O
cronista Gomes Eanes de Azurara relata cenas da chegada dos escravos a Lagos, tendo chegado 927, vindos da Guiné, até
ao ano de 1448. Ou seja, cerca de
quatro anos após a data tida como sendo a da chegada dos navegadores àquela
terra “descoberta”.
«Neste anno foi mandado Fernando Affonso como
embaixador a hum Rei chamado Farim, na costa, ao sul de Cabo-verde,
convidando-o a abraçar a religião christãa, e assentar commercio com os
Portuguezes.
Notão os antigos escriptores, que d'aqui vierão
a Portugal os primeiros dentes d'elefante, trazidos daquellas regiões.
Notão também, que Diogo Gil Homem, encarregado
de estabelecer commercio com os Mouros, passando além do Cabo de Gué trouxera a Lisboa o primeiro leão,
que veio d'Africa.»
Índice
chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos
portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco
de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.39
1449
«Soeiro
Mendes foi neste anno de 1449 lançar os fundamentos ao castello de Arguim, de
que ficou sendo capitão, ou governador. Foi o primeiro castello, que levantamos
naquelas conquistas, para segurança do commercio e da navegação.»
Índice
chronologigo das navegações, viagens, descobrimentos e conquistas dos
portuguezes nos paizes ultramarinos desde o principio do século xv. Francisco
de S. Luiz, Lisboa, na Imprensa Nacional, 1841, pg.39
1449/02/25
O
Infante de Sagres, logo após a conquista de Ceuta, passou a gerir os novos
territórios conquistados e, mais tarde, todas as terras então conhecidas lhe
foram doadas para as povoar e estabelecer nelas o resgate. Ao lado do homem de
ciência e investigador aparece o homem de negócios e o colonizador, tendo dado
provas concludentes neste novo campo da sua actividade. E apesar de tudo não
foi um homem rico porque todas as suas rendas e as rendas próprias da Ordem de
Cristo reverteram a favor da empresa marítima.
Por carta de doação de 25 de Fevereiro de 1449, D. Afonso V conferia-lhe os direitos
das mercadorias importadas e oriundas das terras situadas entre o Cabo
Cantim e o Cabo Bojador, reservando-se para a coroa o quinto.
«1449 - 25 de
Fevereiro, concessão, feita por D. Afonso V ao infante
D. Henrique, dos impostos, excepto da sisa, lançados
sobre as mercadorias que chegassem aos portos de Portugal
vindas da região entre os cabos de Cantim e Bojador - zona a Norte da
Guiné (12).
(12) - Doc. em Chancelaria de D. Afonso V, 1.º 35, fl. 60, 2.º dipl., Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. idem - ibidem, vl. I, doc. n.º 363,
p. 461-462.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1450
Senegal
– capitães desconhecidos em três caravelas.
Refere CADAMOSTO (Iª, XV) uma expedição de 3
caravelas que em 1450 entrou no Rio Senegal. Nada mais diz porém, pelo que
ignoramos se avançou mais para sul.
ABRAÃO PAREDES (segunda metade do
século XV)
Mercador com negócios na costa africana, Abraão
seria, possivelmente, parente de José Paredes, mercador acusado, em
conjunto com Isaac de Ocanha, de tentar carregar para fora do reino
mercadorias defesas no valor de 841.404 reais. Em 1451, Abraão recebia de D. Afonso V uma carta de seguro para ir e
regressar com as caravelas enviadas pelo Infante D. Henrique à Costa da Guiné e
ali comerciar
livremente, sem sofrer nenhuma represãha. Estas, eram viagens que estavam
constantemente sujeitas a actos de piratana e à concorrência castelhana.
JOSÉ
NEGRO (2.ª metade do século
XV)
Importante membro da comunidade judaica de
Lisboa, José Negro era senhor de uma avultada fortuna, traduzida em várias
propriedades naquela cidade. Foi um dos
poucos membros da corte de D. João II a dedicar-se ao tráfego comercial, nomeadamente na costa a Gumé.
O monarca acaba por acusa-lo, tal como a Eleázer Navarro, de tais acções, por si
proibidas, confiscando os 153 marcos de prata que tinha enviado para o comércio
de Safim. Porém, mediante o pagamento de mil dobras de ouro, o monarca acaba
por perdoá-los dessa transgressão. O rei ter-lhe-á também confiado uma carta de
vizinhança.
Estudos Maria José Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no século XV. 1.0
edição, vol. 1, Lisboa, Universidade Nova de Li sboa/Faculdade de iências
ociais e l lumanas, 1982.
Idem, Os
Judeus na Época dos Descobrimemos, Lisboa, Edições Elo, [s.d.].
Fontes ANTI, Chancelaria de D. João li, liv. 9, íl. 12.
BENJAMIM NAJARIM (2.ª metade do século
XV)
Parente de José Alfaquim, Benjamim
morava nas proximidades de Lisboa. Os
Najarim, ligados aos Alhaquim, algarvios, eram uma família profundamente
ligada aos negócios com o Norte de África, onde mantiveram uma rede de
comercial com as praças portuguesas até à expulsão. Tal como José Alfaquim, Benjamim dedicava-se ao tráfico de mercadorias
nacionais ou importadas para a Guiné e Mina, tendo obtido de D. João II uma
permissão para comerciar nestas possessões, exceptuando nos lugares onde se
encontrasse o trauto régio.
Estudos Anselmo Braamcamp Freire, "Cartas
de Quitação dei Rei O. Manuel", Archivo
Histórico Portugue=. 2.ª ed., vol. 1, Lisboa, Libanio da ilva, 1920, p.
94.
Maria José Ferro Tavares, Os Judeus em Portugal no Século XV, I
.ª ed, vol. 1, Lisboa,FCSll-UNL, 1982, p. 287.
☻ Por
volta de 1450, dois séculos após a expedição de Tiramaghan, as províncias
ocidentais tinham um claro domínio mandinga. O povoamento malinké era denso ao
longo dos rios Gâmbia e Casamansa, até aos confins do Fouta Djalon. Assim, a
maior parte dos povos da Alta e Média Casamansa – baïnouks, balantas,
badiarankés, etc – poderia considerar-se mandinga. De resto, os navegadores
portugueses incluíam todos os povos da Casamansa, incluindo os diolas, na
categoria dos mandingas. Contudo, os mandingas não impuseram a sua língua,
embora os chefes diolas a utilizassem para fins comerciais.
A chegada dos portugueses foi um acontecimento
maior na História da região; num primeiro momento atribulada, com notórias
dificuldades de comunicação, desconfiança e violência, rapidamente a relação
com os autóctones melhorou, quando estes perceberam que os portugueses
procuravam, sobretudo, comerciar. Um conjunto de circunstâncias auxiliou o
rápido estabelecimento de relações comerciais profícuas: em 1433 os tuaregs
conquistaram Tombuctou e expulsaram a guarnição malinké; de 1462 a 1492 os
songais revoltaram-se, conquistaram a área meridional do Níger, até ao delta
interior e conquistaram Djenné; os malinkés viram, assim, cortado o acesso às
pistas sarianas mas tinham ainda o controlo das regiões auríferas de Bouré e
Bambouk; ainda tentaram reanimar a pista ocidental com destino a Sidjilmassa,
em Marrocos (passando pela feitoria portuguesa de Ouadane20), mas esta cidade
estava em declínio após a deslocação para o Cairo do eixo comercial do mundo
muçulmano. É neste contexto que se ouve falar, por volta de 1445, da chegada de
uns brancos em navios gigantes; e quando, em 1456, Diogo Gomes subiu o rio
Gâmbia21, tendo já estabelecido boas relações com os autóctones, foi recebido
pelo rei do Bintang e fez a paz com o “mansa” do Niomi, o Manding-Mansa (rei
dos mandingas) deu ordem aos mercadores das margens do Níger para dirigirem as
suas caravanas para Oeste. Os portugueses tornaram-se rapidamente familiares de
todo o universo mandinga, com uma predilecção pelas regiões da Casamansa,
Cacheu e Rio Grande. Grandes caravanas partiam do Manding, para viagens que
podiam durar quatro a seis meses, atravessavam o Diarra, o Bambouk e encontravam os portugueses no Cantor ou no
Woulli. Este comércio permitia ao Manding-Mansa e à sua corte receberem
directamente produtos manufacturados europeus, a um preço dez vezes inferior ao
praticado pelos intermediários árabes. Do seu lado, os portugueses recebiam o
ouro maliano praticamente na fonte, dispensando a mediação onerosa dos árabes.
No início, o ouro seria o bem mais procurado pelos portugueses, seguindo-se-lhe
as especiarias e, apenas em terceiro lugar, os escravos.22 Os “mansa” e os
“farins” – chefes locais - da Gâmbia e da Casamansa foram, na verdade, os
grandes beneficiários do comércio com os portugueses, cabendo apenas ao
Manding-Mansa o rendimento dos direitos sobre o comércio do ouro.
Ao contrário dos flups e dos balantas que se
mostraram muito reticentes ao contacto com os portugueses, os vizinhos
kassangas entregaram-se ao comércio e mesmo a uma certa ocidentalização,
patente no fausto da corte do rei Massa Tamba23, conquistador do reino dos
bainouks, que trocava um bom cavalo por dez a quinze negros.24 Ora, segundo o
mesmo autor, Massa Tamba disporia de uma cavalaria de cinco mil cavalos…
Os portugueses fixaram-se em número
significativo na Casamansa, no Cacheu e no Rio Grande, sendo a sua principal
base Toubaboudaga, próxima de Brikama (na actual Gâmbia), a capital de Massa
Tamba. Contudo, no Século XVI, a base principal dos portugueses era o
arquipélago de Cabo Verde.
20 Ouadane integra um triângulo de três cidades
históricas do Leste da Mauritânia, com Atar e Chinguetti. Era a feitoria
portuguesa mais afastada da costa Atlântica e a localidade, inscrita como
Património Mundial da UNESCO, foi restaurada entre 2004 e 2006 com apoio
financeiro do Estado português.
21 D. T. NIANE, Op. Cit., cita Diogo Gomes de Sintra, neste contexto
22
D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 31
23 Massa Tamba chegou mesmo a criar uma aldeia
para brancos, junto à capital Brikama, em 1580, vide D. T. NIANE, Op. Cit., pp. 32
24 A. DONELHA (1625); vide DONELHA, André,
Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné e do Cabo Verde, Junta de
Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1977, pp. 166 e nota 286, pp.
311
☻Segundo as Ordenações Filipinas, VIZINHO é uma pessoa natural de
determinado lugar, vila ou cidade; o que tiver alguma dignidade ou ofício do
rei, rainha, ou de algum senhor da terra, ou ainda do concelho; alguém que for
feito livre de servidão nesse lugar; ou quem for perfilhado por algum morador
nesse lugar.
Ordenações
Filipinas, Livro II, tít. LV, Lisboa, 1985, pp. 490-491.
Desde cedo, em Portugal, designavam-se por
«homens bons» ou «vizinhos» as pessoas que possuissem no concelho bens
de raíz e que aí habitassem. “Nos séculos XVI, XVII e XVIII, a expressão
mantém o mesmo sentido (‘os mais ricos, os mais poderosos’ ) mas ganha o
sentido suplementar de ‘os que andam na governança’ (i.,é, os membros das
famílias que costumam ocupar os cargos municipais)”. Hespanha, História das Instituições, p.
244, nota 460.
1452
Diogo de Teive descobriu as ilhas
Flores e Corvo nos Açores
1452/06/18
Três
bulas papais tiveram grande importância para o futuro das relações entre a
Europa e a África. A primeira, Dum Diversas, foi promulgada em 18 de
Junho de 1452, onze anos depois da expedição esclavagista de Antão Gonçalves e
Nuno Tristão. A bula papal Dum Diversas, autorizava o rei de Portugal a ”atacar,
conquistar e submeter Sarracenos, pagãos e outros descrentes inimigos de
Cristo; a capturar os seus bens e territórios; a reduzi-los à escravatura
perpétua e transferir as suas terras e territórios para o Rei de Portugal e
para os seus sucessores”.
Mais claro do que isto não é possível dizer-se.
A bula papal é bem concreta. Uma pergunta fica pendente. Qual foi o interesse
do Vaticano e dos altos dignitários da Igreja Cristã de dar tanto poder a um
país como Portugal, na altura uma nação culturalmente e economicamente
atrasada? A explicação só pode ser uma – o ouro. A proveitosa expedição de
grande dimensão de que o Papa tinha a intenção de aproveitar pode ser deduzida
do texto que dá ênfase a ”bens e territórios e escravatura perpétua”.
1453
CID DE SOUSA e
NUNO
ANTÓNIO DE GOES (1453} -
Uma carta régia de 27 de Fevereiro de 1453 refere urna expedição, de carácter comercial,
capitaneada por Cid de Sousa e em que ia um Nuno António de Goes, encarregado
do resgate para além do Rio de S. João
(na Mauritânia). Número desconhecido de navios. É impossível saber até onde
chegou.
«Dom Afomso
etc.
A vos Cide de Soussa, fidalgo de nossa cassa e capitam dos
navios que ora mandamos a Guineea, e a outras quaaesquer pessoas a que esto
pertençer e esta nossa carta for mostrada, saude.
Sabede que nos confiando da
bondade e descripçom de Nuno Antonez de Gooes, escudeiro fidalgo da cassa do
iffante Dom Anrrique, meu rnuyto prezado e amado tyo, que he tall que o fara bem e como conpre a nosso serviço; teemos por bem e queremos e mandamos que elle seja
mercador e traute e recade e despenda e reguate todallas
mercadorias que mandamos nos dictos navios e em elles forem
pera se fazer o resguate dos mouros, segundo o Regimento que lhe per vos
Cide de Soussa for dado por nosso serviço; e mandamos que elle o faça e outro nem
húu nom.
E per esta carta mandamos
aos reçebedores e escprivãães que nos dictos
navios mandamos que a ell dern e emtreguem quaaes quer
mercadorias que e lle requerer pera as repartir e dar pressente elles no
dicto resguate, segundo em o Regimento que ouver e o sentir por nosso serviço e ysso meesmo.
Mandamos que as duas cara\·ellas que
vos
mandardes a fazer o
resguate aalem do ryo de Sam Joham que elle vaa em ellas por capitam e faça o resgate.
E porem vos
mandamos que o compraaes e façades conprir, asy como per nos he mandado, sem outro algúu embargo.
Unde al nom
façades, dante em a çidade d'Evora XXVII dias de Fevereiro.
Gonçalo Cardosso a fez, anno do
naçimento de Nosso Senhor Jeshú Christo de mil IIII centos LIII.»
Apud Jorge Faro, Duas expedições enviadas à Guiné anteriormente
a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V, pp. 76-77, Boletim Cultural da
Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
- Crónica dos Feitos da Guiné, de Gomes Eanes de Zurara (1453-1460?);
“E porque o dicto Senhor [Infante] quis disto
saber a verdade, parecendo-lhe que se ele ou algum outro senhor se não
trabalhasse de o saber... e vendo outrossim como nenhum outro príncipe se
trabalhava disto, mandou ele contra aquelas partes seus navios, por haver de
tudo manifesta certidão, movendo-se a isso por serviço de Deus e d’el- Rei D. Eduarte
seu senhor e irmão que aquele tempo reinava. E esta até que foi a primeira
razão de seu movimento.”40
40 G. E.
ZURARA (1453); Op. Cit., Cap.
VII, “ no qual se mostram cinquo razoões
porque o senhor iffante foe movido de mandar buscar as terras de Guynea”,
pp. 44-49.
1454
CABO VERDE – ignoram-se os nomes
dos capitães e o número de navios
Expedição ao Cabo Verde
Refere CADAMOSTO (Iª, XXXIV)
uma expedição de 1444, que teria descoberto o Cabo Verde. Não sabemos se trata
da expedição de 1444, ou de outra diferente, a que CADAMOSTO - talvez por
fatuidade – atribuiria tal descoberta.
Viagem ao Cabo Verde (1454) - Refere
CADAMOSTO que o Cabo Verde «chamava-se
assim, porque os primeiros que o descobrirão que forão Porluguezes, hum anno antes
que eu fosse a estas partes, o acharão todo verde...» (Iª, XXXIV).
Já no número 1 se falou da possível explicação
da «descoberta» em 1454. A ser verdade
o que o veneziano diz - e pode tratar-se deu ma fantasia, para se enaltecer -
temos portanto mais uma expedição, que no ano de 1454 eslabeleceu possívelmente
as pazes com algum chefeda região do Cabo Verde. Ignoramos, porém, até onde
chegou para sul.
☻ CAIOR - ignoram-se
os nomes dos capitães e o número de navios. Tomou parte na expedição um
genovês. Pode coincidir com a anterior.
Expedição ao Caior
Fala também CADAMOSTO (I.ª, XXXIV) de um
genovês que em 1454 andou no Caior. Ignoramos se será a mesma viagem da alínea
anterior, ou outra diferente, bem como o ponto mais a sul atingido.
Viagem em que foi um Genovês, que andou no Caior (1454) – Refere
CADAMOSTO informações sobre o Caior colhidas de um «genovês,homem digno de
crédito, que tendo-se achado hum anno antes de mim, na terra de Budomel» (Iª,
XXVII). Como a viagem daquele se realisou em 1455, conclui-se que houve cm 1454 uma expedição cujos membros traficaram
com o Bor-Damel. Poderá ser a mesma que a do número anterior.
Ignoramos, porém, qual o ponto mais a meio-dia
que tal expedição atingiu.
☻ Em 1454, por
BULA DO PAPA NICOLAU V, foram ratificadas as conquistas africanas do cabo Não
até às costas da Guiné, inclusive, em favor de D. Afonso V, infante D.
Henrique e seus sucessores; D. Afonso V entregou à Ordem de Cristo a administração espiritual e jurisdição de todas as
terras conquistadas e por conquistar da Guiné, Núbia, Etiópia
Nova
Enciclopédia Larousse, 1994, vol 7: Ordem de Cristo “Ordem que herdou em
Portugal, os bens e muitos dos membros da Ordem dos Templários, extinta pelo
Papa Clemente V a instâncias de Filipe, o Belo, que cobiçava as suas
riquezas. Fundada por D. Dinis, foi aprovada (1319) por João XXII, que lhe
atribuiu a regra de S. Bento. A sua sede transferiu-se (1357) de Castro Marim
para Tomar. Teve um papel notável no empreendimento dos Descobrimentos
(descoberta, conquista e evangelização de novas terras), sendo seu
administrador o infante D. Henrique. Com D. Manuel (que a chefiou desde 1484),
a ordem ficou dependente da Coroa. A Ordem de Cristo foi secularizada em 1789,
extinta em 1910 e restabelecida em 1918 para premiar altos serviços militares
ou civis.”
1454/01/08
«1454 - 8 de Janeiro, Bula Romanus Pontifex de
Nicolau V concedendo a D. Afonso V, e aos Reis seus sucessores, e ao
infante D. Henrique, a conquista e ocupação de todas as terras,
ilhas e mares da África, conquistadas ou por conquistar, descobertas
ou
a descobrir, desde os cabos de Bojador e Não até à Guiné, inclusivamente, e
toda a costa meridional até ao seu extremo; para as quais poderão fazer
leis e impor tributos, aplicar penas e defesas, edificar
mosteiros, casas religiosas e igrejas, cujos padroados lhes
pertencerão; reduzir à escravidão os infiéis, invadir, conquistar e ocupar
quaisquer terras de sarracenos e pagãos; o Pontífice proíbe a todos
os cristãos navegarem e efectuarem pescas nesses mares, e
comerciarem nessas terras e com os seus naturais,
sem
licença
do
Rei
de
Portugal
e
do
infante D. Henrique, pagando-lhes tributos; no caso contrário, incorreriam
na pena de excomunhão de que só poderiam ser
absolvidos depois de repararem os danos ou estabelecerem
relações amigáveis com o Rei e seus sucessores (13).
(13) - Doc. orig. em Bulas, m.º 7, n.0 29, Arq. Nac. da Torre do Tombo; publ. idem - ibidem, vl. I, doc. n.º 401, p. 503-508.»
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1454/06/07
«1454 - 7 de Junho, carta de D. Afonso V concedendo à Ordem de Cristo a
jurisdição de todas as praias, costas, ilhas e terras, conquistadas
e por conquistar, da Guiné, Núbia, Etiópia, e de qualquer outra denominação; reconhecendo-lhe
também a administração espiritual das mesmas terras (14).
(14) - Doc. em Livro das escrituras da Ordem de Cristo, cod. n.º 235 do cartório da Ordem de Cristo, fl. 12-12 v .0, Arq. Nac.
da Torre do Tombo; publ. Idem - ibidem, vl. I, doc. n.º 407, p. 518-519.
Jorge Faro, Duas expedições
enviadas à Guiné anteriormente a 1474 e custeadas pela fazenda de D. Afonso V,
pp. 76-77, Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Vol- XII, N.º 45, Janeiro 1957
1455
Início da fortificação de Arguim, primeira feitoria
comercial portuguesa em África.
Gâmbia – ANTONIO USODIMARE, 1 caravela. Pode coincidir com a seguinte. Numa
carta de 12 de Dezembro de 1455 fala o italiano Usodimare de uma viagem que fez
ao Gâmbia no ano de 1455, tendo algumas
afirmações fantasiosas. Há quem diga tratar-se de Messer Antoniotto com quem CADAMOSTO se encontrou nesse ano.
Gâmbia – CADAMOSTO, 1 caravela, juntando-se no Cabo Verde 1 de Messer Antoniotto (que poderá ser a do
número anterior) e 1 de escudeiros do
Infante. É bem conhecida esta viagem ao Gâmbia que CADAMOSTO descreve nas
suas Navegações.
CADAMOSTO chega à Gâmbia
«Primeira
viagem de Cadamosto
Aluisi Cadamosto, gentil-homem
de Veneza, com perto de 22 anos de idade, embarcou naquela cidade em 8 de
Agosto de 1454 com destino a Flandres. Mas, retido por ventos contrários na
altura do Cabo de S. Vicente, desembarcou no Algarve, onde foi informado pelos emissarios do Infante e pelo consuI veneziano das vantagens do
comércio na costa de África e das condições em que poderia tentá-lo. (ª)
Soube que os armadores particulares que quisessem ir a África tinham de fazer as despesas por sua conta e no
regresso entregar ao Infante a
quarta parte de tôda a carga. Ou então receber o navio devidamente fornecido por conta do Infante e no regresso entregar-lhe a metade da carga.
Resolvido a tentar fortuna, abandonou os seus companheiros de viagem e deixou-se ficar no Algarve, «onde o senhor Infante me fez muito agasalho; e depois de muitos dias me mandou armar uma caravela nova, de lote de 45 toneladas,
da qual era patrão um
Vicente Dias...e partimos do Cabo de S. Vicente aos 22 dias de Março de 1455.»
À medida que descreve as diversas fases da sua viagem, Cadamosto vai dando informações interessantes sôbre os povos, fauna e flora das regiões que atravessava. Descreve o Cabo Branco, a furna de Arguim com as suas ilhas e a feitoria portuguesa. Refere-se à povoação de Guadem (Huadem ou Rodem) que dista da costa cêrca de seis dias de jornada a cavalo,
e serve de escala às caravanas de Tombuctú.
O ouro vindo de Melli, terra de Guiné, dividia-se em 3 partes: uma seguia para o Oriente em direcção do Egipto e Síria e as outras duas dirigiam-se para Tombuctú. Daqui, um dos quinhões seguia à Tunísia e outro para Huadem. De Huadem uma parte ia até Arguim e o resto para Marrocos. Os comerciantes europeus, geralmente italianos, adquiriam esse ouro que através da Tunísia e Marrocos
ia até aos portos do Mediterrâneo Ocidental.
«Depois que passamos o Cabo
Branco, navegamos até ao rio de Senegal, que é o primeiro rio da terra dos
Negros o qual extrema os Negros dos pardos chamados azenegues... Os povos que habitam
as suas margens chamam-se Jalofos...
Passei do dito
rio Senegal e continuando a navegar, cheguei ao país de Budomel...
...Detive-me neste lugar, tendo já tido informação por certos portugueses
de que o Rei era pessoa de bem...e fiz-lhe saber por um
meu intérprete negro como trazia alguns cavalos para trocar...Ouvindo
isto aquele Senhor veio à marinha com perto de 15
cavaleiros e 150 peões...e me recebeu com grande festa...Eu
dei-lhe 7 dos meus cavalos e outras coisas que ao todo me custaram 300
ducados...Rogou-me que quizesse ir por terra à sua
casa e ali me pagaria bem...e
presenteou-me logo uma negra de 12 para 13 anos, mui bela por ser
muito negra e disse que me dava para serviço da minha câmara a qual eu aceitei.
Êste Budomel tem sempre em casa uns 200 negros que contínuamente
o
seguem... Mostrava
grande altivez e por isso não se deixava ver, salvo uma hora
da manhã...pouquíssimos homens se atreviam a chegar, excepto os
cristãos que ali se deixavam andar livremente.
Nêste reino do Senegal...não tem chuvas durante 9
meses desde Outubro até fins de Junho...e seu pão é feito de
milho de diversas castas; tem favas e feijões que nascem e se criam os melhores
do Mundo...a sua bebida é água, leite e vinho de palmeira.
Porque me aconteceu estar muitos dias em terra, resolvi ir ver um
mercado ou feira, a qual se fazia num campo tôdas as segundas e sextas-feiras...
Ajuntavam-se ali homens e mulheres de países visinhos...e nestas feiras é que cheguei a perceber que se tratava de gente pobríssima pelas
coisas
que traziam para venda, que consistiam em algodões (pouca quantidade)
fiados e panos de algodão, legumes, azeite, milho, gamelas de pau,
esteiras de palma e outras coisas de uso doméstico...e ainda
alguma porção de ouro porém pequena... Vendem
tudo permutando cousa por cousa e não por dinheiro porque
o não têm.
Estando já despachado e tendo alcançado certa soma de escravos,
determinei-me navegar mais adiante, passar o Cabo Verde; antes da minha partida
de Portugal tinha ouvido dizer ao Sr. Infante que mais
adiante se achava outro reino chamado Gâmbia; no qual diziam os negros se achava
grande quantidade de ouro...
E estando para me fazer à vela, eis que uma manhã apareceram duas velas ao mar com as quais viemos à
fala; e ouvindo que um dos ditos navios era de Messer Antonietto,
grande navegador e fidalgo genovês, e o outro de algum escudeiro do
Sr. Infante, os quais de comum acôrdo tinham feito conversa para passar o Cabo
Verde...e achando-me com o mesmo propósito, me puz em sua companhia
e...costeando sempre a terra, no dia seguinte avistamos o Cabo Verde».
Continuando o relato da viagem, Luiz Cadamosto
descreve a chegada dos três navios ao rio de Gâmbia, onde foram recebidos hostilmente pelos indígenas, que em número de 150 atacaram as caravelas utilizando-se de sétas envenenadas. De bordo dos navios tentou-se
entrar em conversa com os homens, explicando-lhes que os visitantes iam com
desejo de negociar amigavelmente, ao que os
indígenas responderam que já tinham tido algumas notícias dos portugueses, mas
não desejavam entrar em relações com os brancos
porque estes comiam a carne dos escravos pretos que compravam.
Depois desta escaramuça na foz do rio Gâmbia, as tripulações dos navios opuzeram-se a que se prosseguisse na viagem e por isso regressaram directamente a Portugal.
No decurso do seu relato, Luiz Cadamosto descreve com grande fidelidade
e espírito de observação os usos e costumes indígenas, que ainda
hoje, passados mais de quatro séculos, se conservam quási inalterados.
Verifica-se
também que a maior parte das suas indicações geográficas estão certas. Por isso mesmo, tornam-se mais notáveis os êrros
e equívocos que encontramos no relatório da sua segunda viagem em que
descreve a descoberta do arquipélago de Cabo
Verde.
(a)Pela forma
como Cadamosto descreve,
parece que foi o
Infante quem se esforçou, por
meio dos seus emissários, a convencê-lo
a tentar o negócio
da Guiné. De qualquer modo, fica provado
que em Portugal não se fazia
segrêdo em volta das navegações e descobertas africanas,
pelo menos no tempo de D. Henrique. Para confirmar,
temos a intervenção de António de Noli
e a presença dos cavaleiros Baltazar, alemão,
e Vilarte, dinamarquês, e doutros: tripulantes estrangeiros
nas expedições relatadas por Azurara. Isto,
porém, não quere dizer que, mais tarde, se não tivesse mudado
de orientação neste capítulo.»
João Barreto, HISTÓRIA
DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg.
42-45
CADAMOSTO, NOLI (?) e um capitão português passam o Casamansa, C. Roxo, R. de
S. Domingos, entram no Geba e visitam os Bijagós.
☻ Claramente se verifica que o
ponto mais austral a que chegou foi o Gâmbia, onde traficou. Infere-se que a
política de apaziguamento nesta zona estava já cm movimento, porquanto
Usodimare fala de um «secretário» que um chefe indígena enviou com ele a Portugal para assentar as pazes.
Refere ainda a proxjmidade de um «capitão do Rei de Meli»,que estava a 6 jornadas
de um dos locais onde chegou, acompanhado de «100 homens» e «5 de homens do
Prestes João». Usodimare julgava-se a 300 léguas do princípio do domínio deste.
Como bom comerciante, não se esquece de mencionar o ouro e a malagueta no
Gâmbia. Entra, porém, a fantasiar quando se trata de si e do seu pais - e assim
diz que esteve «800 milhas para lá donde nenhum cristão havia chegado», e que
encontrou um descendente dos Vivaldi. Duas afirmações que não merecem refutação.
Diz CADAMOSTO que no Cabo Verde se encontrou
com duas caravelas,com as quais passou a navegar de conserva, e que uma delas
erade Messer Antoniotto, gentil-homem genovês e a outra de uns escudeiros do
Infante. Creio que com fundamento nesta referência se tem aíirrnado correntemente
ser tal Messer Antoniotto o António Usodimare da carta
atrás. Na realidade nem este nem Cadamosto passaram em 1455 do Gâmbia. Há,
porém, nas narrativas dos dois, certas diferenças.
O veneziano
não se refere ao episódio do «secretário», antes salienta que os indígenas se
obstinaram em recusar relações amistosas. Igualmente nada diz sobre o
«descendente dos Vivaldi», nem fala do Prestes João.
Não temos conhecimento de outros elementos,
além da referência de Cadamosto, que permitam a identificação que corre. (109)
Se esta, porém, se baseia apenas em tal,
não é ousada a dúvida, nem
parece forçado supor que se trata de duas viagens completamente distintas,
embora realizadas no mesmo ano.
(109) Na altura em que escrevemos falta-nos o
livroo de CADEO, onde a acção dos italianos vem minuciosa (e exageradarnente)
descrita. Ignoramos por isso se há outras razões para ver
no Messer Antoniotto o António
Usodimare. Apenas conseguimos folhear à pressa aquela obra e tirar uns
resumidos extractos.
1455/01/08
Três anos depois, a bula Romanus Pontifex (1455) voltou a reafirmar as mesmas
facilidades para Portugal, «em todas as terras, portos, ilhas e mares da
África», reforçadas com a proibição a todas as outras nações cristãs de
«pescarem nos ditos mares e de comerciarem nas ditas terras e com os seus
habitantes», sem prévia autorização do rei de Portugal29.
Portugal
obtinha desta forma, nos termos do direito internacional da época, o exclusivo
do comércio de escravos em África e sua legitimação moral: tratava-se de um
serviço em prol da defesa e da expansão da religião cristã.
O Papa
Nicolau V na Bula «Romanus Pontifex», datada do dia 8 de Janeiro de 1455,
confirma os direitos dos portugueses sobre as terras descobertas.
“o mesmo papa Nicolau V, em 8 de Janeiro de
1455, pela bula Romanus Pontifex, declara que as terras já descobertas ou a
descobrir pertenciam ao rei de Portugal e aos seus sucessores a título
perpétuo, proibindo que alguém nelas penetrasse sem autorização daquele monarca
e reconhecendo o monopólio comercial dos portugueses nesses territórios,
incorrendo em pena de excomunhão quem nelas exercesse comércio sem autorização
dos monarcas portugueses.” J. C.
MAGALHÃES, 1990, pp. 43
Esta
legitimação religiosa foi, em 1456, ratificada pela bula Inter Cetera do
pontífice Calisto III, a qual concedeu à Ordem de Cristo todo o poder e
jurisdição espiritual sobre as terras já adquiridas na costa ocidental
africana. Apesar do importante sustento ideológico da Igreja romana e, embora
Zurara tenha procurado acentuar o aspecto religioso das expedições portuguesas
à África ocidental à época do Infante Dom Henrique, é preciso salientar que os
portugueses e os espanhóis já tinham conhecimento do ouro sudanês por intermédio
dos mouros (Braudel, 1990, p. 137-149). Com a tomada de Ceuta (1415), os
portugueses puderam obter maiores informações sobre as rotas comerciais através
do Saara.
Na carta do genovês Antoniotto Usodimare aos
seus credores, de 12 de dezembro de 1455, há referência aos rios auríferos da
Gâmbia: E cheguei aonde nunca qualquer cristão chegara, a mais de DCCC
milhas; e encontrado o rio da Gâmbia, que tem uma boca larguíssima, entrei nele
sabendo que nesta região se colhe ouro e malagueta (Dinis, 1960, p. 189-193).
Apesar da
ênfase religiosa da história oficial, na qual as obras de Zurara e de João de
Barros se filiam, os interesses econômicos foram decisivos para o
empreendimento lusitano na costa ocidental da África. Se os motivos
mencionados pela historiografia oficial para aquelas viagens ao sul das
Canárias são válidos, cabe ainda
considerar o tráfico de escravos como motivo daquelas expedições costeiras.3
O próprio cronista Zurara afirma, em
1448, que 927 almas foram trazidas ao reino depois do começo da conquista da
Guiné. Já o veneziano Cadamosto oferece um número mais alarmante, ao afirmar
que entre 800 e 1000 escravos chegavam anualmente a Portugal por meio dos
interpostos comerciais portugueses em Arguim (Cadamosto, 1994, p. 49). Cabe
lembrar que o Infante D. Henrique havia proposto um tratado aos árabes dessa
região para um exclusivismo comercial durante dez anos. Ainda conforme o relato
de Cadamosto, pelas mercadorias dos portugueses no golfo de Arguim, os árabes
ofereciam escravos, que eles traziam das terras dos negros, e ouro em pó
(Cadamosto, 1994, p. 48).
A busca
direta pelo ouro foi, provavelmente, um dos motivos principais dessas primeiras
viagens ao litoral atlântico africano. Inclusive, Cadamosto mencionou esse
interesse português pelo ouro da Gâmbia, cujo conhecimento da sua existência
foi também obtido pelos primeiros escravos negros chegados em Portugal (Cadamosto, 1989, p.
92).
1455/03/22
Este
é um dos textos mais antigos sobre os descobrimentos portugueses, pois
refere-se a uma viagem iniciada no
Algarve em 22 de Março de1455 por Alvise
da Ca' da Mosto, ou simplificando, ALVISE CADAMOSTO (1428 – 1488), que veio
para Portugal quase por acaso, como ele mesmo conta. O seu texto foi publicado
aqui e ali, ao longo dos séculos, a primeira vez em “Paesi nouamente retrouati
et Nouo Mondo da Alberico Vesputio florentino intitulato.» (Stampato in
Vicentia: cum la impensa de Henrico Vicentino & diligente cura &
industria de Zammaria suo fiol, 1507 a di III de nouembre). Relazione di viaggi
di Da Mosto, Colombo ed altri, curata da Fracanzio da Montalboddo. A versão
mais difundida foi a inserida em 1550 no primeiro de três volumes, publicados
por Giovanni Battista Ramusio (1485 – 1557):
Primo
volume delle nauigationi et viaggi nel qual si contiene la descrittione
dell'Africa. Et del paese del prete Ianni, con uarii uiaggi, dal mar Rosso a
Calicut, et insin all'isole Molucche, doue nascono le spettie.
Et la nauigatione attorno al mondo. Li nomi de gli auttori, et le nauigationi, et i
uiaggi piu particolarmente si mostrano nel foglio seguente. In Venetia, nella
Stamperia de Giunti, L’Anno 1563
O livro de Cadamosto teria sido escrito por
volta de 1464 ou 1465, depois do regresso de Cadamosto a Itália. Ao contrário
de outros seus compatriotas, não ficou por cá.
«Como já disse, tive motivo para ficar nestes
países do senhor Budomel uns dias, para ver, comprar e entender várias coisas; e estando já despachado e com certo número
de escravos, resolvi ir mais adiante, passar Cabo Verde, ir a descobrir países novos, e experimentar a minha
sorte. E ouvindo do senhor Infante, antes da minha saída de Portugal (como
pessoa que de tempos a tempos era informada das coisas destes países dos
negros, entre as outras informações que tinha), que não muito longe deste
primeiro reino de Senegal, mais adiante, se achava outro reino chamado Gâmbia, do qual contavam os negros levados
para Portugal que nele se encontrava grande soma de ouro e que os cristãos
que lá fossem ficariam ricos; portanto eu, movido do desejo de achar este ouro
e também de ver várias coisas, desembaracei-me de Budomel e fui para a
caravela.
E fazendo-me depressa à vela para sair daquela
costa, eis que certa manhã apareceram duas velas no mar, as quais avistando-nos
a nós e nós a elas, sabendo que só podiam ser cristãos, viemos á fala; e sabido
que um dos ditos navios era de ANTONIOTO
USODIMARE, gentil homem genovês, e o outro dalguns escudeiros do dito
senhor Infante, os quais de acordo se tinham feita conserva para passar o dito
Cabo Verde, experimentar sua fortuna
e descobrir coisas novas, encontrando-me também com o mesmo propósito, pus-me
em companhia deles; e com uma só vontade dirigimos o nosso rumo para o dito
Cabo, também para sul, ao longo da costa, sempre à vista da terra. E assim que
no dia seguinte, com vento próspero, tivemos vista do dito cabo, que é distante
do lugar donde parti umas trinta das nossas milhas italianas.
Este Cabo Verde, assim chamado dos primeiros
que o descobriram (que foram os portugueses) um ano antes que eu estivesse
naquelas terras, o encontraram todo
verdejante de grandes árvores, viçosas durante todo o ano; e por esta razão lhe
foi posto o nome de Cabo Verde, da mesma forma que o de Cabo Branco ao outro de que já falámos, por
ser todo arenoso e branco. Este Cabo Verde é muito belo e alto, e tem na
ponta duas lombadas, isto é, dois montículos, e estende-se muito pelo mar
dentro; sobre ele e à roda há muitas habitações de camponeses negros, e casas
de palha, todas junto à marinha e à vista dos que passam; e são estes negros também
do dito reino de Senegal.
Sobre o dito cabo há umas secas que saem fora
do mar, talvez meia milha, e depois de passado encontramos três ilhotas
pequenas, não muito longe da terra, desabitadas, e abundantes de árvores
verdejantes e grandes; e carecidos de aguada, deitámos âncora numa delas, que
nos pareceu maior e mais frutífera, para ver se encontrávamos aí alguma fonte,
mas desembarcando, não a encontrámos, a não ser num lugar, onde parecia nascer
alguma água, o que nos não pôde servir. Nesta ilha encontrámos muitos ninhos e
ovos»
1455/12/12
12 de Dezembro de 1455 - Carta do genovês ANTÓNIO
USODIMARE a seus credores, na qual ele lhes refere: haver navegado, em
caravela, para as partes da Guiné e chegado aonde nenhum cristão chegara, ou
seja a 800 milhas, e encontrado o rio Gambia, de amplíssima foz, no qual entrou e onde, tomado por
inimigo, foi atacado pelos indígenas com arcos e setas envenenadas; pelo que,
regressou e, a cerca de 70 léguas, um nobre negro lhe dera 40 escravos,
dentes de elefante e almíscar, em troco de panos, e mandou consigo secretário
ao rei de Portugal, com alguns escravos, o qual se comprometeu a tratar a paz
com o rei de Gambia; que o soberano português o quisera excluir de tal empresa,
mas veio a anuir, e volta a fretar caravela, em que levará carregamento dos
servidores do infante, para retomar o negócio; que, por terra firme, estivera
menos de 300 léguas do território do preste João e, se houvesse podido demorar,
ter-se-ia avistado com o capitão do rei de Meli, o qual se encontrava seis
jornadas com 100.000 homens e com ele 5.000 cristão do Preste João; que topou
lá um italiano, talvez das galés dos Vivaldi, perdidas havia 170 anos; que lhe
falaram de elefantes, unicórnios, gatos de algália e de homens de cauda que
devoravam os próprios filhos; que se navegasse mais um dia, haveria perdido a
estrela polar, mas não o pudera fazer pela escassez de víveres e não poderem os
homens brancos alimentar-se da comida dos negros, sob pena de adoecerem e
morrerem; que o ar é bom, a terra belíssima e sita quase no equinócio;
roga-lhes, enfim, aguardem mais seis meses o que lhes deve, tanto mais que se
inscreve no seguro, embora aquelas águas sejam como as do porto de Génova.
In
Monumenta Henricina, 12º vol., Coimbra, 1971, pp. 189-193 António Taveira
1456
Geba e Gâmbia – CADAMOSTO, MESSER ANTONIOTTO e escudeiros do Infante, 3 carvelas
«Segunda viagem de Cadamosto
Segundo narra Cadamosto, no ano
seguinte (1456) o dito gentil-homem (Antonio de Nolli ou Antonietto Uso-di-Mare) «de acordo
comigo fez armar duas caravelas... e tendo o senhor Infante ouvido esta
deliberação, quiz armar uma caravela sua para que viesse em nossa companhia
... e partimos de Lagos no princípio do
mês de Maio ...
Fizemo-nos na volta de Canarias;
chegamos ao Cabo Branco e tendo vista dele, nos alargamos um pouco ao mar; na noite
seguinte assaltou-nos um temporal do Sudoeste com vento furioso; pelo que, para não
tornar para trás, fizemo-nos na volta de Oes-noroeste para pairar;
agüentamos assim o tempo, duas noites com três dias, havendo ao terceiro
dia visto da terra; e gritando toda terra, terra, muito nos
maravilhamos, porque não sabíamos que naquelas paragens houvesse terra alguma, e mandando
subir ao mastro
dois homens, descobriram duas grandes ilhas...e tanto que chegamos
a um lugar que nos pareceu estação segura, lançamos âncora; e
deitamos a lancha fóra e a mandamos à terra».
Os nossos partiram...não acharam
caminho, nem sinal algum por onde se pudesse inferir que era
povoada... Na manhã seguinte, para me acabar de esclarecer tudo,
mandei 12 homens bem providos de armas...à dita ilha por uma parte
onde ela era montanhosa e alta... Partiram, mas não acharam nada mais que terra deshabitada e uma grande quantidade
de
pombos...
Quando estes homens estiveram
na
montanha,
houveram vista de três outras ilhas grandes... Também
lhes pareceu vêr da parte do Poente (mas muito metidas pelo mar dentro) a modo de outras ilhas... e a estas não
cuidei
de ir.
Tornando ao nosso propósito,
partimos desta ilha e seguindo a nossa derrota, chegamos
à vista das outras duas; e correndo ao longo da costa de uma delas
que parecia
cheia de árvores, descobrimos a bôca de um
rio...e saíndo alguns dos meus em terra, foram pela margem acima dêste rio e
acharam algumas pequenas lagôas de sal branquíssimo, de que trouxeram para o navio grande
quantidade...e igualmente vendo água belíssima, também nos
provemos dela...
0 rio era grande e bem a
vontade podia entrar dentro um navio de 75 toneladas;
tendo largura de um bom tiro de arco; nele estivemos dois dias de descanso... E à primeira ilha em que abordamos puzemos o nome de
Ilha de Boa-Vista...e estoutra, que nos parecia melhor de tôdas as
quatro, o de São Tiago, porque no dia de S. Filipe e São Tiago é que lançamos
âncora nela».
Depois de descrever nestes termos
a suposta descoberta do arquipélago de Cabo Verde, Luiz Cadamosto continua a
narrativa da sua segunda viagem, ao continente africano.
«Feito isto
partimos destas quatro ilhas, fazendo-nos na volta do Cabo Verde, aonde
chegamos a um lugar que se chama de Duas Palmas; na manhã seguinte
passamos o Cabo e chegamos outra vez ao rio de Gâmbia, onde entramos sem oposição
dos negros...»
Depois de muito instado, entrou a
bordo da caravela um indígena e informou que o rei daquela região se chamava Forosangoli e era suzerano do
Imperador de Melli; mas havia na localidade outros chefes de
menor importância e entre êstes um chamado Batimansa.
Cadamosto subiu o rio 60 milhas até chegar ao reino de Batimansa,
com quem entabulou relações trocando as
bugigangas que levava por «alguns
escravos e certa quantidade de ouro, mas não coisa de
importância em comparação com o que esperávamos achar, porque
era maior a fama...
... Ao cabo de II dias, porque
muitos dos nossos principiaram a adoecer com febres agudas e contínuas...levantamos
âncora».
Cadamosto refere-se ao extraordinário
desenvolvimento do baobab, ao cavalo-marinho, ao elefante e à
caçada aos paquidermes que os pretos fazem com as suas azagaias.
Diz que a seu pedido um indígena matou um pequeno elefante, de que provou
a carne e mandou salgar uma parte que trouxe a Portugal e ofereceu a D. Henrique, assim como cabelos, uma parte
da tromba e um pé com o respectivo casco.
Cadamosto chega às ilhas de Bijagós
Continuando a sua
viagem ao Sul do Gâmbia, entraram, ao quarto dia, no rio de Casamansa.
Como não encontrassem ali o respectivo rei, seguiram para o Sul, «chegando
a
um cabo...obra «de vinte milhas...que se mostrava
de côr avermelhada e por isso lhe puzemos o nome de Cabo Vermelho...Continuando a navegar
pela costa, chegamos à embocadura de outro rio assaz grande, e a nosso
vêr de largura de um tiro de bésta; não quizemos entrar
nele, mas puzemos-lhe o nome de Santa Anna (ª).
E tendo-o
passado, seguindo a nossa derrota, chegamos a outro rio, o qual não
nos pareceu maior que o de Santa Anna e lhe puzemos o nome de
rio de S. Domingos; e do Cabo Vermelho a êste último
computamos por estimativa ser a distância de 56 a 60 «milhas».
Depois continuando
a navegar pela mesma costa mais uma jornada, viemos ter à embocadura
de um grandíssimo rio, e tão grande que ao
princípio todos nós julgamos que era golfo; aonde se avistavam
árvores
bonitas
e
verdes, da outra banda para a parte do Sul; cuja largura foi julgada
por todos ser ao menos de vinte milhas; quando estivemos
da outra banda, avistamos algumas ilhas ao mar; pelo que
determinamos saber aqui algumas novas destes países e logo lançamos âncora.
Na manhã seguinte
vieram ao nosso navio duas almadias...as quais eram realmente
muito grandes e uma delas quási tão grande como as nossas caravelas,
e nesta vinham trinta negros...
Vendo-os pois vir e tendo receio deles, tomamos as armas
até vermos o que faziam; quando se nos avizinharam, levantaram
ao
ar
um lenço branco...Desejoso de saber alguma
coisa desta casta de gente, lhes fiz falar pelos meus intérpretes mas nenhum deles poude entender
nada do que diziam, o que visto tivemos grande desgosto,
e...conhecendo
que estávamos em países novos, onde não podíamos ser entendidos...determinámos
voltar para trás.
Estivemos dois dias sôbre a embocadura
dêste
rio... Achamos neste lugar uma grande contrariedade que não se encontra
em outra parte; e é que, havendo aqui marés de água enchente e
vasante, cresce quatro horas e baixa oito; e é tão grande o ímpeto da corrente da maré quando
principia a encher, que é quási incrível; porque com três âncoras na prôa, apenas e
com trabalho nos podíamos segurar...
Partimos dêste grande rio para
tornar para Espanha e fizemo-nos na volta do mar por aquelas ilhas que estavam distantes da terra firme obra de trinta milhas e chegamos a elas;
duas são grandes e algumas outras pequenas. Estas duas grandes são habitadas
por negros, e são ilhas muito baixas, mas abundantes de belíssimas árvores. Aqui
também não tivémos lingua...e daqui tomamos
rumo para as nossas partes dos cristãos...»
Contradições e erros de Cadamosto
Nestes termos descreve Luiz Cadamosto
a sua segunda viagem à costa africana, empreendida em 1456 na
companhia de Antonio Nolli e de um outro capitão português, cujo nome se
esqueceu ou não quiz mencionar. Como é fácil de vêr,
esta última parte do relato refere-se ao actual território da Guiné Portuguesa, desde o Cabo Roxo até as ilhas de Bijagós. O rio a que Cadamosto diz ter dado o
nome de Rio Grande é o rio Geba, onde se verifica o fenómeno
de macaréu.
Pela forma como Cadamosto
fala,
dir-se-ia que foi êle o primeiro navegador que descobriu estas
paragens, mas nós já vimos que, dez anos antes, Álvaro Fernandes tinha ultrapassado as
ilhas de Bijagós e atingido a baía de Konakry, não falando já dos desastres sucedidos a Nuno Tristão e Diogo
Afonso. Convém notar que Cadamosto permaneceu em Portugal até o ano
1463, sendo de admirar que não tivesse tido conhecimento dêstes factos.
A obra do navegador genovês
foi impressa pela primeira vez em 1507, em Vicenza.
No ano seguinte foi dada à luz, em Milão, a sua versão latina e
mais tarde, em 1550, divulgada por João Baptista Ramuzio na sua
colecção Navigatione e Viaggi.
Desde essa data passou a ser
considerada como descrição mais antiga da costa de Guiné e
como fonte histórica mais segura e pormenorizada sôbre aquela região e sôbre a
descoberta do arquipélago de Cabo Verde.
Todavia na descrição feita por Cadamosto das ilhas de Cabo Verde encontram-se algumas passagens pouco coerentes e outras que não
correspondem aos carácteres topográficos das ilhas de Boa-Vista e Sant'Iago. Estas contradições,
aliás, evidentes, só muito tarde, no século XIX é que foram apontadas, pois não
consta que algum crítico as tivesse denunciado antes de J. J. Lopes de Lima, nos seus Ensaios sobre a Estatística das Possessões
Portuguesas, em 1844.
As objecções apontadas à
descrição de Cadamosto foram reforçadas por R. H. Major, em
1868, com a revelação do Relatório de Diogo Gomes. Estes e outros
autores, que mais tarde trataram do assunto, demonstraram:
1.º - Que,
celebrando-se as festas de S. Filipe e S. Tiago em
1 de Maio e dizendo Cadamosto que haviam saído de Lagos «nos princípios
de Maio» não lhe era
possível avistar a ilha de Santiago no dia indicado pelo autor.
2.º - Declarando Cadamosto que se encontrava
na altura do Cabo Branco, quando foi assaltado por vento furioso de Sudoeste, não era
possível que fôssem arrastados precisamente para o lado donde soprava o vento,
até ao arquipélago de Cabo Verde que fica 100 léguas para o Sul.
3.º - Que na ilha de
Boa-Vista não existem montanhas nem altitudes apreciáveis que
figuram no relato analisado. Desta ilha normalmente só se avista
a ilha do Sal e muito excepcionalmente alguma outra ilha, em dias
de rara cIaridade. Parece pouco provável que as melhores condições de
visibilidade se tivessem retinido no dia da chegada de Cadamosto para que os
seus homens pudessem avistar nitidamente duas ilhas do Sotavento,
além
de outras mais confusas.
4.º - Nem a
ilha do Santiago, nem qualquer outra do arquipélago possuem um rio de água dôce em
condições de receber navios e muito menos caravelas de 75 toneladas.
Não existem em Santiago lagoas de sal branquíssimo, que, segundo Cadamosto,
os
seus
marinheiros teriam recolhido.
5.º - Admitindo que a descoberta
do arquipélago tivesse sido feita em 1456, é de estranhar que se não encontre
qualquer referência a estas ilhas nem no testamento de D. Henrique nem em
qualquer outro documento anterior a dezembro de 1460.
Por tôdas estas razões chegaram
alguns autores a concluir que Cadamosto não realizou a sua segunda viagem,
limitando-se a aproveitar das informações de António de Noli e doutros
navegédores para se atribuir a glória dessa descoberta.
Deve-se, porém, notar que a
descrição exacta e circunstanciada que Cadamosto faz da costa da Guiné desde Gâmbia
até às ilhas de Bijagós, não permite duvidar de que o autor tenha percorrido
aquelas terras e presenciado os factos que narra. É de presumir, pois, que essa
viagem se efectuou de facto à costa de África, embora
nessa ocasião se não tivesse realizado a abordagem ao arquipélago de Cabo Verde.
Que na descoberta destas ilhas
tivesse tomado parte o navegador italiano António de Noli não há dúvidas; mas, excluída a hipótese
da intervenção de Cadamosto, só nos resta a
versão dada por Diogo Gomes, segundo a qual a descoberta
teria sido feita por êle e António de Noli, em 1460 (?).
(a)Na descrição de Cadamosto existe neste ponto uma confusão de nomes. O rio Santa Anna, que diz ser o mais largo, seria talvez o Rio de Cacheu. O outro a seguir, que Cadamosto chama S. Domingos, deve corresponder ao Rio
Mansôa, ou a qualquer dos canais das Ilhetas. O Rio Grande, onde observou o fenómeno de macareu, é evidentementé o estuário
do Geba.»
João Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg.
45-51
Geba e
Gâmbia
– DIOGO GOMES, JOÃO GONÇALVES RIBEIRO,
NUNO FERNANDES DA BAÍA, 3 caravelas
DIOGO GOMES
Descreve-nos Dioco Gomes no seu relato a viagem
que em 1456 fez à Guiné.
O termo dessa viagem, para sul, foi o Rio
Fancasso, cuja identificação tem sido motivo de discussão.
ERNESTO DE VASCONCELOS (Apud B 12, pág. 22,
nota 2), afirmou tratar-se do Geba, sendo, nessa hipótese o Rio Grande o
Casamansa.
ARMANDO CORTEZÃO (B 12) contestou este ponto de vista,
mostrando que o Rio Grande sempre foi o Canal de Geba. E como no relato vem que
o Fancasso ficava para sul do Rio Grande, entendeu ser aquele o Rio de Buba ou
Bolola.
Igualmente se pronunciou DAMIÃO PERES
(B 30), chamando no entanto a atenção para o facto de nalgumas cartas de
Benincasa e da sua escola, do século XV, a palavra Fancaso aparecer no Canal do
Geba. Conclui porém que houve uma deslocação daquele nome, e que o rio Fancaso
é o actual rio de Buba.
Em nosso entender (B 33) não houve porém
deslocação cartográfica. O termo Fancasso é mandinga, significando grande
extensão de águas, razão por que foi aplicado ao Canal do Geba, de notável
largura. Além disso, lendo com atenção o relato de DIOGO GOMES, verifica-se que
ele não passou do rio onde refere o macaréu, isto é, do Canal do Geba. Fancasso
e Rio Grande são portanto uma e a mesma coisa, tendo simplesmente havido
confusão da parte de MARTINHO DA BOÉMIA ao lançar no papelo relato que ouviu de
DIOGO GOMES.
Nessa mesma viagem, no regresso, DIOGO GOMES esteve
no Rio Gâmbia, que explorou por todo o percurso navegável, até à região de Cantorá.
Essa exploração notável, representando uma penetração de cerca de 400
quilómetros no interior, é digna do maior realce, tendo no entanto passado
despercebida até agora, pelo menos dos investigadores portugueses,
grande parte dos quais, inexplicàvelmente, se têm preocupado mais em atacar
DIOGO GOMES do que em estudar devidamente as suas viagens.
DIOGO GOMES explora o Rio Geba e o Rio Gâmbia, subindo o
primeiro por 150 quilómetros e o segundo por 400 quilómetros.
Viagens de Diogo Gomes.
Diogo
Gomes, segundo se depreende da sua própria narrativa, era môço da câmara
do
Infante D. Henrique e tomou parte em várias viagens à Costa de Africa, sendo possível
que se trate do mesmo navegante que figura na Chronica, de
Zurara, sob o nome de Gomes Vinagre. Mais tarde, foi nomeado
almoxarife do Paço de Sintra e foi nesta situação que
conheceu o alemão Martinho de Boémia, que escrieveu em latim as suas narrativas,
provàvelmente em 1482.
Este escrito foi reproduzido por Valentim Fernandes, num códice que existe na
Biblioteca de Munich.
De uma
cópia fiel dêsse códice foi feita a versão portuguesa
pelo erudito Gabriel Pereira e publicada no Boletim
da SociedaÍe de Geografia de Lisbôa, número 5, da série 17 (1900).
Não há
dúvida que os relatórios de Diogo
Gomes são muito imperfeitos e contêm vários êrros sôbre pessoas,
datas e lugares a que se referem; mas em geral êstes
enganos são relativos a pormenores, de forma que, embora deslocados
através do tempo e de lugares, os acontecimentos relatados por Diogo
Gomes correspondem às descrições de Azuarra e ainda às de Cadamosto.
Diogo
Gomes, depois de se referir às expedições já mencionadas na Chronica de Guiné até à
morte de Valarte, em 1448, diz: «Algum tempo depois o senhor Infante armou uma caravela
de Lagos, chamada Piconso, e fez Domingos Gomes capitão dela.
E armou
também outras duas caravelas, para que fôssem mais avante quanto pudéssem. E
mandou que Diogo Gomes fôsse capitão-mór destas caravelas...
E assim
passámos o rio de S. Domingos e outro rio grande que se chama Fancaso,
para lá do Ryo Grande, e tivemos
ali grandes correntes do mar, e na enchente faz grande ímpeto, o «que chamam macareo... (ª)
...E
vieram os mouros da terra nas suas almadias e nos trouxeram
suas
mercadorias,
a saber, panos de seda (?) ou algodão, dentes de elefante e uma quarta de malagueta
em
grão e nas suas cascas tal qual cresce, com o que muito me alegrei...
No outro dia
tomamos
o caminho do Cabo Verde. E vimos a foz de um rio, que tem 3 léguas de largura, e
pela grandeza logo pensamos que era o Gâmbia. E entramos com vento próspero...e vimos
muitas almadias, que fugiram, porque eram os que haviam assassinado
os supraditos cristãos com o seu capitão (b). Porém noutro dia vimos gentes e chegamos
até próximo e fizernos pazes com êles. O senhor deles chama-se Frangazick,
sobrinho de Forisangul, grande príncipe dos negros. E
ali recebi dêles 180 (?) arrateis de ouro em troca das nossas
mercadorias». (d).
Com auxílio de um
indígena, chamado Bucker, Diogo Gomes subiu o rio em uma das caravelas até à riegião de Cantor,
Diz que a fama da chegada dos cristãos se espalhou ràpidamente, acorrendo
para o negócio moradores de Tombuctú; e da parte do Sul gentes de Serra de
Geley (Serra de Futa Jalom) e da Quioquia (Kukia) «que é uma grande cidade
cercada de muralhas feita de tijolos, capital do reino de Bormelli (e).
É êste o
maior potentado de tôda a terra dos pretos... E disseram que êle
era senhor de tôdas as minas e que tinha ante a porta da sua casa uma pedra de
oiro, tal qual nasce da terra, de tamanho tal que 210 homens a custo a poderiam
mexer, e que a essa pedra o rei prendia sempre o seu cavalo».
Depois de
dar algumas outras informações sôbre os povos do Senegal e Sudão, Diogo Gomes
passa a relatar a viagem do regresso, durante a qual na margem Sul de Gâmbia,
encontrou o régulo Batimansa (de que também fala Luiz Cadamosto).
Êste
chefe fez-lhe o melhor acolhimento, mostrando desejos de entrar em relações com
o Infante e adoptar a religião cristã, pelo que pediu a Diogo Gomes que
enviasse sacerdotes para os baptizar. Declarou que não mais faria guerra aos
cristãos, podendo êstes negociar com segurança por todo o seu território.
«O que eu
quiz experimentar mandando Jacob, índio que o sr. Infante comnosco mandou para que
chegassemos à India, nos servisse de língua (f)...e mandei-lhe que fosse ao
lugar que se chama Alcuzet...o qual
Jacob me contou que Alcuzet é terra muito viçosa...
e o senhor daquele país me mandou dentes de elefantes e quatro
pretos».
Informa
Diogo Gomes que os chefes indígenas e em especial o rei Nomimansa, mostravarn grandes desejos
de serem baptizados imediatamente, ao
que respondeu que não tinha poderes para isso, prometendo-lhes que o Infante
mandaria sacerdotes para satisfazer os seus desejos. E acrescenta:
«E aconteceu
que nos dois anos próximos, ninguém foi à Guiné, porque o
rei Afonso, com 352 navios, passou à Africa e tomou a
poderosa cidade de Alcácer-Ceguer e por êste motivo o senhor Infante, entretido
com
êste
negócio,
não atendeu a Guiné (g)... Depois da chegada do Sr.
Infante, na armada do rei Afonso, recordei-lhe o que me dissera o rei Nomimansa que lhe mandasse tudo o que êle pedira. O
Infante fez tudo e mandou para ali o sacerdote, parente consaguíneo
do
Cardial,
para
que ficasse com aquele rei e o industriasse na fé. E com êle foi um moço de câmara chamado João Delgado, e isto
foi no ano 1458».
A seguir Diogo Gomes
narra o falecimento do Infante D. Henrique, ocorrido em 13 de
Novembro de 1460, e acrescenta:
«Dois
anos depois o Sr. Rei Afonso armou uma grande caravela onde me
mandou por capitão. Levei 10
cavalos comigo e foi à terra dos Barbacins... Com a ajuda de Deus, em 12 dias cheguei a Barbacins e achei
ali duas caravelas, a saber: uma em que era capitão Gonçalo Ferreira, familiar do Sr.
Infante e outra na qual ia como capitão e mercador Antonio de Noli, genovês, levando também cavalos...
E
isto
foi
no
porto
de
Zaya...
Êstes mercadores
fizeram muito dano ao resgate dali; porque onde os mouros costumavam dar 12 negros por um cavalo,
não lhes davam
mais do que seis.
Então eu
chamei à minha presença aqueles capitãis e da parte
do Rei lhes dei 7 negros por um cavalo e depois troquei um cavalo por 14 e 15 negros. E estando nós assim
veio
uma
caravela de Gâmbia
com a nova de um fulano,
chamado Prado, vinha com uma caravela cheia de riquezas.
Armei logo o navio de Gonçalo Ferreira e ordenei-lhe que fôsse ao cabo Verde esperar aquela
caravela. Assim fez e tomou-a e nela encontramos muito ouro. E escrevi
isto tudo a El-Rei» (h).
(a) Êste nome de Fancaso, dado a um dos rios da Guiné, só o encontramos no relato de Diogo Gomes. Parece tratar-se
do Rio de Buba.
(b) Referência à morte do cavaleiro Valarte, ou de Nuno Tristão.
(c) No escrito de
Martinho de Boémia quási todos os vocábulos
portugueses e os das
línguas indígenas aparecem deturpados, o que não é
de extranhar, visto que o autor era alemão e escreveu em latim, procurando dar nesta
língua os nomes portugueses e indígenas de forma a serem adaptados à pronúncia alemã.
(d) Esta quantidade
de 180 arrateis parece um pouco exagerada, tanto mais que, como vimos
atrás, Luiz
Cadarnosto, que diz ter
estado na Gâmbia na mesma época, queixa-se de ter encontrado apenas pequenas porções do precioso metal. No
entanto devemos notar que André Álvares de Almada descrevendo
a sua viagem ao mesmo rio
em 1578, diz também que ali deixou cinco arrobas e oitô arrateis de ouro
por não ter já mercadorias com
que permutar. A serem
exactos os pêsos
indicados por Diogo Gomes e Almada, devemos concluir que
pelo rio Gâmbia foram exportadas quantidades consideráveis de ouro.
(e) Depois do declínio do Império de Malli,
com a morte de Mussa, em 1330, formou-se uma confederação de pequenos reinos
locais, suzeranos de um chefe mandinga, que se designava por Bour ou Bur. Dali
resultou a palavra Burmeli, isto é, chefe de Meli, ou Malli,
(f) Desta informação tambóm se deduz o
propósito do Infante de àlcançar a índia pelo Sul da Guiné, na suposição de que
êsse «desideratum» poderia ser ràpidamente atingido.
(g) Segundo estas indicações a viagem de
Diogo Gomes deveria ter-se realizado no mesmo ano em que Cadamosto coloca a sua segunda exploração (1456), sendo por isso de estranhar que nos seus relatos não se encontrem mútuas referências, tanto mais que se tratava de primeiros
contactos dos portugueses
com os régulos Batimansa e outros da Gâmbia.
(h) Desta passagem
deduz-se que já em 1460
se tornava deficiente
a fiscalização do comércio na costa de Guiné, onde começavam a aparecer os navios
piratas fazendo contrabando
e comércio ilícito. Este capitão Prado,
que levavà armas aos indígenas, foi condenado
por D. Afonso V a ser atrelado a um
carro e, depois de morto, foi lançado à fogueira, juntamente
com as suas mercadorias.»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg.
51-55
«Descoberta das ilhas de Cabo Verde
«Eu e
Antonio de· Noli, do porto de Zaya, fomos dois dias e uma noite
a caminho de Portugal e vimos ilhas no
mar. E por que a minha caravela era mais
veleira que a outra cheguei eu primeiro a uma daquelas ilhas;
parecendo bom porto, lancei a âncora e o mesmo fez António.
Disse-lhes que queria ser o primeiro a pôr o pé em terra, e
assim fiz, e nenhum indício de homens vimos ali. Chamamos Santiago à ilha, e até agora
assim se chama...
E depois vimos a ilha da
Canária...e em seguida fomos à ilha da Madeira. E querendo ir a Portugal
com vento contrário, fui às ilhas dos Açôres, e Antonio de Noli ficou na ilha
da Madeira. Com melhor tempo chegou a Portugal antes de mim e
pediu ao Rei a capitania da ilha de Santiago, que eu descobrira;
e o rei deu-lha, e êle a conservou até morrer. E eu com muito trabalho cheguei a
Portugal...»
São estas
as circunstâncias em que Diogo Gomes relatou a descoberta das ilhas de Cabo Verde.
Como vimos, o autor fala da campanha de Alcácer-Ceguer em 1458, e a seguir dedica
alguns períodos à morte e enterro de D. Henrique, em 1460. E começa o relato da segunda viagem
com estas palavras: Dois anos depois o Sr. Rei
Afonso armou uma grande caravela...
Da
confusa redacção de Martinho de Boémia não é fácil deduzir-se se
devemos contar os dois anos acima indicados da data do falecimento do Infante,
ou da tomada de Alcácer-Ceguer; admitindo esta última interpretação, podemos
concluir que o primeiro reconhecimento da ilha de Santigo fez-se no ano de
1460, o que está de acordo com todos os outros factos e indicações históricas
que se conhecem em relação ao arquipélago de Cabo Verde.»
João
Barreto, HISTÓRIA DA GUINÉ 1418-1918, edição do autor, Lisboa, 1938, pg.
66-56
LUÍS DE CADAMOSTO
É também bem conhecida a segunda viagem do
veneziano, que ele relata nas suas Navegações.
Nessa
segunda expedição ia acompanhado do genovês com quem se encontrara na viagem
anterior. Ia também uma caravela armada pelo Infante D. Henrique. Ao todo eram
três navios, mas CADAMOSTO não
diz quem era o chefe.
Nessa viagem os navios subiram o Gâmbia por
cerca de 90 quilómetros até à região do Botimansa, um chefe
mandinga. Na foz do rio estiveram com o Gnumimansa (chefe do Niumi).
Navegando depois para sul, passaram o Rio
Casamansa, o Cabo Roxo,o Rio de Santa Ana (?), o Rio de S. Domingos, e chegaram
ao Rio Grande.
Tem-se afirmado correntemente tei sido
CADAMOSTO o primeiro explorador do Gâmbia e o descobridor das terras entre este
rio e o Canal do Geba. Uma simples análise revela que nenhuma das afinnações
tem fundamento. As razões podem ver-se com desenvolvimento no nosso anterior trabalho
(B 33). CADAMOSTO foi um notável relator do que viu, mas está muito longe de
ter sido o grande explorador e navegador que se tem afirmado.
Segunda
viagem de CADAMOSTO
«Da condição deste pais de Gâmbia, pelo que
pude ver e entender nesta minha primeira viagem, pouco ou nada se pode dizer,
especialmente de vista, porque como ouvistes, sendo as gentes da marinha
ásperas e selvagens, não pudemos falar com elas em terra nem tratar coisa
alguma, e depois fomos obrigados a voltar para Portugal e a ir mais para frente
porque, como acima dissemos, os nossos marinheiros nos não quiseram seguir.
Portanto no ano seguinte, o dito gentil-homem genovês e eu, outra vez de acordo, armámos
duas caravelas para buscar este rio; e ouvindo dizer o dito senhor Infante (sem
cuja licença não podíamos ir que nós tínhamos tomado esta resolução), muito lhe
agradou, e quis armar uma sua caravela, que viesse em nossa companhia. E
providos de todo o necessário, saímos do lugar chamado Lagos, que fica perto do
Cabo de S. Vicente, no princípio do mês
de Maio, com vento próspero, e pusemos o rumo para as Canárias, onde em
poucos dias chegámos. Sendo o tempo favorável, não nos preocupámos de tocar nas
ditas ilhas, mas navegámos em seguida para o sul e com a corrente da água, que
impetuosamente seguia para sudoeste, andámos muito.
Chegámos finalmente ao Cabo Branco, e tendo
vista dele, fizemo-nos um pouco ao mar, e na noite seguinte assaltou-nos um
temporal de sudoeste com vento forte, pelo que, para não voltar para trás,
fizemo-nos para oes-noroeste, salvo erro, para costear e defendermo-nos do
tempo, duas noites e três dias.
Ao
terceiro dia tivemos vista de terra, gritando todos terra, terra, e muito
nos admirámos porque não sabíamos de naquelas paragens haver terra. Mandámos
subir ao mastro dois homens, que descobriram duas grandes ilhas; o que, sabido de nós, demos graças a nosso
Senhor Deus, que nos levava a ver coisas novas, pois bem sabíamos que destas
ilhas não havia notícia alguma em Portugal; e julgando que podiam ser
habitadas, para saber mais e para experimentar a nossa sorte, fizemos rumo a
uma delas, e em pouco tempo estávamos perto.
Chegados a ela, pareceu-nos grande e
costeámo-la bastante à vista de terra; e tanto que chegámos a um lugar onde
pareceu que haveria boa paragem, ali lançámos âncora, e fazendo bonança,
deitámos a lancha fora e enviámo-la a terra, bem armada, para ver se havia ali
gente ou vestígio de habitação. Foram e buscaram muito, mas não encontraram nem
estradas nem vestígios pelos quais se
pudesse entender que fosse habitada.
Recebido este relato deles, na manhã seguinte,
para me elucidar completamente, enviei dez homens bem providos de armas e
bestas, que subissem à dita ilha por uma parte onde era montuosa e alta, para
ver se achavam alguma coisa, ou se viam outras ilhas. Foram, e nada mais
acharam senão que era desabitada, e havia imensa quantidade de pombos, que se
podiam apanhar à mão, não sabendo o que fosse o homem; e trouxeram muitos deles
para a caravela, apanhados com bastões e massas. No alto da montanha tiveram
vista de três outras grandes ilhas de que não tínhamos dado conta, porque uma
nos ficava a sotavento da parte do norte, e as outras duas estavam na mesma
linha, do lado oposto, da parte do sul, também na nossa derrota, e todas à
vista umas das outras. Pareceu-lhes ver mais ilhas pelo poente, muito pelo mar
dentro. Todavia, não se viam bem, pela distância, e não cuidei de ir lá, quer
para não perder tempo e seguir a minha viagem, quer por julgar que estivessem
desabitadas e selvagens, corno eram estas outras; mas depois, pela fama destas
quatro ilhas que eu tinha descoberto, chegados outros aqui, foram reconhecê-las
e descobriram que eram dez ilhas, entre grandes e pequenas, desabitadas, e só
encontraram nelas pombos, aves de espécies estranhas e grande pescaria de
peixes.
Mas, voltando ao nosso propósito, partimos
desta ilha e, seguindo nossa viagem, chegámos à vista das outras duas onde,
correndo ao longo da costa duma delas, que nos parecia abundante de árvores,
descobrimos a boca dum rio que dela saia; e julgando que fosse de boa água
aproximámo-nos da margem para nos prover dela.
Desembarcaram alguns dos meus e foram ao
primeiro lugar deste rio, pela margem acima, onde acharam lagoas pequenas de
branquíssimo e belo sal, de que trouxeram grande quantidade para o navio, e
dele tomámos quanto nos pareceu; e igualmente, achando muito boa água, nos
provemos dela. E digo que encontrámos aqui grande quantidade de tartarugas, ou
seja “gajandre” à nossa maneira, das quais tomámos algumas, cujas conchas eram
maiores que boas adargas; e aqueles marinheiros mataram muitas e fizeram muitas
comidas, dizendo que de outras vezes tinham comido delas no Golfo de Arguim,
onde também apareciam, mas não tão grandes; e digo que para experimentar mais
coisas, também comi delas e pareceram-me boas, quase tanto como carne branca de
vitela, tão bom cheiro e sabor tinham; de forma que salgaram muitas delas, que
em parte nos foram boa munição na viagem. Também pescámos na embocadura deste
rio, e dentro dele, e achámos tanta quantidade de peixe, que é incrível de se
dizer; muitos nunca os tínhamos visto, mas eram grandes e de bom gosto. O rio
era grande, e assim facilmente podia entrar nele um navio de setenta e cinco
toneladas carregado, e de largura uns bom tiro de arco. Aqui estivemos dois
dias de descanso e nos provemos dos ditos refrescos e com inúmeros pombos que
matámos; e noto que à primeira ilha onde
desembarcámos, demos o nome de Ilha de Boa Vista, por ter sido a primeira
vista de terra naquelas partes; e a esta
outra, que nos parecia a maior das quatro, demos o nome de Ilha de Sant’Iago,
porque fomos lançar âncora nela no dia de S. Filipe [e] Sant’Iago[...]
Feito o que acima escrevi, partimos das ditas
ilhas na direcção de Cabo Verde, onde em poucos dias, com a ajuda de Deus,
chegámos à vista de terra, a um lugar que se chama as Duas Palmas, entre Cabo
Verde e Rio de Senegal. E, por se ter bom conhecimento do terreno, continuámos
correndo o Cabo [...]»
Segunda viagem de Cadamosto (1456)
No seu relato refere CADAMOSTO duas
«navegações» ou viagens que fez à Guiné. A primeira realizou-se no ano de 1455.
A segunda diz ele que foi no ano a seguir, em 1456 portanto. (111)
A viagem de 1455 não tem para nós grande
interesse, dado que não foi ultrapassado o Gâmbia. Depois do encontro das duas
caravelas no Cabo Verde, os três navios, juntos, entraram naquele rio, onde não
conseguiram entabular relações pacíficas com os indígenas. Um dos intérpretes
que levavam fez-se entender.
Num combate que se travou, CADAMOSTO refere que
o primeiro a atirar dos navios, matando um indígena, foi «um filho bastardo daquele genovez». Este é certamente o que
capitaneava uma das caravelas que se haviam juntado à do veneziano.
(111) No entanto ainda recentemente AUGUSTO
REIS MACHADO, numa nova edição portuguesa das «Viagens» (s. d., Portugália,
Lisboa, 166 págs.),diz ter-se realizado em 1457, «visto Cadamosto ter regressado da primeira viagem em 1456». Nada encontrámos no
relato que permita tal suposiçâo; pelo contrário, lê-se expressammte que a 1.ªNavegação se iniciou em 22 de Março, e embora as datas
depois escasseiem, há o registo de uma observação
pessoal
sobre a duração dos dias e das noites no Gâmbia (cap. XXXIX) que se diz
relativa a 2 de Julho. Como Cadamosto pouco tempo se demorou na região, estaria em Portugal o
mais tardar em Agosto do mesmo ano.
Já se referiu a dúvida sobre quem seria o
«Messer Antoniotto». DAMIÃO PERES afirma ser Usodimare (112); ignoramos, porém,
o fundamento. Se é apenas a carta deste, não nos parece concludente. E a favor
da hipótese de Noli está a passagem sobre o
«filho do genovez». Com efeito sabe-se que António de Noli trouxe consigo para Portugal
dois fiilhos ou sobrinhos - Rafael e Bartolomeu. Natural era que nas suas
viagens à Guiné os levasse, e não repugna, por isso, admitir que o filho
bastardo referido por CADAMOSTO fosse um deles.
Este pormenor não é de grande utilidade para o
que aqui nos interessa - a investigação das primeiras expedições que
ultrapassaram o Cabo Roxo. Assume no entanto importância para o problema da
descoberta do Arquipélago de Cabo Verde. (113)
(112) PERES, B 36, págs. 133. Este investigador refere que o livro de CADDEO mostra serem distintos o
Antonio de Nolli e o Antonio Usodimare. Não se percebe porém se a afirmação relativa
ao companheiro tem fundamento igualmente em CADDEO, que, como dissemos, só conseguimos consultar de passagem, numa altura em que não nos preocupava
este pormenor.
(113) Este problema continua por resolver,
dividindo-se as opiniões principalmente entre Cadamosto,
Antonio Noli e Diogo Gomes. Para reivindicar a prioridade de cada um deles
têm-se apresentado as hipóteses mais contrárias. Em nosso parecer esta questão é insolúvel e tem andado mais ou menos ao sabor das
simpatias pessoais dos investigadores por cada um daqueles três navegadores.
Assim é que, por exemplo, para DUARTE LEITE («Coisas de Vária História»,
Seara
Nova, 1941, págs. 132/139) a sua antipatia notória e bastantes vezes acentuada
por Diogo Gomes leva-o a aceitar a versão de Cadamosto como verdadeira,
admitindo porém que não se tratava da descoberta e criando para o efeito uma
viagem de Antonio Noli, que lá teria estado em 1455.
Em
face desta suposição assume particular importância o saber-se quem foi o
genovês que se encontrou com Cadamosto na sua primeira viagem. Com efeito, sabemos que
este partiu do Gâmbia para Porlugal na primeira quinzena de
Julhode 1455, o mesmo se passando
com as
outras duas caravelas. Nada mais natural que, no regresso, um dos navios
topasse ainda nesse rnês com as ilhas, pois que a necessidade de contornar os
alisados obrigava
a
afastar da costa. Esse navio poderia ser o de Noli.
Tudo isto não passa porém de uma hipótese, como
oulras várias que se podem estabelecer. Em nada nos repugna aceitar que os
factos se tivessem também passado como diz Diogo Comes. DAMlÃO PERES acentuou já que o almoxarifado de Sintra não parece recompensa inferior
à capitania de Santiago, que, por ter sido dada a Noli, tem servido de
argumento principal da contestação da versão de Diogo Gomes.
De qualquer maneira, a afirmação de CADDEO (B
14, pág. 104), de que a atribuição da descoberta a Diogo
Gomes é de «um ridicole ineffabile» não só é injusta como tendenciosa. Para não dizer o mesmo de Cadamosto teve
aquele historiador italiano de recorer a um «erro de copista» que teria por
engano incluído na segunda navegação o relato que seria da viagem de Noli...
Mais uma vez as consequências de escrever a história com as simpatias e paixões pessoais. Não será muito
mais cientifico reconhecer que se ignora a verdade, e não passar de apresentar
as hipóteses, com o seu maior ou menor grau de probabilidade?
ATÉ AO GÂMBIA
Diz CADAMOSTO que o «sobredito
gentil-homem genovez», portanto o mesmo da viagem anterior, «de acôrdo comigo
fez armar novamente duas caravellas para buscar êste rio» (o Gâmbia). Foi ainda
outra caravela, armada pelo Infante, e de que ignoramos o nome do capitão.
Igualmente não sabemos quem chefiava a expedição. O facto de ter CADAMOSTO
relatado esta como a sua anterior viagem tem-no feito ser considerado com a
principal personagem. Mas tanto ele, como Noli e Usodimare, foram à Guiné não
como navegadores, mas como mercadores. As suas propostas foram bem acolhidas
por D. Henrique apenas porque via neles, como italianos de Génova e Veneza,
indivíduos conhecedores das questões comerciais e espertos para traficar. Não foram
certamente os seus conhecimentos náuticos que pesaram. Eles iam enquadrados por
tripulações portuguesas e Messer Antoniotto em 1455 e este e CADAMOSTO em 1456
foram ainda acompanhados de caravelas armadas pelo Infante e dirigidas por
escudeiros seus.
Mas os historiadores têm-se
esquecido disto e guindado o veneziano e os genoveses à categoria de mentores.
Assim é que CADDEO (pág. 81) escreve que
«Altreri cognizioni portoghesi di non grande
importanzasi svolsero fino al 1455, quando dos italiani, il genovese Antoniotto
Usodimare e il veneziano Alvise da Cada Mosto compaiono sul mar di Guineae con
essi uno sprazzo di luce si proietta sulle terreche soltanto allora incominciano
a rivelare il loro volto enigmatico».
O absurdo da afirmação nem merece contestação. VALENTIM FERNANDES, que se serviu do relato de CADAMOSTo, já viu a questão. Como transcrevera a
«Crónica» de ZURARA, esta findava em1448 e não tinha mais elementos,
julgou o Gámbia descoberto em 1455 e o Gêba cm 1456. Mas, apesar de se utilizar
do escrito do veneziano, menciona assim tais «descobertas»:
«Ano 1455.
Foy descuberto ho ryo de Gambia per (falta
o nome] criado do Iffante, seëdo cõ elle dous mercadores cada hum cõ sua
caravella, hum genoves chamado Antoniotto e o veneziano chamado Luys de Mosto.
«1456. 3 caravellas. S. húm criado scudeyro do lffante, e hum genovês Antoniotto, e hum veneziano Luys de Mosto descubrirõ este
ryo.»
VALENTIM
FERNANDES não se esquece dos escudeiros do Infante, que menciona sempre em primeiro
lugar. Os outros são os «mercadores», só interessados em traficar e não
em descobrir. Aliás bastará ler com atenção o que CADAMOSTO diz no Cap.º I na
Navegação I: «todos os meus pensamentos
eram de exercitar a minha mocidade, trabalhando por todos os modos possíveis em
adquirir cabedaes, para depois com a experiência do mundo, em idade mais
avançada, poder alcançar alguma ocupação honrosa». E a razão porque D. Henrique
o reteve também lá eslá: «Se alguém da nossa nação queria cometer a viagem,
faria nisso uma cousa muito grata ao
Sr.
lnfante, que lhe faria mercê, pois presumia que nas ditas terras se
descubririam especiarias e outras cousas boas, de que os venezianos eram mais
conhecedores do que nenhuma outra nação». Apenas se requeria dele a experiência
comercial. Nem navios nem conhecimentos náuticos interessavam - ser-lhe-iam
fornecidas caravelas e marinheiros para o levar onde quisesse.
E no que respeita a Usodimare também a sua
carta é bem explicita em revelar que a Guiné foi a última tábua de salvação para
se livrar dos seus credores.
É este simples pormenor que tem andado
esquecido, principalmente dos historiadores compatriotas de Cadamosto, Noli e
Usodimare, que lhes têm conferido intentos e méritos muito chamados reais. Eles
não foram mais do que peões aproveitados num jogo dirigido por quem sabiao que
estava fazendo, modestos figurantes numa empresa que pouco ou nada teria
perdido com a sua ausência.
Só o facto de ter desaparecido a documentação
relativa ao período em que andaram na Guiné e eles terem deixado escrito
qualquer coisa, aliado ao espírito partidário de alguns historiadores, poderá
justificar a imerecida proeminência de que continuam a gozar.
A Segunda Navegação, embora se tratasse de uma
viagem mais extensa, é relatada em muito menos espaço que a Primeira.
Abre com a descrição do desembarque nas Ilhas
de Cabo Verde – no que muitos vêem uma falsificação, mas que aqui nos não
interessa.
Daí teriam navegado para a costa, dobrado o
Cabo Verde e entrado no Gâmbia, sern oposição. Já dentro do rio morreu um
marinheiro, quando estavam juntos de uma ilha. Enterraram-no nela e deram-lhe o
nome de Ilha de Santo André (115), em memória do morto. Encontraram indígenas,
os intérpretes fizeram-se entender e conseguiram captar as suas simpatias.
Souberam por um deles que «o seu
principal senhor (do paiz de Gâmbia) o
Forosangoli,
o qual dizia estar a afastado do rio, pela
terra dentro entre sul e sueste, segundo elle nos mostrou, de 9 a 10 jornadas;
e este Forosangoli dependia do imperador de Meli,
que era o grande Imperador dos Negros: mas que havia muitos
oulros Senhores menores; que habitavão junto ao rio, tanto de hum como de outro
lado; e se quizessemos, que elle
nos levaria a hum deles que se chamava Batimansa...»
Subiram então o rio por 60 milhas (15 léguas) e
chegaram aos domínios do Batimansa ou Butimensa, estabelecendo
relações amistosas e traficando. Receberam escravos, algum ouro, algodão, panos
de algodão, bugios, macacos e gatos de algália. Estiveram lá por onze dias, mas
a doença atacou muitos, pelo que desceram o rio.
Na foz receberam de presente um elefante que o
Senhor da região,o Gnuminansa (já se viu que o Guermimensa da ed.
da «Colecção de Noticias» deve ser erro), ou seja o Niumimansa, lhes
ofereceu.
Destes
chefes indígenas nos ocuparemos com vagar no estudo da viagem de Diogo Gomes.
(115) Deve ser a Dog Island, que é também, ao que
parece, a tradução de umoutro nome que os portugueses lhe deram bastante mais
tarde- Ilha dos Cães.
PARA SUL DO GÂMBIA
Três dias depois de sairem da foz do Gâmbia,
navegando para sul ao longo da costa, chegaram a um rio «de razoavel grandeza»,
de largura de mais de meia milha. Tratava-se de um dos vários pequenos rios
entre o Gâmbia e o Casamansa, provavelmncute o Bliss, o Suta ou o Oyster. No
dia seguinte chegaram a outro rio. Um batel foi a terra, e souberam tratar-se
do «Rio de Casamansa» isto é, do rio que pertencia ao rei denominado
Casamansa. Talvez que ele tirasse o título do nome do rio, que a ser
assim se chamaria mais propriamente Rio de Casa, como aliás vem nalgumas
cartas antigas. O Casamansa habitava a 30 milhas da foz (cerca de
sete léguas e meia), mas não o viram porque andava em guerra. Os indígenas que
encontraramn seriam talvez fe!upes, pois os Casangas viviam mais
para o interior. A influência mandinga já se fazia sentir no rio, como o revela
o próprio nome do rei local. Mais tarde VALENTIM FERNANDES registará que o nome
de um dos régulos da foz era o Mansa Folup, o que mostra que até os
altivos felupes já haviam sofrido a mesma influência.
Navegando mais para o sul atingiram um cabo que
na «sua írente mostrava uma cõr vermelha»,pelo que lhe chamaram Cabo Roxo. Mais
adiante encontraram um rio «assaz grande», que é indubitavelmente o actual
Cacheu, e a que CADAMOSTO diz terem posto o nome de Rio de Santa Ana.
A seguir toparam com outro rio «não maior» que
o de Santa Ana. Que teriam denominado de Rio de S. Domingos, e que estava a
umas 55 ou 60 milhas do Cabo Roxo.
Um dia depois chegaram à «embocadura de um
grandíssimo rio, tão grande que ao princípio todos nós julgámos que era golfo».
Era o rio que durante muito tempo caracteristicamente foi chamado de Rio Grande
e que uma infeliz generalização transformou em Rio Geba ou Canal
do Geba. Deram-lhe uma largura de «ao menos vinte milhas (italianas)», no
que não erraram. Passaram para o que julgavam ser a margem sul, apercebendo-se
então de que se tratava de ilhas. Já perto delas, vieram ao seu encontro duas
almadias muito grandes «uma delas quasi tamanha como as nossas caravelas, mas
não Ião alterosa, e nesta vinha trinta Negros». Eram certamente duas canoas
bijagós, características pelo seu notável comprimento. Os intérpretes não se
fizeram, porém, entender, pelo que desistiram de navegar mais além e iniciaram
o torna-viagem.
Descobriu a expedição onde foi Cadamostonovas
terras não avistadas ainda?
Já atrás se viu como CADAMOSTO atraza a descoberta
do Senegal e do Cabo Verde. Igualmente se apresentou a possível
justificação, conforme LOPES DE LIMA.
Quem ler as «Navegações» e nada mais souber
fica com a crença arreigada de que Cadamosto foi o primeiro a navegar para o
sul do Cabo Verde.
Ele diz que só no ano anterior à sua primeira
viagem se atingiu o referido Cabo. Ao chegar ao Rio Salum diz: «e lhe puzemos o
nome de Rio Barbacim; e por esta maneira é notado na carta de navegar, que se fez
daquefa costa». Fica-se com a impressão de que o descobriu e de que antes não
havia cartas da região.
Quando entra no Gâmbia exprime-se de forma tal
que se é levado a supor que nenhurna outra expedição lá havia estado antes. Não
nega que os portugueses já tivessem conhecimento da existência do País de Gâmbia,
mas habilidosamente lança no espírito do leitor a idéia de que tal conhecimento
derivava apenas de informações obtidas dos indígenas do Senegal.
A Segunda Navegação
abre pela
descrição do desembarque nas ilhas de Cabo Verde - no que muitos vêm uma falsificação.
Após a entrada no Gâmbia segue-se o relato da viagem para o sul, aprentando-se Cadamosto como dando o nome ao Cabo Roxo, Rio de Santa Ana
e Rio de S. Domingos - o que parece confirmar a crença de que antes dele ninguém
lá havia estado.
A notícia da entrada no Geba é toda ela
surpreza - julgavam primeiro que se tratava de um golfo, viram afinal que do
lado sul havia um arquipélago, os indígenas pasmados, como se nunca tivesse
visto brancos…
E quando Cadamosto ouve de um escrivão o relato
da viagem de Pedro de Cintra, tem a arte de o lançar no papel de forma tal que
este navegador aparece como um «continuador» da sua obra, descobrindo para além
do ponto onde de fora o primeiro a chegar...
Esta tendenciosa forma de escrever, que durante
séculos fez passar Cadamosto por um descobridor - e que só ilude afinal quem se
quiser deixar iludir - já mereceu de alguns investigadores o devido reparo.
Assim, DUARTE LEITE, com razão comenta,
referindo-se ao relato que o veneziano fez das suas viagens e da de Pedro de
Cintra, que
«...os maritimos, por ignorancia ou fatuidade,
com frequencia se arrogavam descobertas já feitas por outrem.
Exemplo desta manha nos oferece o próprio Cadamosto, anunciando ter descoberto
terras que seguramente tinham sido avistadas
havia uns nove anos; e
no caso presente, como ele não passara do Rio Grande na sua última viagem, considerou
nova toda a costa seguinte».
Os escritos de Cadamosto foram habilidosamente
arquitectados para deixar no espírito do leitor a impressão de que o autor
fora o descobridor de toda a costa entre o Cabo Verde e o Geba.
Mas já atrás fitou suficientemente demonstrado
que nove anos antes de o veneziano vir à Guiné já fora descoberta toda a
costa alé alturas do Cabo Roxo, pelo menos.
O rio a que ele diz ter posto o nome de
Barbacim já era afinal o rio de Nuno Trislão. Aquele onde lhe trucidaram um
intérprete já havia presenceado nove anos antes o massacre de Nuno Tristão. O
Niumimansa que lhe deu um elefante já havia feito matar antes
numerosos portugueses, e guardava uma âncora de navio que dez anos antes de
Cadamosto receber o presente estivera no Gâmbia. O Rio de Casarnansa era afinal
aquele onde muito provàvelmente Álvaro Fernandes, um decénio atrás, fora
ferido...
Estes simples factos vêm lançar a dúvida sobret
odo o resto do relato da 2.ªNavegação, para sul do Cabo Roxo. Que razão temos
nós - em face do que já se viu - para crer que íoi na expedição onde embarcou Cadarnosto
que primeiro se deu o nome ao Cabo Roxo, ao Rio de Santa Ana e ao rio de S.
Domingos? E mesmo que assim tivesse sido, constitui isso prova de
que antes se não havia navegado nessa zona?
Já alguns investigadores têm afirmado que a
segunda Navegação é toda inventada. É difícil prová-lo.
A parte
relativa ao Gâmbia deriva necessariamente da observação directa -embora
pudesse, é certo, ser colhida apenas na primeira viagem. Do
Gâmbia para sul, porém, o relato torna-se bastante lacónico. Comparado com o
da viagem de Pedro de Cintra,
ouvido de um escrivão, não é mais prolixo que este. Podia portanto Cadamosto
ter-se aproveitado de parte dele para o incluir numa segunda Navegação, que
prolongaria para além do Gâmbia.
Embora não seja impossível, não podemos contudo
provar que tal se desse.
Um facto vem, porém, aumentar a dúvida sobre a veracidade de Cadamosto. É a denominação, que ele diz ter posto, dos
Rios de Santa Ana e de S. Domingos.
O Rio de S. Domingos encontra-se com efeito nas
primeiras cartas conhecidas hoje. Mas delas se vê também que corresponde ao
actual Cacheu.
Aliás ainda nos nossos dias esse rio limita a
sul a Circunscrição de S. Domingos, de que a sede é a povoação do mesmo nome,
banhada por um pequeno rio de designação análoga que desemboca no Cacheu.
Durante muito tempo mesmo este foi conhecido pelo primitivo nome - havendo na
sua barra o Baixo de S. Domingos -, e só a importância passada da velha
povoação fundada por Manuel Lopes Cardoso fez com que o nome
actual se lhe sobrepuzesse.
No entanto Cadamosto diz ter denominado esse
rio de Santa Ana e aplicou a outro mais a sul a designação de S.
Domingos.
Esse segundo rio é indubitàvelmente o actual Canal
de Jata, pois o veneziano indica que o viu antes de chegar ao Gêba.
Sucede, porém, que nas cartas antigas esse
canal vem com o nome de Rio das Ancoras e não de S. Domingos. (117)
(117) No
quadro de toponímia costeira antiga que foi apresentado no estudo da viagem de
Nuno Tristão, no número 1 deste «Boletim», identificámos, por engano, o antigo Rio
das Âncoras com o actual Mansoa. Na realidade este rio parece ter tido durante
algum tempo tal designação - e os ilhéus da sua foz ainda se chamam das Ancoras - mas ela não deve ter sido a
primitiva, tendo-se dado uma transposição de nomes, tão frequente nesta costa.
O Mansoa talvez tivesse sido inicialmente o Esteiro da Catarina, que depois se deslocou para o Canal entre
Jata e Pecixe. LOPES DE LIMA, B 30, Llv. I, Parle II, pág. 120, indica
claramente que no seu tempo o Rio das Ancoras ficava entre Jata e Pecixe.
Acresce
ainda que na região nunca aparece em tais cartas um Rio de Santa Ana. Só
mais tarde surgirá, mas ao norte do Casamansa.
Conclui-se
assim que:
1 - Ou
Cadamosto - possivelmente por não ter estado na região - confundiu e transpõs
as designações geográficas;
2 - Ou os nomes que Cadamosto teria aplicado
não prevaleceram e foram transpostos e alterados.
Corre geralmente que o veneziano fez uma
carta das regiões por onde andou, carta essa que teria dado a um célebre
cartógrafo de Ancona, Benincasa, que a teria aproveitado para corrigir e
aumentar os seus trabalhos.
Mas
o exame a um atlas do artista anconitano existente na biblioteca do Vaticano e reproduzido por
SANTARÉM, e que se diz de 1471,faz duvidar fortemente de tal afirmação.
Com efeito, se Cadamosto levantou uma carta,
natural seria que nela pusesse os nomes que se lêem nas suas «Navegaçôes»,
os quais certamente Benincasa fielmente reproduziria.
Mas analisando o troço da
referida carta compreendido entre o Cabo Verde e o Gêba verifica-se que
tal não sucede. Há nomes que vêm
nas «Navegações» e faltam na carta, e há nomes que surgem nesta e não aparecem
naquelas.
Na carta vem um Rio dos Çoreos (Rio dos
Sereres) e, por duas vezes, a palavra Barbacis. Mas Cadamosto
não fala em nenhum rio dos Sereres, apenas menciona este povo, juntamente eom
Barbacins; além disso falta na carta o Rio dos Barbacins, que aquele diz ter
assim denominado. Antes do Gãmbia tem Benincasa um Rio de Loco - que já
se sabe ser o Salum; no entanto o veneziano não fala em tal nome, apesar de lá
ter assistido à trucidação de um intérprete. A seguir ao Cabo Roxo menciona o
anconitano Fallolu, que sabemos por DUARTE PACHECO ser lugar «muito
abastecido de arroz e carnes», em terra de felupes; ainda hoje um banco em
frente se denomina de Baixos de Falulo. No entanto Cadamosto é mudo a respeito de tal lugar. O
cartógrafo escrcreveu o nome de um Rio de san domingo no fundo de uma
grande enseada; não se percebe, porém, se se trata do Cacheu ou do Canal de
Jata. Mas o Rio de Santa Ana, a que Cadamosto diz ter posto a designação, é que
lá não está, o que é bem estranho.
No Geba aparecem na carta
vários rios desembocando na margem norte, e contudo o veneziano não refere
nenhum. Lá vem um Rio de Fancaso, por duas vezes a Terra Farsangalli,
Bisano (Bissau), vários nomes no arquipélago dos Bijagós, a configuração
aproximada do Canal do Geba até bastante a montante - e no entanto Cadamosto
não cita qualquer desses nomes, pois o seu relato não passa da foz do rio.
No Gâmbia faltam ainda na carta a menção à Ilha
de Santo André, ao Gnumimansa, ao Forosangoli e ao Batimansa.
Conclue-se assim que os trabalhos de Benincasa
ilustram afinal muito mal as viagens de Cadamosto, ao contrário do que se tem
afirmado.
Quanto ao célebre Rio de Santa Ana em
vão se pode procurar ainda na carta portuguesa de Modena que se diz de cerca de
1471, na carta de Soligo (c. 1486) na portuguesa de Paris (c. 1500), na de La
Cosa (1500), na portuguesa de Modena de 1502, na de Hamy (1502), na portuguesa anónima conhecida por Kunstmann III (post. 1506), na de
Pilestrina (1511), na de Maggiolo (1511), nas de Diogo Ribeiro (1527e 1529), bem
como em DUARTE PACHECO e VALENTIM FERNANDES. Pela primeira vez se encontra
em Gaspar Viegas (1534) - mas não onde Cadamosto indica, pois vem lá entre o
Gâmbia e o Casamansa.
Mas terá esse rio alguma relação com o do
veneziano?
Diz
ele que após a saída do Gâmbia chegaram ao terceiro dia a um rio de «razoavel
grandeza», de «largura de mais de meia milha»; não lhe dá porém qualquer nome.
Na tarde desse dia viram ainda «um
pequeno golfo, que quase mostrava ser a modo de embocadura de rio»; não lhe dá
também designação alguma. No outro dia chegaram ao Casamansa. A carta de
Bnincasa está na realidade inteiramente de acordo com este relato, na zona em
questão, pois menciona um «arboredo grande» que condiz com as «infinitas
arvores verdes, belíssimas e muito grandes»
que
Cadamosto refere; e traz apenas a embocadura de um rio, sem nome, entre o
Gâmbia e o Casamansa.
Na carta portuguesa anónima feita entre 1471e
1482 já vem, entre esses dois rios, o Cabo de Santa Maria, o Rio de
Santa Clara e o Rio de S. Pedro. Soligo, em c. 1486, traz a mais,
entre o segundo e o terceiro, o Rio das Serras, que deve ser deturpação
do Rio das Ostras, que aparece nas cartas portuguesas anónimas de Paris
(c. 1500) e Modena (1502) e muitas outras depois. Assim se chega a Gaspar
Viegas, onde surge o rio de Santa Ana no lugar do Rio das Ostras, que
lá falta. Por fim André Homem (1559) já traz os dois a par, o de Santa Ana ao
norte e o das Ostras ao sul. Depois começa a reinar compacta confusão,
trocando entre si de posição todos estes rios: numa carta de Pedro de Lemos (1594)
a ordem é Santa Ana, S. Pedro e Ostras; noutra possivelmente do
mesmo autor (1594?) já é porém S. Pedro, Santa e Ostras; em Luís
Teixeira (c. 1600) S. Pedro e Ostras; Mortier (1700)
traz um novo nome, rio de S. João, que LOPES DE LIMA considera um braço
do Casamansa, sendo os rios de S. Pedro, Santa Ana e Ostras três
bocas desse braço - já AZEVEDO COELHO o mencionara, dizendo que um feitor
inglês do Gâmbia o quisera encarregar de o «descobrir», isto é, explorar
comercialmente. E assim se chega aos nossos
dias, em que às cartas inglesas registam ainda ao norte o Sam Pedro, ao
sul o Oystere entre ambos, o Bliss e o Suta, de que um
deles deve ser o antigo Santa Ana.
Verifica-se assim que este rio
só começa a aparecer nas cartas em 1534 e que esteve sujeito a constantes
deslocações e trocas, com os vizinhos. Contudo essas deambulações fiseram-se
sempre na zona entre o Gâmbia e o Casamansa, nunca aparecendo ele mais ao sul.
Conclui-se que o nome que Cadamosto diz ter
aposto se sumiu das cartas durante muitas dezenas de anos - quase um século - e
voltou a reaparecer, mas aplicado a um rio muito mais para o norte. É de crer portanto
que nada tenham que ver um com o outro. O nome de Santa Ana surge
constantemente aplicado a rios, cabos, ilhas, etc.; nesta zona de África, por
exemplo, há, pouco ao sul da Serra Leoa, um cabo de Santa Ana que foi baptisado
por Pedro de Cintra, e entre Arguim e o Senegal também os primeiros capitães
henriquinos deram igual designação a outro cabo.
É sabido que os antigos navegadores tinham o
costume de baptisar os acidentes costeiros consoante os nomes dos santos dos
dias em que os viam. Verifica-se neste caso que Santa Ana se celebra a 26 de
Julho e S. Domingos a 4 de Agosto. Sucede porém que do Cacheu ao Canal de Jata
medeiam urnas escassas 15 milhas actuais, o que pressupõe que os dois cursos de
água seriam avistados, quando muito, em dois dias contíguos. No entanto
contam-se nove entre as datas referidas atrás como sendo aquelas
da consagração de Santa Ana e S. Domingos.
Quer isto dizer que o recurso à agiologia
também não consegue explicar a razão das designações que Cadamosto indica.
Resta a suposição de que o Santo ou a Santa seria de particular devoção de um
dos capitães dos navios, que assim o aplicaria a um dos rios, ou ainda de que
alguma das caravelas se chamava S. Domingos ou Santa Ana.
Depois deste longo arrazoado continua
indecifrável o mistério do Rio de Santa Ana. E a dúvida se Cadamosto esteve ou
não a sul do Cabo Roxo continua a persistir.
Ele preenche apenas dois escassos capítulos em
descrever a viagem entre tal cabo e o Geba, quando até aí havia sido tão
prolixo. Os pormenores que dá não são mais abundantes que os que escreveu a
propósito da viagem de Pedro de Cintra, cujo relato ouviu de um escrivão. E a suspeita
de que ele se apropriou para a sua Segunda Navegação de uma parte daquele
relato não é completamente descabida, embora não possa ser confirmada.
Tem-se afirmado que ele refere o macaréu no
Geba.Tal não tem fundamento, pois ele limita-se a acentuar que as correntes de
maré são muito fortes - como na realidade sucede - o que de modo nenhum pemite
concluir que se trata do macaréu. Nem ele
o poderia notar na foz do Geba, porquanto só no fundo do estuário, por alturas da
bifurcação Geba-Corubal, o fenómeno se começa a fazer sentir. O primeiro a
referi-lo foi Diogo Gomes, que nesse mesmo ano o viu porque subiu o rio.
No que respeita à afirmação de que ele levantou
uma carta das zonas que visitou, carta que serviria a Benincasa, já se viu a
sua falta de fundamento. Apenas no intervalo entre o Gâmbia e o Cabo
Roxo há concordância entre os dois, e os trabalhos de Benincasa revelam
muitos pormenores que não dizem respeito à viagem do veneziano. Este limitou-se
a copiar as cartas dos marinheiros portugueses, e seria tal cópia que
entregaria ao anconitano.
Creio que depois de todas estas pequenas
conclusões que se estabeleceram já não há lugar para continuar a afirmar, como
temos lido, que «Cadamosto foi o descobridor do Geba e dos Bijagós».
Já se viu que, para sul do Gâmbia, a costa alé
ao Cabo Roxo já fora percorrida em 1446 por Álvaro Fernandes. Já se viu que
posteriormente a 1448 estamos muito mal
inforrnados dos limites meridionais atingidos por numerosas expedições que navegaram nos mares da Guiné. Já se viu que Cadamosto
tendenciosamente escreveu as suas Navegações de modo a apresentar-se como o
descobridor de toda a costa ao sul do Cabo Verde.
E ainda que antes de 1456 nenhum navio tivesse
passado para além do de Álvaro Fernandes, não se podia afimar que tivesse sido
o de Cadamosto o primeiro a fazê-lo. Com efeito, nesse mesmo ano de 1456, três
caravelas, capitaneadas por Diogo Comes, subiram o Ceba. E ainda ninguém provou
que a expedição onde embarcou o venezianmo esteve nesse rio
antes da comandada pelo capitão henriquino.
☻ Em 1456, Diogo
Gomes, comandando uma frota de apenas 3 caravelas, chega ao estuário do rio
Geba e a algumas ilhas Bijagós; a Bula
«Inter Caetara» de Calisto III, de 13 de Março daquele ano, confirma a concessão
à Ordem de Cristo de todos os poderes espirituais sobre as «ilhas», vilas,
portos, terras e lugares adquiridos e a adquirir desde o cabo Bojador e o cabo
Não, decorrendo por toda a Guiné e por toda a plaga meridional até aos Indos”.
Viagem de
Diogo Gomes (1456)
Conhecem-se de Diogo Gomes três viagens à Guiné.
A primeira parece ter sido na frota de Lançarote, em
1443, gabando-se ele de, à sua conta, ter capturado 22 azenegues, numa das
ilhas de Arguim. Não interessa aqui.
A
terceira (1458, 1460 ou 1462), à terra dos Barbacins, já foi referida também.
Tem principalmente importância para o estudo da descoberta do arquipélago de
Cabo Verde. A segunda (1456) foi incontestàvelmente a mais notável de todas. Dela nos vamos ocupar.
NO GÊBA
Na sua «Relação», de que tão frequentemente nos
vimos utilizando, refere Diogo Gomes, após a descrição da viagem de Valarte,
que «algum tempo depois o senhor infante armou uma caravela de Lagos chamada Piconso,
e fez Diogo Gomes capitão dela». Não indica portanto qual a data da
partida, mas como, mais adiante, diz que «nos dois anos próximos ninguém foi à
Guiné, porque o rei Afonso, com 352 velas, passou à Afrita e tomou a
poderosíssima cidacle de Acácer dalquivir», deduz-se que a viagem se realizou
em 1456.
A Piconso juntou o Infante mais duas
caravelas, comandadas por João Gonçalves Ribeiro e Nuno Fernandes de Baía;
Diogo Gomes era o capitão-mor da frota, com a ordem de «que íôssem avante
quanto pudessem».
MARTINHO DA BOÉMIA escreve
então:
«Et sic transiuímus flumen
Sancti Domíníci et alíum fluuium magnum vocatur Fancaso vtra Ryo grande, et
habuimus illic rnagnas currentes maris, et crescente marefecit
ibi magnum impetum, qui vocatur macareo, quia tune non est ancora, quae post
tenere». (leitura de ANTÓNIO BAIÃO).
O que GABRIEL PEREIRA traduziu por:
«E assim passamos o Rio de S. Domingos e outro
rio grande que se chama Fancaso, para lá do Rio Grande, e
tivemos ali grandes correntesdo mar, e na enchente faz
grande ímpeto,o que chamam macareo, porque não há ancora que possa aguentar».
Esta passagem, que indica o términus da viagem,
tem sido motivo de grande discussão. À primeira vista parece estar-se em face
de três rios diferentes: o S. Domingos, o Grande e o Fancasso. ERNESTO DE
VASCONCELOS, pensando assim, identificou o Rio Grande com o Casamansa, e o Fancaso
com o Geba, por entender que o macaréo referido em tal passagem era
relativo ao Fancaso (119).
ARMANDO CORTESÃO com razão contestou este ponto
de vista (120). Com abundantes exemplos mostrou que o Rio Grande sempre foi o
Canal do Geba, o que o leva a concluir que: o Fancaso é outro rio a sul
daquele, o actual Rio Grande de Buba. No entanto reconhece que «quem não
profunde o assunto pode depreender daqui (da tradução de GABRIELPEREIRA)
que se descreve o macaréu (fenómeno que na Guiné é exclusivo do Rio Geba ou
antigo Rio Grande) como dando-se no Rio Fancaso». Conclui porém que «há apenas
falta de clareza de Valentim Fernandes ao escrever a narração de Diogo Gomes» e
que as palavras illice ibi do
original latino se referem no Rio Grande e não ao Fancaso.
DAMIÃO PERES (121) segue a opinião de CORTESÃO,
salientando ainda que na carta portuguesa anónima de Modena a que se a tribui a
data de c. 1471 se verifica coincidir o Rio Grande com o Geba, o mesmo sucedendo
no Globo de MARTINHO DA BOÉMIA (1492) - que foi quem redigiu o relato de Diogo
Gomes. Traz ainda DAMIÃO PERES outra dúvida para a discussão, quando diz que
«ocorreria citar, em contrário, que consta de certas
cartas dos
fins do terceiro quartel do século XV, como algumas das de Beníncasa e da sua
escola, onde a palavra Fancaso aparece na entrada do referido estuário».
É porém da opinião de que se trata de «documentos cartográficos um tanto
imperfeitos, sendo crível que haja apenas deslocação daquele nome», concluindo
dever «crer-se que Diogo Gomes denominou Fancaso o actual Rio de Buba».
(119) «Colónias Portuguesas», Vol. lI. Pág. 4, apud CORTESÃO (Armando), B 16, pág.
22, nota 2: «Como a maré depois enchesse de novo,
o macaréu outra vez os
assaltou, julgando eles mais prudente retirarem-se.
Por esta descrição
vemos que o rio a que eles
chamavam Fancasso e que, diz Diogo Gomes na sua narrativa, era paru ládo Rio Grande, deve corresponder ao Rio Geba, em cujo estuário se dá o fenómeno do
macaréu. É por isso natural que o Rio Grandedas crónicas seja antes o Casamança do que o rio que hoje toma
aquele nome…»
(120) Ibidem.
(121) PERES,B 36, págs. 104-107.
Há porém uma terceira bipótese, que ainda não
foi tomada em consideração, e que se afigura ser a mais simples e a mais lógica.
Não pode haver evidentemente dúvida de que o
Rio Grande de Diogo Gomes e do seu tempo é o actual Canal do Gêba. Mas este e o
Fancaso são afinal urn e o mesmo curso de água, como está apontado nas cartas
de Benincasa.
Trata-se de uma confusão de MARTINHO DA BOÉMIA,
que escreveu Fancaso além do Ryo grande em vez de Fancaso ou Ryo
grande.
Uma nota de CRONE em edição inglesa das «Navegações» de CADAMOSTO (a que juntou outros relatos) chamara-nos a
atenção para o termo Fancaso. CRONE cita um
trecho do «Golden Trade» do antigo explorador JOBSON (1623) e cujo conteúdo é o
seguinte: «...the sea, where of they are al together ignorant, onely by the
name, or word Fancassa whlch signifie the great watcrs... » (Golden Trade,pag. 93, apud CRONE, B
17, pag. 91).
Ouvida a opinião de um conhecedor das línguas
indígenas, soubemos que existe no idioma dos soninkés e mandingas o termo Fancasso,
actualmente designando as conchas dos animais aquáticos. Mandingas e soninkés,
povos do interior do continente, não estavam habituados a ver grandes extensões
de água. «Quando chegaram ao litoral conheceram as conchas características da
água salgada e que nunca haviam divisado nos rios dágua doce. A
estranheza pela imensidade das águas e pelas conchas fê-los designar as grandes
extensões de água por Fancasso, nome por que ainda hoje conhecem as
conchinhas (as de que as senhoras fazem colares, actualmente de tanta procura)»
(122). Já atrás se viu - a propósito da viagem de Nuno Tristão - como
noutro ponto onde os mandingns atingiram a região costeira lhe aplicaram um
nome revelador da impressão que lhes causava a vista de grandes extensôes de
água - Niumi, o litoral.
(122) lnfomação amavelmente prestada pelo
Administrador António Carreira.
Nessas mesmas cartas de Benincasa, exactamente junto da designação «Rio de Fancaso» vem, na margem norte
do Canal do Geba, a de «Terra Farsangolli» (cf. o termo referido por
CADAMOSTO no Gâmbia - Forosongoli), repetida novamente no fundo do
canal. Adiante se verá tratar-se da Terra de Faran San Coli, chefe
mandinga que então dominava na região ainda hoje conhecida por Goli. Esta
simples associação mostra que Fancasso era a designação que os mandingas
da margem norte aplicavam ao Canal do Gêba, impressionados, e justamente, pela
sua enorme vastidão.
Aliás esta mesma conclusão se tira lendo com
atenção o relato de Diogo Gomes. Em continuação do trecho já transcrito vem que
«Por êste motivo (os) outros capitães e (os) homens
dêles temiam,
julgando que em assim todo o mar além, e me rogavam que voltasse».
o que continua a ser referência evidente ao
Rio Grande e ao macaréu.
«E a meio da rnaré ficou o
mar bastante manso, e vieram os Mouros da terra nas suas almadias, e nos
trouxeram as suas mercadorias, a saber:
panos de sêda ou algodão,
dentes de elefante, e uma quarta de malagueta em grão e nas suas casas tal qual
cresce, com o que muito me alegrei».
o que mostra que os indígenas em questão,
«Mouros>, eram habitantes da região de Goli, mandingas e biafadas
mandinguisados, como antigos
textos o fazem saber. Aliás entre os seus produtos de troca figuram os panos de
algodão o que revela tratar-se de povo que já atingira notável grau de
civilização - o que exclui a hipótese de serem outros habitantes das margens do
Rio Grande, manjacos, papeis, balantas e bijagós, muito mais atrazados
e ignorando a indústria algodoeira.
«E parámos aí, nem passámos além por causa das correntes
do mar.E quando veio a maré cheia aconteceu-nos a nós como antes e assim nos voltamos adonde
nos saímos».
o que mostra com clareza que novamenle sentiram
o macaréu (quando veio a maré cheia aconteceu-nos a nós como antes) e
que retrocederam para juzante, onde já o fenómeno não ocorria.
Vê-se portanto que tudo o que Diogo Gomes
refere é relativo ao Rio Grande, e que expressamente se indica que não passaram
para além do curso de água onde notaram o macaréu - o qual era afinal esse
mesmo Rio Grande que os indígenas mandingas apelidavam de Fancasso, termo aliás
que traduz a mesma ideia que a designação portuguesa.
Em Diogo Gomes a referência ao macaréu é
inequívoca. Ele refere, como Cadamosto, «grandes correntes do mar» mas diz mais
que «na enchente faz grande ímpeto, a que chamam macareo porque então não há
âncora que possa aguentar» (123). E acrescenta - o que é verdade - «que a
meio da maré ficou o mar bastante manso». Não há ainda referência à onda característica,
mas os outros detalhes são exactos. É possível que Diogo Gomes não a tivesse
indicado por estar um pouco a juzante do local onde ela se forma, embora já
suficientemente próximo para sentir efeitos.
Este pormenor revela que Diogo Gomes esteve no fundo do
Canal do Geba, perto da bifurcação Geba-Corubal, a cerca de 150 quilómetros para
montarrle do local onde Cadamosto chegou nésse mesmo ano de 1456. Já é
tempo de se começar a apreciar a distância que medeia entre o explorador Diogo
Gomes - de quem se diz que «parece ter o defeito de se gabar» (124) - e o
mercador Cadamosto - que corre como navegador portentoso.
Os mareantes desembarcaram ainda em terra,
tendo avistado um numeroso rebanho de miongas, alguns elefantes e tocas
de crocodilos.
(123) ÁLVARES D’ALMADA, B 32, pags. 52,
confirma este facto e diz como «e defendiam dele: «algumas caravellas nossas de
até sessenta moios que algumas vezes lá vão no passar, quando dá a agoa do Macareo, usão desta maneira. Tem
algumas sonderiças e amarras
ostadas humas nas outros, e estão prestes com ellas, e o navio surto e a amarra
na mão. Tanto que dão aquelles mares
[a onda) a vão largando e vão
sobre elles aleiando muito depressa as amarras, e desta maneira passão
sem perigo. porque se estivessem com a amarra abitada não deixarião de
soçobrarem e passarem trabalhos».
(124) MAGALHÃES GODINHO, B 32, pág. 108.
NO GÂMBIA
Tendo descido o Canal do Geba as três caravelas
não prosseguiram para sul, antes rumaram para o norte. «E vimos a grande foz de
um rio que tem três leguas de largura, onde entramos, e pela grandeza logo
pensamos que aquele rio era o Gâmbia, e assim era».
Entrada a barra, chegaram a uma pequena ilha
(devia ser a Ilha de Santo André de CADAMOSTO, a actual Dog lsland), junto
da qual passaram a noite.
No outro dia continuaram a
subir o rio, avistando «muitas almadias tripuladas, que assim que nos viram
fugiram, porque eram os que assassinaram os supra ditos cristãos com o seu
capitão». Deviam ser os atacantes de Nuno Tristão e Estêvão Afonso, os
Niuminkas.
1 - FRANGAZICK e FARISANGUL - «Porém no outro
dia, atém da cabeça do rio, vimos gentes à parte direita e chegámos até
próximo, e fizemos pazes com êles; o senhor dêles se chama Frangasick, sobrinho
de Farisangul, grande príncipe dos pretos. E aí recebi deles 180
arrateis de ouro em troca das nossas mercadorias, a saber, pano, manilhas, etc.
E ali nos disseram porque os pretos do lado esquerdo dorio nos não quizeram
falar e porque mataram os cristãos».
Diogo Gomes iniciava no Gâmbia a sua acção de
paz, estabelecendo relações com um chefe do lado sul do rio, próximo da foz.
Adesignação que MARTINHODA BOÈMIA ouviu do navegador e escreveu - como lhe soava
- sob a fonrma de Frangazick, fàcilmente se identifica com aexpressão
mandinga Faran Cassiqué, nome
próprio aplicado a indivíduos nascidos de união entre homem são e mulher a que
o vulgo atribui entendimentos com o diabo (125).
Como a região ficava próximo da foz do rio e na
margem sul, o Faran Cassiqué era possivelmente o chefe do Combo, ou
o Combomansa, que ALVARES D’ALMADA já refere (Cap. VII). AZEVEDO COELHO (
fls. lI) também cita o Combo, que ainda hoje figura nas cartas inglesase
francesas como Kombo (126).
Diz Diogo Gomes que o Faran
Cassiqué era sobrinho de Farisangul, grande príncipe dos negros.
Mais adiante, no relato das informações colhidas em Cantor, novamente fala no Forisongul,
súbdito de Mormeli (Bormeli), senhor da parte direita (margern sul)
do Gâmbia.
Já afrás se viu como CADAMOSTO soube de um
indígena que o principal senhor do país de Gâmbia em Forosangoli, dependente
do Imperadorde Melli, e residindo numa região afastada do rio «pela
terra dentro entre sul e sueste, de nove a dez jornadas».
Igualmentc se notou também que as cartas do Benincasa
trazem na margem norte do Canal do Geba, por duas vezes, a Tero Forsongalli.
(125) António Carreira
(126) Trata-se de Cômbó mandinga, que signi!ica cacimbo ou nevoeiro. Adesignação Cômbomansa derivou do facto do
primeiro régulo ter sido entronizado em dia encoberto e do seu reinado ter
decorrido cheio de acidentes e mal-estargeral (António Carreira).
Numa carta de Nicolas de Nicolay (1560) vem, no
mesmo local, Ugoli; noutra de Ferando Bertelli (c. 1560) igualmente Vgoli.
Mortier, na edição das cartas- padrões da Casa da Mina (1700, mas as cartas
são de meados de seiscentos) traz também Agula.
Por outro lado, na carta portuguesa anónima de
Modena (c. 1471), a Terra Farsangalli desaparece, surgindo em seu lugar Gormanssa,
o que se verifica também em Soligo -
c. 1486 (Gormanso), Cantino -1502 (Gormansso), Hamy - c. 1502 {Gromansa),
Vesconte de Maggiollo-1511 (villa Gromansa), Diogo Ribeiro - 1527 e
1529 (Gorrnanso), João Freire - 1546 (Gormaso), Pierre
Descelliers -1546 (Gormasa).
VALENTIM FERNANDES (pág. 86-7) escreve:
«Neste ryo Grande ha ouro mas
pouco e aquelle oro ¨q tem trazëno do sertaõ da terra de mãdimãsa onde esta o
ëmperador de todos estes reys e lhe seruë muy prosperadamëte.
Os negros desta costa leuã pera la salcõ q
resgatã ho dito oroe escrauvos e arroz
porq. na costa do mar nõ tê oro.
Ha neste ryo cinco ou seys reys que todos
resgatã cõ christãos e mercã cauallos e outras cousas. Huu rey chamã gromãsa
outro carbali».
No «Livro de rotear» final Gromansa é
localizado (pág. 217):
«N'anjo q esteuer pousado na ylha Fremosa e
quiser hyr pera Gromãsa vaa ao nordeste. E ha na trauessa X
legoas».
Segundo esta indicação verifica-se que o Gormansa
tinha assento na região que hoje constitui o posto administrativo de Enchalé,
o que condiz também com a localização deduzida do nome mais a oriente da
carta de Benincasa.
ALVARES D’ALMADA fala-nos da Terra de Degola:
«Vai êsterio Grande ter a Degola que he
terra dos Mandingas, que vão por cima
cingindo muitas nações, e vem dar neste rio, e tem commercio
por elle e grande trato com os Beafares, e estão misturados nesta terra
os Mandingas e Beafares. E entra de Gâmbia, que he terra dos
mesmos Mandingas, muita roupa d'algodão preta e branca, e escravos. E a
principal mercadoria que aqui corre são colas, nomeadas já algumas vezes, fructo que vem da Serra Leoa ao Rio Grande, e delle o
trazem a este. Levão a este trato tudo o que levão a Gâmbia» (Cap. IX).
AZEVEDO COELHOd iz que do lado norte do Canal
do Geba, acabando os balantas, «se dá logo no Reyno de Gole, de Beafadas,
seguindo-se, para montante e ao longo da margem norte, os Reinos de Ainchomene
(Beafadas), Geba (pertencente ao Farim do Braço) e da Degola (confinando, pelo rio,
com o Farim do Cabo).
CASTILHO, na segunda metade do século passado
já, referia ainda o Reino de Goule (1.171), bem como LOPES DE LIMA (que
diz ser de balantas, o que não é de estranhar, porquanto os mandingas estavam
já em franca decadência - Liv. 1. Par!e II, pág. 107).
Em face dos elementos assim apresentados parece
licito concluir que o Forosangali de CADAMOSTO e o Farisangul de
DIOGO GOMES equivale ao Farsangalli e Gormansa das cartas antigas
e dizem respeito a um chefe mandinga da região de Goli, na margem norte do
Canal do Ceba, perto da confluência Geba-Corubal.
Forosangoli, Forisangul e Farsangallié
ainda o mesmo que Faran San Coli ou Faran Sanculé (este termo
corrupção daquele).
Faran é nome soninké ou mandinga, comum a fulas
quando vivam em regiões vizinhas daqueles. Significa chefe, e segundo
DELAFOSSE tem origem no idioma Songai, que fomeceu muitas palavras ao
mandinga.(127)
(127) António Carreira.
Já VALENTIM FERNANDES o indica:
«Per
toda a terra de Mandinga ha húus senhores grãdes
q
chamã feroes q he huu officio ou dignidade amtre eles,como a ca
corregedor ou gouernador del reye este tal he muy acatado antre elles». (Pág.
77).
E no fim do século XVI também ALVARES D'ALMADA
fala neles:
«Este rio de Gambia he todo povoado de negros
mandingas de huma banda e outra, e em cada espaço de vinte legoas ha um Rei
deles sujeito a outros que se chamão Forões
que he titulo entre elles, de maior dignidade que rei; e assim vai todo
este rio povoado de muitos negros e muitos reis». (Cap. V).
Noutros lugares refere-se por várias
vezes a eles. No «tôpo» do Gâmbia indica dois Farins (Cap. VI); prerto
da barra o Farim Jaroale (Cap. VI); do Casamansa diz que «sem embargo
deste rei ser poderoso dá obediencia a um Farim, que entre elles he como
Imperador, e este adá a outro que fica sobre elle, e desta maneira vão dando
obediencia huns aos outros até irem dar ao Farim
do Mandimança, que he Imperador
dos Negros», (Cap. VIiii); no cap. XI diz que «sobre os Beafares fica hum Farim
que he como lmperador entre clles, a quem todos os reis dos
Beafares dão a obediencia, chamado Farim Cabo, a quem tambem a dão os Mandingas
do Rio Gambia da banda do sul delle».
AZEVEDO COELHO (fls. 41) também fala dos Farins,
principalmente do Farim Cabo, Farim Braço, Farim Cocolim e Farim Landima.
Os outros dois termos que figuram na designação
Farisangul de Diogo Gomes também tem fácil explicação.
Escreve ANTÓNlO CARREIRA que
«Com probabilidades de acertar, fixam-se estas
datas (1530-1550) como a época provável o êxodo de Mandingase Soninkés para regiões do Baixo Gâmbia, alto e baixo
Casamansa até à Guiné Portuguesa, êxodo que, como se vê, teve a sua o rigem nos
vários factores politico-moral e económico, absolutamentc palpáveis.
A tradição oral vinda até nós, diz
que à frente dos grupos que penetraram nos territórios da actual Guiné, Firdú,
etc., vinham dois chefes importantes: COLI MANÉ e IRA SANI, troncos dos ramos
dinásticos que imperaram em regiões que nos vieram a pertencer. A fuga obedeceu
a um plano preconcebido e uma orientação baseada em ideia
religiosa-superstíciosa; os pontos cardiais Gâmbia (Norte), Kakand e(Sul),
Tilibó (Nascente), Tilidji (Poente) e a selecção dos grupos
fugitivos pela eliminação dos responsáveis nos fracassos.
Os cargos de régulo e chefe de tabanca eram
hereditários e essa hereditaríedade nos primeiros constituiu durante anos quase
um privilégio de duas familias: MANÉ e SANI. Sobre os
descendentes varões destas familias recaiu sempre a investidura nos cargos de régulos nos territórios onde predominavam,
seguindo-se a ordem na maioridade». (128).
(128) De um trabalho inédito sobre os Mandingas.
Ainda hoje entre os mandingas, na classe dos
nobres (que outrora formava o ramo dinástico), são frequentes os apelidos Sani e Mané.
Conclue-se assim que o Forosangoli, Farisangul
ou Farsangalli é o mesmo que Faran Sani Coli, chefe indígena dos troncos
dinásticos Sanie Coli.(129) E verifica-se também que, como era de
esperar, o Faran Cassique (Frangazick) era dessas famílias, pois Diogo
Gomes indica ser ele sobrinho do Farisangul.
Diz CADAMOSTO que este último residia no
interior a nove ou dez jomadas entre sul e sueste. Da foz do Gâmbia, do Combo,
até ao fundo do Canal do Geba, no posto do Enchalé, vão 220 quilómetros (em
linha recta), exactamente ao rumo sueste. Dando o desconto para os desvios no caminho,
obtem-se uma jornada média de 30 quilómetros para uma duração de percurso de
10 dias, o que é perfeitamente aceitável.
Significa isto que a localitação da Terra
Farsangalli de Benincasa está inteiramente de
acordo com os informes de CADAMOSTO.
E como depois do anconitano as cartas mais
antigas hoje conhecidas e os roteiristas passaram a aplicar à mesma região o
nome de Gormansa, verifica-se que se trata de expressões equivalentes.
Com efeito, Gormansa deve ser deturpação, por abrandamento, de Colimansa,
visto não se conhecer outra palavra mandinga que lhe
seja mais próxima. E Colimansa (régulo Coli ou régulo de Cóli) significa
pràticamente o mesmo que Faran Sani Coli (régulo Sani Coli ou régulo de
Sani Coli).
Ainda hoje na vasta região entre o Gãmbia e o
Geba existem povoações ou simples locais conhecidos por Foran San Culé ou
Faran San Coli. Mas a referência de CADAMOSTO
prova que
no nosso caso se trata de local do Canal do Geba.
Aliás ainda hoje há na área do Posto de Enchalé
a povoação de Colicunda (de Coli+ cunda, povoação fundada
por Coli), que a tradição diz ser antiquíssima, e à qual os
balantas reportam a sua origem (Coli para eles seria porérn um fula e não um
mandinga). E perto fica o porto de Goli ou Porto de Coli, em
tempos não muito recuados bastante povoado de mandingas e fulas.
Tais são os vestígios que ficaram do importantc
reino de Coli. (129) «O apelido mandinga SANI é traduzido como Alma
de cobra,
isto
aludindo à formidável vitalidade deste régulo, mesmo depois de lhe ser decepada
a cabeça. SAH, cobra; NI ou NIHÓ, alma.
Traduzindo, temos alma de cobra.
«O nome COLI - que é Soninké - significa costas
rapadas (rapado no sentido de limpo): pessoa de carácter e
de grande sinceridade. CÕH, costas, LIHou LIHÔ, rapar» (António Carreira).
Goule, Ugoli ou Agiula, onde ao tempo de Diogo
Gomes dominava o Faran Coli (130). Foram os súbditos deste que o
navegador muito provavelmente encontrou quando esteve no fundo do Canal do
Geba, e foi um sobrinho seu um dos régulos da foz do Gâmbia com quem
assentou pazes.
Esta constatação assume particular importância
para o estudo etnológico das populações da Colónia. Com efeito, verifica-se
que, já nos meados do século XV, as massas invasoras de mandingas e soninkés se
haviam espraiado por todo o alto e baixo Gâmbia, pelo Casamansa e pelo Geba,
através de territórios que em parte constituem a metade oriental da actual
Guiné Portuguesa. Um colar enorme, desde a foz do Gâmbia ao Canal do Geba,
apertava assim de encontro ao litoral um núcleo de populações mais atrazadas,
constituído pelos grupamentos tribuais de arriatas, felupes, banhuns,
cassangas, jabundos, brames, manjacos, papéis, balantas, etc.
(130) Atestando a existência dos mandingas na
região nesses tempos, encontra-s nalgumas cartas antigas, junto de Gormansa,
ou isolado mas na mesma região, o termo Monpagam (Soligo, c. 1486), Mopacham
(Anntino, 1502; Kunstman III, post 1506; Luís Teixeira, c. 1600), Mopache (Lopo Homem, 1554). Trata-se
do termo mandinga Mampassan que
eles aplicam às lagoas situadas em plena floresta. Na
região em questão verifica-se de facto a existência
de
grandes lagoas. (António Carreira).
2 -
SUBIDA DO GÂMBIA. ULIMAIS E ANIMAlS – Continuandona sua narrativa diz Diogo Gomes:
«Porém o senhor daquela terra tinha um preto
chamado Bucker (131) que conhecia toda a terra dos negros, e eu achei
que em tudo dizia verdade, e roguei-lhe que fosse comigo a Canlor, e eu
lhe quis dar mantéu, camisas e todo o
preciso, e assim também prometi ao seu senhor, e assim fiz.
(131) Trata-se evidentemente do termo Burar ou Bocar, nome próprio comum a fulas e mandingas (António
Carreira).
E subimos o rio e mandei urn capitão com a sua
caravela para um certo porto chamado Ulimais, e outro ficou em Animais...»
Diogo Gomes prosseguiu com asua caravela até
Cantor. Aí estabeleceu relações pacíficas e colheu informes ao
que adiante se voltará. Sucedeu porém que
«os meus
homens se fatigavam com o calor
e assim voltamos para procurar as outras duas caravelas E achei na caravela que
ficou em Olimansa 9 homens
mortos, e capitão Gonçalo Afonso bastante enfrermo e outros
seus homens tambem enfermos, e tão
somente três sãos. E achei outra caravela mais abaixo contra o
oceano cincoenta léguas na qual estavam mortos
cinco homens. E logo voltamos, e viemos para o mar,e vim ao lugar onde
encontrara aquele viajante negro e dei-lhe o que lhe prometera».
Além de Cantor, refere Diogo Gomes dois locais
na sua subida do Gâmbia: Animais e Ulimais ou Olimansa. A sua
identificação é fácil.
BARROS (I.ª, III, XII) refere um chefe
indígena, Uli Mansa, como um dos amigos e servidores de D. João II.
AZEVEDO COELHO (fls. 17), na descrição do
Gâmbia, cita o reino Nhanimança, tendo defronte o porto de Nhamena, e
o Reino de Ulimança, de que o primeiro porto para juzante, é Fatatenda.
DAFPER (B 18, págs. 238) fala igualmente no
reino de Wally.
No «Petit Atlas Maritime» de BELIN (1764·t 111
n.º 98 e 102) vêm, em cartas de origem inglesa, ao longo da margem norte do
Gâmbia, os seguintes nomes: Nani-jar, Yamina, Bas Yani, Haut Yani e Woolli.
Finalmente, as cartas francesas de hoje trazem
nos mesmos lugares: Iani ouNioni,
Niamena, Ouli e Fattatenda; as inglesas Niani, Niamina,
Wuli e Fatotenda.
Verifica-se assim que os lugares referidos por
Diogo Gomes (os termos que ele indica, são, na realidade, os nomes dos chefes –
mansas - das regiões) se
identificam facilmeme, por virtude de a toponímia te rperdurado, com o Niani
ou Iani - Ani(mansa) - e com o 0uli ou Wuli- Vli (mansa),
Olli (mansa). (132).
(132) Respectivamcnlc Animais, Vlimais e Olimansa,
na leilura de ANTÓNIO BAIÃO.
Não diz o navegador qual a distância à foz dos
lugares onde deixou as duas caravelas.
Afirma no entanto que de Animais a Ollimansa medeiam
50 léguas, o que
confirma a identificação já deduzida, porquanto de Niani a Uli vão
aproximadamente 40 léguas, havendo assim da sua parte um pequeno erro, perfeitamente
aceitável.
Começa portanto a verificar-se que Diogo Gomes
penetrou profundamente pelo Gâmbia acima, pois o Niani fica a cerca de 180
quilómetros da foz e o Uli a cerca de 350 (133).
(133) Iani ou Niani (N’ani) é
derivado do NIHÓ ou NIH, alma, em mandinga e significa «alma padecedora»
«padecedor»; Uli deve ser o UlLI, levantar, erguer. (António
Carreira).
3 –
CANTOR -
Depois de deixar para trás duas caravelas, em Niani e Uli, Diogo Gomes
prosseguiu:
«E aí subi o rio quanto pude, e achei Cantor,
que é uma grande habitação junto daquele rio. E
por causa da espessura dos arvoredos que estão de uma à outra parte do rio as
velas não poderam seguir. E eu mandei sair o preto, que levámos
comnosoo, para que manifestasse aos homens daquela terra o modo e fim por que
ali viera tratar de comércio.E assim, em grande multidão, os pretos se
aproximaram.
Feita a paz com ele logo soou a fama por todo o
paiz que
estavam os cristãos em Cantor, e correram de toda a parte para aí...»
Diogo Gomes espraia-se então em referências a
numerosos lugares do interior e a factos de relações entre os vários povos. A
um bom conhecedor da geografia física e humana do Sudão e regiões vizinhas deve
ser fácil a identificação de quase todos os lugares que menciona. À primeira
vista deduz-se logo que Tambuctu é Tombuctu, Serra Geleyé o Futa.
Djalon, Emiu é o Niger, Cereculle diz respeito aosSaracolés, etc.
Especial cuidado lhe mereceram as informações
respeitantes à origem do ouro e ao comércio aurífero, de que Cantor era
importante centro.
A identificação desta última região não oferece
quaisquer dificuldades, porquanto o nome ainda perdura e pode-se seguir através
dos cinco séculos que já correram até agora.
DUARTE PACHECO (I, 29) já diz, referindo-se ao
Gâmbia, que «ela sua bõca ha cento &cincoenta lcguoas esta a huma comarca
de terra que se chama cantor», acrescentando que quando lá não há
guerras «sempre se daly trazem a estes reinos sinco: e seis mil dobras de boo
ouro».
Trata-se evidentemente do mesmo local onde
esteve Diogo Gomes, embora o roteirista exagere a distância, que não
passa na realidade das100 léguas.
A importância do comércio aurífero fez com que
o Gâmbia tomasse também o nome de Rio de Cantor. Já VALENTIM FERNANDES (págs.
65e 75) o indica:
«...o ryo Gãbia q se
chama lambem Cãtor...»
«...Gâmbia ryo ou pe outro
nome chamado ryo de Cantor...»
O que ALVARES D'ALMADA
(Cap. V) também já diz do Reino:
«...Reino de Gambia, chamado por outro nome o
de Cantor
AZEVEDO COELHO (fls. 22 e 28) fala do
seu grande comércio, indica o seu porto de Baracunda como o derradeiro
do rio e o de Bunhacó como sendo
do Reino de Farim cabo, «que he terra de Cantor». Noutro lugar descrevendo
a região próxima de Geba, menciona que daí por terras de Farim Cabo vão seis
dias de jornada até Cantor.
DAPPER (pág.239)
igualmente
refere Cantor.
As já mencionadas cartas do Atlas de BELIN
também trazem, do outro lado do rio e a seguir a Woolli, a região de Kantor, com
o Barrakunda Salt.
Finalmente, nas cartas francesas dos nossos
dias, lá continua a figurar Kantor ou Kantora e nas inglesas Kantora
(134), com os Barrakunda Rapids.
Verifica-se
que Diogo Gomes esteve portanto na região de Cantôrá, a cerca de 400
quilómetros da barra do Gâmbia {135). E com razão diz que
subiu o
rio «quanto poude», pois na realidade os Rápidos de Barracunda, que ai
existem, impedem a passagem de navios.
(134) Cantor ou Cantora,
região de tradicionais lutas entre os Mandingas e os Soninkés, de um lado, e fulas do outro, deve o seu nome muito
provavelmente ao facto de estes haverem causado grandes baixas àqueles. O
significado da palavra é «molestou-nos»,
Composta de «CAN» (fez-nos isto) e «TORA» (molestar). (António Carreira).
(135) No número 1 deste Boletim, no estudo da viagem de Nuno Tristão, ao referir o valor do relato de Diogo Gomes (nas
conclusões), Indicou-se por lapso a distância de 500 quilómetros, quando na
realidade são 400.
Teve Cantôrá grandes relaçõescom outra região
que actualmente está incluída na parte leste da Guiné Portuguesa- o Cabo -
bem como com outra também contígua - o Brasso.Toda a zona entre
o médio Gâmbia e o médio Geba era nessa altura assento de fortes núcleos
mandingas, que mantinham um activo comércio, por terra, entre os dois rios,como
aliás já foi referido atrás quando se transcreveu, de ÁLVARES D'ALMADA, a
descrição do Reino de Degola.
Ao falar do rio Cacheu escreve AZEVEDO COELHO
(fls. 41):
«Diante
de todos estes Rios, e portos fica a povoação de Tubabodaga, que na lingua de Mandinga
quer dizer aldêa de branco, a
qualpor outro nome chamam Farim, e he porque he na terra
de Farim de braço, e este
cognome de Farim só quatro
Reinos o tem, e he como dlzer Emperador, que são Farim cabo, Farim Braço, Farim Cocolime Farim Landima…»
Além de nos referir a explicação do nome da
velha povoação de Farim ou Tubabodaga, no limite navegável do Cacheu,
cita ainda AZEVEDO COELHO os dois Farins, Cabo e Braço, que mais
adiante indica terem ambos Reinos tributários.
Já atrás, na análise de viagem de Valarte, se
viu como VALENT!M FERNADES também fala do Farinbraço. E já
no tempo de ALVARES D'ALMADA o Rio S. Domingos (Cacheu) também tinha
o nome de Farim. (Cap. IX).
Diz AZEVEDO COELHO (fls. 66) que o Reino de
Geba era um dos que pertencia ao Farim de Braço, indicando mais adiante
(fIs. 68) «a terra de Braço, que he a que fica neste meyo de Jeba e
Farim».
Depois o termo foi rareando. Numa carta inglesa
do século passad ojá só vem o Brassu entre o alto Casamansa e o alto
Cacheu, nas cartas francesas acabou por se circunscrever numa restrita zona ao
sul de Selho, e nos nossos mapas de hoje já está banido.
O Braço ou Brossu (136) era
indubitàvelmente a região que actualmente constitui a maior parle dos
territórios da Circunscrição de Farim. Verifica-se assim que o verdadeiro nome
se sumiu, substituido afinal pelo termo genérico que usavam os seus antigos
senhores...Quanto ao Cabo jã ALVARES D'ALMADA
(Cap. XI)
o refere também:
«Sobre os Beafares fica hum Farim que he como Emperador
entre êles, a quem todos os reis dos Beafares dão obediência, chamado Farim-Cabo,
a quem também a dão os Mandingas do Rio Gâmbia da banda
do Sul delle...»
(136) Sobre o significado do termo Braço, não foi possivel tirar
conclusões seguras, porque os indígenas
dão expticações
confusas a esse respeito. Os indígenas do Oio ainda hoje designam a região a norte de Farim por Braço. (António Carreira).
DUARTE PACHECO (I, 29, 10) fora mais longe,
afirmando que o Reino de Gambea «também na língua dos mandingas ha nome guabuu...»
Tão
grande potentado como o Farim Cabo não entrava no exercício da sua
autoridade sem a confirmação dos governadores portugueses de
Bissau,
por volta de 1755, sucedendo mesmo frequentemente ser de nomeação portuguesa.Os
nossos chamavam-lhe Capitão-Cabo, o que não deixava de corresponder à
verdade (Farim Capitão), ao mesmo tempo que se fazia um trocadilho...
(137).
Quem diria que um século depois os Governadores
de Bissau não teriam já qualquer poder na região? A palavra Cabo, que é Soninké, parece
provir do nome de um fidalgo dessa raça, que, procedente de Mandem, o aplicou à
região onde se estabeleceu, mercê da falta de sal
também ali
sentida. O termo significa região que não tem determinado produto necessário à
vida dos povos e que tem de ser procurado noutras partes (138).
(137) Bernardino Antonio ALVAREZ D'ANDRADE, «Planta da Praça de Bissau, etc., 1796, mss, da Biblioteca Pública do
Porto. Apud KOPKE, n 26, págs.
104e 107.
(138) António Carreira. Referências do século
findo indicam que o comércio de
Bissau com Geba, que servia o sertão
para o interior, se fazia à base do sal. Esta
povoção tinha, por este facto, uma considerável importância para os mandingas (recorde-se as antiquíssimas noticias, do
periodo romano e Idade Média, sobre o estranho
comércio sal-ouro).
Numa carta inglesa do século passado o nome
ainda lá apareec – Khabu - já um pouco deslocado e reduzido.
É que na região se operara uma grande
reviravolta. Os orgulhosos Mandingas e Soninkés haviam passado de senhores a
escravos. Os velhos rivais, os fulas - até aí dóceis e prestando-se aos seus
desejos- sacudiram o jugo, massacraram grandes núcleos e transformaram-se em
dominadores. Escorraçados e reduzidos, os mandingas desceram a inferioridade
numérica e política.
E o remoto Cabo transformou-se no Gabu.
As vicissitudes da toponímia seguiram de perto as da guerra. O Cabo mandinga,
velho de séculos, deu afinal, por estranha singularidade, o Gabu fula
(N'GABU - hipopótamo) que designa a mais vasta circunscrição da Colónia. A semelhança
sónica mascara porém um significado completamente divergente, e parece-nos de
justiça que de novo volte a correr o antigo vocábulo mandinga, em homenagem a
uma raça de tão brilhantes tradições.
Terminado este longo arrazoado - não tão
despropositado como poderá parecer - chegou a altura de apresentar a condusão
que se pretende.
Diogo Gornes esteve a princípio no fundo do
Canal do Geba, onde os indígenas lhe apresentaram vários produtos. Desceu o
Canal, correu ao longo da costa até à foz do Gâmbia, entrou por ele, subiu-o
por 400 quilómetros e chegou a Cantôrá. Aí encontrou ouro - mas chegava afinal
à região donde, através do Cabo, se esgotava esse ouro e outros produtos para o
fundo do Geba, donde ele viera... Completava assim, depois de uma enorme volta,
por via marítima e fluvial, a ligação entre dois extremos que os mandingas,
pela via mais curta, terrestre, já fechavam.
4 – BATIMANSA,
ALCUZET- Uma vez estabelecidas relações amistosas em Cantôrá, Diogo Gomes
desceu o rio, juntando-se às caravelas que haviam ficado em Ulielani:
«E logo voltamos e viemos para
o mar, e vim ao lugar onde encontrara aquele viajante negro e dei- lhe o que
lhe prometera.
E
então me disseram que da outra parte, isto é, à esquerda do rio, era um certo grande Senhor, ao
Sul, que era chamado Batimansa, e eu desejava fazer paz com ele, e
mandei-lhe aquele preto que estivera comigo
em Cantor.
Porém o senhor daquela terra, desejando falar comigo na margem do rio, em
uma grande selva de arvores, trazia consigo gente infinita armada
com setas venenosas e zagais e espadas e adagas.
E eu caminhei para ele levando-lhe eu mlnhas
ofertas e biscoito e vinho nosso, porque não tem vinho senão de
palmeira, isto é, das arvores das tâmaras. E ele deu-me três negros, duas
mulheres e um homem. E ficou muito contente e muito agradecido, folgando comigo
e jurando-me por Deus vivo e uno que não faria guerra
aos cristãos e
que seguros podiam ir pela sua terra tratando de sua mercadoria.
O que eu quiz experimentar mandando Jacob,
indio que o senhor Infante connosco mandou, para que se chegássemo sà India nos
servisse de língua, em terra, e mandei-lhe que fosse ao lugar que se chama Alcuzet
com o senhor daquele paiz, onde de outra vez estivera
com um cavaleiro pela terra de Gelofa para encontrar a terra de Gelaa e Tambucotu.
O qual Jacob indio me contou que Alcuzet é
terra muito viçosa, tendo um rio de agua doce e muitos limões
que ele me trazia.
E o senhor daquele paiz me mandou dentes de
elefante, um deveras grande, e quatro pretos, que levaram o dito dente ao navio
e assim vieram em paz até aos nossos barcos, e assim fiquei assegurado
por eles. E depois disto fui à sua residência, onde estavam habitações de
muitos pretos. As suas casas são feitas de canas
rnarinhas cobertas de côlmo, e fiquei com ele por tres dias. Aqui ha muitos papagaios
e muitas onças, e êle mesmo me deu seis peles de onças e mandou matar o elefante
e levar a carne às caravelas.»
Refere igualmente CADAMOSTO o Battimansa ou
Butimensa, com quem estabeleceu relações amistosas e traficou. Indica o
veneziano que ele se encontrava a 60 milhas (italianas) da foz do rio, ou seja
a 15 léguas (uns 90 quilómetros).
Depois só voltámos a encontrar a designação na
carta de MERCATOR de 1569 (é sabido que o flamengo se utilizou aliás de
CADAMOSTO), perdendo-lhe em seguida o rasto.
Nem ALVARES D'ALMADA nem AZEVEDO COELHO falam
dele. Este último cita porém nessa zona do Gâmbia - do lado norte contudo – o
Reino de Badibu, que ainda hoje figura nas cartas inglesas e francesas (Boddibu,
Baddibou) a seguir ao Níumi. Um nome errado numa carta de BELIN (Badibour)
levaria a supor que se tratava do Batimansa, mas afinal a suspeita
não tem fundamento. O nome parece ter desaparecido
na realidade das cartas, mas os informes de CADAMOSTO e DIOGO GOMES permitem
localizar o Bati na região actualmente conhecida por Vintang ou Bintam,
onde corre o rio do mesmo nome, que os ingleses também apelidaram de Jeredja,
deturpação da primitiva designação de Rio dos Herejes aplicada pelos
portugueses.
No Bati enviou Diogo Gomes a terra um «Jacob,
índio que o senhor Infante comnosco mandou, para que se chegássemos à India nos servisse de língua». Esta passagem tem sido
motivo de farta controvérsia entre os historiadores, vendo uns no índio Jacob
urn indú asiático (o objectivo do lnfante seria portanto a lndia no verdadeiro
termo, a península do Industão na Asia), afirmando outros tratar-se de um
abexim da Etiópia ou da Abissínia (o objectivo seria assim africano).
Parece-nos que os últimos estão na razão em
parte. O próprio nome de Jacob faz supor tratar-se de um abexim. E já atrás se
referiu como Usodimare, na foz do Gâmbia, se julgava a trezentas léguas do Prestes
João, que assim não podia deixar de ser africano. Esta suposição, que afinal
era a verdadeira, encontra ainda confirmação no facto de D. João lI (e no seu
tempo já os conhedmentos do interior de Africa eram mais perfeitos) ver num «Rei
dos Moses», vizinho do Mandimança, um vassalo ou vizinho do famoso Príncipe
Cristão (l:ª. III, XII).
Parece assim bastante mais lógico que o «índio»
que Diogo Gomes levou era um abexim. Mas o facto de D. Henrique
procurar na África o príncipe cristão com que contava para a guerra contra os
mouros não exclui por si só a ideia de que ele visava também a lndia verdadeira
e os mares do Oriente.
O problema é demasiado complexo, e por isso,
cingindo-nos apenas ao que aqui interessa, nos limitamos a estes ligeiros
apontamentos.
Diz Diogo Gomes queJacob ia com o encargo de
chegar a Alcuzet, onde aliás já antes havia estado com um cavaleiro
atravessando a terra de Jelofa (Império dos Jalofos) para demandar a
terra de Gela (Futa Djalon} e Tambucotu.
Jacob atingiu Alcuzet, trazendo de lá
presentes do senhor da terra para Diogo Gomes. Este também lá foi,
estabelecendo-se entre os portugueses e os indígenas relações pacíficas.
Não conseguimos identificar o local, mas depreende-se ficar próximo das margens do Gâmbia, talvez entre este e o
Casamansa. (142).
(142) Alcuzet deve ser Ali Cussete. O nome AIi, de origem árabe e usado por mandingas e fulas, presta-se, pelo aspirado que lhe dão,
àquele modo de escrever (António Carreira).
5 - O
NlUMIMANSA - Prosseguíndo na sua arrativa diz Diogo Gomes:
«E aí soube
eu a verdade, que todo o dano
feito aos cristãos o fizera um certo rei, chamado Nomymansa, que possui a terra que jaz neste promontório.
Como qual muito trabalhei em fazer paz e mandei-lhe muitos presentes pelos seus
homens em almadias suas, que iam buscar sal ao seu paiz; o sol abunda ali e é
de côr vermelha.
E muito
receava dos cristãos por causa do dano que lhes fizera e as caravelas já nomeadas.
E fui pelo rio contra o oceano até ao pôrto que está cerca da foz do rio. E ele
mandou-me grande número de homens e mulheres para me experimentar se por acaso
eu lhes faria algum mal; o que eu fiz pelo contrârio recebendo-os com
afabilidade.
Depois que o rei
ouviu isto veio à margem do rio com grande poder e
ausentando-se na praia mandou que me aproximasse o que eu fiz com as minhas
cerimónias, do melhor modo que pude. Estava aí um certo Bispo da sua egreja que me interrogou a respeito do Deus dos crlstãos.
E eu respondi-lhe conforme a inteligência que Deus medeu. E por ultimo eu mesmo
o interroguei a respeito de Mafomete, no
qual êlles acreditam. As quais palavras agradaram àquele senhor rei, que tal
sorte que mandou ao Bispo que em três dias saísse do seu reino.
E
erguendo-se em pé disse que sob pena de morte ninguem
mais ousasse nomear Mafomete, porque
só cria no Deus vivo e uno, e que não acreditava que outro Deus existisse senão
aquele em que o Infante Henrique, seu irmão, dizia que acreditava, chamando ao senhor Infante seu irmão, desejando que eu o baptizasse,o que todos os senhores da sua casa e semelhantemente
as mulheres dele disseram tambem.
E o
proprio rei dizia que ele não tinha outro nome senão Henrique. E os senhores dele recebiam os nossos nomes, como Diogo,
Nuno, e outros nomes de cristãos.
E fiquei
aquela noite em terra com o rei e seus cortesãos, e não
ousava baptisá·los porque era leigo. No outro dia roguei para que o rei com os
doze cortesãos mais velhos e oito mulheres fõssem comigo à caravela comer, o
que todos fizeram sem armas. E dei-lhes galinhas e carnes preparadas ao nosso
uso e vinho branco e tinto quanto quiseram beber e êles diziam e repetiam que
nenhuma outra gente era melhor que a dos cristãos.
Depois,
porém, em terra quiz que eu o baptizasse. Respondi-lhe que não tinha poderes
para isso concedidos pelo sumo pontífice. Mas se êle assim desejava eu o diria
ao senhor Infante que lhe enviasse um sacerdote que os viesse baptizar.
E ele
quiz logo escrever ao senhor Infante para que lhe mandasse o sacerdote e um
fidalgo que o instruisse na fé, e que lhe mandasse um açor, ave de caça, porque se admirou quando lhe disse que os cristãos traziam
na mão
uma ave que apanhava as outras aves; e que lhe
mandasse mais dois carneiros e ovelhas
e patos, machos e femeas, e um porco; e além disso que lhe mandasse dois homens
que soubessem fazer casas e cercar a sua cidade
de taipa. O que tudo Ihe prometi que o senhor Infante tudo satisfaria. E quando
parti êle chorava com todos os seus por causa
da muita amizade que se firmára entre mim e ele
...............................................................
Depois da
chegada do senhor Infante, na armada com o rei Afonso, recordei ao senhor
Infante o que me dissera o rei Nomimansa
que lhe mandasse tudo o que ele pedira. O infante tudo fez e mandou para
ali o sacerdote parente consanguíneo do
cardeal, albade Sôto da Casa para que ficasse com
aquele rei e o instruísse na
fé. E com
êle foi um moço da camara chamado João
Delgado, e isto foi no ano de 1458».
Diogo Gomes completava assim no Gâmbia a sua
vastíssima acção, trazendo para a nossa amizade o terrível Niumimansa, que
tanto estrago fizera nas expedições de Nuno Tristão e Estêvão Cardoso.
A sua descrição fornece-nos um quadro típico de
acção civilizadora dos portugueses na Guiné. Lá não falta o velho conflito
religioso com os mussulmanos, exemplificado na discussão do navegador com um bixerime na conversão do
régulo; a norma das relações pacíficas como gentio, tratando-o com humanidade e
generosidade; e um esforço de educação civilizadora, pelo envio de sacerdotes, técnicos construtores e animais doméstioos.
O regresso. O Bezeguiche
Saída a barra do Gâmbia, Diogo Gomes enviou à
frente uma caravela, encarregada de demandar directamente Portugal, se os ventos fossem
favoráveis. Ele foi pelo Cabo Verde, acompanhado de outro navio. Ai o navegador encontrou de
surpresa o Bezeguichi, maldoso senhor que anteriormente havia maltratado
os Portugueses. Fingindo ignorar a sua identidade fez com que ele subisse a
bordo, cumulou-o de comidas, bebidas e presentes, e deu-lhe uma lição de moral:
«...disse-lhe,
como se não soubesse que o senhor dêles
estava ali, para o experimentar: esta terra é de Beseguichi? E êle mesmo disse:
assim é.
E eu
disse-lhe: Porque é êle tão mau para os cristãos? Era melhor para ele fazer
pazes com os cristãos, e que uns e outros
trocassem suas mercadorias, e teria
cavalos, etc.; como faz Burbruck e
Budumele outros senhores dos
negros. E digam-lhe lá que eu vos tomei neste mar, e que por mor delevos deixo
ir livres para terra.
Ficaram
muito contentes, e disse-lhes que entrassem nas suas almadias; e entraram. E depois de todos estarem
nas suas almadias disse então ao senhor: Beseguichi,
Beseguichi, não julgues que te não coheci; certamente eu poderia fazer
de ti o que quizesse. E visto que te fiz bem, tu agora faz eso mesmo aos
cristãos. E assim cada um de nós seguiu o seu caminho».
Mais uma vez se revela a inconfundível
característica da acção de Diogo Gomes, preocupado em por toda a parte assentar
a paz entre portugueses e indígenas. O navegador apresenta-se assim como
um dos mais inteligentes e activos capitães henriquinos, e a orientação
pacífica e civilizadora do Infante só não salta aos olhos de quem a não quiser
ver.
H- CONCLUSOES FINAIS
Ao finalisar este estudo, tentativa para uma
mais perfeita interpretaçãodas viagens do último período henriquino, cremos que
alguma coisa se avançou no seu conhecimento e que algumas conclusões seguras e
fundamentadas se puderam tirar.
Para isso nos socorremos de um processo, que,
não sendo novo, tem geralmente sido muito pouco utilisado pelos investigadores:
o estudo e conhecimento prévio da geografia e etnografia, e correlativamente da
toponímia e antroponímia, das regiões onde se desenrolaram os acontecimentos a
analisar. É nossa convicção
arreigada de que só este processo permitirá avançar algurna coisa nos
intrincados meandros da História dos Descobrimentos, e que só assim se corrigirão
muitíssimos erros grosseiros que hoje correm comummente.
Em virtude da extensão que este trabalho tomou
- e que foi muito além do que inicialmente poderíamos supor - impõe-se resumir
o que ficou apurado. É o que se passa a fazer.
1)-Em 1446, Nuno Tristão, na viagem em que
encontrou a morte, não chegou a atingir os territórios que hoje constituem a
Guiné Portuguesa. O ataque de que foi vítima deu-se no Niumi, região entre o
Gâmbia e o Jumbas, tudo levando a crer ter tido lugar num dos braços do estuário
Salum-Jumbas, mais provàvelmente no que é hoje denominadoJ umbas (Rio de Lago).
O rio Nuno actual nada tem que ver corn este navegador; o rio de Nuno Tristão
inicial deve ter sido o que depois foi denominado Rio dos Barbacins (actual
Salum).
Nuno Tristão foi, porém, indubitàvelmente o
primeiro a estabelecer contacto com um dos agrupamentos étnicos que têm assento
no presente domínio português. Era o primeiro choque com os mandingas do Baixo Gâmbia,
que mantinham estreitas relações com outros núcleos populacionais afins
instalados em regiões geogràficarnente localizadas dentro das fronteiras
portuguesas de hoje.
O infeliz navegador descobria assim o então
mais poderoso povo da Guiné e do Sudão. O Império Mandinga tinha ainda nessa
altura em seu poder as regiões auríferas do Bambouk e do Bouré. O achado
revestia-se por isso de um especial significado - Portugal entrava em contacto
directo com os detcntores do ouro. Havia milhares de anos que o precioso metal
se esgotava para a Europa através das caravanas do Saará e por meio de numerosos
agentes. O mar tomaria agora o lugar das vastidões arenosas do deserto, e o
europeu, libertando-se, dispensaria o intermediário mussulmano. A barreira que este estendera ao
longo de todo o sul da Europa era assim
contornada, e o rendoso comercio deixaria de ser seu exclusivo.
2) - Em 1446 ainda, Álvaro Fernandes passava
além de Nuno Tristão. É difícil saber onde chegou, mas de modo algum se pode
afirmar que tivesse estado nas proximidades da Serra Leoa. Parece aceitável
supor que atingisse a enseada de Varela, nas imediações do Cabo Roxo, ponto limite
setentrional do domínio português, depois de ter descoberto o rio Casamansa.
Álvaro Fernandes deve ter ainda encontrado outro novo agrupamento tribual boje
parcialmente incluído em território nacional - osFelupes.
3) - Em 1446 também, uma frota de oito
caravelas, em que iam Estêvão Afonso, Fernão Vilarinho, Lourenço Dias, Lourenço
de Elvas e João Bernaldez, passou um pouco além do local onde Nuno Tristão fora
atacado, chegando ao rio Gâmbia, na barra do qual encalhou um dos navios.
Alguns homens desembarcaram em terra, travando-se luta com os indígenas, que
deviam ser ainda do mesmo agrupamento que os que mataram Nuno Tristão. Era o
primeiro desembarque no Niumi e o segundo contacto com os Niuminkas. Tratava-se
da primeira acção portuguesa no Rio Gâmbia.
4) - Em 1447 Valarte e Fernando Afonso foram à
Guiné com o objectivo de assentar as pazes com um dos chefes indígenas das
imediaçõesde Cabo Verde. Ficaram assim um pouco aquém dos lugares atingidos
pelas expedicões de 1446, estabelecendo muito provavelmente
contacto com indígenas do Bor-Ba-Sine ou do Bor-Salum, jalofos, sereres ou
barbacins. O objeclivo da expedição não foi, porém, conseguido, tendo ficado em
terra, mortos ou cativos, Valarte e alguns portugueses.
5) - Segue-se um período confuso, de que só nos
resta documentação insuficiente. Iniciou-se ou acentuou-se então o critério de
procurar estabelecer relações pacíficas com os indígenas,
evitando todas as acções hostis. Nota-se ainda o incremento da preocupação
comercial.
Contràriamente ao que se tem afirmado, esta
nova orientação nasceu mais das condições em que se haviam dado até aí os
contactos com os indígenas para sul do Cabo Verde, do que própriamente de uma
oposição de critérios personificada nos infantes D. Pedro e D. Henrique. As
expediçõesde 1446 e 1447 à Terra dos Negros, e já mesmo as anteriores de
1444 e 1445, foram verdadeiros desastres no ponto de vista político e
comercial, além de terem custado numerosas vidas. Os indígenas mostravam-se
aguerridos e dispunham de uma arma que provocara surpresa e lançara o receio
entre as tripulações dos
navios - as flechas envenenadas. A nova orientação era assim um imperativo
evidente, e não é necessário procurá-la em antagonismos de dirigentes, que
aliás outros factos contrariam.
Entre 1448 e 1456 parecem ter-se realisado
numerosas viagens de que apenas ficaram escassos vestígios. É natural que
algumas delas tivessem ultrapassado o local onde em 1446 chegou Álvaro
Fernandes.
6) - Em 1456 esteve na Guiné pela segunda vez o
veneziano Cadamosto, cujos méritos são mais de esperto traficante e hábil
narrador e observador, do que de navegador e descobridor. É ele o primeiro a
descrever as regiões entre o Gâmbia e o Geba, mas carece de fundamento a
afirmação corrente de ter sido o primeiro a chegar a este rio e ao arquipélago
dos Bijagós. No Gámbia percorreu 90 quilómetros para montante da barra, mas no
Geba não passou da foz, se é que lá esteve, pois há razões para disso ter uma
certa dúvida.
Ele não fala da viagem de Diogo Gomes no mesmo
ano - o que aliás este também faz em relação ao veneziano. E o facto de
este ter tratado pacificamentc com o Niumimansa e com o Batimansa leva a crer que
esteve no Gâmbia após Diogo Gomes, que parece ter sido o primeiro a assentar as
pazes com tais chefes.
7) - Em 1456 Diogo Gomes esteve no Gâmbia e no
Geba, muito provàvelmente antes de Cadamosto, pelas razões já apontadas.
A sua viagem foi incontestàvehnenté uma das
mais notáveis do período henriquino, e o navegador - que tem sido alvo de
muitas críticas injustas e mal fundadas - tem evidente direito a ser incluído
entre os maiores do seu tempo.
A expedição que ele comandou levava importantes
objectivos, que têm passado despercebidos dos historiadores. A
forma como a viagem decorreu e a ida a bordo do abexim Jacob provam
iniludivelmente que um deles era a demanda do Prestes João, considerado
africano e vizinho do Mandimansa.
Diogo Gomes não se preocupou em descobrir
maiores extensões de costa. Ele foi directo ao Rio Grande, o mais largo rio
encontrado até aí, subindo-o pràticamente até ao limite navegável. O
macaréu e a escassez de altura de âgua dai para cima impediram-no de
prosseguir. Foi o primeiro a observar o fenómeno, tendo passado 150 quilómetros
para cima do local onde Cadamosto, no mesmo ano, afirma ter chegado. Atravessou
assim toda a massa dos povos atrazados do litoral e chegou à região dos mandingas
e beafadas, islamisados .e mais civilizados.
Depois disto foi directo ao Gâmbia, o mais
largo rio, a seguir ao Rio Grande, até aí descoberto, e navegou por ele
acima pràlicamcnte até onde os navios podem ir, pois chegou à região de
Cantôrá, onde ficamo s rápidos de Barracunda; a 400 quilómetros da foz.
Verifica-se assim a existência de um objectivo
definido e suficientemente claro: a penetração fluvial, até aos mais remotos
pontos navegáveis através dos rios mais largos até aí descobertos, e que por
isso se julgariam os mais extensamente navegáveis. E a ida do abexim Jacob, «para
que se
chegássemos à índia nos servisse de língua», revela que um dos objectivos dessa
penetração era o Prestes João. Iam começar os preparativos para a
conquista de Alcácer, e o achado do misterioso príncipe cristão talvez se
revelasse de grande utilidade numa possível ajuda contra os mussulmanos.
Mas este objctivo político-militar não era o
único. Todo o relato de Diogo Gomes está imbuído da preocupação pacífica. E
neste aspecto a sua viagem constituíu um sucesso completo. No Rio Grande travou
logo relações amistosas com os mandingas e beafadas de Coli. No Gâmbia
estabeleceu as pazes com nurmerosos chefes das duas margens até à região onde
chegou. A lista compõe-se dos régulos Faran Cassique (provavelmente do Combo) e
dos de Iani, Uli, Cantôrá, Bati, Alcuzet e Niumi (este último até aí inimigo
aguerrido dos portugueses). No Cabo Verde submeteu o Bezegiche, outro inimigo
tradicional, por um método humano e generoso.
Diogo Gomes completou ainda a sua acção
colhendo valiosos informes de carácter comercial. Por toda a parte procurou
inquirir e conhecer os produtos da região, em Coli e no Gâmbia. Mas foi sobretudo o ouro, o precioso metal
que D. Henrique tanto procurava, que prendeu mais as suas atenções. Ainda
neste ponto a sua viagem era um sucesso, pois ele atingira o importante mercado
aurífero de Cãntorá, onde obteve minuciosos conhecimentos da mecânica
geográfico-comercial que espalhava o ouro do interior por vastas regiões.
Cãntorá seria daí em diante, com Arguim, e mais
tarde a Mina, um dos centros fundamentais para os
portugueses no tráfego do ouro.
Diogo Gomes merece, por todas eslas razôes, ser
apontado como um dos mais inteligentes e activos obreiros do Infante D. Henrique
e como um dos maiores navegadores e exploradores da sua época. É de toda a
justiça que ele e João Fernandes sejam considerados os dois primeiros pioneiros
da exploração dos sertões Oeste-Africanos a partir da costa.
Avelino
Teixeira da Mota, 2º Tenente, in “A
descoberta da Guiné", Boletim
cultural da Guiné Portuguesa, Vol. 1 (1),p. 11-68, (2),
p. 273-326; (3), p. 457-509.
Sem comentários:
Enviar um comentário