis estejam sempre prestes en toda a boa guarda, de maneira que, pior mais
repentino que seja qualquer suseço, vos não possa tomar descuidado, como de vós
comfio.
[VII]
- E porque por minhas Leis e Provisões tenho defeso o comercio de todos os
portos, rios e destrito de Guiné, que são de minha Coroa, a todos os estrangeiros com pena de morte e perdimento das fazendas,
não consentireis a alguns que a eles forem, que tenhão o tal comersio por via
algúa, com os gentios e naturais da terra, nen con meus vassallos. e lho
impedireis por todas as vias que puderdes, as publicas, como as secretas.
Fazendo com os gentios todas as deligençias necessarias para que os não
consintao, procuran o para isso tellos propiçios, e podendo, ainda que seja com mão armada, tomar lhes suas naos e
embarcaçoins, e prendelios, o fareis, posto que digão e aleguem que vão de paz,
e das fazendas que se es acharem mandareis fazer eventario, e pôr todas em boa
arrecadação.
[VIII]
- E tomando alguns navios que possão ser de servisso, e tendo vós gente e as
cousas neseçarias pera os poderdes armar e se fazer melhor meu servisso, vos
aproveitareis delles, e os outros que não forem pera hessa costa. e poderem
ser ae proveito. Os emviareis a este reino, avizando d.isso ao meu Conselho de
Estado, pera se ordenar delles o que for meu servisso; não avendo comodidade e
aparelho para se poderem cá emviar sem risco, ó sendo de calidade que não posão
os enemigos aproveitarsse delles, e toda a artelharia, armas e muniçõis fareis
pôr na fortaleza.
[IX] - E
aos estrangeiros gue forem presos fareis perguntas, em que declarem todo o
processo de sua viagem, e por cuja conta forão armados, as mercadorias que
trazião, com as mais declarações que vos pareserem, e com elles a bom recado,
os enviareis ao Governador de Cabo Verde, pera proceder comtra elles (5), conforme
as minhas Leis, sem lhes dar lugar, nem vós o dareis, a que per nenhum caso
poçam cá acudir.
[X]
-Aos soldados, offiçiaes e povo de voso desttrito, vos emcomendo que trateis
com a corteçia que a cada hum for devida, e com o bom modo que de vós comfio,
pera que folguem de vos acompanhar e ajudar, quando a nesesidade o pedir, pera
melhor cumprirdes com vosa obrigação; e tereis cuidado de me avizar dos que se
aventejarem em meu serviso, e assy dos que nelle forem remissas, pera lho
agradeser ou estranhar, como ouvir por bem.
[XI]
- Avisar me eis particularmente das
pesoâs que andarem feitos tangomãos, e dos que tiverem encorrido nessa pena
e de suas calidades, e que utilidade receberá· meu servisso de eles se
reduzirem, e virem povoar e viver na povoação, e se comvirá, ou averá algum
inconveniente en se lhes perdoarem estas culpas e com que condiçõis se lhes deve
conseder perdão, e o beneficio que eles disso receberão, com o mais de que vos
pareser informar.
[XII]
- A mesma ynformação me enviareis, se será conveniente a meu servisso e minha
Fazenda fazer se villa a dita povoação e lugar de Cacheu, e que utilidade ou
damno reseberão disso bem comum, e que pesoas há nella, ó pode a ver
pera andarem na governança.
lXIII]
- Hey por bem que, en quanto servirdes a dita capitania, estejaes sobordinado
ao Governador das ilhas de Cabo Verde, de cujo destrito são aquellas povuoações
de Guiné; porem o dito Governador vos
não poderá tirar nen suspender de nenhum dos cargos, de que vos encarrego,
e vos encomendo que tenhaes com elle toda a boa e devida correspondencia,
avisando o particularmente do que cumprir ao meu servisso, e cousas de que
tiverdes nesesidade; ao qual Governador emcomendo que, da mesma maneira,
proseda comvosco, e vos dê toda a ajuda e favor nesesario pera melhor poderdes
comprir com vossa obrigação em meu serviso.
[XIV]
- Acontesendo vagarem alguns officios de Justiça e minha Fazenda, por morte ou
ímpedlmento dos propriettarios, e pessoas que os servirem, provereis as
serventias delles por tempo de seis rnezes, avizando logo disso o Governador
das ilhas de Cabo Verde, pera dentro delles prover como lhe pareser; e o mesmo
fareis a my, dizendo o offissio que vagou, e por quem, e se lhe, ficarão
filhos, e se tinha servido lá pesoa en que o provestes.
[XV]
- Avisar me eis particularmente, por todos os navios que se offerecerem, das
cousas que emtenderdes que comvem a meu serviso.
[XVI]
- E comprireis en tudo este Regimento, como nelle se contem, posto que não
passe pela Chançellaria, o qual se registará nos Livros de Registos da Caza da
lndia; e hey por ·bem que valha, tenha forsa e vigor, posto que o effeito delle
seja de durar maisde hum anno, sem embargo de qualquer ordenação em comtrario.
João
Pereira de Souto Mayor o fes em Lixboa, a onze de·Outubro de mil e seisentos
e vinte e sinquo. Eu Luis Dias de Menezes o fiz escrever.
Don
Diogo da Silva.
Regimento
que há de uzar Francisco Sodré Pereira,
cappitão de Cacheu, pera Vossa Magestade ver. Luis Dias de Meneses.
Registado
no Livro XIII da Mina, de fl. 31 té 33, em XI de Ouctubro de MDCXXV.
Francisco Cordovil de Souza. ·
AHU., Guiné, ex. 1. - Publicado por Jorge
Faro in Boletim Cultural da Guiné
Portuguesa, 1959, n.º 53.
(1) Ilha de Santiago
(2) Além do de Capitão levava Regimento dos cargos de
Ouvidor, com data de 14 de Outubro de 1625, e de Feitor da Capitania de
Cacheu, com data de 25 de Setembro
do mesmo ano. - AHU., Guiné, ex.
1. Vid. Boletim Cultural da Gui.né
Portuguesa, 1959, n.º 53.
(3) Planta, traçado.
(4) Congraçar, harmonizar, apaziguar.
(5) Os missionários capuchinhos castelhanos presos na Guiné,
mais tarde, foram-no em virtude da lei geral e o mais saboroso é que tal lei
fora decretada pelo próprio rei de Espanha quando cingia também a Coroa de
Portugal
NOTA: El-Rei manda que o Regimento dado
a Baltasar Pereira Castelo Branco em· 4 de Abril de 1615 seja cumprido,
«nê mais né menos», por Francisco
Sodré Pereira. Aquele Regimento em verdade não tem exactamente
a mesma redacção do texto que publicamos. Exceptua o capítulo XIV que tera o
seguinte teor:
E
sendo caso que estejaes enfermo ou jmpedido de maneira que por vós naõ posaes
seruir, o poderá fazer enquanto durar vosso empedimento a pessoa que nomeardes
(que será a de mais satisfaçaõ que vos pareçer, e que rnilhor me possa seroir,
e da pessoa que e.ssj nomeardes me avisareis no Desembarg!') do Paçoj e das
resoês que vos ,moveraõ a fazer a dita nomeaçaõ). / /
E
sendo Deos seruido, que fallesais, seruirá a dita pessoa como dito hé, a qual
será obrigada a me avisar logo por vias pellos primeiros navios que partirê do
que passa nesta materia, pera eu mandar prouer como me pareçer, sob pena que
naõ o fazendo assj se lhe dará en culpa.
En
Lixboa a quatorze de outubro de mil seiscentos e vinte çinco. Pero Sanchez.
Farinha o fez escreuer.
a)
Miguel Maldonado.
ATT., Leis~ liv. 3. º,f.l. 152.
1625/11/13
CARTA
RÉGIA AO CONDE DE PORTALEGRE (13-11-1625)
SUMÃIUO
- Trata da residência dos Jesuítas em
Cacheu, a considerar com o Padre Provincial da Companhia de Jesus.
Em
carta de S. Magestade de 13 de Nouembro de 625.
Com
esta carta hirá outra da Camara da Çidade de Sanctiago da Ilha do Cabouerde
(1), sobre materias de que me dá conta. Encomendouos que a uejaês e façais
tratar com o Prouincial dos Religiosos da Companhia, o que per carta de tres de
Julho do ano passado de 1624 mandei aserca de auer em Cacheu huã rezidencia deles
e os fazer elle hir dahi para aquella Capitania e me consultareis o que em tudo
uos parecer, satisfazendo a isto e ao eu se uos te pregμnta o sobre as mais
rezidençias da costa de Guiné e Serra Lioa, com a mais breuidade que for
possiuel.
a)
Christouaõ Soarez.
[No
verso] De S.
Magestade Ao senhor Conde [de] Portalegre.
AHU., Cabo Verde, ex.1-A, docs. 135 e 136. AGS.,
Secretarias Provinciales, Hv.
1519.
(1) Quer dizer: Cidade da
Ribeira Grande, da Ilha de Santiago.
1626
Dos
dez homens poderosos que, em 1626, constituíam a Assembleia Camarária da
Ribeira Grande, oito exerceram cargos militares, tais como soldado da companhia
de Aventureiros, alferes e capitães de companhias de ordenança. Um deles foi
capitão-mor da Ribeira Grande e, como tal, presidiu a um governo interino da
câmara, outro teve o cargo de sargento-mor da guarnição da cidade e finalmente
um deles candidata-se à capitania de Cacheu; oito pertenceram à Misericórdia
como irmãos, sendo um escrivão, um solicitador e um provedor da Santa Casa. Os
dois elementos que não estão integrados na Milícia são irmãos da Misericórdia.
Cinco destes homens estiveram na vida pública mais de 20 anos, entre funções na
câmara, nas tropas milicianas e na Misericórdia. Três deles serviram mais de 30
anos, sendo, dois destes filhos de André Álvares de Almada e um, seu genro. Este último, Jorge de Araújo de Mogueimas, mantém-se 48 anos no activo com um curriculum
que passa por escrivão da feitoria, capitão de Infantaria, tenente-general
do bispo-governador, juiz ordinário,
capitão·mor da Ribeira Grande e, como.tal, governador interino de 1646 a 1648.
Entre
1613 e 1648, esta família tem três membros como figuras públicas de relevo na
sociedade cabo-verdiana, servindo em três frentes: civil, militar e religiosa.
Todos eles, nascidos nas últimas décadas do século
XVI, atingiram lugares de responsabilidade na vida pública durante a segunda
década do século XVII, quando a introversão da sociedade é já irreversível.
Aliás, é toda esta plêiade que assegura, até meados do século, as
condições para que a nova elite experimente e comprove a sua competência para
ocupar os lugares do poder.
1626/02/13
CARTA RÉGIA AOS GOVERNADORES DE PORTUGAL (13-2-1626)
SUMÁRIO
- Manda pagar com toda a pontualidade as ordinárias ordenadas aos Padres da
Companhia de Jesus da Ilha de Santiago e informar-se da residência de Cacheu.
Gouernadores
amigos, ettª. Sobre o que se está deuendo aos Religiosos da Companhia de Jesu
da missaõ da Ilha do Cabo Verde, me presentou o Padre Antonio Colaço, da mesma Companhia e Procurador Geral das
prouincias desse Reino, a petição que hirá com esta carta: e hey por bem que
mandeis passar a ordem necessaria para que aos que constar que residem na casa
do Cabo Verde, se lhes pague com todo o effecto e pontualidade o que lhes for
deuido, 1e que façais tomar ·assento cõ toda brevidade no que tenho mandado
acerca da residencia ue destes Religiosos a e auer no porto de Cacheu. / /
Escripta em Baluastro, 13 de Feuereiro de 1626..,1626/09/11
CARTA RÉGIA AOS GOVERNADORES DE
PORTUGAL
(11-9-1626)
SUMÁRIO
- Que se faça escritura com os Jesuítas sobre a casa de Cabo Verde e residência de Cacheu - Que se convidem
outros Religiosos caso eles a não façam - Que se investigue da fazenda
que possuem no Brasil.
Gouernadores
amigos, etc.ª Vi as duas consultas (que me enuiastes) dos conselhos de estado e
de minha fazenda, sobre se fazer escritura com os Religiosos da ·Companhia de
Jesu, da casa que haõ de fazer em Cabo Verde, e residencia que haõ de ter em
Cacheu. E pareceo me dizeruos ordeneis que estes Religiosos façaõ esta
escritura na conformidade que tenho mandado, e naõ a fazendo elles dentro em
tres meses vereis que outros Religiosos hiraõ residir em Cabo Verde e em
Cacheu, e com os que vos parecer que deuem ir comunicareis a matteria e me
avisareis do que assentardes com elles, e do que se deue fazer para que com
effecto passem áquelas partes. / /
E no que toca á fazenda que os da Companhia tem nellas, vos mandareis informar
disso particularmente, fazendo ver pelos procuradores de minha Coroa e fazenda
o modo com que se ordenará se desfaçaõ della com suauidade, e mandareis que se
faça conta do que cobraraõ da ordinaria que se signalou para os Religiosos que
eraõ obrigados a residir no Cabo Verde, sahendosse
se eraõ menos os que assistiaõ aly, porque quero ter entendido o que leuaraõ.
//
E
tambem se tirará informaçaõ do que dom Afonso de Noronha diz em seu votto,
tocante ao Brasil, e do que ao certo se dá de ordinaria a cada religioso da
Companhia, e quanto há naquele estado, e se a tem todos, e que fazenda possuem
nelle, e se s,e poderaõ sustentar com ella, e escusarse a despesa que com elles
se faz de minha fazenda, e de tudo o que resultar destas diligencias me dareis
conta com vosso parecer, porque quero saber e ter entendido particularmente o
que há nisso, para resoluer o que mais conuier a meu seruiço. Escritta em
Madrid, a 11 de Septembro de 1626.
AGS., Secretarias Provinciales (Portugal),
liv. 1520', fls. 106-106 v.
1626/10/03
Nomeação
do almirante JOÃO PEREIRA DA CORTE-REAL
no cargo de capitão e governador-geral de Cabo Verde. Tomou posse em 1628. Foi o primeiro governador que se decidiu a sair da Ribeira Grande e visitar os portos da Guiné e Serra Leoa, onde
aprisionou os navios que andavam a comerciar fora dos regulamentos.
Dali seguiu. até à ilha de Bezeguiche (Gorêa)
donde expulsou os holandeses, que ali se tinham instalado desde 1617.
1626/11/00
FRANCISCO SODRÉ PEREIRA, Administrador de Cacheu, de Novembro de
1626 a Abril de 1627
«No decurso do arrendamento de André da Fonseca (1627 -1632) dois
mercadores de Lisboa concertaram-se estabelecendo entre si uma companhia
comercial. Este era um dos expedientes a que habitualmente recorriam os homens
de negócios do Reino como forma de participarem no trato ultramarino. Visto que
desconhecemos os termos da constituição deste acordo comercial, bem como o
montante investido na empresa, podemos apenas colocar a hipótese de que
se tratou de uma associação entre António
Fernandes Landim e Francisco Dias
Mendes de Brito que seguia os princípios gerais destas ligações: ambos
entravam com um determinado capital, que tanto poderia ser de igual montante
como não 10, um dos sócios permanecia em Lisboa – neste caso Mendes de Brito- e
o outro efectuava a viagem gerindo a empresa – a situação de António Fernandes Landim - , partilhando os riscos e eventuais lucros ou percas: uma vez
concluído o circuito mercantil, terminado o negócio, fechavam-se as contas e
desfazia-se a companhia (1).
Importa
agora esclarecer quem eram estes dois mercadores seiscentistas.
ANTÓNIO FERNANDES LANDIM, natural de Famalicão,
residia desde novo em Lisboa, junto aos Remolares, freguesia da igreja de São
Paulo. Filho de Gonçalo Eanes e de Maria Pires, nunca casou nem teve filhos legítimos nem
naturais. Aparentemente também não tinha irmãos nem parentes próximos com quem
privasse dado que nomeia como seus testamenteiros dois amigos, João Lopes,
morador em Lisboa junto à Sé, e Cosmo Vieira, solicitador do Físico Real,
morador nos arrabaldes da mesma cidade, deixando bem claro no seu testamento
que "dezerdo todos( ... ) quaysquer meus paremtes e quero que nhenu suseda
nem erde couza alguma mynha".
Mercador
de recursos medianos, dispunha na altura em que mandou lavrar o seu testamento
dos seguintes bens: um navio pequeno o Santo
António, dois contos de réis empregues em fazendas que pretendia
levar para os resgates na Guiné, 200.000 réis em dinheiro, uma escrava doméstica de nome Graça, 45 peças de escravos em Cacheu em poder do escrivão da capitania,
Fernão Lopes de Mesquita, e mais 5 ou 6 negros
procedentes de dívidas também naquele porto da Guiné. Tais bens deveriam
provir dos negócios do trato de escravos de que António Fernandes Landim era um
activo participante. Efectuava ligações regulares entre Lisboa- Rios da
Guiné-Cartagena-Sevilha-Lisboa. Para além da viagem comercial que pretendemos
analisar, e que decorreu aproximadamente entre 1628 e 1630, Landim já havia
realizado outras deslocações (2) - uma certamente pelos anos de 1623/4 (3) -,
preparando-se, em 1632, para iniciar uma nova aventura em terras
afro-americanas. De facto, quando em 21 de Novembro de 1632, Landim mandou lavrar
o seu testamento afirma o seguinte: "[ ... ] estamdo eu ao prezemte san e
em todo o meu prefeytto yuizo emtemdimemento que Deos me deu e prestes pera me
embarquar pera os Reinos de Gyne pera dahy segyr mynha vyagem a Ymdias de
Castela" (4). Embora com tudo preparado para partir navio armado, 4 000
cruzados (ou seja, c. de 1 conto e 600 mil réis) em fazendas compradas para
resgatar na Guiné, mais 1 000 cruzados (ou seja, c. de 400 mil réis)
procurações para receber em Cacheu fazendas de terceiros (5) - não sabemos se
esta viagem se chegou a concretizar.
(1)
As
companhias comerciais tinham um carácter temporalmente limitado. Sendo firmadas
para a execução de um negócio concreto.
(2) Daí que para além dos escravos da armação que transportou na nau Santiago tenha levado, igualmente, "onze peças que eu trouxe por minha conta a parte que são as que eu avia dexado em guine de otra viage".
ANTT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, tl. 497.
(3) No meio dos papéis relativos ao negócios desta companhia encontrámos um instrumento de divída estabelecido entre António Fernandes Landim e António Vicente em que este dera ao primeiro 40 000 réis a serem pagos em Cartagena. Este documento, bem como o correspondente recibo datam respectivamente de Abril e de Agosto de 1623.
Ibidem, Livro 14, tls 467 e 467v.
(4) Testamento de António Fernandes Landim,
in ANTT, Registo Geral de Testamentos, Livro 8, tl. 250 v.
(5) António Fernandes Landim tinha urna procuração de um mercador lisboeta, António Lopes Soares. para receber de Fernão Lopes de Mesquita, escrivão da capitania em Cacheu, os bens de Francisco Dias Mendes de Brito que estavam em poder daquele.
ANTT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, fls. 513-517, de 22 de Setembro de 1632.»
DE
SANTIAGO PARA A COSTA DA GUINÉ: A TRANSFERÊNCIA DO CENTRO GEOGRÁFICO DOS
NEGÓCIOS E A MANUTENÇÃO DA ELITE COMERCIANTE as transacções da companhia de
António Fernandes Landim e de Francisco Dias Mendes de Brito ( 1629-1630) por
Maria Manuel Ferraz Torrão
(1) Sobre os problemas que a omissão documental da tonelagem dos navios coloca veja-se Leonor Freire Costa, "O transporte marítimo no Atlântico nos séculos XVI e XVII: contributo para um estudo de rentabilidade'' in Actas do IV Colóquio Internacional das ilhas Atlânticas, no prelo.
Após serem expulsos de Salvador, no Estado do Brasil
(1625), e antes da invasão de Recife (1630), entre 1627 e 1628 as forças da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais
(WIC) consideraram a ilha da Palma (
Goreia) fundamental para a proteção do seu comércio no Atlântico Sul.
Conseguiram fixar-se nela pela primeira vez, erguendo um forte no sítio de
Nassau Cove, que denominam como Forte de
Nassau.
LUÍS PEIXOTO
DE MAGALHÃES, almoxarife da Ribeira Grande, foi feitor do contratador de
Cabo Verde ANDRÉ DA FONSECA de 1627
até 1630.
1627/03/13
RESPOSTA DA COMPANHIA AO REQUERIMENTO RÉGIO SOBRE A
FUNDAÇÃO DO COLÉGIO DE CABO VERDE (13-3-1627)
SUMÁRlO
- Declara o Provincial não ter
pessoal para tomar sobre si a missão de Cabo Verde e Cacheu, sendo
ocioso, portanto, fazer a escritura que se lhe propunha.
Em
Nouembro passado de 626, me auisou o nosso Procurador da Prouincia,
estando eu visitando a residencia de S. Fins entr.e Douro e Minho, em como aos
27 de Outubro Antonio d'Amaral, escriuão dos feitos da fazenda de V. Magestade,
lhe notificara uã ordem do concelho della per ·escrito, em que se continha que
o Prouincial e Procurador da Companhia fossé notificados que effectiuamente
fizessê cõ o Procurador de V. Magestade a escritura sob·re a casa Professa que
se há de fundar iem Cabo Verde, e residência de Cacheo, na conformidade das
ordens que V. Magestade tinha dado sobre este particular, que se continhaõ no
apontamento que sobre isto fez o Procurador da fazenda, com cominação que naõ o
fazendo assi dentro em tres meses se procederia namateria como mais fosse
seruiço de V. Magestade, e na conformi· dade de sua carta de Setembro passado.
Aos
11 deste mes de Março de 627, me notificou o dito Antonio d'Amaral que dentro
de tres dias respondesse á dita ordem, na forma que estaua ordenado.
E satisfazendo ao que V. Magestade manda cõ a
deuida sogeiçaõ, respondo que fiz a diligencia que em mim foi, e considerand.o
bem se está esta nossa prouincia em estado pera sustentar de gente as missoens
que tem ·a seu cargo, .donde estaõ pedindo gente,como saõ as prouincias da
Jndia, Japaõ, China, Ethiopia, Angola, Congo, Brasil, e Ilhas, e prouer
ás obrigaçoés dos Collegios e casas desta prouincia de mestres, pregadores,
confessores ettª e auer nella muitos uelhos, e doentes, e outros que naõ podé
ser Missionarias, e o numero que tem
esta prouincia entre Padres, e estudantes, e Irmaõs Coadiutores ser de 600
religiosos pouco mais ou menos, e que por ·naõ termos a gente que nos hé necessária pera tantas occupaçoês, nos hé forçado pedirmos e ualermonos de
nosso Reuerendo Padre Geral pera que nos acuda com s.ojeitos de outras
prouincias, vaçallos de V. Magestade, pollos naõ auer nesta, pera naõ
faltarmos ao bem spiritual de tantas almas, e ao c;eruiço de Deus e de V.
Magestade. E considerando bem o estado em que esta prouincia está, acho que de
presente naõ poder.ey acudir a esta Missaõ na forma que conuem, e aceitar nouas
cargas quando uejo que se naõ pode acudir ás que 1esta prouincia tem á sua
conta, por falta de sojeitos, e de Seminarios donde se crie gente pera ellas, e
examinando bem a gente que tenho nesta prouincia, e as occupaçoês que há a que
acudir, naõ acho em toda ella
hú sojeito que esté ocioso, antes muitos cõ dous e três officios a que acodem,
por ser assim forçado. Por onde cõ toda a cinceridade affirmo a V. Magestade
que naõ me atreuo a tomar sobre mim esta obrigaçaõ, nem uejo nesta prouincia
sojeitos de que possa prouer Cabo Verde, e Cacheo como conuem ao
serviço de Deus e de V. Magestade e finalmente á Companhia. E pois a messe do
Senhor hé muita, e os obreiros naõ faltaõ e neste reino há tantas religioens
que florecem com tanta virtude, e letras, e bom exemplo, pede a boa rezaõ que
todos trabalhemos, e acudam.os a ella, e assi naõ faltaraõ muitos ambiciosos
dos bens do Ceo e saluaçaõ soment.e das almas que se offereçaõ e uaõ a
semelhantes Missoens, como se pode esperar de tantos exemplares religiosos a
qué o fauor de V. Magestade nunca faltarát como faz á Companhia.
E
como naõ posso de presente aceitar esta Missaõ naõ respondo ao que na ordem
quie se me notificou se diz acerca de se fazer a escriptura conforme ao
appontamento que deu o Procurador da fazenda, por ser conforme ás ordens que V.
Magestade tem dado sobre isto, que quando se me desse vista delle se mostraria
o em que naõ se conformou cõ ellas. E no que toca a tomarse conta aos Padres
que estaõ em Cabouerde, e darse ordem que largue as fazendas que lá dizem tem
comprado, V. Magestade mandará o que for seruido, e espero se ache naõ ser
quanto pessoas naõ bem affectas á Companhia dizem, e crem. E feita a tal
diligencia mandarey logo uir os que lá estaõ. li
Guardenos
o Senhor a Catholica e real pessoa de V. ,Magestade por largos annos. / /
S. Roque, e
Lisboa 13 de Março de 627.
ARSI., Lus.,
Cód. 83, fls. 328-328 v.
1627/05/00
Nesta aliança comercial entre os dois
mercadores de Lisboa havia um bem comum: o navio que efectuaria a viagem de
resgate, a nau Santiago, nome
bastante comum nas embarcações nos séculos XVI e XVII.
Pertencendo metade a
António Fernandes Landim, um terço a Francisco Dias Mendes de Brito e um sexto
ao mestre da embarcação, Luís Afonso Maio, o navio deveria ser de dimensões
consideráveis se atendermos quer ao número de tripulantes, quer à quantidade de
escravos transportados entre as duas costas do Atlântico. Desconhecemos, no
entanto, a tonelagem exacta do navio que como de costume nos documentos da
época não está expressa nos textos (1).
A preparação da viagem
da nau Santiago, de que António Fernandes Landim era capitão, senhorio e
armador, iniciou-se em Maio de 1627. Nesta data, em Lisboa, Fernandes Landim,
entregava-se já à compra de mercadorias para trocar por escravos na Guiné, comprando
juntamente com Duarte Lopes Rosa 20
corjos (2) de fofolis (3) ao comerciante
lisboeta Fernão Manuel (4). Não sabemos a data exacta da saída do Reino
desta nau, mas o itinerário da viagem é facilmente estabelecido. De facto,
apesar de não termos quaisquer elementos sobre a navegação da nau Santiago, as
menções a locais e factos que foram anotados por terem relevância para a
prestação de contas permitem-nos traçar uma sequência da viagem.
O primeiro ponto de paragem foi a ilha de Tenerife nas Canárias, onde aliás António
Fernandes Landim tinha provavelmente relações pessoais, visto que era membro
da Confraria de Nossa Senhora da Candelária. Aí embarcou 411 barras de
ferro, mercadoria muito estimada para as trocas nos Rios da Guiné e recebeu,
igualmente, 25 699 reis em dinheiro, um avanço de capital pertencente a Mendes Brito que facilitaria os negócio
em Cacheu, mas de que Landim teria de
"pagar juros" de cerca de 60% (5). De Tenerife o navio rumou a Cacheu onde chegou em data que
desconhecemos e donde saiu para Cartagena nos primeiros dias de Maio de 1629. Ao longo da sua estada na
Guiné procedeu-se ao aprovisionamento da nau. Compraram-se algodões, panos e
barafulas de Santiago, mais barras de ferro para se venderem e comprarem os
escravos tão necessários nas Índias de Castela. Também em Cacheu se ajustou parte da tripulação que seguiria no navio
para a América. Com efeito, entre 30 de Abril e 2 de Maio de 1629 António
Fernandes Landim contratou o piloto, 7
marinheiros, 2 grumetes, 1 mestre de negros e um ajudante para este. Estes
homens completavam a tripulação que já
vinha de Lisboa constituída pelo mestre e co-senhorio do navio, 6 marinheiros,
2 grumetes e 1 tanoeiro (6) . Se a esta campanha de 22 indivíduos juntarmos o
armador, António Fernandes Landim, o seu escrivão, o barbeiro (7) e 2 passageiros
(8) , que entraram na Guiné, Diogo Mendes e António Vicente, temos um total de 27 pessoas a bordo,
exceptuando os escravos que o navio também transportaria.
No mês de Abril e início
de Maio assistiu-se a um intenso estabelecimento de instrumentos de dívidas efectuadas entre António Fernandes Landim e a comunidade comerciante
estabelecida em Cacheu, muitos dos quais eram moradores em Santiago ou com
eles tinham relações comerciais.
Tanto
mais que os 2 principais parceiros de
Landim neste expediente estavam intimamente ligados ao espaço insular; eram
eles João Pereira Corte Real governador
das ilhas ( 1627-1630) e Sebastião Fernandes Casão, feitor do contratador André
da Fonseca.Francisco Sodré Pereira capitão de Cacheu, Fernão Lopes de Mesquita,
escrivão da capitania de Cacheu, Ambrósio Dias, procurador do governador Corte
Real, Manuel de Andrade e praticamente todos os membros da tripulação
contratada na Guiné foram intrevenientes na armação de António Fernandes Landim
por intermédio deste processo.
Landim
contraía dividas com estes indivíduos num montante
determinado (em mercadorias, em escravos ou em dinheiro contado) para efectuar
as compras dos negros necessários para o "fornecimento da nau e saneamento
dos direitos reais", ou seja da dita quantia pré-estabelecida pela Casa da
Contratação de Sevilha de escravos que o comerciante lisboeta podia introduzir
nas Índias de Castela. Uma vez chegado a
Cartagena, o armador deveria pagar a divida num espaço de tempo entre os 15
dias a 1 mês – ou antes caso entretanto houvesse envio de remessas para Sevilha
- ao próprio credor ou a um seu procurador designado para o efeito.
O montante do crédito seguia na nau a risco de fogo, mar e corsários por
conta do credor e de vida dos negros por conta do devedor, António Fernandes
Landim. Se os escravos em que
o dinheiro era empregue morressem Landim deveria suportar a perca, se a nau
fosse alvo de algum acidente
natural ou de ataque de corsários o risco seria suportado pelo dono do capital.
Estes
eram os tão controversos empréstimos ou créditos a risco. Este expediente era
um meio de satisfazer as exigências de apetrechamento do navio pela concessão
de capitais necessários ao armador, uma forma de financiamento da armação. A
penumbra que envolve estes negócios, pela necessidade de esconder tudo o que
fosse empréstimo, dificulta um real aprofundamento desta interessante
problemática (9).
Este
processo de transferência de verbas complicava-se ainda mais pois, muitas
vezes, entravam no jogo "dinheiro alheios". Isto é, o capital
emprestado não pertencia ao indivíduo que contraía a dívida, mas a um terceiro
com quem aquele tinha relações comerciais. Por exemplo, os 50 000 réis que Pedro de Castro deu a António Fernandes Landim para
"pagar em Índias", pertenciam a um vizinho de Sevilha, Simão Dias,
procedentes de uma encomenda que Pedro de Castro lhe mandara (10).
Assim
temos, para além deste caso, os seguintes "jogos com dinheiros
alheios" (ver quadro mais abaixo).
Toda
esta circulação financeira prendia-se com o tráfico de escravos, principal
fonte de rendimento deste circuito comercial. António Fernandes Landim ao aportar em Cacheu com a sua nau pretendia
"enchê-la" de negros. Comprou-os na própria povoação aos comerciantes
locais e enviou um dos membros da sua tripulação, Francisco Rodrigues, a efectuar
"viagens ( ... ) nestes rios de Guiné em hua lancha" para comprar
mais scravos no sertão. As suas aquisições aos mercadores estabelecidos
no porto, a serem pagas em Cartagena, atingiram a centena e meia de escravos. Dentro destas compras, as de negros
pertencentes ao governador João Pereira Corte Real (53), ao feitor do
contratador Sebastião Fernandes Cação e ao capitão Francisco Sodré
Pereira foram as mais significativas, representando respectivamente
35%, 30% e 20% do total das aquisições.
(1) Sobre os problemas que a omissão documental da tonelagem dos navios coloca veja-se Leonor Freire Costa, "O transporte marítimo no Atlântico nos séculos XVI e XVII: contributo para um estudo de rentabilidade'' in Actas do IV Colóquio Internacional das ilhas Atlânticas, no prelo.
(2) Corjo ou corja era um número de 20 peças da mesma sorte. António Morais da Silva, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 1.ª ed., Lisboa, 1949-1959, vol. 3, pp. 55/57.
(3) Fofoli era um tecido indiano de algodão pintado ou estampado em quadradinhos. António Morais da Silva, (1949-1959), vol. 5, p. 253.
(4) ANTT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, fl.526.
(5) Ibidem, fl. 547.
(6) Tanoeiro era o artífice que fabricava ou reparava pipas , toneis, domas ou objectos análogos. António Morais da Silva, (1949-1959), vol. 10, p. 644.
(7) Embora desconheçamos o documento da contratação do barbeiro, Miguel Lopes, sabemos que este prestou serviço à armação desde a Guiné, no mar e também em Cartagena, dos quais foi pago nesta última cidade por 240 pesos. ANTT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, fl.497.
(8) Temos uma referência ao eventual embarque de um outro passageiro, Manuel Mendes Carneiro, mas que não conseguimos confirmar, pelo que julgamos que não se chegou a efectuar. Ibidem, tls. 464-465v.
(9) O crédito a risco como meio de satisfazer as exigências de apetrechamento dos navios nas diversas carreiras atlânticas, nomeadamente para o Brasil tem sido estudado por Leonor Freire Costa. Veja-se a comunicação "O transporte marítimo no Atlântico nos séculos XVI e XVII: contributo para um estudo de rentabilidade" in Actas do IV Colóquio Internacional das Ilhas Atlânticas, no prelo
(10) Ibidem, Livro 14, fl. 404, de 11 de Abril de 1629.
1627/05/30
Um
claro exemplo desta cisão dos padres com a sociedade santiaguense esta numa
carta do padre jesuíta SEBASTIÃO DIAS,
de 30 de Maio de 1627, pela qual o sacerdote considera a missão como fracassada
e pede a saída dos missionários do arquipélago. Começa por mencionar as “[…]
contradições, estorvos, e inconvenientes […]” da permanência na ilha. Queixa-se do rigor do clima, que havia
ceifado a vida de muitos irmãos e padres e das “perseguições das gentes da
terra”
Fazendo
uma clara caracterização dos moradores, afirma:
“A
gente desta ilha hé muy pouca, e se entre
todos os moradores della se acharem vinte homes da governança que de todo
seião brancos e destes não raro são os que não seião da nação[judeus] […]
mais os que mais se notam são treiçois, injurias, falsidade e sobretudo um
vicio o vicio torpe, por onde raros são
aqui dos nascidos na ilha os que são legítimos.”
A
missão dos jesuítas durou 38 anos; os últimos anos foram caracterizados pela
ruptura dos padres com a sociedade local, o que levou ao abandono do
arquipélago em 1642. A missão havia conhecido 21 missionários, um número
bastante reduzido, dada a vastidão da diocese e as muitas mortes no seio dessa
comunidade.
Em 1653, os jesuítas
decidiram formalmente o final da missão de Cabo Verde, e começou -se a
organizar em Portugal uma missão de Franciscanos Capuchinhos da Província da
Piedade para dar continuidade a evangelização na diocese.
1628
1628 – Incursão de corsários holandeses na Ribeira Grande –
são derrotados.
JOÃO PEREIRA CORTE-REAL Capitão-general e Governador-geral de
Cabo Verde Destacou-se ao impedir a fixação dos holandeses em Cabo Verde. Foi
membro do Conselho da Guerra de D. João IV durante a Restauração.
1629
O
que dizer, porém, do forte de Bezeguiche, na ilha Goreia, localizado defronte a
Dacar e muito próxima a Rufisque, na Petite Côte, onde havia importante
comunidade sefardita? Ali o tráfico de escravos assumiu enorme importância
desde cedo. Nossos autores esclarecem, porém, que houve perseguição aos judeus,
não somente na Goreia, como em Cacheu, por volta de 1629, por ocasião da
expedição comandada pelo governador João Pereira Corte Real. Foi neste ano que
a “sinagoga” de Rufisque foi fechada.
Em 1629, o governador JOÃO PEREIRA CORTE REAL foi expulsar com ordem régia os judeus
portugueses que tinham uma sinagoga em Rufisque.
Usufruindo
da proximidade dos Rios da Guiné, que a sua instalação em Santiago lhes
proporcionava, e da separação espacial do Reino, que lhes facilitava a prática
de abusos dificilmente punidos, a elite comercial insular transferiu o centro
dos seus negócios para a Costa. Aí, estabeleceram feitores ou simples
procuradores, aliaram-se a mercadores reinóis e integraram-se em redes de agentes internacionais fixados em
Lisboa, Sevilha e Cartagena, de que passaram a fazer parte de pleno direito.
Não é assim de estranhar que numa época em que Santiago tinha já um papel secundário no tráfico de escravos,
1629-1630. A
participação significativa do governador de Cabo Verde e do feitor do
contratador, entre outros, no abastecimento de escravos a armações de circuitos
transcontinentais, bem como a presença de algodões, panos e barafulas de
Santiago enquanto mercadorias de grande aceitação nos resgates da Costa, ou
ainda o investimento de capital de moradores da ilha como forma de financiar
essas armações são três elementos concordantes e elucidativos da manutenção de uma mesma elite mercantil na
exploração do tráfico de escravos guineenses, a despeito de se ter
verificado uma alteração no centro espacial dos negócios. A análise da companhia comercial firmada entre António
Fernandes Landim e Francisco Dias Mendes de Brito permite-nos explorar os
circuitos atlânticos, os quais, visto que eram habitualmente entregues a
particulares, são mais difíceis de conhecer do que a grande rota da Coroa, a
rota do Cabo.
Os contratadores de Cabo Verde "colocavam
no terreno" os seus feitores, distribuídos por pontos-chave dos circuitos
de comercialização do trato de escravos - Santiago, Cacheu, Cartagena, Sevilha e Lisboa
- não reservando, todavia, para seu uso exclusivo este espaço comercial.
Permitiam a outros comerciantes que efectuassem resgates nos portos dos Rios da
Guiné, aos quais cobravam os respectivos direitos alfandegários.
Sabendo
ler, escrever e contar, o sócio de António Fernandes Landim era um representante
do tipo de mercadores que referenciámos como um modelo perfeitamente distinto
do de Landim.A sua ligação pessoal e
familiar à "Lei de Moisés" levou a que, a par do término da sua
companhia com António Fernandes, fosse preso pela Inquisição em Novembro de
1630 Acusado por se ter "apartado da nossa santa fee catholica e se
passou à crença da ley de Moysés tendo-a ainda agora por boa e verdadeyra
esperando-se salvarsse nella e não na Fé de Christo noso senhor" (1) era-lhe apontado o facto de guardar os sábados de trabalho, vestindo neles
camisas lavadas e melhores vestidos, jejuar às segundas e quintas sem comer nem
beber senão à noite, não comer porco, lebre, coelho ou peixe sem escamas, nem
acreditar no sacramentos que só praticava "por comprimento do mundo" (2). O ano de 1630 foi destruidor para a
família Mendes de Brito. Sucederam-se a um ritmo galopante as prisões de vários
membros da família: irmãos, sobrinhos, primos.
Os bens de Francisco
Dias Mendes de Brito foram confiscados para a Câmara Real, dos quais constavam
inclusivamente escravos que haviam ficado na Guiné, quer de negócios
particulares de Mendes de Brito - 40
escravos e 311 barafulas que foram "arrematados por dívida" ao
mercador lisboeta António Lopes Soares (3) - quer procedidos das transacções
da sua companhia com Landim (4) . Tendo terminado por confessar as suas culpas
na Mesa do Santo Oficio, mandado ao Cárcere da Penitencia para ser instruído
nas cousas da fé, em Março de 1632,
Francisco Dias Mendes de Brito acabou por ser solto sob fiança por estar muito
doente, falecendo de seguida.
(1) Processo de Francisco Dias Mendes de Brito l, .. ), in ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo
7703.
(2) Ibidem.
(3) Carta régia ao capitão de Cacheu, Francisco Sodré
Pereira, para que este mande que Fernão Lopes de Mesquita, escrivão da
capitania, entregue a António Fernandes Landim, procurador de António Lopes
Soares os escravos e barafulas que tem em seu poder, confiscados a Francisco
Dias Mendes de Brito. ANTT, Convento
de São Bento da Saúde, Livro 18, fls. 513 - 517, de 22 de Setembro de
1632.
(4) Em Cacheu haviam ficado 15 escravos da companhia, 1/2 dos
quais pertenciam ao fisco estando nas mãos de Fernão Lopes de Mesquita. Carta
régia ao capitão de Cacheu, Francisco Sodré Pereira, para que Fernão Lopes de
Mesquita entregue os ditos negros a António Fernandes Landim "pera este os
navegar com os seus pera aqui dar conta deles quando vier". Ibidem, fls. 561 - 564, de 22 de
Setembro de 1632.
1629/01/00
ÁLVARO GONÇALVES FRANCÊS natural e casado na
cidade de Lisboa foi à cidade de Cartagena com um navio de escravos em Janeiro
de seicentos e vinte e nove do lugar de
Cacheu dos rios da Guiné.
1629/05/00
Reunidos
ao longo de meses na povoação de Cacheu - em Setembro de 1628 regista-se já a morte de
um escravo por conta da armação (1) -, estes
negros por vezes fugiam ou faziam "alevantações" para tentar a fuga (2).
Era, no entanto, o mais próximo possível da data da largada da embarcação que
se efectuavam as compras de maiores contigentes; procurava-se, assim, evitar os
inconvenientes de fugas e mortes antes do embarque.
Landim saíu de Cacheu
no início de Maio de 1629 com cerca de 480 escravos a bordo: 344 da armação (3),
44 de passageiros, 19 deAntónio Vicente e 25 a cargo de Diogo Mendes das quais
só 21 é que pertenciam ao próprio, as outras 4 iam por conta e risco de
Baltazar Martins (4), 60 dos membros da tripulação, de seus negócios ou a que
tinham direito como emolumento do seu ordenado, 18 do mestre Luís Afonso Maio e
11 de António Fernandes Landim de viagens anteriores.
Todas
estas peças iam "debaixo de registo", ou seja, dentro dos números de
licenças que António Fernandes Landim dispunha para introduzir escravos nas
Índias de Castela, comprometendo-se o armador a entregar aos passageiros uma
"fe de registo" por cada peça que viva chegasse a Cartagena, para que
estes as pudessem navegar para onde quisessem (5). Por cada peça transportada a
bordo da nau Santiago, que não pertencesse à armação, ou que não fosse
emolumento do ordenado dos tripulantes, Landim cobrava 33 mil réis de frete e
12 mil réis das respectivas avarias (6).
(1) Memória dos
negros que morrerão por conta da armação, ANfIT, Convento de São Bento da Saúde, Livro 18, fl. 505.
(2) Ibidem.
(3) Embora no texto do Livro de Conta da Armação estejam
registados 334 negros, a soma que efectuámos contabilizou 344. Existem
igualmente outros pequenos erros nos registos deste livro, mas são aspectos
irrelevantes para análise da companhia.
(4)ANfIT, Convento
de São Bento da Saúde, Livro 14, fl. 480 v.
(5) Ibidem
(6) Memoria do que
cobrey de peçoas que comigo carregarão peças, Ibidem, Livro 18, fls 490-490 v.
1629/06/25
Um mês e meio após a saída de Cacheu, quando António Fernandes Landim e o seu navio aportaram
a Cartagena, em 25 de Junho de 1629, iníciava-se uma nova etapa da viagem e
do negócio da nau Santiago. Era necessário vender os escravos, pagar à
tripulação, saldar dívidas, fechar as contas, avaliar os lucros e dividi-los.
Arranjaram-se casas onde instalar os negros, repartidos entre pousadas alugadas
pelo armador, a casa de João Rodrigues
Mesas, procurador em Cartagena do contratador de Cabo Verde e a de um tal Anjo,
compraram-se alimentos para esses mesmos escravos,
contratou-se um cirurgião para com os seus unguentos curar os negros doentes,
bem como outro indivíduo para os visitar.
Carne,
tartaruga e peixe eram a base de alimentação diariamente comprada pelo armador.
Entre 25 de Junho e 17 de Agosto de 1629, ou seja entre o dia em que a nau chegou
a Cartagena e o dia em que provavelmente se concluiu a venda dos negros, todos
os dias se efectuou a aquisição de um destes géneros alimentares. A compra de
carne, habitualmente 11 ou 12 arrobas, era a mais comum, tendo-se comprado um
total de 442 arrobas, 6630 quilos; carne de tartaruga foi um alimento consumido
9 vezes durante este período, tendo Landim adquirido 11 tartarugas; o peixe era
comprado semanalmente - compras a 6, 13114, 21, 28 de Julho, 4 e 12 de Agosto -
provavelmente sextas-feiras ou dias de preceito. Não deixa de ser muito
interessante notar este facto que demonstra por parte do armador um perfeito
cumprimento das normas religiosas da época, e uma integração profunda na
mentalidade e no comportamento representativo da sociedade num dado momento. 6
botijas de mel, 4 de azeite, 2 de manteiga, 2 arrobas de açucar e umas
insignificantes fanegas (1) de milho (provavelmente maís),
Em
Cartagena os negros africanos foram todos vendidos. Desembarcaram 21 homens, 2 mulheres, 3 mulheres grávidas, 15 moços, 1
moça, 29 meninos, 10 meninas e 263 escravos que, por terem sido vendidos em
lotes, não podemos classificar em termos de idade e sexo.
Estes
grupos mais numerosos foram comprados por grandes
comerciantes locais, de que se destaca a figura de João Rodrigues Mesas procurador do contratador de Cabo Verde, André da
Fonseca. D. Luís da Rocha, o feitor
local, Formim de Loyola, Diogo Dias, Bernardo Deago, Andres de Crasto e
Sebastião Duarte foram outros dos grandes receptores da armação;
provavelmente seriam proprietários de terras e minas para explorar, ou
dedicavam-se à revenda de negros no interior. Uma outra clientela constituída
por oficiais militares (sargentos, tenentes, capitães e o general da galé) e da
Fazenda (escrivão dos registos, guarda-mor da contadoria, contador, etc.) bem como a população residente na cidade,
de que realçamos até um preto forro, compraram um a três escravos, normalmente
crianças.
Os
preços mantinham-se em intervalos próprios, correspondentes ao sexo e à idade:
Atendendo a que em
Cacheu o preço de um lote de escravos oscilava entre os 50 a 60 mil réis por
peça e em Cartagena situava-se nos 102 400 réis, verifica-se um ganho de cerca
de 46%.
Só que ao valor inicial tinham de ser acrescentados uma série de gastos que
logicamente encareciam o preço dos escravos: direitos alfandegários de saída da
Guiné e de entrada em Cartagena, preço do transporte e da alimentação durante a
viagem e até se efectuar a venda, para além de outros gastos possíveis.
A influência do custo
dos fretes e dos direitos no preço final dos escravos é bem evidente no facto
de haver marinheiros que optavam por
receber menos dinheiro contado por salário, mas poderem transportar a bordo
negros sem terem de pagar frete nem direitos. Assim, podendo participar no
tráfico de negros devido à sua profissão, estes mareantes reduziam os custos
que deviam suportar na transferência da sua mercadoria entre Cacheu e
Cartagena.
(1) Fanega, medida espanhola de 55,5 litros.
1629/07/30
Em 30 de Julho de 1629 o governador de Cabo
Verde, JOÃO PEREIRA CORTE REAL,
prendeu JOÃO RODRIGUES FREIRE, um
ourives que habitava a cidade de Ribeira Grande, na ilha de Santiago, por suspeita de práticas judaicas. Entre as
provas havia uma carta de Freire dirigida ao seu cunhado, FRANCISCO NUNES BARBOSA, que vivia em Pernambuco (Brasil); a carta
continha uma série de lamentações de Freire quanto à sua condição “neste
inferno”, vivendo num lugar de modo isolado e esquecido que “não existia no mapa mundi”.
1629/09/28
CARTA RÉGIA AO BISPO
VISO-REI
(28-9-1629)
SUMÁRIO
- Fortificação do porto de Cacheu e
defensão da ilha de Bezeguiche contra os holandeses.
Reuerendo
em Christo Padre. Ettª. Hirá neste despacho a copia de algús capitulos de huã
carta que me escreueo Joaõ Pereira Corte
Real, gouernador do Cabo Verde, em 31 de Maio passado deste anno, que
trattaõ sobre a fortalleza que lhe pareçe se deue fazer em Cacheu para
deffensaô daquele porto: encomendouos façais ver logo a materia em conselho de
estado, e que considerandose nelle o que diz Joaõ Pereira Corte Real, e em que
parte será mais conueniente fazer ·esta fortaleza; e tomandose tambem acerca
disso as informaçois que forem necessarias me consulte com toda brevidade o que
lhe parecer, que me enuiareis, avisandome juntamente do uosso: e dareis ordem a
Joaõ Pereira que tenha particular cuidado de mandar reconhecer a Ilha de Barziguiche (1). E que o mesmo
se tenha tambem de o auisar se os enemigos tomaõ a ella, e de todos os
designios que tiuerem acerca disso e se puderem alcançar. // · ..
Escripta
em Madrid a 28 de Septembro de 1629.
AGS,
Secretarias Provinciales (Portugal), liv. 1522, fl. 105.
(1)
Actual ilha de Gorée. <<À un coup de canon de la
terre ferme, c"est à dire à 14 degrez 35 minutes de Latitude, il y a une ille que les Hollandois appelent Goe-ree comme qui diroit bonne
rade, parce que les vaisseaux qui y jettent l'ancre y sont en sureté>>.
- D.O. Dapper, D. M., Description
de l'Afrique, Amsterdam, MDCLXXXVI, p. 229.
Trabalho de excelência!!!
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